30 abril 2013

"A Vida Breve": a poesia na voz dos autores

Em face da degradação e desqualificação a que a Antena 2 chegou sob a direcção de Rui Pêgo/João Almeida, e como não sou masoquista, deixei de a ter como opção de escuta continuada, cingindo-me actualmente a três ou quatro programas de autor ao fim-de-semana. Por isso, só há cerca de quinze dias, e por amável alerta de uma tertuliana da comunidade de Amigos do LUGAR AO SUL, grande cultora da palavra dita, é que tomei conhecimento do apontamento de poesia chamado "A Vida Breve" (tal como, aliás, uma ópera do espanhol Manuel de Falla e um romance do uruguaio Juan Carlos Onetti, por sua vez inspirado num poema do belga Leon Louis Moreau Constant Corneille van Montenaeken – vide texto abaixo) e que segundo consta no arquivo online terá tido início a 21 de Março de 2012 (Dia Mundial da Poesia). A realização é assegurada por Luís Caetano, fazendo uso do vasto manancial de registos existentes no arquivo histórico da RDP e, subsidiariamente, de edições discográficas, e vai para o ar por volta das 16:50, de segunda a sexta-feira (com repetição às 12:50 do dia subsequente).
A lacuna de uma rubrica regular de poesia dita/recitada/declamada no canal cultural do serviço público de rádio fazia-se sentir desde que se extinguiram "Os Sons Férteis", de Paulo Rato, a 31 de Dezembro de 2008, e de então para cá, por diversas vezes, eu tive o ensejo de levantar a questão neste blogue e em missivas dirigidas à Provedoria do Ouvinte e à direcção de programas, mas sem lograr ser ouvido. Luís Caetano, distinto a atento realizador da nossa rádio, terá lido um desses textos e tomou a iniciativa de meter mãos à realização d' "A Vida Breve", atitude que faço questão de louvar e de agradecer. Calculo que a dupla Rui Pêgo/João Almeida, insensível como tem sido à questão da poesia, não deve ter encarado com entusiasmo a ideia de Luís Caetano, mas ao menos não se atreveu a vetá-la, o que se acontecesse seria gravíssimo.
Bem, o que realmente interessa é que a boa poesia de língua portuguesa, na voz dos próprios autores, tem finalmente a oportunidade de sair da escuridão das catacumbas do arquivo para a luz do éter, pela mão proficiente de Luís Caetano, que escolheu para indicativo o belíssimo e balsâmico "Andante con moto" (segundo andamento), do trio n.º 2 para piano, violino e violoncelo, em Mi bemol maior, op. 100, D. 929, do genial Franz Schubert, de que aqui deixo, à laia de aperitivo, duas aclamadas interpretações: uma mais antiga, pelo Beaux Arts Trio, e outra mais recente, pelo Trio Fontenay.
O novo apontamento de poesia também pode – e deve – ser um bom pretexto para que poetas vivos que ainda não gravaram poesia da sua lavra (e até alheia) o possam fazer, enquanto é tempo, tornando assim mais rico e completo o arquivo da RDP. Não sei se Luís Caetano tem em mente alargar futuramente o âmbito a registos na voz de actores e de reputados 'diseurs'... Eu veria isso com muito bons olhos (ou ouvidos, melhor dizendo) pois só assim será possível comtemplar os autores que viveram antes da idade do registo fonográfico e mesmo os que tendo sido dela contemporâneos já se foram embora sem nunca terem dito, para um aparelho de gravação sonora, poemas seus, por opção pessoal ou simplesmente porque nunca foram convidados para o efeito. Em minha opinião, seria uma pena que ficassem de fora d' "A Vida Breve" nomes como D. Dinis, Gil Vicente, Garcia de Resende, Bernardim Ribeiro, Sá de Miranda, Camões, Diogo Bernardes, D. Francisco Manuel de Mello, Soror Maria do Céu, Francisco Rodrigues Lobo, Filinto Elísio, Nicolau Tolentino, Bocage, Marquesa de Alorna, Almeida Garrett, Alexandre Herculano, Antero de Quental, Gomes Leal, Cesário Verde, António Nobre, Augusto Gil, Eugénio de Castro, Camilo Pessanha, Wenceslau de Moraes, Teixeira de Pascoaes, Fernando Pessoa, Mário de Sá-Carneiro, Florbela Espanca, e muitos outros menos canónicos na História da Literatura Portuguesa mas não desprovidos de importância e valia estética, sem esquecer – obviamente – insignes autores não lusos de língua portuguesa, como os brasileiros António de Castro Alves e Machado de Assis.

 

Franz Schubert: "Andante con moto", do trio n.º 2, em Mi bemol maior, D. 929, op. 100, pelo Beaux Arts Trio: Menahem Pressler (piano), Daniel Guilet (violino) e Bernard Greenhouse (violoncelo).



Franz Schubert: "Andante con moto", do trio n.º 2, em Mi bemol maior, D. 929, op. 100, pelo Trio Fontenay: Wolf Harden (piano), Michael Mücke (violino) e Niklas Schmidt (violoncelo).
 
 
"A Vida Breve"
Na Antena 2, de segunda a sexta-feira, às 16:50 (repete às 12:50 do dia subsequente)
http://www.rtp.pt/play/p1109/a-vida-breve (arquivo online)
http://www.rtp.pt/play/podcast/1109 ('podcast')
 

Peu de Chose et Presque Trop
 
La vie est vaine:
Un peu d'amour,
Un peu de haine...
Et puis – bonjour!
 
La vie est brève:
Un peu d’espoir,
Un peu de rêve...
Et puis – bonsoir!
 
(Leon Louis Moreau Constant Corneille van Montenaeken, poeta belga, 1859-?)

 

Capa do romance "A Vida Breve", de Juan Carlos Onetti – edição Relógio d'Água (2008)