29 setembro 2006

Propostas para o serviço público de televisão



Exmo. Sr. Provedor do Telespectador da Televisão Pública,

Tendo ouvido/visto o repto lançado pelo Sr. Provedor Paquete de Oliveira aos telespectadores da RTP para o ajudarem com a apresentação de sugestões com vista à melhoria do serviço público de televisão, eu não me podia escusar e, nessa medida, venho também dar o meu (modesto) contributo, reportando-me sobretudo aos dois canais de cobertura nacional em sinal aberto (RTP-1 e 2).
Passo a apresentar as minhas ideias e propostas, por áreas temáticas que embora não sendo estanques se tornam úteis para organizar a exposição.

1. Programas de debate e espaços de grande reportagem
Este é um ponto a que o serviço público devia dar uma atenção muito particular. No tocante aos espaços de debate existem dois – "Estado da Nação" e "Prós e Contras" - mas que pecam por se centrarem sobretudo na actualidade política. No programa apresentado por Fátima Campos Ferreira raramente se tratam de assuntos que embora não estejam na agenda politico/mediática nem por isso deixam de ter um real interesse para os cidadãos, um pouco no género do que era feito no programa "Hora Extra". Este programa que Conceição Lino apresentava na SIC era um notável exemplo de serviço público cujo modelo eu gostava que fosse adoptado na televisão pública, em sinal aberto. O "Prós e Contras" é um programa que tem os seus méritos mas, em minha opinião, um pouco cinzento e institucional e que também peca por alguns convidados caírem com muita facilidade na conversa fiada e cifrada, frequentemente enfadonha, pouco esclarecedora e pouco apelativa para o cidadão comum. Eu confesso que já me aconteceu chegar ao fim do programa e concluir que pouco ou nada contribuiu para verdadeiramente me elucidar sobre um determinado assunto.
No tocante aos espaços de reportagem (que devem ser autónomos dos noticiários), cumpre-me dizer que têm sido notoriamente descurados. Havia o espaço "Grande Informação", da responsabilidade de Judite de Sousa, que era bem feito e abordava temas sociais, o que lhe conferia um inegável interesse público, mas inexplicavelmente foi descontinuado. Recentemente apareceu um espaço de curtas reportagens intitulado "Reportagem" mas que, apesar do interesse de alguns temas tratados, peca pela exiguidade do tempo de duração. Porquê apenas 15 minutos e não meia hora ou mesmo uma hora? Se há temas que se conseguem tratar num quarto de hora sem problemas de maior, outros há que ficam notoriamente a perder com um tempo tão diminuto. E faz também falta na televisão pública um programa reservado a reportagens e documentários sobre as grandes temáticas do nosso tempo à escala mundial nos diversos domínios (ambiente, terrorismo, fenómenos sociais, etc.) um pouco no figurino do espaço "Toda a Verdade" (SIC Notícias). No canal 2, existia um bom programa nesta área chamado "Sinais do Tempo", mas também foi incompreensivelmente extinto. Veio depois a ressurgir na RTP-N, mas isso não é razão para não figurar também na grelha da RTP-2, a exemplo do que acontece – e muito bem – com os programas "Livro Aberto" e "Viajar é Preciso" e já aconteceu com "Estes Difíceis Amores" e "4 x Ciência". Aliás, penso que seria pertinente que estes e outros programas de cariz cultural/científico da RTP-N e também da RTP-Memória fossem retransmitidos (ainda que com algum desfasamento temporal) na RTP-2, mesmo a horas tardias. Deste modo, quem não pode ou não quer assinar os pacotes do cabo tinha a possibilidade de programar o videogravador para depois ver os programas do seu interesse a uma hora mais conveniente. Alguns exemplos: "1001 Escolhas" (Madalena Balça), "Histórias da Música" (António Vitorino de Almeida), "Se Bem me Lembro" (Vitorino Nemésio), "Viagem ao Maravilhoso" (Carlos Brandão Lucas), "Lendas e Factos da História de Portugal" (Luís Beja), "Histórias Que o Tempo Apagou" (José Hermano Saraiva), "Povo Que Canta" (Michel Giacometti e Alfredo Tropa), "Danças e Cantares", "Fados de Portugal".

