24 outubro 2006

Notas do Provedor: escolhas musicais da Antena 1

«Na semana passada, o Director de Programas explicitou a definição global estabelecida para a política musical da Antena 1 e caracterizou os módulos da Arquitectura que sustenta a Lista de Difusão.
Apresentou também alguns Gráficos, no primeiro dos quais se observa que 60% da Música que a Estação transmite é constituída por "novidades, sucessos quentes e recentes ou memórias" de Música "produzida por Músicos portugueses ou residentes em Portugal".
Também se demonstra que 12 pontos percentuais são preenchidos com Música Anglófona (no texto, designada como Anglo-saxónica).
E que entre Novidades e Apostas, a Antena 1 dispensa 18% da sua Lista de Difusão à Música mais recente.
O Director Rui Pêgo apresentou ainda na sua resposta, apenas escrita, outros Gráficos em que se desenham 3 tipologias de preenchimento musical de uma hora – aplicáveis segundo as diferentes horas do dia.
Caracterizou o trabalho do Editor Musical – o 1º responsável pelas Escolhas Musicais – assim como apresentou o currículo desse profissional e os dos restantes 3 elementos da Direcção de Antena que trabalham nesta área.
O Director de Programas informa que o Público-alvo ao qual se pretende dirigir a selecção musical que constitui a Lista "é o mesmo a que se dirige a Estação", ou seja, Publico na faixa etária dos 35 aos 54 anos. Mas não deixa de anotar que "o actual perfil etário (da Antena 1) é um pouco mais alto", sem explicitar directamente qual seja.
Mas da análise do Gráfico evolutivo que apresenta pode inferir-se que – ao contrário do que parece ser a tendência mais jovial da Música proposta pela Estação – se tem acentuado no último ano e meio a propensão para o "envelhecimento" da Audiência.
Esta constatação, apenas impressivamente analisada pode, só por si, fazer entender melhor todo o volume e toda a densidade das queixas que continuo a receber dos Ouvintes, acerca das escolhas musicais propostas na Play List da Antena 1, que parecerão estar, assim, desajustadas do gosto dominante daqueles que se deixam cativar (crescentemente, afinal) pela restante Programação generalista da Estação.
Mas não quero para já, extrair conclusões precipitadas.
Continuemos a citar Rui Pêgo.
O Director informa que "a Lista de Difusão acomoda todos os géneros musicais portugueses com excepção para o fado… e para a Música Tradicional… que têm difusão autonomizada em conteúdos específicos que, na sua opinião, lhes conferem muito maior notoriedade e exposição em antena.
59% da Música Portuguesa que passa na Antena 1, tem 10 anos ou menos, de acordo com outro Gráfico recebido, cruzado com a definição geral do arco temporal pré-estabelecido para o conjunto da Lista que referimos no Programa anterior.
Ora, esta parece ser outra medida não consensual para os Ouvintes reclamantes. Sobretudo quando este dado é cruzado com um outro Gráfico anterior, explicitado em exemplificações apresentadas por Rui Pêgo.
Diz o Director das Antenas 1, 2 e 3, que o universo definido para a Música Portuguesa que é normalmente incluída na Lista de Difusão da Antena 1 contempla três géneros distintos:
Talvez que um dos problemas consista, precisamente, no estabelecimento da distinção entre estes géneros e no grau de incidência percentual que cada um atinge na Lista… Vejamos os exemplos que me chegam e as percentagens definidas:

Música Portuguesa Popular – 77%
Produzida por Músicos com origem no movimento dos Baladeiros, no Pop e no Rock dos anos 80 e todos os seus herdeiros – por exemplo: Rui Veloso, Sérgio Godinho, Jorge Palma, Fausto, Clã.

Música Portuguesa Moderna – 14%
Produzida por Músicos das gerações mais novas – por exemplo: Toranja, Mesa, Mercado Negro, David Fonseca.

Música Portuguesa Ligeira – 9%
Produzida por Músicos da escola das Orquestras e dos Festivais e pelos "miúdos das Avenidas Novas".
Cançonetistas e Cantores. Por exemplo: Paulo de Carvalho, Fernando Tordo, Dina e Lara Li.
(...)

