17 junho 2025

Marta Pereira da Costa com Iván Melón Lewis: "Sem Palavras"


(in https://www.e-cultura.pt/)


«Por vezes imagino que não morrerei sem realizar e apresentar na rádio um programa de prosas leves e música exclusivamente instrumental. Mas a música instrumental é um corpo estranho na rádio, ignorada quase sempre, usada como alcatifa para nela palavras tantas vezes de circunstância limparem os pés. Pode ser que, entretanto, morra um instrumentista ou calhe uma data redonda sobre o nascimento de outro, ou que um virtuoso nosso ganhe fora de portas um prémio de gabarito, nesse caso ouviremos todo o santo dia o seu movimento perpétuo, mas isso não nos levará a mudar de vida.
Vem isto a propósito de um novo festival anunciado para o início de Julho na Póvoa de Lanhoso e exclusivamente dedicado à música instrumental. O cartaz tem nomes irrecusáveis? Se tem. Tem Tó Trips, tem Manuel de Oliveira (o formidável guitarrista de Guimarães que, desde os dias longínquos da banda Mediterrâneo, pisou os grandes palcos do mundo e ainda recentemente nos deu "Entre-Lugar", uma pérola em parceria com a violoncelista Sandra Martins e com o acordeonista João Frade), tem Marta Pereira da Costa, grupos locais de percussão, instrumentos da terra, vontade de conversa no palco comunitário. O festival não cobra entradas e afirma-se como um lugar privilegiado para o encontro entre compositores e instrumentistas consagrados e outros acabados de chegar, numa homenagem à música instrumental que se faz entre portas. Haverá concertos nas ruas e nas praças da vila, foi declarada a intenção de envolver a comunidade, eis uma mancheia de razões para daqui fazer vénia ao autarca Frederico Castro, apesar de ele ter usado, a propósito do festival, a palavra "disruptiva" que nestes pobres dias serve de calçadeira a torto e a direito, embora haja quem aprecie.
Diz-se com frequência, a propósito de uma qualquer iniciativa, de uma promessa de campanha, de uma declaração política ambiciosa, que se trata de algo meramente instrumental, visando uma dada estratégia ainda oculta. O que deve ser realçado sobre este festival de música instrumental é o facto de ele não ser instrumental, mas um fim em si mesmo, o da celebração dos instrumentos e dos instrumentistas. Eis uma razão maior para visitar Póvoa de Lanhoso, nos primeiros dias de Julho. Sendo razão maior não é a única. Por um lado, coincide com a instalação, lá na Póvoa de Lanhoso, de um pólo de formação na área da filigrana. E acresce o bacalhau do Victor, na rua do Laranjal, e o mais antigo carvalho alvarinho da Península Ibérica, o formidável carvalho de Calvos, cujo porte talvez inspire Tó Trips, como se reunisse os Fake Latinos na Rua Escura e, brilhasse um sol doido sobre quem estivesse por perto, como se Júlio Pereira voltasse a Escrever o Sol, agora já no tal programa que talvez anteceda a minha morte, ou António Pinho Vargas reiniciasse a Dança dos Pássaros, ou nos sentássemos na Pedra do Sol das Danças Ocultas ou uma luz sublime incidisse sobre as mãos de Bernardo Sassetti compondo e tocando para Alice, o filme de Marco Martins.
Caramba, fiquei mesmo contente.» [Fernando Alves, "Instrumental", in "Os Dias que Correm", 17 Jun. 2025]


Ao indicar os nomes de tantos e categorizados artistas e grupos cujo labor se inscreve no domínio da música instrumental, e ao dar-se, inclusive, ao cuidado de acrescentar os títulos de algumas peças por eles gravadas, Fernando Alves estava, tacitamente, a convidar quem estivesse hoje na condução do programa da manhã da Antena 1, no caso Ricardo Soares, a rematar a crónica com um espécime instrumental das respectivas discografias. Porém, o destinatário desse implícito convite, fiel à sua condenável conduta negligente e preguiçosa, fez de conta que nada era com ele, mas não se coibiu de tecer um comentário espúrio e ridículo ainda antes de Fernando Alves chegar ao fim: «e há muitos mais». Pois é: há mas é como se não houvesse, ignorados ou impiedosamente marginalizados que são pela rádio que tem a obrigação (legal) de acarinhá-los e de dar-lhes confortável guarida!
Focando-nos nos artistas que vão actuar no festival de música instrumental de Póvoa de Lanhoso, que foi o móbil da crónica de hoje, tomamos a liberdade de relevar Marta Pereira da Costa, a segunda mulher a enveredar pela execução profissional de guitarra portuguesa (a primeira foi Luísa Amaro), dando realce à sua peça "Sem Palavras" integrante do álbum homónimo publicado em Maio do ano transacto. Trata-se de um trecho muitíssimo belo em que Marta Pereira da Costa faz dialogar, de modo assaz cativante, a sua guitarra com o piano de Iván Melón Lewis, músico cubano com quem partilhou, aliás, a interpretação de todo o alinhamento do disco. Boa escuta!



Sem Palavras



Música: Marta Pereira da Costa
Intérpretes: Marta Pereira da Costa* com Iván Melón Lewis (in LP/CD "Sem Palavras", Marta Pereira da Costa, 2024)




(instrumental)


* Marta Pereira da Costa – guitarra portuguesa
Iván Melón Lewis – piano

Produção – Marta Pereira da Costa
Gravação, misturas e masterização – Javier Monteverde, nos Estudios Cezanne, Madrid
Texto sobre o disco em: Público
URL: https://www.martapereiradacosta.com/
https://www.facebook.com/martapereiradacosta/
https://www.instagram.com/martapereiradacosta/
https://www.museudofado.pt/index.php/fado/personalidade/marta-pereira-da-costa
https://soundcloud.com/martapereiradacosta
https://www.youtube.com/user/martacosta82/videos
https://music.youtube.com/channel/UC8v-2wD08RjeOh6iLTC8RtA



Capa do LP/CD "Sem Palavras", de Marta Pereira da Costa (2024)
Fotografia – Marta Rita
Design – Dentsu Creative

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Teresa Rita Lopes: "Casa de Cacela"

16 junho 2025

Teresa Rita Lopes: "Casa de Cacela"


Teresa Rita Lopes fotografada por João Girão, 2016.
(in https://sol.sapo.pt/)