2. Séries e mini-séries de ficção
Esta é outra área em que o serviço público pode marcar a diferença pela qualidade em relação às estações comerciais. Neste ponto, tenho de aplaudir algumas opções da RTP e de criticar outras. Para começar tenho de louvar o empenho da televisão pública na produção de séries de época baseadas em figuras/factos da nossa História e em obras literárias ("Ricardina e Marta", "Ballet Rose", "A Raia dos Medos", "O Conde d'Abranhos", "Alves dos Reis", "A Febre do Ouro Negro", "Gente Feliz com Lágrimas", "O Processo dos Távoras", "A Ferreirinha", "João Semana", "Pedro e Inês", "Bocage", "Quando os Lobos Uivam"). Umas foram mais bem conseguidas do que outras mas, em todo o caso, é importante que a RTP continue a apostar na produção de época pois se não for a televisão pública a fazê-lo mais ninguém o vai fazer. Por isso, espero que o vazio que se tem verificado ultimamente seja passageiro e que em breve possamos contar com outras séries de época de produção nacional. Aplaudo também a exibição pela RTP-1 de algumas mini-séries de época estrangeiras, algumas muito boas, mas lamento a não exibição, na RTP-1 ou 2, de séries do mesmo género de maior fôlego como já aconteceu anteriormente ("Norte e Sul", "As Saias da Revolução", "Napoleão", "Eu, Cláudio", "Reviver o Passado em Brideshead", "A Cartuxa de Parma", "Madame Bovary", "Os Miseráveis", "Anna Karenina", "Sensibilidade e Bom Senso", etc.). É verdade que passou recentemente na RTP-2 uma série intitulada "Roma" mas foi um caso isolado. E digo isto porque a direcção da RTP-2 parece só ter olhos para as séries americanas de cariz mais comercial e teima em ignorar a produção europeia que regista uma grande qualidade no capítulo das reconstituições de época e ficção histórica. Não digo que não haja séries americanas de qualidade como a já referida "Roma" ou "Sete Palmos de Terra", mas é inegável que muitas outras são produtos banais e vulgares, e sem qualquer substrato cultural, apenas entretenimento fútil e de baixo nível. Neste aspecto parece-me um flagrante desvio do serviço público e um desperdício do dinheiro dos contribuintes estar-se a ocupar o horário nobre do canal cultural da televisão pública todos os dias com séries infindáveis, as quais foram concebidas propositadamente para as televisões comerciais.