O Provedor colocava outra questão essencial a Rui Pêgo:
"Acentuar os critérios de pluralidade de géneros e as exigências de nível estético que primordialmente devem caracterizar a função de Serviço Público, conduz inevitavelmente ao prejuízo do posicionamento da Antena 1 no mercado da Comunicação?"
Rui Pêgo afirma que não. "Pelo contrário." E reiterando a política musical que está em prática na Play List, refere os Programas de abordagem directa a determinados géneros, como "Alma Lusa" – fado; "Cantos da Casa" – tradicional; "Cinco minutos de jazz"; "Banda sonora" – filmes; Júlio Isidro – latinos; Luís Filipe Barros – pop-rock nos quais a Música, tomada como um conteúdo, é um exemplo indiscutível de um "valor único" e de clara afirmação de personalidade.
E o Director ainda informa:
"Tomando como referência as estações generalistas… verificamos que a Antena 1 transmite quase o dobro da música portuguesa difundida pela Rádio Renascença e quatro vezes mais do que a TSF. Em contrapartida, o primeiro canal da Rádio Pública difunde um quinto da produção em língua inglesa executado pela Renascença e quase a sétima parte da que é transmitida pela TSF.
Em resposta a outras questões técnicas do Provedor, o Senhor Director de Programas da Antena 1 – dizendo que é 878 o número total das Canções que integram a Lista – informa ser permanente o seu refrescamento e apresenta um Quadro completo dos patamares de repetição aplicados.
Os valores apresentados nesse Quadro surpreendem-me.
Por exemplo, nenhuma Canção é actualmente repetida na Play List da Antena 1 menos de 15 horas depois de ser passada pela última vez... E mesmo assim, tem de se tratar, de uma daquelas Canções em que a Estação aposta para vir a tornar-se num sucesso público a breve trecho.
Ainda por exemplo, e repito, segundo os dados fornecidos pelo Director da Antena 1, nenhuma Canção portuguesa – que não seja uma das Novidades Correntes – já explicitadas no Programa anterior – é actualmente reemitida antes de terem passado 3 dias e 14 horas sobre a sua anterior difusão...
E, como exemplo final, nenhuma Canção Anglo-Americana é repetida antes de terem passado, 12 dias, 4 horas e 48 minutos sobre a passagem anterior. Vantagens dos sistemas informáticos que permitem definir estas coisas com tanto preciosismo.
Este é sem dúvida, o lado bom das coisas.
Onde as dúvidas voltam a acentuar-se – de acordo com as mensagens fortemente críticas dos Ouvintes – é quando leio na resposta escrita de Rui Pêgo, que a Canção portuguesa mais vezes difundida na Play List da Antena 1, nos meses de Junho, Julho e Agosto deste ano, tenha sido – com o devido respeito pelo seu Autor – a canção "Quando eu Te Falei Em Amor" cantada pelo jovem André Sardet.
Um Ouvinte médio pode efectivamente questionar – e vários Ouvintes reclamaram a este respeito – por que razão uma Canção desta natureza tenha constituído uma Aposta,… um Sucesso Quente,… em suma, a Canção mais repetidamente apresentada na principal Estação do Serviço Público de Rádio.
Será esta Canção, sequer, a melhor Canção jamais escrita por André Sardet – um jovem Autor português ?
Repito (com todo o devido respeito pela Obra do Autor e pelo indesmentível Talento do Intérprete) acerca deste exemplo que me foi expressamente indicado, como tendo sido a Canção mais repetidamente apresentada na Antena 1 ao longo de 3 meses:
- O próprio Autor, André Sardet, considerá-la-á como a sua melhor Canção de todos os tempos, para ter tocado, em vez de tantas outras, pelo menos uma vez por dia, durante não sei quantos dias (ou semanas), no espaço de 3 meses na Antena 1 ?
- 2ª Questão: Será esta Canção escutada com o mesmo enlevo pelos Ouvintes que acompanham a Obra de André Sardet, ou pelos decisores da Play List da Estação, dentro de 1 ano?
- 3ª Questão: Tem esta Canção – por contraponto com dezenas ou centenas de outras grandes Canções portuguesas contemporâneas – argumentos artísticos, expressividade musical, textura poética, técnica de interpretação, ambiente orquestral, universalidade temática, enfim,… modelo expressivo tão indiscutível que tenham podido fazer dela a Canção do Verão eleita pela Rádio Pública ?
- Os Ouvintes questionam-se sobre se esta Canção, bonita e leve, resistirá ao rei do mundo, que é o Tempo…

Ou seja: dentro de 11 anos, em 2017, será que esta Canção escolhida poderá integrar o lote das Grandes Canções que fazem parte da Memória da Antena 1?» (José Nuno Martins, in "Em Nome do Ouvinte", 21-10-2006)