«O jornal espanhol "Público" contava este fim-de-semana a história de Kevin Mochales, um rapaz franzino, estudante de filosofia na Universidade Autónoma de Madrid e jovem escritor por conta própria.
Kevin levou de casa uma cadeira desdobrável e improvisou uma banca rudimentar junto ao bloco 20A da Feira do Livro de Madrid.
Num cartaz virado a quem passava escreveu em maiúsculas: "Humilde escritor tenta publicar o seu primeiro livro".
Ele conta que, se não vender 150 exemplares até ao último dia da Feira do Livro, a editora "queimará" o seu poemário. Mas se conseguir esgotar essa primeira tiragem de prova, a editora assinará com ele um contrato que prevê a publicação de mil exemplares. A alternativa é a guilhotina.
Até ao momento em que o repórter o interpelou tinha vendido 70 exemplares. Não ensaiara qualquer estratégia de abordagem aos que passam. Está sentado. Se se aproximam, se lhe sorriem, ele sorri. Aproximam-se e falam. "O livro vende-se sozinho", acredita ele.
Tem os livros num saco, só os tira quando o abordam. Agora, o jovem autor de "Diário de um Deus muito humano" está a ser abordado por um segurança que o convida a desmontar a banca. Um segurança pouco humano, mais poderoso que um deus menor.
O jovem autor de "Diário de um Deus muito humano", fala da sua ópera prima, no sentido de primeira obra, artesanal. E se dentro do saco ele tiver mesmo uma obra-prima?
Afastado por um segurança, ele observa: "Não lhes faço concorrência. Sou eu e um cartel". O autor de "Diário de um Deus muito humano" desmonta a tenda sob a ameaça de um segurança pouco humano.
Um poeta maior, cuja obra nos foi longínqua durante muito tempo, um vasto desconhecido, deixou uns versos sobre o tema: "Falaram-me os homens em humanidade, / mas eu nunca vi homens nem vi humanidade. / Vi vários homens assombrosamente diferentes entre si. / Cada um separado do outro por um espaço sem homens.".
A mulher que garantiu a edição crítica desses versos e impediu que o espólio do poeta, um tal Pessoa, daqui fosse levado e lutou para que a fabulosa arca ficasse em posse do Estado Português, morreu este fim-de-semana, enquanto um humilde escritor tentava salvar da guilhotina o seu primeiro livro. Não nos esqueçamos dela, Teresa Rita Lopes. Já o jovem Kevin, se o desumano segurança não se lhe atravessar de novo num recanto discreto da feira do livro de Madrid, tem muito caminho pela frente.» [Fernando Alves, "Humilde escritor tenta", in "Os Dias que Correm", 16 Jun. 2025]


Teresa Rita Lopes, a quem Portugal deve estar desmedidamente grato por ter diligenciado para que o espólio de Fernando Pessoa não fosse vendido para o estrangeiro [vide declarações da própria abaixo transcritas] e se afirmou a mais distinta estudiosa pessoana, foi também poetisa. Ora, o epílogo à crónica de Fernando Alves, quando foi emitida hoje de manhã pela Antena 1, podia muito bem ter sido um poema da autora de "Cicatriz", idealmente dito pela própria. É de crer que existam registos no arquivo histórico da rádio pública. Em disco, é certo que os há em, pelo menos, duas edições: no CD "E a Fala se Fez Canto" (IELT - Instituto de Estudos de Literatura Tradicional, 2005) gravado em parceria com o compositor e intérprete Rui Moura, e na compilação colectiva "A Voz dos Poetas" (Sociedade Portuguesa de Autores/Ovação, 2017). Resgatámos do primeiro álbum o poema "Casa de Cacela", em singela homenagem a Teresa Rita Lopes e também a pensar nos ouvintes da Antena 1 que foram, uma vez mais, torpemente desconsiderados pela rádio que pagam. Boa escuta!



Casa de Cacela



Poema: Teresa Rita Lopes
Música: Rui Moura
Intérpretes: Rui Moura & Teresa Rita Lopes* (in CD "E a Fala se Fez Canto", IELT - Instituto de Estudos de Literatura Tradicional, 2005)


[instrumental]

Sentada no chão quente
Pus um colar de cheiros ao pescoço
Melão maduro
Uva a fermentar
Entranhada nas tábuas dos caixotes
Figos a cair maduros das figueiras
Revendo docemente
Leite das folhas arrancadas
Pôr no dedo uma argola
De sol mágico regresso
Mas não a essa infância
De que fugi correndo
Escondendo a cara com o braço
Figos a cair maduros das figueiras
O galo da avó
Atirava-se aos olhos dos passantes
De quê de quem de quê de quem
De quê me sinto regressar?

Sentada no chão quente
Pus um colar de cheiros ao pescoço
Melão maduro
Uva a fermentar
Entranhada nas tábuas dos caixotes
Figos a cair maduros das figueiras
Revendo docemente
Leite das folhas arrancadas


De quê de quem de quê de quem
De quem me sinto regressar?
A esta terra sim
Decerto mas foi antes
Das casas e das pessoas
Que ela me deu de mamar
Figos a cair maduros das figueiras
O galo da avó
Atirava-se aos olhos dos passantes

Seus sovacos
Seu púbis
Rescendem a uvas pretas
Seus sucos
Leite branco de figos lampos
Na cesta de cana
Sento-me nos ladrilhos frescos do chão
Respiro o fresco da cal
Abro a porta:
Cai-me nos braços o bafo de um Verão
violento
Empurro-o para fora
Fecho a porta
Saboreio
Sorrindo na sombra
A sua ausência


De quê de quem de quê de quem
De quê me sinto regressar?
De quê de quem de quê de quem
De quem me sinto regressar?
De quê de quem de quê de quem
De quê de quem me sinto regressar?
De quê de quem de quê de quem
De quê de quem me sinto regressar?


* Rui Moura – voz (cantada)
Teresa Rita Lopes – voz (dita)

Arranjos – Rui Moura
Gravado nos Estúdios Fábrica da Música, Gafanha da Nazaré, Ílhavo, em Novembro de 2005
Produção, misturas e masterização – José Miguel
URL: http://livro.dglab.gov.pt/sites/DGLB/Portugues/autores/Paginas/PesquisaAutores1.aspx?AutorId=10205



Capa do CD "E a Fala se Fez Canto", de Teresa Rita Lopes & Rui Moura (IELT - Instituto de Estudos de Literatura Tradicional, 2005)
Concepção – Rui Moura