3. Cinema
Registo com agrado a transmissão que a RTP-1 tem vindo a fazer de bons filmes, mas não deixo de lamentar o enfoque exagerado no cinema norte-americano e, por outro lado, a colocação dos filmes de maior qualidade em horários muito tardios. Admito que a RTP-1 talvez não seja o canal mais indicado para o cinema europeu, mas há alguns filmes de linguagem e estilo acessíveis ao grande público que têm todo o cabimento num canal generalista de feição mais popular. Por acaso, a RTP-1 até transmitiu recentemente um desses filmes – "Pinóquio" – realizado e protagonizado por Roberto Benigni, mas cometeu um erro imperdoável e de palmatória: colocou-o às 2 horas da madrugada! Com que critério é que se atira para tal horário um filme que tem como alvo preferencial o público infantil? Era de caras que este filme devia ser colocado numa matiné, nunca num horário tão impróprio para o público a que se destina. Mas as minhas críticas em matéria de cinema vão sobretudo para a RTP-2 pela forma como tem desprezado a sétima arte, depois da abolição do espaço "Cinco Noites, Cinco Filmes". Um dos grandes erros da direcção de Manuel Falcão foi preferir as séries americanas ao cinema de qualidade: séries quase todos os dias e apenas uma filme por semana. Estava à espera que sob a direcção de Jorge Wemans, diminuísse o peso das séries de produção industrial e se apostasse de uma forma mais séria e digna no cinema, mas constato que a situação continua no essencial a mesma. Ora eu penso que o canal 2 da RTP tem uma obrigação acrescida de serviço público, relativamente ao cinema, que não está notoriamente a cumprir. Como já disse atrás, o canal passa apenas um filme por semana, (na rubrica "Sala 2"), e além disso restringe-se ao cinema americano. Penso que o cinema clássico norte-americano se adequa perfeitamente ao canal 2, mas já não acho razoável o ostracismo a que tem sido votado o cinema europeu – clássico e moderno – e igualmente o cinema português. No espaço "Noites da 2" foi recentemente exibido um ciclo de cinema português, mas há largas semanas que não se via um filme nacional na 2, o que acho totalmente inaceitável. O próprio canal 1, presumo que para cumprir calendário, passa mais cinema português e europeu (se bem que a começar às 2 e às 3 da madrugada!), o que dá bem para perceber a situação bizarra a que se vem assistindo no canal cultural da televisão pública portuguesa. Acresce que o espaço "Noites da 2", criado pela nova direcção de programas, supostamente para acolher conteúdos de qualidade na área do documentário, do cinema e das demais artes, tem na prática funcionado como um espaço (mais um!) onde são despejadas mais séries americanas, algumas de qualidade muito duvidosa. Em face disto, há uma pergunta que eu não posso deixar de formular à direcção da 2: as séries televisivas americanas tem mais valor cultural que o cinema, nomeadamente o europeu?
Escusado será dizer que a televisão pública tem um papel insubstituível na divulgação das obras-primas da História do Cinema, com especial incidência na produção europeia devido à sua menor visibilidade. Porque se não for o serviço público a fazê-lo, uma parte muita significativa da população portuguesa que gosta de cinema fica impossibilitada de fruir da obra de nomes tão importantes como Murnau, Fritz Lang, Fassbinder, Victor Sjöstrom, Ingmar Bergman, Dreyer, Jean Renoir, René Clair, Marcel Carné, Jean Cocteau, Truffaut, Claude Chabrol, André Techiné, Rosselini, Antonioni, Fellini, Visconti, Pasolini, Bertolucci, Franco Zefirelli, Luis Buñuel, Carlos Saura, D. W. Griffith, John Ford, Howard Hawks, Raoul Walsh, John Huston, George Cukor, Frank Capra, Joseph L. Mankiewicz, Orson Welles, Elia Kazan, Alfred Hitchcock, Michael Powell, Lawrence Olivier, David Lean, James Ivory, Roman Polanski, Sergei Eisenstein, Satyajit Ray, Kurosawa, Mizoguchi, Zhang Yimou, Chen Kaige, entre outros. Dado que uma grande parte da filmografia destes e de outros nomes de referência da História do Cinema não está disponível no mercado videográfico, e nem todos os cinéfilos têm possibilidade de frequentar a Cinemateca Portuguesa, eu sugiro que a Rádio e Televisão de Portugal celebre um protocolo com a Cinemateca com vista à transmissão televisiva dos melhores filmes dos vários ciclos que vão sendo programados para as salas da Rua Barata Salgueiro. Falei do cinema clássico mas convém não olvidar boa parte da produção actual que passa nos Festivais de Cinema (Cannes, Berlim, Veneza, etc.) e que depois, por não chegar às salas do circuito comercial, fica totalmente inacessível ao público. Cabe ao serviço público de televisão tornar essas obras também acessíveis aos amantes de cinema portugueses. E já que estou a falar de cinema não comercial, aproveito também para sugerir a criação de um espaço semanal dedicado ao cinema português. É um lugar comum dizer-se que o público português não gosta do cinema português de autor e que só acorre às salas para assistir a filmes do género "O Crime do Padre Amaro". Não ponho em questão que haja algum fundamento nessa asserção, mas também é verdade que cabe à televisão uma função pedagógica no modo de ver e apreciar as obras cinematográficas mais exigentes e menos imediatistas. A este propósito, faço referência a divulgadores como João Bénard da Costa ou Lauro António que já tiveram programas próprios na televisão portuguesa e com quem muitas pessoas (eu incluído) aprenderam a ver os filmes com outros olhos mas que por motivos de mera lógica comercial foram afastados. Urge que essas experiências sejam retomadas no serviço público, porque a sensibilidade educa-se e o gosto pelas coisas da cultura cultiva-se. Há quem esteja disposto a fazê-lo, desde que quem dirige a televisão pública lhe abra as portas. Fala-se muito da falta de públicos para a cultura em Portugal, mas também não vejo nada de assinalável a ser feito nos media para resolver o problema.

