31 julho 2007

"80x2": música a metro na Antena 1

A exemplo do aconteceu nos anos anteriores, a direcção de programas da Antena 1 voltou a apostar na música anglo-americana dos anos 80, para o final das manhãs de sábado deste Verão. Antes de mais, há uma questão que se impõe: qual a razão da delimitação à década de 80, excluindo tudo o resto? Nas décadas anteriores não se terá feito boa música? Eu respondo: não só se fez boa música como inclusive de qualidade superior, em termos gerais. Lamentavelmente, os responsáveis pela programação musical da Antena 1 parece terem vistas curtas e não conseguir ver, olhando retrospectivamente, além de 1980. Ora atendendo a que a primeira hora do programa "Ondas Luisianas" já era dedicada aos anos 80, a representatividade temporal da música anglo-americana na Antena 1 fica bastante distorcida e empolada nessa década, em prejuízo dos anos 60 e 70. Devo dizer que, em princípio, nada tenho contra a música dos anos 80 desde que seja de qualidade. Infelizmente, pelo que me foi dado ouvir no último sábado, o grosso da música seleccionada para o espaço "80x2", de qualidade tem muito pouco. Diria mais: exceptuando uma ou outra escolha pontual, a quase totalidade do que foi transmitido conta-se entre a produção mais reles e medíocre da década. Enfim, a vulgar música que figurava nos tops da altura mas hoje imprópria para consumo. Não sei se é essa a música que Ricardo Soares, o autor/apresentador do programa, gosta de ouvir ou se haverá outra razão para as opções feitas (possivelmente promoção encapotada a alguma miscelânea dos 80’s entretanto lançada no mercado). Eu, que por acaso até cresci a ouvir essa música, confesso que não senti qualquer prazer (e até algum desconforto) a reouvi-la passados uns bons anos. Talvez a culpa sejam as muitas horas de audição de excelente música dos mais variados géneros que tenho no currículo, mas também convirá dizer que se não se apura o gosto com o tempo e se continua a gostar das musiquetas que nos atiraram à cara na adolescência foi porque não se amadureceu. Nessa medida, não pecará por excessivamente simplista e falha de ambição a atitude de passar apenas o que estava nos 'hit parades', independentemente da sua qualidade? Não seria muito mais ajustado e adequado ao conceito de serviço público adoptar uma atitude mais exigente de divulgar os trabalhos que embora mais na sombra apresentem uma reconhecida valia artística? Nunca é de mais lembrar que o número de discos vendidos ou a posição que determinado tema/intérprete ocupou num qualquer top de vendas jamais foi um critério válido para avaliar a respectiva qualidade. Em todo o caso, se esse critério é bastante questionável para a música dos anos 80 e seguintes, talvez não o seja em igual grau relativamente aos anos 60 e 70. Digo isto porque muita da música mais vendida nessas décadas conseguiu resistir bastante bem ao tempo, talvez porque a criação artística ainda se fazia sem o condicionamento nefasto de ditames mercantilistas. Da era punk em diante é o que se sabe, com algumas honrosas excepções, quase sempre à margem do mercado. Em suma, grande parte da melhor música anglo-americana já estava feita quando no calendário surgiu o ano de 1980. Hoje, em 2007, essa música poderá ser antiga mas nunca será velha. Porque a boa música não tem idade! E se no caso da música clássica/erudita o público prefere Bach ou Vivaldi (falecidos há mais de 250 anos) a outros compositores temporalmente muito mais próximos, isso não deixa de ser também verdade para a música popular, no caso a anglo-americana. Leiam-se os maiores entendidos no assunto e, já agora, também os inquéritos feitos pelas revistas especializadas aos seus leitores. Os nomes que aparecem nos lugares cimeiros são invariavelmente Bob Dylan, Rolling Stones, The Doors, Led Zeppelin, Deep Purple, Pink Floyd. Ora o que todos estes nomes têm em comum foi terem começado nos anos 60 e a sua nomeação se dever a álbuns produzidos nas décadas de 60 e 70. Curiosamente, os trabalhos que alguns desses nomes posteriormente fizeram, no caso dos que perduraram, não sendo dos melhores, ainda assim continuam a ser superiores a boa parte do que foi produzido por outros nomes entretanto surgidos. Porquê então a preferência pela mediocridade quando se pode optar pela excelência? Numa rádio, usar como critério de escolha musical o que mais se vendeu numa determinada época, e sem outro factor de ponderação, será sempre o pior dos critérios. Pode ser mais fácil e dar menos trabalho mas não é, com toda a certeza, bom serviço público. E quando se trata de música o tempo é quase sempre um bom aferidor para separar o trigo do joio, quer dizer, para destrinçar o ouro do pechisbeque. Isso, claro está, quando se tem bom gosto musical. Talvez o problema da Antena 1 seja exactamente esse!
Acresce ainda que jamais se poderá aceitar que, na rádio que é paga por todos os contribuintes portugueses, os programas musicais de maior fôlego tenham por objecto exclusivo a música anglo-saxónica (nem sempre a melhor, como já foi dito) e não haja sequer um espaço musical alargado dedicado à música popular portuguesa. Na rádio pública portuguesa – friso a palavra 'portuguesa' – era o mínimo que se podia esperar. E é o mínimo que se deve exigir!

