13 fevereiro 2015

Antena 2: uma miséria de rádio (II)

Qualquer dia é bom para se reflectir e opinar sobre o serviço público de rádio e o de hoje afigura-se assaz oportuno para trazer de novo à liça a Antena 2, tão confrangedor é o mísero estado a que chegou às mãos da tríade de malfeitores Marinho/Pêgo/Almeida.
Não há muito a acrescentar ao que foi explanado em textos anteriores (links ao fundo), mas importa frisar dois ou três pontos de capital importância. Persiste a penúria de programas culturais – nas áreas da História, da Sociologia, da Antropologia, das Artes, do Pensamento – e mesmo em matéria de música são escassíssimos os programas de autor. Prevalecem os espaços – longuíssimos! – preenchidos com trechos musicais em jeito de miscelânea: vai-se buscar à prateleira um lote de discos ao acaso e toca de passar uma ou duas faixas de cada um, de tal sorte que durante uma hora (há que não ultrapassar esse tempo porque os 'jingles' e os 'spots' promocionais têm forçosamente de ser disparados, mesmo que já tenham ido para o ar milhentas vezes) podem ser transmitidas as obras mais díspares em género, estilo e época. «Mete-se tudo no mesmo saco e logo se vê o que sai na rifa». Perguntamos: isto é prestar bom serviço público? É com este método desconexo e destruturado que a Antena 2 cumpre a nobre missão para a qual foi criada e que é, por um lado, a de satisfazer os ouvintes mais eruditos e exigentes e, por outro, a de promover o gosto e o conhecimento nos principiantes? Jamais! Não corresponde cabalmente às expectativas dos primeiros e afugenta os segundos, de tão perdidos e desorientados que se sentem no meio de tal babel musical. Vistas bem as coisas, a Antena 2, durante largas horas do dia, não é muito diferente de uma vulgar rádio de 'playlist', se exceptuarmos a atenuante de as peças musicais não estarem sujeitas a padrões de repetição durante o mesmo dia ou nos seguintes (como acontece na Antena 1, por exemplo). No fundo, o que Rui Pêgo fez foi aplicar à Antena 2 a formatação em vigor nas rádios de música pop por onde passou (a começar pela RFM), revelando assim uma evidente incapacidade para perceber as especificidades de um canal vocacionado para a alta cultura. Incapacidade e desinteresse, pois ao mesmo tempo que deixa a Antena 2 na indigência não faz a menor parcimónia em engordar a clientela de colaboradores externos da Antena 1 (como sucedeu já este ano).
No Dia Mundial da Rádio, o escrevente destas linhas e, estou em crer, muitos mais ouvintes insatisfeitos com a actual Antena 2 deixam expresso o desejo de que o novo responsável pelos conteúdos na administração da Rádio e Televisão de Portugal, Nuno Artur Silva, olhe para o canal e lhe restitua a dignidade perdida (depois da saída de João Pereira Bastos foi sempre a descer). E o primeiro passo será, inevitavelmente, voltar a autonomizar a direcção de programas e entregá-la a uma pessoa com a necessária e conveniente sensibilidade cultural. Atrevo-me a sugerir um nome: a pianista e ex-ministra da Cultura Gabriela Canavilhas.


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