Não podia estar mais de acordo com as palavras do Provedor do Ouvinte, José Nuno Martins. A escolha da citada canção de André Sardet para promoção massiva na Antena 1 é apenas um dos muitos exemplos que atestam a incompetência de Rui Santos para exercer as funções de editor de playlist da rádio pública. Talvez fosse pertinente investigar o porquê do empurrão que a Antena 1 tem vindo a dar ao André Sardet. Em contrapartida, a cantora Ana Laíns, por exemplo, que lançou este ano um dos grandes álbuns de música popular portuguesa dos últimos tempos esteve bem longe de receber o mesmo tratamento pois foi logo banida da playlist ao cabo das duas ou três semanas em que passou como Disco Antena 1. E com o devido respeito pelos fãs do André Sardet penso a suas cançonetas não tem, nem de perto nem de longe, o estofo e a perenidade dos temas de Ana Laíns. E Ana Laíns é apenas um dos vários exemplos de qualidade indiscutível do nosso meio musical a que a Antena 1 não promove como é sua obrigação, sobretudo da área da música tradicional (ou de inspiração tradicional) e do fado. Neste âmbito, a ausência destas áreas na playlist do principal canal generalista da rádio do Estado é totalmente inaceitável jamais se podendo tomar como válido e credível o argumento de Rui Pêgo segundo o qual o fado e a música tradicional têm mais notoriedade e exposição em "Alma Lusa" e "Cantos da Casa", rubricas de cinco minutos de duração que passam uma ou duas vezes num período de 24 horas (incluindo a madrugada). O Sr. Rui Pêgo não quer assumir a marginalização a que o fado e a música tradicional vêm sendo votados na Antena 1 mas isso é um facto indesmentível. Faça-se uma monitorização independente de todos os conteúdos musicais da Antena 1 ('playlist', rubricas e programas) e facilmente se perceberá a presença residual do fado e da música tradicional no cômputo geral da música portuguesa. E mesmo a música popular portuguesa de autor está bem longe de ter uma presença razoável e equilibrada. Averigúe-se e facilmente se constatará que na percentagem (77 %) apontada para a categoria a que Rui Pêgo chama "música portuguesa popular" é quase totalmente preenchida pelo pop-rock e afins. Veja-se a situação de Vitorino, José Mário Branco e José Afonso em que mal se dá por eles e ainda Amélia Muge, Pedro Barroso, Manuel Freire, Janita Salomé, Adriano Correia de Oliveira, Luiz Goes, Paco Bandeira, Rão Kyao, Frei Fado d'El-Rei, entre outros nomes de referência, que nunca aparecem na 'playlist'. Esta é a verdade e não vale a pena manipular e distorcer os números para tentar disfarçar o que é por de mais evidente. E jamais se poderá aceitar o argumento de que a marginalização/exclusão daqueles e de tantos outros artistas se deve ao propósito de corresponder aos gostos da faixa etária 35-54 anos a que pretensamente se dirige a Antena 1. Em primeiro lugar, não acredito que os ouvintes da Antena 1 dessa faixa etária não gostassem de ouvir aqueles nomes, isto para já não falar em artistas/grupos da nova geração também eles boicotados. Parecem-me muito simplistas e perfeitamente erróneas as teorias que correlacionam a idade dos ouvintes com a época em que a música foi lançada. Basta atentar no público de diferentes gerações que se vê nos concertos de alguns artistas nacionais e estrangeiros já avançados na idade. Por outro lado, não me parece nada correcto que a Antena 1 esteja apenas direccionada para a faixa etária anunciada, deixando de fora todas as outras. Assim, e partindo do pressuposto que a Antena 3 cobre a faixa abaixo dos 35 (se bem que de forma bastante questionável), a população acima dos 55 anos que não se encaixa no público da Antena 2 fica sem um canal público de rádio para ouvir. Pessoalmente, embora não me enquadre nesses escalões, não posso deixar de levantar a questão.
E de nada adianta vir o Sr. Rui Pêgo dizer que a Antena 1 passa mais música portuguesa que a Rádio Renascença (uma rádio comercial, convém lembrar), porque o que está em causa não são apenas percentagens: a questão é mais funda e complexa e tem a ver também – e sobretudo – com conteúdos e respectiva diversidade e qualidade. E neste ponto, tem de se reconhecer que a música portuguesa que passa na Rádio Renascença é não só de qualidade genericamente superior à da Antena 1 como contempla também muitos dos nomes boicotados na 'playlist' da rádio pública. Isto é que devia preocupar o Sr. Rui Pêgo em vez de andar a encobrir as arbitrariedades e as atitudes censórias de Rui Santos, um indivíduo que põe e dispõe a seu bel-prazer e que, inclusive, se dá ao luxo de fazer orelhas moucas a algumas das orientações do próprio Rui Pêgo (vá-se lá saber porquê?!).
Por último, não acredito na percentagem (12 %) apontada por Rui Pêgo para a música anglo-saxónica. Basta ouvir a Antena 1 no período da tarde (durante a semana e o fim-de-semana) para perceber que esse número está bastante abaixo do real. E para tal contribui não só a playlist como também o programa "Ondas Luisianas" que por si só contabiliza quatro horas de emissão semanais (duas depois da meia-noite de sexta-feira a que se somam as duas horas de reposição ao sábado). Eu pergunto ao Sr. Rui Pêgo: onde estão espaços do mesmo género dedicados à música popular portuguesa (tradicional e de autor) e ao fado? Não está em causa o programa de Luís Filipe Barros mas não deixa de ser escandaloso que na rádio estatal portuguesa, o pop/rock tenha maior destaque que os géneros que melhor exprimem a nossa identidade musical.