25 julho 2007

50 Anos de Canções Portuguesas

50 Anos de Canções Portuguesas é o nome uma nova rubrica musical da Antena 1, que tem a particularidade de as escolhas não serem feitas por uma única pessoa mas por diferentes figuras conhecidas da nossa praça. O conceito não é novo pois a TSF e o Rádio Clube Português, por exemplo, há algum tempo que têm espaços musicais feitos à base das preferências de pessoas exteriores à rádio. Antes, ainda, o próprio José Nuno Martins, actual Provedor do Ouvinte da RDP, no programa "O Amigo da Música", que realizou na Antena 1, já levara a cabo a experiência, para a música latina, não só com figuras públicas mas também com ouvintes anónimos. O que distingue esta rubrica, a meu ver positivamente, é ter como âmbito a música portuguesa e de ter o propósito (louvável) de dar uma panorâmica do que de melhor se fez em Portugal na área da canção (e da música instrumental), no último meio século. Poderá questionar-se a baliza de 50 anos, que deixa de fora o repertório gravado antes de 1957, algum do qual digno de interesse (designadamente na área do fado), mas terá de se reconhecer que esses registos não apresentam, na sua maioria, a qualidade sonora desejável para os ouvidos de hoje.
Não obstante, há outros aspectos que deveriam ser tidos em atenção. Em primeiro lugar, constata-se que os convidados são quase todos residentes na zona de Lisboa, coisa que se compreenderia se a Antena 1 fosse uma rádio local mas já não se pode aceitar numa estação nacional e, ainda por cima, pública. Porto, Braga, Coimbra, Castelo Branco, Santarém, Évora e Faro também são Portugal e nessas (e noutras) localidades há com toda a certeza muitos e bons apreciadores da nossa melhor música que poderiam dar um contributo muito válido no sentido de uma amostragem mais rica e heterogénea da canção portuguesa (não erudita) das últimas cinco décadas. E digo isto porque, analisando as mais de 40 canções já transmitidas, saltam à vista omissões flagrantes de alguns nomes de referência da música portuguesa (Luiz Goes, Adriano Correia de Oliveira, Vitorino, Pedro Barroso, Luís Cília, Janita Salomé, Amélia Muge, Brigada Victor Jara, Ronda dos Quatro Caminhos, Vai de Roda, Realejo, etc.). Dando o benefício da dúvida de que entre as escolhas ainda não radiodifundidas haja temas destes intérpretes (e de outros), mesmo assim temo que, quando terminar a rubrica, a lista de canções no seu conjunto venha a evidenciar lacunas imperdoáveis de canções/intérpretes maiores da nossa música. Já deu para perceber que José Afonso, Amália Rodrigues, Carlos do Carmo e Sérgio Godinho vão ser recorrentes nas escolhas das figuras auscultadas, mas sem por em causa a excelência desses cantores, uma lista dominada por quatro ou cinco intérpretes (inclusive com temas repetidos), além de não dar uma amostragem abrangente e equilibrada da música nacional digna de figurar numa antologia do tipo "As 100 Melhores Canções Portuguesas", peca também por não fazer justiça a outros intérpretes de mérito incontestado.
Outro ponto que também merece reparo é a não repetição da rubrica noutros horários, sobretudo à tarde, por forma a chegar a um público mais vasto e diversificado. E claro está que independentemente disso, nada obsta que a Antena 1 passe, uma vez por outra, nos alinhamentos de continuidade, as canções/intérpretes da afeição dos ilustres convidados do apontamento "50 Anos de Canções Portuguesas". Aliás, o facto de praticamente todas essas canções não fazerem parte da playlist é bem demonstrativo do modo negligente como a estação estatal tem tratado o património musical português. Isto para já não falar da notória permeabilidade da rádio pública (especialmente as Antenas 1 e 3) aos interesses comerciais das editoras mais poderosas e da criminosa marginalização de alguma da melhor produção actual, quer de nomes credenciados quer de projectos novos.