«Eu descobri Pessoa e Florbela Espanca ao mesmo tempo. Gostei logo do Álvaro de Campos e ainda hoje é aquele de que mais gosto. O Álvaro de Campos e a Florbela andavam sempre na minha pasta. Estou convencida de que a Florbela teve muita influência no Álvaro de Campos. Por isso é que ele é relativamente desbocado e desinibido: Pessoa era extraordinariamente inibido. Não me lembro qual foi o primeiro poema que conheci dele, mas li todo o Álvaro de Campos, da Ática, que é apenas um terço do Álvaro de Campos. Mas ainda assim, foi o suficiente para eu ficar completamente rendida.
Quando decidi fazer a minha tese de doutoramento sobre o Fernando Pessoa, o meu "patron", René Étiemble, "papa" das literaturas comparadas, disse-me: "Olhe eu não conheço o seu autor mas vou aprender consigo". [...]
Só em 1969 fui a casa da irmã do poeta, Henriqueta Madalena, detentora do baú, que vivia na Avenida da República, em Lisboa. Meses antes tinha ido à biblioteca da Gulbenkian em Paris, e o seu director, o professor Veríssimo Serrão, disse-me que o espólio de Pessoa ia ser vendido para a Inglaterra. Fiquei em pânico! Era nessa altura ministro da Educação de Salazar, o professor José Hermano Saraiva, irmão do meu companheiro, António José Saraiva. Falei imediatamente com ele que expôs o assunto ao irmão. O Hermano Saraiva mandou imediatamente arrolar o espólio, impedindo-o assim de sair do país. Ordenou ainda que uma equipa de bibliotecárias fosse para casa da irmã do Pessoa fazer a catalogação do material e um breve resumo de cada um dos papéis do poeta.
Comprei uma máquina de fotocopiar enorme, e lá fui para casa da mana do poeta. Fotocopiei o mais que pude com o argumento de que era para a minha tese que concluí com o título "Fernando Pessoa e o Drama Simbolista". Estive lá durante muito tempo, fiz uma excelente relação de amizade com a irmã do Pessoa, e foi aí que eu me dei conta de que os livros que nós conhecíamos, editados pela Ática, eram muito incompletos, e senti que tinha absolutamente de fazer novas edições.
No ano do centenário do nascimento de Álvaro de Campos, 1990, eu quis mostrar, em dois grandes volumes, que as pessoas ainda não conheciam o Pessoa.»

                       TERESA RITA LOPES
                       (excertos da entrevista concedida
                       a Ramiro Santos para o caderno
                       "Cultura Sul", do jornal "Postal
                       do Algarve", 7 Nov. 2020)



Capa do livro "Pessoa por Conhecer: I - Roteiro para uma Expedição", org. Teresa Rita Lopes, colab. Manuela Parreira da Silva (Lisboa: Editorial Estampa, 1990)
Fotografia – Ana Esquível



Capa do livro "Pessoa por Conhecer: II - Textos para um Novo Mapa", org. Teresa Rita Lopes, colab. Manuela Parreira da Silva (Lisboa: Editorial Estampa, 1990)
Fotografia – Ana Esquível



Capa do livro "Álvaro de Campos: Vida e Obras do Engenheiro", Introdução, organização, transcrição e notas de Teresa Rita Lopes (Lisboa: Editorial Estampa, 1990)



Capa do livro "Pessoa Inédito", Coord. e pref. Teresa Rita Lopes (Lisboa: Livros Horizonte, 1993)



Capa do livro "Álvaro de Campos: Livro de Versos", Edição crítica. Introdução, transcrição, organização e notas de Teresa Rita Lopes; colaboração de Manuela Parreira da Silva e de Luísa Medeiros (Lisboa: Editorial Estampa, 1993)



Capa da 3.ª edição do livro anterior (Lisboa: Editorial Estampa, 1997)



Capa do livro "Fernando Pessoa: Livro(s) do Desassossego", Org. Teresa Rita Lopes (São Paulo: Global Editora, 2015)



Capa do livro "Fernando Pessoa: Vida e Obras de Alberto Caeiro", Org. Teresa Rita Lopes (São Paulo: Global Editora, 2017)



Capa do livro "Fernando Pessoa: Vida e Obras de Ricardo Reis", Org. Teresa Rita Lopes (São Paulo: Global Editora, 2018)



Capa da do livro "Fernando Pessoa: Vida e Obras do Engenheiro Álvaro de Campos", Org. Teresa Rita Lopes (São Paulo: Global Editora, 2019)



Capa do livro "Fernando Pessoa: Poesia Autónima, Vol. I", Org. Teresa Rita Lopes (São Paulo: Global Editora, 2021)

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Mísia: "Sou de Vidro" (Lídia Jorge)

11 junho 2025

Mísia: "Sou de Vidro" (Lídia Jorge)


(in https://www.barlavento.pt/)
Lídia Jorge discursando em Lagos na cerimónia oficial do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas, 10 Jun. 2025


«O ominoso atrevimento que vem do medo e da ignorância espalha no submundo digital a execração de uma mulher sábia e livre que ontem subiu à tribuna para nos lembrar que, tal como nos dias testemunhados pelo nosso poeta maior, figuras enlouquecidas podem atingir o poder.
Muitas dessas vozes, acolchoadas no medo do que, por atavismo ou negligência, não entendem ou, por iniquidade, recusam entender, jamais sentiram o apelo de uma só das 1102 oitavas que compõem "Os Lusíadas". A mulher livre e digna que ontem subiu à tribuna, numa cidade rente ao mar, lembrou-nos que 22 dessas oitavas contêm "avisos explícitos" sobre a crise que se vivia no tempo do poeta, um tempo de transição, tal como este nosso de agora. O fim de um ciclo.
Maravilhamo-nos com as redondilhas daquele que morreu sem sequer um lençol cobrindo o seu corpo exaurido. Já não poderá a mão veemente de um qualquer frei José Índio, testemunha dessa ignomínia, ontem citado pela escritora, tapar de vergonhas o atrevimento que vergonha não tem de alarvemente revelar suas misérias.
É esse um sinal perturbador destes dias: a ignorância engrossa a voz e cerra os punhos; perdeu o ignorante a vergonha da ignorância, antes a exibe em voz alta, em arruaça, em demonstração de despeito.
E, todavia, eis-nos diante da inteireza complexa dos factos, a mais funda identidade na palma da mão, de tanta mistura feita, de tanta redondilha, de tanta variedade, em boa verdade. O que faz de nós "descendentes do escravo e do senhor que o escravizou".
Nestes dias em que, como ontem lembrou uma mulher sábia, digna e livre, nos deslocamos "à velocidade dos meteoros", cercados de "fios invisíveis", sentimos o bafo de um "poder demente, aliado ao triunfalismo tecnológico".
E a cidade, como reage, nos seus rossios, depois de tantas índias e de tantas áfricas, de tantas redondilhas? Escutai o que diz a mulher: "Os cidadãos são apenas público, que assiste a espectáculos em ecrãs de bolso. Por alguma razão, os cidadãos hoje regrediram à subtil designação de seguidores. E os seus ídolos são fantasmas".
Assim ligados por fios invisíveis mais do que pelas vozes do outro que somos e calamos em nós, cada dia mais seguidores e menos cidadãos, que lugar, pergunta a mulher na cidade da mais bela estátua portuguesa, que lugar ocuparemos adiante, como seres humanos? Ela pergunta: "O que passará a ser um humano?".
Essa é, por certo, a pergunta central deste tempo de tantas sombras. Essa pergunta pede que cortemos os fios invisíveis e procuremos os versos daquele que, como ela disse, "nasceu e nunca mais morreu". Ao menos as vinte e duas oitavas.
Obrigado, Lídia Jorge.» [Fernando Alves, "As vinte e duas oitavas", in "Os Dias que Correm", 11 Jun. 2025]