20 outubro 2006

As Escolhas do Provedor: "Em Sintonia com António Cartaxo"



José Nuno Martins, o Provedor do Ouvinte da Rádio Pública, passou a apontar no seu programa semanal "Em Nome do Ouvinte" os programas e trabalhos jornalísticos que considera serem exemplos de excelência no serviço público de rádio. Se cabe ao provedor fazer-se eco das reclamações dos ouvintes, também lhe cumpre desempenhar um papel pedagógico não só junto dos ouvintes mas também das direcções de programas e de informação dos diversos canais da RDP. E quando o provedor elogia um programa ou um determinado profissional da rádio pública está a dar um sinal do caminho que deve ser trilhado. Nessa medida, faço questão de louvar a iniciativa agora encetada por José Nuno Martins. E sendo o blogue "A Nossa Rádio" um espaço de intervenção crítica sobre os múltiplos aspectos do serviço público de rádio, o magistério do provedor do ouvinte não deixará de ser também objecto de apreciação crítica, quer para discordar quer para subscrever as suas opiniões e veredictos, que espero seja a maioria das vezes. E sempre que as palavras do Provedor do Ouvinte mereçam o meu aplauso é com um gosto redobrado que lhes darei aqui destaque. Começo com a opinião emitida sobre António Cartaxo e os programas de que é autor na RDP.
Com a devida vénia a José Nuno Martins, aqui transcrevo e sublinho as suas palavras:

«António Cartaxo é um dos maiores Autores da História da Rádio em Portugal
Após muitos anos da sua vida passados em Londres, no Serviço Português da BBC, António regressa a Portugal depois do 25 de Abril para felizmente se fixar com a sua Arte de musicólogo-contador-de-histórias na Antena 2.
É um imenso prazer para os sentidos fruir do clima interior e interiorizado dos seus Textos e da sua Voz, acompanhando o Ouvinte em mágicos percursos pelos tempos e pelos espaços da vida dos Músicos de todos os tempos.
António Cartaxo procede sempre com uma mestria comunicacional única e exclusiva.
É um grande trunfo do Serviço Público de Radiodifusão.
E parafraseando-o a ele mesmo, aos Domingos de manhã, às 11, na Antena 2, EM SINTONIA COM ANTÓNIO CARTAXO, sendo um romance sem fim… é um autêntico SINAL DE EXCELÊNCIA da Rádio Pública.» (José Nuno Martins, in "
Em Nome do Ouvinte", 14-10-2006)

Programas de António Cartaxo na RDP:
- "Em Sintonia com António Cartaxo": Antena 2, domingos, 11 horas ou no
arquivo online.
- "De Olhos Bem Abertos": Antena 2, de segunda a sexta-feira, 10:05 ou no
arquivo online.
- "Grandes Músicas": Antena 1, segunda a sexta-feira, 4:55, 9:25, 23:55 ou no
arquivo online.

Nota: Recomenda-se também a leitura do texto que Francisco Mateus escreveu no blogue "
Rádio Crítica".