4. Documentários
Outra área que, tal como a ficção de qualidade, devia constituir uma aposta forte da televisão pública mas que infelizmente também tem sido algo descurada. A RTP-1 passou recentemente uma série documental sobre a emigração portuguesa de grande qualidade e muito aclamada tanto pela crítica como pelo público e, como tal, não se compreende a fraca aposta da televisão pública no documentário de produção própria. A este propósito, não posso deixar de lamentar a extinção dos espaços da RTP-2 "O Lugar da História" e "Artes e Letras". O primeiro era coordenado por Júlia Fernandes que dava uma atenção muito especial à produção nacional, sendo que muitos deles nada ficavam a dever a belíssimos documentários estrangeiros que eram a imagem de marca do programa. Foram muitos e memoráveis os documentários que vi pela mão de Júlia Fernandes e confesso que sinto muitas saudades desse espaço pelo profissionalismo com que era feito e pela qualidade que apresentava. Em Janeiro de 2004, aquando da reestruturação do canal 2, o espaço foi criminosamente extinto tendo surgido os espaços "Mundos" e "Vidas" e "Hora Discovery" que a meu ver ficam muito aquém dos anteriores, quer em termos de conteúdos quer de conceito. E aponto apenas três pontos para fundamentar a minha opinião: o critério de escolha dos conteúdos e das produtoras, a locução em língua portuguesa e a produção nacional. Em tudo isto "O Lugar da História" era um notável exemplo. Agora os documentários são escolhidos de forma aparentemente aleatória sendo que alguns apresentam uma qualidade mediana para não dizer medíocre e sobre assuntos de duvidoso interesse cultural e pedagógico (sobretudo na "Hora Discovery"); quase não há locução em língua portuguesa prevalecendo a legendagem, o que constitui uma falha grave do serviço público para os telespectadores que não sabem ler mas que têm curiosidade intelectual e vontade de se enriquecem culturalmente; a produção nacional tornou-se insignificante e esporádica. Recentemente foi para o ar uma boa série documental em quatro episódios intitulada "Périplo" (em torno do Mediterrâneo), bem demonstrativa do que podíamos fazer com mais regularidade e não nos ficarmos por experiências esporádicas e avulsas. Por que motivo não se fazem documentários monográficos sobre figuras da nossa História e Cultura, que depois até podiam ser cedidos às escolas? Júlia Fernandes e Diana Andringa deram um importante contributo para o enriquecimento do acervo da RTP nesta área mas muito mais havia a fazer. E por que motivo não são repostos de vez em quando esses belos documentários nos canais de sinal aberto em vez ficarem apenas reservados à RTP-Memória?
Ainda em matéria de documentários gostava que houvesse um maior investimento no campo da História e particularmente na História da Arte. Há pouco tempo passou uma série documental intitulada "A Vida Íntima de Uma Obra-Prima" que me fascinou e com a qual muito aprendi. Faço votos para que mais documentários do género sejam exibidos proximamente. Sugestão: uma série documental sobre o Renascimento, outra sobre o Impressionismo e ainda outra sobre a arte oriental.

5. Artes cénicas
Esta é a área por excelência de qualquer serviço público de televisão que se preze. Infelizmente no caso da RTP, em especial do canal 2, quer o teatro, quer a ópera, quer a dança têm andado pelas ruas da amargura. Durante algum tempo, mesmo depois da reestruturação da grelha da RTP-2 ocorrida em Janeiro de 2004, lá aparecia uma ópera ou um bailado de tempos a tempos. Agora, nada! Porquê? E de teatro nem vale a pena falar já que desde 2004 não me lembro de alguma vez ter sido transmitida alguma peça na 2. Ora isto é totalmente inaceitável porque, felizmente, o arquivo da RTP tem um espólio apreciável de peças produzidas propositadamente para a televisão, algumas muito bem feitas. Sem prejuízo de novas produções, haverá alguma razão plausível para que a RTP-Memória tenha o exclusivo da transmissão das peças do arquivo, a ponto de nunca serem exibidas na RTP-2, o canal cultural da televisão que todos os contribuintes suportam?