Outra crónica de se tirar o chapéu ao seu autor, Fernando Alves. E justíssima para com a pessoa que a motivou: a escritora e cidadã Lídia Jorge que ontem proferiu em Lagos aquele que é, muito provavelmente, o discurso mais fascinante alguma vez lido em cerimónias oficiais do Dia de Portugal. O escrevente destas linhas, apesar de não ser de veterana idade, já ouviu, geralmente via rádio (por ser meio de comunicação social que melhor serve a palavra dita), muitos discursos dos 10 de Junho, mas não tem memória de nenhum tão bom e inteligível pelo cidadão comum quanto o de Lídia Jorge: profundo sem ser críptico, claro sem ser banal, belo sem ser floreado, lúcido sem ser desesperançado, interpelante sem ser acintoso, cativante sem ser melífluo, humanista sem ser romântico, eloquente sem ser gongórico... Trata-se de um discurso absolutamente admirável, que vale muito a pena revisitar na íntegra [>> Apple Podcasts / >> texto] e que devia ser incluído, obrigatoriamente, no programa lectivo da disciplina de Educação para a Cidadania. O escrevente destas linhas considera-se afortunado por ter como língua materna a de Camões e ontem sentiu-se inusitadamente orgulhoso de tal condição porque lhe permitiu apreender com toda a objectividade e plenitude a mensagem em português de lei que Lídia Jorge lhe transmitiu. E redobradamente ufano (mas sem jactância) se sente por saber que muitos dos seus compatriotas, alguns dos quais nunca leram uma linha escrita por Lídia Jorge, também ficaram enlevados/elevados com o que ouviram ontem da sua boca. Oxalá nunca deixem de agir em conformidade!
Mais conhecida como ficcionista (romancista e contista), Lídia Jorge [resenha biográfica e bibliografia >> DGLAB] já mostrou ser também uma notável cronista e poetisa, designadamente com a interessantíssima série de crónicas "Em Todos os Sentidos", que leu aos microfones da Antena 2, à cadência de uma por semana durante o ano de 2019 [>> RTP-Play], e que veio a reunir em livro publicado no mês de Junho seguinte [vide capa ao fundo], e com o volume de poesia "O Livro das Tréguas", editado em Maio de 2019, com chancela das Publicações Dom Quixote (a casa editora de praticamente toda a sua bibliografia). Antes, nos anos 1990, já a autora havia correspondido ao pedido da fadista Mísia a fim de lhe escrever poemas para melodias do fado tradicional. Foi o caso, por exemplo, do que tem por título "Sou de Vidro", que Mísia gravou com a música do Fado Santa Luzia, da autoria de Armando Machado, para o álbum "Garras dos Sentidos" (Erato, 1998). Um poema de tocante beleza e sensibilidade, que a primorosa interpretação de Mísia acentua, e que podia muito bem ter sido tomado para remate à crónica de Fernando Alves, quando a Antena 1 a difundiu hoje de manhã – em devido reconhecimento e valorização do magistral trabalho do categorizado colaborador e como sinal de gratidão à distinta escritora que ontem exerceu uma relevante acção cívica em prol dos Portugueses com um discurso marcante e verdadeiramente antológico.



Sou de Vidro



Poema: Lídia Jorge
Música: Armando Machado (Fado Santa Luzia)
Intérprete: Mísia* (in CD "Garras dos Sentidos", Erato, 1998; 2CD "Mísia": CD 2, WEA/Warner Music Spain, 2005)




[instrumental]

Meus amigos, sou de vidro,
Sou de vidro escurecido,
Encubro a luz que me habita;
Não por ser feia ou bonita,
Mas por ter assim nascido,
Sou de vidro escurecido;
Mas por ter assim nascido,
Não me atinjam, não me toquem!
Meus amigos, sou de vidro.

Sou de vidro escurecido,
Tenho um fumo por vestido
E um cinto de escuridão,
Mas trago a transparência
Envolvida no que digo;
Meus amigos, sou de vidro.
Por isso não me maltratem,
Não me quebrem, não me partam!
Sou de vidro escurecido.

Tenho um fumo por vestido,
Mas por ter assim nascido,
Não por ser feia ou bonita;
Envolvida no que digo,
Encubro a luz que me habita;
Meus amigos, sou de vidro.
Não por ser feia ou bonita,
Mas por ter assim nascido,
Tenho um fumo por vestido.

[instrumental]

Não me quebrem, não me partam!
Não me atinjam, não me toquem!
Meus amigos, sou de vidro.


* Mísia – voz
António Chainho – guitarra portuguesa
Carlos Manuel Proença – viola
José Marino de Freitas – viola baixo
Arranjo – António Chainho, Carlos Manuel Proença e José Marino de Freitas

Direcção musical – Ricardo J. Dias
Co-direcção – Mísia
Produtor executivo – Ricardo J. Dias
Gravado nos Estúdios Xangrilá, Lisboa, em Outubro de 1997
Técnico de som – Nuno Pimentel
Mistura – Ricardo J. Dias e Mísia (Studios Plus XXX, Paris)
Técnico de som – Emmanuel Pothier
Masterização – Yves Delaunay (Dyam Studios, Paris)
Texto sobre o disco em: Grandes discos da música portuguesa: efemérides em 2008
URL: https://www.misia-musik.com/
https://www.museudofado.pt/fado/personalidade/misia
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Capa do CD "Garras dos Sentidos", de Mísia (Erato, 1998)
Fotografia e concepção – C.B. Aragão



Capa da compilação em duplo CD "Mísia" (WEA/Warner Music Spain, 2005)



Capa d' "O Livro das Tréguas", de Lídia Jorge (Lisboa: Publicações Dom Quixote, Mai. 2019)
Poesia.



Capa do livro "Em Todos os Sentidos", de Lídia Jorge (Lisboa: Publicações Dom Quixote, Jun. 2020)
Crónicas.