13 outubro 2006

Antena 2: uma rádio à deriva

Exmo. Sr. Provedor do Ouvinte da Rádio Pública,

A grelha da Antena 2 agora em vigor tem vários pontos que não me satisfazem e, por isso, resolvi vir dizer de minha justiça ao Sr. Provedor. O exercício da crítica pressupõe dizer não só o que está mal mas também o que está bem e, nessa conformidade, começo por me congratular com o regresso às tardes de sábado do programa de Luís Caetano "A Força das Coisas", um espaço de que já sentia saudades. E também não escondo o meu agrado ao ver que o programa "Lugar ao Sul" foi alargado de meia para uma hora de duração, o que compensa de algum modo o tempo de emissão de que foi arbitrariamente amputado nas manhãs de sábado da Antena 1. Também registo uma notória melhoria no programa da manhã (agora intitulado "O Império dos Sentidos") sobretudo pelas escolhas musicais de Gabriela Canavilhas e igualmente por um maior profissionalismo na condução da emissão imprimido por Paulo Alves Guerra. Não obstante, penso que a locução precisa de ser aprimorada já que Paulo Alves Guerra, por exemplo, apesar de largos anos de trabalho na rádio peca por frequentes atropelos no tocante à dicção: oscilações na projecção de voz, acelerações bruscas, obliterações de sílabas, etc. (sobre o problema da locução em geral falarei mais adiante). Estas são as escassas medidas positivas que registo nesta grelha a qual apresenta múltiplos aspectos negativos, uns introduzidos em Janeiro e outros mais recentemente, e que passo a expor.
Em primeiro lugar, quero contestar de modo veemente o horário muito tardio – depois da meia-noite – a que alguns bons programas de autor são transmitidos, o que torna impraticável a sua audição por muitos interessados. Convenhamos que não é nada razoável que se obrigue quem tem de se levantar cedo no dia seguinte, para trabalhar ou estudar, a ficar de vigília até à 1 h da madrugada. É verdade que esses programas passam também às 14 horas, mas nem todos os ouvintes têm actividades que lhes permitam estar a ouvir rádio enquanto as exercem. E mesmo que determinadas actividades profissionais possam ser desempenhadas com um aparelho de rádio ao pé, temos de admitir que a atenção auditiva nessas circunstâncias nunca será a desejável para programas que solicitam um maior envolvimento do ouvinte do que a mera música de fundo. Assim sendo, eu proponho que os programas de autor que passam depois da meia-noite sejam colocados no espaço horário compreendido entre as 19 e as 24 horas. Pessoalmente, teria preferência pelo intervalo 20-21 horas, porque gosto de ouvir um bom programa de rádio à hora de jantar. Actualmente, este espaço horário é ocupado pelo programa "Jazz com Brancas", de José Duarte. Apesar de entender que o jazz tem cabimento numa rádio clássica, já me parece questionável o tratamento de privilégio que o género tem tido desde Janeiro do ano corrente. E duvido sinceramente que as audiências da Antena 2 registem um aumento digno de nota graças ao jazz. Talvez suceda precisamente o contrário já que o jazz é um género bem mais minoritário do que a música clássica/erudita e com muitos detractores entre o público tradicional da Antena 2, o que torna legítima a suposição de que os ouvintes que se ganham com o jazz talvez não cheguem para contrabalançar os que se perdem. Por outro lado, não me parece nada razoável que os programas de autor sejam preteridos a favor do jazz (ou de outra música) e por duas razões muito simples: primeira, os programas de autor representam um custo financeiro nada desprezível para o orçamento da RDP e, como tal, quando os mesmos são colocados em horários não acessíveis à generalidade dos ouvintes é o dinheiro desses ouvintes (e dos demais contribuintes) que está a ser desperdiçado; segunda, a Antena 2 deve ser algo mais do que uma emissora musical que passa música erudita, jazz e música étnica. Ao contrário do que acontece em alguns países europeus, na rádio pública portuguesa não existe um canal especificamente dedicado à cultura e, como tal, cabe à Antena 2 desempenhar esse papel. Ora na presente situação, é por de mais evidente que a Antena 2 não corresponde ao mínimo que seria desejável nesse capítulo. E não é só pela inadequação dos horários dos programas de autor de indiscutível interesse como "Questões de Moral", "O Ouvido de Maxwell" ou "A Propósito da Música". É também por não haver programas culturais de temática não musical: literatura, história, ciência, teatro, etc.. A exemplo do que fez na Antena 1, Rui Pêgo achou por bem também salpicar a grelha da Antena 2 com pequenas rubricas avulsas sobre música e outras áreas culturais. Devo dizer que acho a medida positiva, mas também digo que isso é claramente insuficiente e de pouca utilidade a quem não segue de forma continuada a emissão da Antena 2. Além do mais, essas rubricas funcionam, na sua maioria, como sugestões ou propostas de agenda da actividade cultural exterior à rádio, quando o que se pediria é que fosse a própria rádio a ter, ela mesma, cultura no seu seio – a rádio enquanto agente cultural. Neste âmbito, faço questão de apontar a honrosa excepção da rubrica de poesia e música "Os Sons Férteis", de Paulo Rato, para mim um exemplo paradigmático do serviço cultural que a rádio pública pode e deve prestar. Ainda a propósito de apontamentos e rubricas, sinto a falta no programa da manhã da crónica diária que chegou a contar com a