6. Programas musicais
Esta é outra área claramente deficitária na televisão pública, sobretudo nos canais destinados ao público residente em Portugal. Pessoalmente, para ouvir música prefiro a rádio ou a minha colecção de CDs e de ficheiros áudio mas atendendo à força que a televisão tem, penso que ela devia dar mais atenção à música, especialmente a que tem a ver com as raízes culturais portuguesas e do espaço lusófono. Começando pela RTP-2 encontro o espaço "Músicas" aos sábados depois da "Sala 2", de que sou fiel telespectador, e que me parece excessivamente centrado no pop/rock de origem anglo-americana e, mesmo assim, com escolhas que deixam muito a desejar. A meu ver, é muito discutível o critério segundo o qual se põe na RTP-2 nomes como Christina Aguilera e Anastacia, ou seja, no mesmo canal onde está (ou devia estar) a ópera e o bailado. Acresce ainda que há pouca música portuguesa e lusófona, assim como se nota uma grande escassez de jazz e ainda mais de 'world music'. No tocante à música portuguesa (dos diversos géneros) é flagrante a falta na RTP de um programa de música ao vivo, um pouco ao estilo do "Viva a Música" que Armando Carvalheda faz para a Antena 1 e que merecia maior visibilidade. Já agora, e aproveitando as sinergias rádio/televisão públicas, não seria boa ideia a RTP filmar essas actuações para as transmitir posteriormente num espaço regular semanal? Fica a sugestão! Os programas de imitações do tipo "A Canção da Minha Vida" que, de vez em quando, aparecem na grelha da RTP-1, além de serem caros, não são, de forma alguma, a melhor solução para dar a ouvir música na televisão. Admito que tais programas – aliás um entretenimento algo pobre – possam fazer algum sentido no caso de artistas falecidos ou retirados, mas jamais se pode aceitar que sejam encarados como substitutos da presença em palco de artistas no activo desde os mais velhos aos mais novos. Em Portugal, há bastantes nomes que, por causa do critério de formação das 'playlists', não têm lugar nas rádios de cobertura nacional, o que dificulta imenso a divulgação dos trabalhos que vão produzindo. E se esta é uma situação grave para determinados artistas de nome feito que, apesar de tudo, ainda vão conseguindo ter uma razoável agenda de espectáculos, constitui uma verdadeira asfixia para muitos nomes de talento que não pertencem aos 'lobbies' que controlam ou têm poder de influência nas rádios e televisões. Devido a este estado de coisas, muitos são os músicos/grupos de qualidade que não conseguem vingar ou que vão ficando pelo caminho e que podiam enriquecer o nosso património musical e, ao invés, somos inundados com os produtos mais banais e medíocres só porque é isso que interessa às grandes editoras. Na sociedade do nosso tempo, quem não aparece nos media é como se não existisse e, como tal, cabe à rádio e televisão do Estado, devido à sua responsabilidade acrescida, desempenharem um papel de correcção dessa distorção tornando visível ao grande público a boa música que não aparece nos tops. E já que falei em tops, aproveito para referir o programa "Top+", quanto a mim um claro exemplo do que não deve ser feito na televisão pública. Com efeito, trata-se de um espaço notoriamente ao serviço dos interesses comerciais das 'majors' discográficas e concebido do princípio ao fim com esse propósito. Que serviço público pode prestar um programa de televisão que passa apenas a música comercial insistentemente rodada na generalidade das rádios e no canal MTV?

Mais tinha que dizer mas como a exposição já vai longa fico-me por aqui. Espero o Sr. Provedor do Telespectador tenha em boa conta as considerações e os comentários que achei por bem tecer e que, de algum modo, lhe possam ser úteis para a formalização de propostas concretas aos altos responsáveis da RTP. A bem do serviço público de televisão!
Com os mais respeitosos cumprimentos,