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Outros artigos com repertório de Mísia:
Ser Poeta
Celebrando Natália Correia
Em memória de Vasco Graça Moura (1942-2014)
Celebrando Carlos Paredes
Mísia: "Garras dos Sentidos" (Agustina Bessa-Luís)
Mísia: "Da Vida Quero os Sinais" (Mário Cláudio)

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Galandum Galundaina: "Chin Glin Din"
"Sons d'Outrora" em viola da terra, por Miguel Pimentel
Vitorino: "Moças de Bencatel" (Conde de Monsaraz)
Teresa Silva Carvalho: "Barca Bela" (Almeida Garrett)
António Borges Coelho: "Sou Barco"
Celeste Rodrigues: "Chapéu Preto"
Sérgio Godinho: "Tem Ratos"
Ruy Belo: "E Tudo Era Possível", por Nicolau Santos
Jacques Brel: "J'Arrive"
A tristeza lusitana
Segréis de Lisboa: "Ay flores do verde pino" (D. Dinis)
Manuel D'Oliveira: "O Momento Azul"
Aldina Duarte: "Flor do Cardo" (João Monge)
José Mário Branco: "Inquietação"
Chico Buarque: "Bom Conselho"
Teresa Paula Brito: "Meu Aceso Lume - Meu Amor" (Maria Teresa Horta)
Adriano Correia de Oliveira: "Pensamento" (Manuel Alegre)
Fausto Bordalo Dias: "Comboio Malandro" (António Jacinto)
Grupo Coral "Os Ganhões de Castro Verde" com Luiz Avellar: "As Nuvens Que Andam no Ar"
Amélia Muge: "Ai, Flores"
Afonso Dias: "Os Amigos" (Camilo Castelo Branco)
Pedro Barroso: "Barca em Chão de Lama"
António Gedeão: "Poema do Coração"
Reinaldo Ferreira: "Quero um cavalo de várias cores"
Chico Buarque: "Construção"
João Afonso: "Tangerina dos Algarves"
Joan Manuel Serrat: "Cantares" (Antonio Machado e Joan Manuel Serrat)
Belaurora: "Lamento do Camponês" (Popular e Onésimo Teotónio Almeida)
Manuel Freire: "Fala do Velho do Restelo ao Astronauta" (José Saramago)
João Afonso: "O Som dos Sapatos"
Fernando Pessoa: "Tenho dó das estrelas"
Carlos Mendes: "Alcácer Que Vier" (Joaquim Pessoa)
Janita Salomé: "Cerejeira das cerejas pretas miúdas" (Carlos Mota de Oliveira)
Mário Moita: "Senhora Cegonha"
Políbio Gomes dos Santos: "Poema da Voz Que Escuta", por Maria Barroso
Pedro Barroso: "Nasce Afrodite, amor, nasce o teu corpo" (José Saramago)
Bugalhos: "Carvalho Grande"
Eugénio de Andrade: "As Mães"
Cana rachada d'Azambuja
Janita Salomé: "Na Palestina"
Natália Correia: "Queixa das Almas Jovens Censuradas"
José Afonso: "Ali Está o Rio"
Jorge Palma: "A Escola"
Alexandre O'Neill: "Periclitam os grilos", por Mário Viegas
Chico Buarque com Milton Nascimento: "Cálice"
Irene Lisboa: "Pequeno Poema Mental", por José Rodrigues Miguéis
João Afonso: "Lagarto" (José Eduardo Agualusa)
Carlos Garcia com Luís Represas: "Noite Perdida" (António Feijó)

10 junho 2025

Camões recitado e cantado (XI)


Luís de Camões, gravura por J.W. Cook, 1825, estampada no "The Universal Historical Dictionary", de George Crabb, 2.ª edição aumentada, Londres, 1833.


As duas efemérides respeitantes ao grande compositor Luiz de Freitas Branco que ocorrem no ano em curso (135.º aniversário do nascimento, a 12 de Outubro, e setentenário da morte, a 27 de Novembro) dão-nos o pretexto para apresentarmos, desde já, neste Dia de Camões, o primeiro dos três ciclos dos "Madrigais Camonianos", na interpretação pelo Coro Gulbenkian, dirigido pelo maestro Fernando Eldoro, que nos deixou recentemente e cuja memória devemos também honrar.
Este primeiro ciclo, para coro misto a cappella e que incide somente em sonetos (dez, no total), foi composto no período 1930-35 e revisto em 1943, mas a sua estreia pública integral teria de esperar até 28 de Maio de 1965, data em que foi cantado no Teatro Tivoli, em Lisboa, pelo Coro de Câmara Gulbenkian, sob a direcção da maestrina Olga Violante.
Na escolha dos registos recitados, para intercalar com os cantados, serviu-nos de critério outra efeméride recente: a do centenário do nascimento de Maria Barroso. São cinco os poemas na sua voz, todos respigados do CD "Amor É Fogo" (Série "Festa da Língua Portuguesa", Vol. III, Câmara Municipal de Sintra/Instituto Camões, 2001). Boa celebração camoniana!

E o que fez a rádio do Estado neste 10 de Junho em celebração do vulto maior da literatura (de língua) portuguesa?
Damos boa nota de Paulo Alves Guerra, que no programa da manhã da Antena 2, deu a ouvir várias peças musicais compostas sobre poesia camoniana ou nela inspiradas, mas nada mais temos a assinalar no canal cultural da estação pública de rádio durante as largas horas que se seguiram. E não era assim tão complicado nem trabalhoso fazer uma programação diferente da dos outros dias, ou seja, constituída apenas por obras de compositores portugueses, idealmente intercaladas com poemas camonianos recitados ou cantados.
Na Antena 1 registamos o cuidado que houve, desta vez, em privilegiar a produção nacional na 'playlist' que rodou ao longo do dia. O que merece a nossa crítica prende-se com a baixa qualidade poética e musical de muito do material que foi escolhido. No Dia de Camões, era de bom-tom que se desse primazia a canções assentes em boa poesia portuguesa, entremeadas – porque não? – com recitações de trechos poéticos camonianos.



Eu cantarei de amor tão docemente



Poema (soneto) de Luís de Camões (in "Rimas", org. Fernão Rodrigues Lobo Soropita, Lisboa, 1595; "Obras de Luís de Camões", Porto: Lello & Irmão Editores, 1970 – p. 4)
Recitado por Maria Barroso (in CD "Amor É Fogo: Poemas de Luís de Camões", Série "Festa da Língua Portuguesa", Vol. III, Câmara Municipal de Sintra/Instituto Camões, 2001)


Eu cantarei de amor tão docemente,
por uns termos em si tão concertados,
que dous mil acidentes namorados
faça sentir ao peito que não sente.

Farei que Amor a todos avivente,
pintando mil segredos delicados,
brandas iras, suspiros magoados,
temerosa ousadia e pena ausente.