03 julho 2007

Notas do Provedor: programa da manhã da Antena 2 ("Império dos Sentidos")

«Alberto Ramos – A "pressão informativa" do "Império dos Sentidos" (como lhe chamou um Ouvinte) não constituirá, portanto, a única razão para os lamentos dos Ouvintes, quanto ao afirmado desequilíbrio entre Voz falada e Música.
José Nuno Martins – O conteúdo e a natureza dos textos e dos improvisos – de acordo com o que o Director-adjunto da Estação considerou aqui, na semana passada, estar "em linha com os parâmetros duma rádio cosmopolita que, pelo facto de ser erudita, não tem que se alhear do mundo", também são contestados por Ouvintes.
Isabel Bernardo – O processo utilizado nas "manhãs" de uma Rádio generalista pode ser precisamente, o de tecer um poliedro temático, que vise abranger todas as matérias, todos os Públicos, todas as idades, todos os estratos e todos os patamares de literacia, todos os padrões de gosto.
José Nuno Martins – Só que, na perspectiva dos Ouvintes queixosos, a ANTENA 2, não deve aproximar-se do modelo proposto pelas Rádios generalistas.
Isabel Bernardo – João Almeida, porventura também falando por Paulo Alves Guerra questionado pelas suas escolhas e processos no Programa, sugeria que os reclamantes não têm direito a refugiar-se numa ANTENA 2 menos permissiva ao registo dominante em toda a Comunicação social.
Alberto Ramos – Serão Ouvintes inapelavelmente classificados pelo Director, como "desiludidos da vida real", que não merecem estar entre os que, agora, segundo o mais recente estudo da Marktest, fortalecem a performance audimétrica da ANTENA 2, no período da manhã.
José Nuno Martins – Mas, deste modo, aproximando-se do modelo dominante, outra coisa não seria de esperar. Aliás, até prova em contrário, essa parece ser a única estratégia definida para os três canais nacionais do Serviço Público – conquistar audiências a todo o custo.
Nem que seja à custa do Serviço Público. Ou nem que seja à custa do respeito pela identidade própria e tradicional de cada Estação, ou da sensibilidade específica e das expectativas de cada uma das faixas de Públicos que, ao longo do dia, escolhem ouvir cada uma delas...
Alberto Ramos – Hoje o Provedor do Ouvinte pediu a opinião de João David Nunes, com 59 anos, depois de muitos de carreira profissional notável, é considerado como autoridade inquestionável no campo da Programação e da Gestão de Comunicação.

[João David Nunes - "Falar ... erro de casting" 02:42]

José Nuno Martins – Segundo a opinião de João David Nunes, o projecto de propor ao Público matinal da ANTENA 2 a actuação de um Jornalista pode, portanto, ter sido uma escolha pouco feliz.
O alinhamento de "Império dos Sentidos" configurava, na altura da análise efectuada, um conjunto de elementos mais adequados a uma Programação generalista, com muita Palavra improvisada, Encontros pessoais, Notícias repetidas e deslocadas do alvo, revistas de Imprensa nacional e internacional, generalista ou desportiva, promoções e autopromoções. E isso sim me parece ser um erro de interpretação, talvez decorrente da formação dos seus autores.
Ainda voltarei a este assunto porque a configuração de "Império dos Sentidos" – pouco alterada desde Abril – não está acordo com a expectativa manifestada pela muito expressiva maioria dos Ouvintes que se me dirigem.
A RDP aliás, parece querer padronizar as suas três ofertas nacionais – ANTENA 1, ANTENA 2 e ANTENA 3 – através de bitolas processuais e estéticas, de naturezas demasiado semelhantes entre si. Globalizando, em vez de acentuar as diferenças de estilos e de Públicos-alvo. E generalizando, ao invés de especializar, destrinçar e distinguir as suas propostas.
Contudo, a ANTENA 2 está definida nos textos legais como uma Rádio (vou citar) "de índole cultural, respeitando padrões exigentes de qualidade em termos de estética, de conteúdo e tecnológicos, vocacionada para a transmissão de programas de música erudita, atenta às suas manifestações (...), interessada em fomentar o conhecimento e o gosto pela música (...)". Além disso, segundo o texto do seu Contrato, a ANTENA 2 tem ainda como pressuposto para a sua actividade, a função de responder "aos interesses minoritários das diferentes categorias do Público".» (José Nuno Martins, in "
Em Nome do Ouvinte", 29-06-2007)


Não podia estar mais de acordo com estas palavras do Provedor do Ouvinte, José Nuno Martins. Agora espero que quem tem poder de decisão saiba tirar as devidas ilações e aja em conformidade. Por exemplo, urge que seja feita a monitorização do serviço prestado pelos diversos canais da RDP – em especial pelas Antenas 1, 2 e 3 –, e averiguado com objectividade o grau de infracção – quantitativo e qualitativo – das disposições constantes no contrato de concessão de serviço público celebrado entre o Governo e a Rádio e Televisão de Portugal. E para que essa avaliação não passe de uma mera formalidade sem consequências – como é usual entre nós –, é necessário que haja a efectiva responsabilização dos autores pelo incumprimento das obrigações contratualmente assumidas.