Álvaro José Ferreira

15 setembro 2006

"Cantos da Casa": o cantinho da música tradicional


Moçoilas

Com autoria e apresentação de Armando Carvalheda, "Cantos da Casa" é o nome da rubrica dedicada à música tradicional portuguesa que teve início esta semana na Antena 1. A este propósito, cumpre-me saudar a direcção da RDP por esta decisão, tal como fiz em Novembro passado quando surgiu a rubrica "Alma Lusa" dedicada ao fado. Aliás, na carta que então dirigi a Rui Pêgo tive oportunidade de lhe chamar a atenção para a importância da música de raiz tradicional ser também contemplada na rubrica "Alma Lusa" ou noutra a criar, pelo que me congratulo que a minha proposta tenha sido aceite, embora um pouco tardiamente. José Afonso, Brigada Victor Jara, Moçoilas (na foto) e Chuchurumel foram os primeiros nomes a merecer a atenção de Armando Carvalheda e certamente muitos mais se seguirão, fazendo jus ao rico e precioso acervo fonográfico nesta área da música portuguesa. No presente momento, não há dúvida que se regista um maior equilíbrio de géneros musicais abrangidos nas rubricas da Antena 1: música tradicional em "Cantos da Casa" (Armando Carvalheda), fado em "Alma Lusa" (Edgar Canelas), música latina do tempo do vinil em "Júlio Isidro", história do pop/rock em "Outras Histórias da Música" (Luís Filipe Barros), músicas do cinema em "Banda Sonora" (João Lopes), jazz em "Cinco Minutos de Jazz" (José Duarte), e música clássica/erudita em "Grandes Músicas" (António Cartaxo). Não obstante, continuo a pensar que estas rubricas com cinco minutos de duração não dispensam, de forma alguma, os espaços musicais alargados para cada um dos diversos géneros. E aqui constata-se que são as músicas da portugalidade e da latinidade que ficam a perder, o que dá que pensar sendo a Antena 1 uma rádio portuguesa e ainda por cima pública, ou seja, suportada pelos contribuintes. Então vejamos: a música clássica está na Antena 2, o jazz está em "A Menina Dança?" e também na Antena 2 ("Jazz com Brancas" e "Um Toque de Jazz"), o pop/rock está nas "Ondas Luisianas" e na 'playlist'. E em que programas estão o fado, a música tradicional portuguesa e a música latina? O fado estava no programa "Silêncio" (Edgar Canelas) e a música latina n'"O Amigo da Música" (José Nuno Martins), mas deixaram de estar porque esses programas já não existem. A música tradicional portuguesa editada em disco só aparece nos preâmbulos musicais das conversas de Rafael Correia no "Lugar ao Sul" e, uma vez por outra, no "Vozes da Lusofonia" (Edgar Canelas). Posto isto, terá de se concluir que o serviço público de rádio é notoriamente deficitário no tocante às músicas autóctones de Portugal e do mundo latino e, por isso, urge que seja criado, no mínimo, um programa que as contemple. Não será certamente por falta de lugares vagos na grelha da Antena 1 que isso não é feito. Admito que ao fim-de-semana, por causa do futebol, já não haja grande margem de manobra mas podia ser aproveitado o período entre as 19:00 e as 24:00, de segunda a sexta-feira, tal como acontece na Antena 3. A Antena 1 tem a obrigação de não ignorar as pessoas que preferem a rádio à televisão e que, por não se inserirem nos públicos das Antenas 2 e 3, ficam sem outra opção que as rádios de 'playlist'. E, como todos sabemos, essas 'playlists', todas feitas com base nas mesmas músicas/intérpretes que se vão repetindo de dia para dia, estão bem longe de ser um produto radiofónico satisfatório para quem deseja ouvir rádio no recolhimento doméstico. Fico na expectativa de que a direcção da Antena 1 tenha em boa conta a minha proposta. A bem do serviço público de rádio!

"Cantos da Casa": Antena 1, de segunda a sexta-feira, 05:55, 14:55 e no
arquivo online.