Também, Senhora, do desprezo honesto
de vossa vista branda e rigorosa,
contentar-me-ei dizendo a menor parte.

Porém, para cantar de vosso gesto
a composição alta e milagrosa
aqui falta saber, engenho e arte.


Notas:
dois mil – muitíssimos, inúmeros;
brandas iras – iras amorosas.



Doces lembranças



Poema (soneto): Luís de Camões (in "Rimas", org. Fernão Rodrigues Lobo Soropita, Lisboa, 1595; "Obras de Luís de Camões", Porto: Lello & Irmão Editores, 1970 – p. 9)
Música: Luiz de Freitas Branco (1.ª peça do ciclo "Madrigais Camonianos para coro misto a cappella", 1930-35, rev. 1943)
Intérprete: Coro Gulbenkian, dir. Fernando Eldoro (in CD "Luís de Freitas Branco: Madrigais Camonianos", PortugalSom/Numérica, 2008)


Doces lembranças de passada glória,
que me tirou Fortuna roubadora,
deixai-me repousar em paz ũa hora,
que comigo ganhais pouca vitória.

Impressa tenho n'alma larga história
deste passado bem, que nunca fora
(ou fora, e não passara); mas já agora
em mim não pode haver mais que a memória.

Vivo em lembranças, mouro de esquecido
de quem sempre devera ser lembrado,
se lhe lembrara estado tão contente.

Oh! quem tornar pudera a ser nascido!
Soubera-me lograr do bem passado,
se conhecer soubera o mal presente.



Qual tem a borboleta



Poema (soneto): Luís de Camões (in "Rimas", org. Manuel de Faria e Sousa, Lisboa, 1685; "Obras de Luís de Camões", Porto: Lello & Irmão Editores, 1970 – p. 150)
Música: Luiz de Freitas Branco (2.ª peça do ciclo "Madrigais Camonianos para coro misto a cappella", 1930-35, rev. 1943)
Intérprete: Coro Gulbenkian, dir. Fernando Eldoro (in CD "Luís de Freitas Branco: Madrigais Camonianos", PortugalSom/Numérica, 2008)


Qual tem a borboleta por costume,
que, enlevada na luz da acesa vela,
dando vai voltas mil, até que nela
se queima agora, agora se consume;

tal eu correndo vou ao vivo lume
desses olhos gentis, Aónia bela;
e abraso-me, por mais que com cautela
livrar-me a parte racional presume.

Conheço o muito a que se atreve a vista,
o quanto se levanta o pensamento,
o como vou morrendo claramente.

Porém, não quer Amor que lhe resista,
nem a minh'alma o quer; que em tal tormento,
qual em glória maior, está contente.



Vi chorar uns claros olhos



Poema (vilancete em redondilha maior) de Luís de Camões (in "Rimas", org. Domingos Fernandes, Lisboa, 1616; "Obras de Luís de Camões", Porto: Lello & Irmão Editores, 1970 – p. 815-816)
Recitado por Maria Barroso (in CD "Amor É Fogo: Poemas de Luís de Camões", Série "Festa da Língua Portuguesa", Vol. III, Câmara Municipal de Sintra/Instituto Camões, 2001)


          MOTE

Vi chorar uns claros olhos
quando deles me partia.
Oh! que dor! Oh! que alegria!

          VOLTAS

Polo meu apartamento
se arrasaram todos de água.
Quem cuidou que em tanta mágoa
achasse contentamento?
Julgue todo entendimento
qual mais sentir se devia:
se esta dor, se esta alegria.

Quando mais perdido estive,
então deu a est'alma minha,
na maior mágoa que tinha,
o maior gosto que tive.
Assi, se minh'alma vive,
foi porque me defendia
desta dor esta alegria.

O bem que Amor me não deu
no tempo que o desejei,
quando dele me apartei,
me confessou que era meu.
Agora que farei eu,
se a Fortuna me desvia
de lograr esta alegria?

Não sei se fui enganado,
pois me tinha defendido
das iras de mal querido,
no mal de ser apartado.
Agora peno dobrado,
achando no fim do dia
o princípio d'alegria.



Eu cantei já



Poema (soneto): Luís de Camões (in "Rimas", org. Domingos Fernandes, Lisboa, 1616; "Obras de Luís de Camões", Porto: Lello & Irmão Editores, 1970 – p. 59)
Música: Luiz de Freitas Branco (3.ª peça do ciclo "Madrigais Camonianos para coro misto a cappella", 1930-35, rev. 1943)
Intérprete: Coro Gulbenkian, dir. Fernando Eldoro (in CD "Luís de Freitas Branco: Madrigais Camonianos", PortugalSom/Numérica, 2008)


Eu cantei já, e agora vou chorando
o tempo que cantei tão confiado;
parece que no canto já passado
se estavam minhas lágrimas criando.

Cantei; mas se me alguém pergunta: «Quando?»
Não sei; que também fui nisso enganado.
É tão triste este meu presente estado,
que o passado, por ledo, estou julgando.

Fizeram-me cantar, manhosamente,
contentamentos não, mas confianças;
cantava, mas já era ao som dos ferros.

De quem me queixarei, se tudo mente?
Porém que culpas ponho às esperanças,
onde a Fortuna injusta é mais que os erros?



No mundo



Poema (soneto): Luís de Camões (in "Rimas", org. Estêvão Lopes, Lisboa, 1598; "Obras de Luís de Camões", Porto: Lello & Irmão Editores, 1970 – p. 55)
Música: Luiz de Freitas Branco (4.ª peça do ciclo "Madrigais Camonianos para coro misto a cappella", 1930-35, rev. 1943)
Intérprete: Coro Gulbenkian, dir. Fernando Eldoro (in CD "Luís de Freitas Branco: Madrigais Camonianos", PortugalSom/Numérica, 2008)


No mundo, poucos anos e cansados
vivi, cheios de vil miséria dura;
foi-me tão cedo a luz do dia escura
que não vi cinco lustros acabados.

Corri terras e mares apartados,
buscando à vida algum remédio ou cura;
mas aquilo que, enfim, não dá Ventura,
não o dão os trabalhos arriscados.

Criou-me Portugal na verde e cara
pátria minha Alenquer; mas ar corruto,
que neste meu terreno vaso tinha,

me fez manjar de peixes em ti, bruto
mar, que bates a Abássia fera e avara,
tão longe da ditosa pátria minha!