colaboração de figuras como Isabel da Nóbrega, Helena Vaz da Silva, Maximiano Gonçalves, Teresa Rita Lopes e Vasco Graça Moura. Embora nem sempre estivesse de acordo com o que era dito nessas crónicas, elas tinham a vantagem de nos interpelar e de nos pôr a pensar sobre os mais diversos assuntos, alguns deles em que nunca atentaríamos de outra maneira. Voltando aos espaços culturais propriamente ditos, lamento profundamente que tenham desaparecido os programas evocativos e os ciclos temáticos sobre figuras e factos da História da Humanidade. Recentemente, foi para o ar um programa dedicado a Rembrandt, aliás muito bem feito, mas tratou-se de um acto isolado e sem continuidade. Todas as semanas, há uma efeméride (nascimento ou morte de uma personalidade, evento histórico, etc.) digna se ser tratada, pelo que não é por falta de assunto que tais programas não existem. Aliás, o arquivo histórico da RDP está repleto de material desse tipo e que não perdeu actualidade, o que torna ainda mais incompreensível ele não ser aproveitado, caso não se queira produzir novos programas. Neste capítulo, não posso deixar de fazer uma referência muito especial ao teatro radiofónico de que o arquivo histórico guarda autênticas preciosidades e que é um autêntico crime não serem dadas a conhecer ao público de hoje, passados que foram tantos anos sobre a sua produção e emissão. Aproveito para dizer que não gostei mesmo nada das duas ou três peças de produção recente que foram transmitidas este ano. Por princípio, não sou avesso ao experimentalismo mas confesso que os produtos que foram apresentados deixam muito a desejar não só em termos de formato e conteúdo como até no uso de linguagem obscena e imprópria para a rádio.
Analisando as alterações agora feitas à grelha que arrancou em Janeiro, fica bem evidente a desorientação e a falta de uma estratégia consistente para a Antena 2. Passo a explicitar: há programas que desaparecem decorridos apenas seis meses de vigência ("Café Plaza", "Paisagens", "Delta Blues", "Escrita em Dia"), outros mudam de nome ainda que o figurino e o conteúdo continuem os mesmos ("Amanhecer" para "Notas Soltas" e depois "Império dos Sentidos"; "Sarabanda" para "Folia"), a constante mudança de apresentadores de certos espaços musicais ("Raízes", "Até Bach", "Foyer Central") e, sobretudo, a incessante alteração de horários dos espaços musicais e dos programas de autor, isto para já não falar da suspensão inusitada que sofreram no Verão passado. Se um dos objectivos do canal é fidelizar ouvintes e criar hábitos de escuta, como é que explica esta constante deriva?
Acresce ainda que o serviço de locução tem registado uma crescente deterioração com a colocação aos microfones de pessoas que além de não terem timbre de voz adequado para a rádio ainda pecam por deficiente dicção e domínio da língua portuguesa. Não é locutor de rádio quem quer, assim como não é piloto de aviões quem quer. Não restam dúvidas de que quem decidiu pôr essas pessoas aos microfones ou não percebe nada de rádio ou então, se percebe, ignorou as regras básicas da profissão para fazer favores a amigos. E digo isto porque o Sr. João Almeida, com a complacência de Rui Pêgo, não teve o menor pejo em marginalizar ou pôr na prateleira alguns locutores detentores de vozes de qualidade e bons articulantes da nossa língua, para entregar a locução de continuidade e a apresentação de espaços musicais a três ou quatro apaniguados, diletantes e mal preparados, mas certamente mais dóceis e dispostos a cumprirem obedientemente todos os recados de que sejam incumbidos.
Por último, uma palavra sobre a colaboração externa. Eu sou um defensor da colaboração de autores exteriores à RDP desde que isso signifique uma mais valia para o serviço público e sempre que não haja profissionais no quadro da empresa com competência para realizar programas de relevante interesse cultural. Ora acontece que na actual grelha alguns colaboradores seriam totalmente dispensáveis pois não fazem nada que gente da casa não pudesse fazer, tão bem ou melhor que eles. Por exemplo, o espaço "Cantabile" podia perfeitamente ser realizado por Jorge Rodrigues ou por Teresa Ferreira de Almeida, dois bons conhecedores de música vocal. O mesmo se aplica aos programas "Prata da Casa", "Amadeus" e "Descobertas". O próprio "Jazz com Brancas" deixa muito a desejar pois José Duarte, apesar de ser uma sumidade no domínio do jazz, pouco mais faz do que dizer umas palavras de circunstância e a tocar CDs, nada que o Sr. João Almeida, por exemplo, não pudesse fazer. Muito melhor faz Manuel Jorge Veloso no seu "Um Toque de Jazz", esse sim um bom exemplo em que a colaboração externa constitui um enriquecimento do serviço prestado pelo canal. E qual o interesse para a Antena 2 de um programa como "Fuga da Arte"? A ideia de construir um programa com passagens de livros e música até podia ser interessante, mas a avaliar pelas emissões que tenho ouvido é bem evidente a inadequação entre a música seleccionada e um canal com o perfil da rádio clássica (se estivesse na Antena 1 ou Antena 3 já não teria nada a opor). Neste âmbito, tenho se contestar a presença cada vez mais frequente na Antena 2 de música pop, muitas vezes introduzida de forma despropositada e fora de contexto. Para ouvir música pop e de qualidade superior à que tenho ouvido na Antena 2 sei onde a posso encontrar e, como tal, parece-me descabido