08 setembro 2006

Cobertura de eventos musicais pela Antena 2

Exmo. Sr. Provedor do Ouvinte da Rádio Pública,

Como já sucedera no ano passado, neste Verão a Antena 2 voltou a fazer a cobertura completa (ou quase completa) dos Concertos Promenade (vulgo Proms), que decorrem maioritariamente no Royal Albert Hall, em Londres. Por princípio, não tenho nada contra a transmissão de concertos ao vivo, bem pelo contrário. Penso até que em salas onde as condições acústicas não são as melhores para os assistentes, a transmissão radiofónica desses concertos pode ser uma mais valia para os melómanos rádio-ouvintes, desde que a captação de som seja feita nas melhores condições técnicas. O motivo que me leva a recorrer ao Sr. Provedor é o facto dessas transmissões, na Antena 2, estarem a ser monopolizadas por um único evento, no caso os Concertos Promenade. Devo dizer que nada tenho contra os Proms, mas parece-me excessiva e desproporcionada esta opção da direcção da Antena 2. O que não falta são festivais e encontros de música que, durante o Verão, acontecem um pouco por toda a Europa, boa parte dos quais de qualidade igual ou superior à dos Proms, quer em termos de intérpretes quer de repertório. A este propósito, tenho de dizer que os Proms são claramente deficitários no tocante à música barroca e pré-barroca, épocas da História da Música que têm, no nosso país, um público considerável que vê assim defraudadas as suas legítimas expectativas com esta opção da direcção da Antena 2. Em vez de largas semanas de Proms, não seria muito mais razoável dedicar uma semana ou uma quinzena a cada um dos melhores eventos musicais da Europa? Bem sei que o Festival de Salzburgo teve alguma cobertura, o que aplaudo. Mas, e o resto não conta? E quando falo de eventos europeus, falo ainda com maior acuidade dos que se realizam dentro de portas e aos quais a Antena 2 devia dar uma atenção muito especial, no âmbito das suas obrigações de serviço público. Nesta perspectiva, penso que as verbas que a Rádio e Televisão de Portugal paga à BBC em direitos de transmissão radiofónica, deviam ser canalizadas preferencialmente para a gravação/transmissão dos melhores eventos nacionais: Encontros de Música Antiga da Casa de Mateus, Festival de Música da Póvoa de Varzim, Festival de Sintra, Festival da Costa do Estoril, etc.. Mesmo na eventualidade da BBC nada cobrar pelos direitos de transmissão dos Proms continuo a achar errado o peso desmesurado que eles têm na emissão da Antena 2, em prejuízo de outros bons eventos nacionais e estrangeiros, como atrás explicitei. Estou em crer que esta obsessão pelos Proms resulta de algum capricho ou vaidade do Sr. João Almeida, adjunto de Rui Pêgo. Eu, enquanto ouvinte, cumpre-me lembrar que a Antena 2 não existe para satisfazer caprichos de quem quer que seja mas tão-somente para prestar serviço público a todos os ouvintes e não apenas aos adeptos dos Proms. Acresce ainda que estes ouvintes podem sempre recorrer à internet para seguirem de fio a pavio todos os concertos e recitais de cada temporada dos Proms. Como tal, espero que no próximo Verão a Antena 2 não nos venha com outra 'overdose' de Proms e arrogando-se em ignorar olimpicamente outros importantes eventos de música erudita que decorrem na época estival.
Apenas uma pequena nota sobre o 'spot' promocional dos Proms para manifestar o meu descontentamento pelo incontável número de vezes em que foi posto no ar. Uma verdadeira tortura para os ouvidos dos ouvintes mais fiéis da rádio clássica! Será que o auditório da Antena 2 tem a memória assim tão fraca que precise de estar a ser constantemente lembrado dos Proms? Em vez da repetição constante e recorrente desse 'spot', ainda por cima piroso e de mau gosto, não seria muito mais acertado e pertinente porem anúncios com o programa (obras e intérpretes) de cada concerto? Ou será que a direcção da Antena 2 quer que os ouvintes comam tudo de olhos fechados e sem livre arbítrio para escolher?
Por último, também me parecem perfeitamente dispensáveis e nada relevantes as intervenções dos enviados especiais aos Proms e a outros certames musicais no estrangeiro. Vistas bem as coisas, o que é que os ouvintes da Antena 2 ganham com os lugares comuns e as banalidades que caracterizam tais intervenções? É por de mais evidente que há aqui um escusado desperdício de dinheiros que deviam ser orientados para o que realmente representa serviço público. A este propósito, não posso deixar de perguntar: será aceitável que os programas de autor tenham sido suspensos por alegadas limitações orçamentais, e ao mesmo tempo vejamos a RDP ser utilizada como uma espécie de agência de viagens e turismo?
Com os mais respeitosos cumprimentos,

Álvaro José Ferreira