Enquanto quis Fortuna que tivesse



Poema (soneto) de Luís de Camões (in "Rimas", org. Fernão Rodrigues Lobo Soropita, Lisboa, 1595; "Obras de Luís de Camões", Porto: Lello & Irmão Editores, 1970 – p. 3)
Recitado por Maria Barroso (in CD "Amor É Fogo: Poemas de Luís de Camões", Série "Festa da Língua Portuguesa", Vol. III, Câmara Municipal de Sintra/Instituto Camões, 2001)


Enquanto quis Fortuna que tivesse
esperança de algum contentamento,
o gosto de um suave pensamento
me fez que seus efeitos escrevesse.

Porém, temendo Amor que aviso desse
minha escritura a algum juízo isento,
escureceu-me o engenho co tormento,
para que seus enganos não dissesse.

Ó vós que Amor obriga a ser sujeitos
a diversas vontades: quando lerdes
num breve livro casos tão diversos,

(verdades puras são e não defeitos),
e sabei que, segundo o amor tiverdes,
tereis o entendimento de meus versos.


Notas:
Fortuna – divindade que presidia aos acasos da vida;
juízo isento – coração livre de cuidados amorosos;
engenho – talento, inspiração;
tormento – sofrimento;
sujeitos a diversas vontades – inconstantes nos amores;
defeitos – deformações da verdade, mentiras;
amor tiverdes – experiências amorosas tiverdes.



Que esperais, esperança?



Poema (soneto): Luís de Camões ("Rimas", org. Dom António Álvares da Cunha, Lisboa, 1668; "Obras de Luís de Camões", Porto: Lello & Irmão Editores, 1970 – p. 115)
Música: Luiz de Freitas Branco (5.ª peça do ciclo "Madrigais Camonianos para coro misto a cappella", 1930-35, rev. 1943)
Intérprete: Coro Gulbenkian, dir. Fernando Eldoro (in CD "Luís de Freitas Branco: Madrigais Camonianos", PortugalSom/Numérica, 2008


— Que esperais, esperança? — Desespero.
— Quem disso a causa foi? — Uma mudança.
— Vós, vida, como estais? — Sem esperança.
— Que dizeis, coração? — Que muito quero.

— Que sentis, alma, vós? — Que amor é fero.
— E enfim, como viveis? — Sem confiança.
— Quem vos sustenta, logo? — Uma lembrança.
— E só nela esperais? — Só nela espero.

— Em que podeis parar? — Nisto em que estou.
— E em que estais vós? — Em acabar a vida.
— E tende-lo por bem? — Amor o quer.

— Quem vos obriga assi? — Saber que sou.
— E quem sois? — Quem de todo está rendida.
— A quem rendida estais? — A um só querer.



O céu, a terra, o vento sossegado



Poema (soneto): Luís de Camões (in "Rimas", org. Domingos Fernandes, Lisboa, 1616; "Obras de Luís de Camões", Porto: Lello & Irmão Editores, 1970 – p. 61)
Música: Luiz de Freitas Branco (6.ª peça do ciclo "Madrigais Camonianos para coro misto a cappella", 1930-35, rev. 1943)
Intérprete: Coro Gulbenkian, dir. Fernando Eldoro (in CD "Luís de Freitas Branco: Madrigais Camonianos", PortugalSom/Numérica, 2008)


O Céu, a terra, o vento sossegado...
As ondas, que se estendem pela areia...
Os peixes, que no mar o sono enfreia...
O nocturno silêncio repousado...

O pescador Aónio, que, deitado
onde co vento a água se meneia,
chorando, o nome amado em vão nomeia,
que não pode ser mais que nomeado:

«Ondas – dezia – antes que Amor me mate,
tornai-me a minha Ninfa, que tão cedo
me fizestes à morte estar sujeita.»

Ninguém lhe fala; o mar de longe bate;
move-se brandamente o arvoredo;
leva-lhe o vento a voz, que ao vento deita.


Notas:
Aónio (antropónimo masculino formado a partir de Aónia, anagrama de Joana) – este falso nome designa o próprio poeta;
enfreia – modera;
se meneia – se move.



Verdes são os campos



Poema (cantiga em redondilha menor) de Luís de Camões (in "Rimas", org. Estêvão Lopes, Lisboa, 1598; "Obras de Luís de Camões", Porto: Lello & Irmão Editores, 1970 – p. 807-808)
Recitado por Maria Barroso (in CD "Amor É Fogo: Poemas de Luís de Camões", Série "Festa da Língua Portuguesa", Vol. III, Câmara Municipal de Sintra/Instituto Camões, 2001)


          MOTE ALHEIO

Verdes são os campos,
de cor do limão:
assim são os olhos
do meu coração.

          VOLTAS

Campo, que te estendes
com verdura bela;
ovelhas, que nela
vosso pasto tendes,
d'ervas vos mantendes
que traz o Verão,
e eu das lembranças
do meu coração.

Gados, que paceis,
co contentamento,
vosso mantimento
não o entendeis:
isso que comeis
não são ervas, não:
são graças dos olhos
do meu coração.



Alegres campos, verdes arvoredos



Poema (soneto): Luís de Camões (in "Rimas", org. Fernão Rodrigues Lobo Soropita, Lisboa, 1595; "Obras de Luís de Camões", Porto: Lello & Irmão Editores, 1970 – p. 20)
Música: Luiz de Freitas Branco (7.ª peça do ciclo "Madrigais Camonianos para coro misto a cappella", 1930-35, rev. 1943)
Intérprete: Coro Gulbenkian, dir. Fernando Eldoro (in CD "Luís de Freitas Branco: Madrigais Camonianos", PortugalSom/Numérica, 2008)


Alegres campos, verdes arvoredos,
claras e frescas águas de cristal,
que em vós os debuxais ao natural,
discorrendo da altura dos rochedos;

silvestres montes, ásperos penedos,
compostos em concerto desigual;
sabei que, sem licença de meu mal,
já não podeis fazer meus olhos ledos.

E, pois me já não vedes como vistes,
não me alegrem verduras deleitosas,
nem águas que correndo alegres vêm.

Semearei em vós lembranças tristes,
regar-vos-ei com lágrimas saudosas,
e nascerão saudades de meu bem.


Notas:
debuxais – retratais, reproduzis a imagem;
ledos – alegres.



Num bosque



Poema (soneto): Luís de Camões (in "Rimas", org. Fernão Rodrigues Lobo Soropita, Lisboa, 1595; "Obras de Luís de Camões", Porto: Lello & Irmão Editores, 1970 – p. 10)
Música: Luiz de Freitas Branco (8.ª peça do ciclo "Madrigais Camonianos para coro misto a cappella", 1930-35, rev. 1943)
Intérprete: Coro Gulbenkian, dir. Fernando Eldoro (in CD "Luís de Freitas Branco: Madrigais Camonianos", PortugalSom/Numérica, 2008)


Num bosque que das Ninfas se habitava,
Cíbele, Ninfa linda, andava um dia;
e, subida nũa árvore sombria,
as amarelas flores apanhava.