e falho de razoabilidade a difusão de música para a qual o canal não está vocacionado e que extravasa o seu estatuto editorial. Se o blues, mormente o mais genuíno, se podia aceitar no âmbito das músicas do mundo, já me parece que se está a pisar o risco quando se abre o leque a nomes como U2, Sting ou Abba (isto independentemente da qualidade que se lhes possa reconhecer). Querer fazer da Antena 2 uma rádio de todas as músicas e para todos os públicos constitui um erro crasso e radica num grande equívoco, pela simples razão de que é impossível satisfazer, ao mesmo tempo, o público da música erudita e os públicos acostumados aos produtos mais ligeiros e massificados. E quando se pretende agradar a gregos e a troianos, o mais provável é que não se agrade a ninguém. Por outro lado, quando se pretende colocar, no mesmo plano, a pop e a música erudita cai-se no ridículo e, no fim de contas, dá-se razão àqueles que acusam a Antena 2 de abastardamento. Eu não sou propriamente um purista da música clássica, mas pelo caminho que as coisas estão a levar temo que se resvale a breve prazo para algo do género «vale tudo até tirar olhos». Se é louvável o propósito de aumentar o número de ouvintes regulares da Antena 2, já me parece errada a estratégia adoptada para o conseguir. Em minha opinião, a angariação de novos ouvintes para a rádio clássica deve ser feita por outra via, essa sim com resultados mais consistentes e duradouros. Tudo começa por uma verdadeira política de educação musical no ensino básico e secundário, coisa que tem sido completamente descurada em Portugal, como é sabido. E quando o sistema de ensino falha cabe aos media corrigir esse défice, aproveitando a força e o poder que têm junto das massas. E aqui tem de se trazer à liça os canais generalistas da rádio portuguesa. Onde é que estão programas do tipo de um "Em Órbita" para abrirem os horizontes da dita música erudita a pessoas por princípio a ela alheias? Convém lembrar que boa parte dos actuais ouvintes da Antena 2 começaram por ser ouvintes do mítico programa de Jorge Gil, na Rádio Comercial, uma rádio do pop/rock (é bom não esquecer este pormenor). E o que é que os canais generalistas da rádio pública têm feito na promoção e divulgação da música clássica? Actualmente existe uma boa rubrica da autoria de António Cartaxo na Antena 1, o que se aplaude, mas faz falta um espaço de maior fôlego. Porque não se faz um programa, a incluir nas grelhas das Antenas 1 e 3, preenchido com obras e trechos mais acessíveis e de mais fácil agrado com especial incidência na música barroca por ser o estilo mais apelativo? Convém lembrar que muitos ouvintes sem formação musical formal foram conquistados para a música clássica precisamente com obras como: o Bolero, de Ravel; As Quatro Estações, de Vivaldi; Tocata e Fuga em ré menor, BWV 565, de Bach; Canon, de Pachelbel; Adágio, de Albinoni; Minueto, de Boccherini, Concerto de Aranjuez, de Joaquín Rodrigo; Sinfonia nº. 40, de Mozart; Quinta Sinfonia, de Beethoven; etc.. E já agora, por que razão a excelente rubrica de António Cartaxo não passa na Antena 3 de modo a proporcionar aos mais jovens, e de forma paulatina, a descoberta do vasto mundo da música clássica/erudita? Sem prejuízo de tudo isto, também acho que seria interessante haver na Antena 3, um programa dedicado a músicas do pop/rock inspiradas ou adaptadas de composições da música clássica e em que se fizesse o contraponto com as obras originais. Nomes como Procol Harum, Jethro Tull, Deep Purple, Frank Zappa, Electric Light Orchestra, Sting, entre outros, têm no seu repertório adaptações de obras dos grandes compositores sem que os próprios fãs, muitas vezes, tenham a noção disso. Seria mais uma janela que se abriria em muitas cabeças. Ainda com o intuito de cativar mais jovens para a Antena 2, não seria boa ideia incluir na Antena 3 pequenos apontamentos em que se daria um lamiré de obras potencialmente mais cativantes da programação diária da rádio clássica? É durante a juventude que há mais avidez por conhecer coisas novas e, desta maneira, estou em crer que se conquistariam, se não de imediato pelo menos a médio prazo, mais uns tantos ouvintes para a Antena 2. Há que lançar as sementes à terra agora quando ela está tenra e arável para que as árvores nasçam, cresçam e, por fim, dêem frutos.
Para terminar, não escondo a minha perplexidade com a decisão de colocar um programa de entrevista – "Quinta Essência" – no mesmo horário em que na Antena 1 passa justamente outro programa de entrevista – "1001 Escolhas". Eu até nem me importava de ouvir ambas as entrevistas, mas já que sou obrigado a optar será certamente o programa de Madalena Balça aquele que não vou perder.
E já que falei na Antena 1, aproveito o ensejo para exprimir o meu profundo desagrado pelo facto dos programas "Escrita em Dia" e "Viva a Música" terem deixado de ser repostos nas tardes de sábado, ao contrário do que continua a acontecer com o programa "Ondas Luisianas". Agora entre as 14 e as 17 horas de sábado, voltou a reinar a banal e corriqueira música de 'playlist', a mesma que passa a toda a hora na Antena 1. Em face disto, eu tenho de formular ao sr. Rui Pêgo a seguinte pergunta: a música de 'playlist' (ainda por cima de fraca qualidade) representa mais serviço público do que uma conversa à volta de livros ou do que a música portuguesa ao vivo?
Com os mais respeitosos cumprimentos,