Cupido, que ali sempre costumava
a vir passar a sesta à sombra fria,
em um ramo o arco e setas, que trazia,
antes que adormecesse, pendurava.

A Ninfa, como idóneo tempo vira
para tamanha empresa, não dilata;
mas com as armas foge ao Moço esquivo.

As setas traz nos olhos, com que tira.
Ó pastores! fugi, que a todos mata,
senão a mim, que de matar-me vivo.



Se me levam águas



Poema (vilancete em redondilha menor) de Luís de Camões (in "Rimas", org. Fernão Rodrigues Lobo Soropita, Lisboa, 1595; "Obras de Luís de Camões", Porto: Lello & Irmão Editores, 1970 – p. 772-773)
Recitado por Maria Barroso* (in CD "Amor É Fogo: Poemas de Luís de Camões", Série "Festa da Língua Portuguesa", Vol. III, Câmara Municipal de Sintra/Instituto Camões, 2001)


          MOTE ALHEIO

Se me levam águas,
nos olhos as levo.

          VOLTAS

Se de saudade
morrerei ou não,
meus olhos dirão
de mim a verdade.
Por eles me atrevo
alcançar as águas
que mostrem as mágoas
que nesta alma levo.

As águas que em vão
me fazem chorar,
se elas são do mar
estas d'amar são.
Por elas relevo
todas minhas mágoas;
que, se força de águas
me leva, eu as levo.

Todas me entristecem,
todas são salgadas;
porém as choradas
doces me parecem.
Correi, doces águas,
que, se em vós me enlevo,
não doem as mágoas
que no peito levo.


* Maria Barroso – voz
Gravado nos Estúdios da RDP, Lisboa, em Fevereiro de 2001
Produção digital – José Silva
URL: https://pt.wikipedia.org/wiki/Maria_Barroso
https://fmsoaresbarroso.pt/maria-barroso/biografia
https://music.youtube.com/channel/UCUWH2fNX6fPjXuVX6i_fG6Q
https://music.youtube.com/channel/UCfTD3OSuif6PUXg0jYNAcsA



Pois meus olhos



Poema (soneto): Luís de Camões (in "Rimas", org. Fernão Rodrigues Lobo Soropita, Lisboa, 1595; "Obras de Luís de Camões", Porto: Lello & Irmão Editores, 1970 – p. 35)
Música: Luiz de Freitas Branco (9.ª peça do ciclo "Madrigais Camonianos para coro misto a cappella", 1930-35, rev. 1943)
Intérprete: Coro Gulbenkian, dir. Fernando Eldoro (in CD "Luís de Freitas Branco: Madrigais Camonianos", PortugalSom/Numérica, 2008)


Pois meus olhos não cansam de chorar
tristezas, que não cansam de cansar-me;
pois não se abranda o fogo, em que abrasar-me
pôde quem eu jamais pude abrandar;

não canse o cego Amor de me guiar
onde nunca de lá possa tornar-me;
nem deixe o mundo todo de escutar-me,
enquanto a fraca voz me não deixar.

E se em montes, em prados, ou em vales,
piadade mora algũa, algum amor
em feras, plantas, aves, pedras, águas,

ouçam a longa história de meus males
e curem sua dor com minha dor;
que grandes mágoas podem curar mágoas.



Como fizeste, ó Pórcia



Poema (soneto): Luís de Camões (in "Rimas", org. Fernão Rodrigues Lobo Soropita, Lisboa, 1595; "Obras de Luís de Camões", Porto: Lello & Irmão Editores, 1970 – p. 31)
Música: Luiz de Freitas Branco (10.ª peça do ciclo "Madrigais Camonianos para coro misto a cappella", 1930-35, rev. 1943)
Intérprete: Coro Gulbenkian*, dir. Fernando Eldoro (in CD "Luís de Freitas Branco: Madrigais Camonianos", PortugalSom/Numérica, 2008)


— Como fizeste, ó Pórcia, tal ferida?
Foi voluntária, ou foi por inocência?
— É que Amor fazer só quis exp'riência
se podia eu sofrer tirar-me a vida.

— E com teu próprio sangue te convida
a que faças à morte resistência?
— É que costume faço da paciência,
porque o temor morrer me não impida.

— Pois porque estás comendo fogo ardente,
se a ferro te costumas? — É que ordena
Amor que morra e pene juntamente.

— E tens a dor do ferro por pequena?
— Si, que a dor costumada não se sente,
E não quero eu a morte sem a pena.


* Coro Gulbenkian:
Sopranos – Clara Coelho, Graziela Lé, Mónica Santos, Raquel Alão, Rosa Caldeira, Susana Duarte, Verónica Silva
Contraltos – Carolina Figueiredo, Joana Nascimento, Mafalda Borges Coelho, Michelle Rollin, Patrícia Mendes, Sónia Ferreira
Tenores – Filipe Faria, João Branco, João Custódio, João Moreira, Rui Miranda, Sérgio Peixoto
Baixos – Artur Carneiro, João Valeriano, José Bruto da Costa, Manuel Rebelo, Rui Baeta, Salvador Mascarenhas
Direcção – Fernando Eldoro

Produção musical – Alexandre Delgado
Produção – PortugalSom - Ministário da Cultura / Direcção-Geral das Artes
Gravado na Igreja do Cemitério dos Ingleses, Lisboa, em Junho de 2006
URL: https://gulbenkian.pt/musica/coro-e-orquestra/coro-gulbenkian/
https://www.meloteca.com/portfolio-item/coro-gulbenkian/
https://www.facebook.com/gulbenkianmusica/
https://music.youtube.com/channel/UCE3UnGOGRWjEj93WPvMzadw




Frontispício da 1.ª edição das "Rimas", de Luís de Camões, org. Fernão Rodrigues Lobo Soropita (Lisboa, 1595)



Capa do CD "Luís de Freitas Branco: Madrigais Camonianos", do Coro Gulbenkian, dir. Fernando Eldoro (PortugalSom/Numérica, 2008)
Concepção gráfica – Jorge Colombo



Capa do CD "Amor É Fogo: Poemas de Luís de Camões", de Carmen Dolores, João Grosso, José Manuel Mondes, Maria Barroso e Vítor Nobre (Série "Festa da Língua Portuguesa", Vol. III, Câmara Municipal de Sintra/Instituto Camões, 2001)

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Outros artigos com poesia e/ou teatro de Luís de Camões:
Camões recitado e cantado
Camões recitado e cantado (II)
Em memória de Manoel de Oliveira (1908-2015)
Camões recitado e cantado (III)
Camões recitado e cantado (IV)
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Camões recitado e cantado (VII)
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