Álvaro José Ferreira

04 outubro 2006

"Os Sons Férteis": arquivo 'online' e 'podcasting'

Exmo. Senhor Provedor do Ouvinte,

Queria chamar a atenção para o facto dos audiogramas da rubrica "Os Sons Férteis" não estarem a merecer a devida e merecida atenção de quem de direito no que respeita a actualizações no arquivo online. Durante as últimas semanas de Agosto e as primeiras de Setembro nem sequer houve colocações 'online', ao contrário do que acontecia com as rubricas da Antena 1, o que me leva a supor que o sucedido se deve a descoordenação entre a direcção de programas da RDP e o administrador do site ou, pura e simplesmente, negligência ou má vontade do dito responsável para com a rubrica de Paulo Rato. Por exemplo, só hoje, quarta-feira, é que foram colocados os audiogramas da semana passada. Gostava de lembrar que se há espaço na Antena 2 que se pode considerar com toda a propriedade serviço público, "Os Sons Férteis" é, com toda a certeza, um deles. Por isso, não compreendo nem posso aceitar o que se está a passar. O apontamento de Paulo Rato é das melhores coisas que a rádio nos proporciona, e que sabe bem ouvir quando nos apetece saborear um bom naco de poesia temperada com música. Ora acontece que quem não pode ouvir a rubrica em directo, na única vez que passa na rádio (às 11 horas da manhã), ou gostava de a voltar a ouvir, fica impossibilitado de o fazer. Tratando-se de um apontamento de palavra, fazia todo o sentido que os ficheiros áudio fossem facultados em podcasting (além da possibilidade de download avulso).
E também seria de relevante interesse que o arquivo online passasse a contemplar todo o histórico do programa. A poesia não se desactualiza com a passar do tempo, pelo que constitui uma falha no serviço público os audiogramas de "Os Sons Férteis" apenas estarem disponíveis durante uma semana (quando estão!) e serem rapidamente sepultados nesse autêntico cemitério que é o arquivo histórico da RDP, sem que ninguém deles possa tirar proveito. Seria também muito interessante que nesse arquivo online completo de "Os Sons Férteis" houvesse à frente de cada audiograma um link para o respectivo poema sob a forma escrita, de modo a que o ouvinte pudesse acompanhar a audição com a leitura. Aliás, já houve uma experiência desse género, no antigo site da RDP, com a rubrica "Canções" que foi muito apreciada. Porque não reeditá-la com o excelente apontamento de poesia e música de Paulo Rato?
Por último, e a exemplo do que se passa com as rubricas da Antena 1, por que razão a rubrica "Os Sons Férteis" não é repetida à tarde e à noite?
Com os mais respeitosos cumprimentos,

Álvaro José Ferreira