23 setembro 2023

Silvestre Fonseca: "Balada de um Outono"


Claude Monet, "Automne sur la Seine Argenteuil" ("Outono sobre o Sena, em Argenteuil"), 1873, óleo sobre tela, 54,2 x 73,3 cm, High Museum of Art, Atlanta, Geórgia, E.U.A.


Nascido em Lisboa, a 23 de Abril de 1959, Silvestre Fonseca iniciou os estudos de guitarra clássica, em 1975, na escola fundada por José Duarte Costa, à Avenida João XXI, tendo aí recebido lições do Prof. José Diniz, sujeitando-se depois a exame, como aluno externo, no Conservatório Nacional. Nesta mesma instituição de ensino, estudou composição e análise musical com o distinto compositor Joly Braga Santos. E aos 22 anos de idade, em 1981, publicou, em edição própria (depois licenciada à EMI, selo His Master's Voice) o álbum "Guitarra Clássica", constituído por peças de Antonio Róvira, Isaías Sávio, José Duarte Costa, anónimos ingleses do séc. XVI, Fernando Sor, Francisco Tárrega e Manuel M. Ponce. Nesses primeiros anos do seu percurso artístico, Silvestre Fonseca frequentou também vários cursos de guitarra no estrangeiro que lhe permitiram aperfeiçoar o domínio técnico do instrumento e – não menos importante – aprimorar os seus dotes interpretativos/expressivos. Em 1987, saiu, com chancela Philips, o seu segundo álbum, "Guitarra Clássica com Orquestra de Câmara", sob a regência do maestro Leonardo de Barros, integrando obras de Antonio Vivaldi, Ferdinando Carulli, Francisco Tárrega, António Lauro, António Victorino d'Almeida e Heitor Villa-Lobos. Bem recebido pela crítica especializada (o eminente musicólogo João de Freitas Branco dedicou-lhe uma edição do seu histórico programa "O Gosto pela Música", no então Programa 2, futura Antena 2), o fonograma afirmou Silvestre Fonseca como exímio executante de guitarra clássica e um intérprete a ter em conta a partir daí no panorama nacional e internacional. E os discos (mais de uma vintena) que foi gravando, uns mais centrados no repertório erudito da guitarra clássica, outros mais focados em canções ditas ligeiras (portuguesas, cabo-verdianas, brasileiras, hispano-americanas, etc.), ora em transcrições para guitarra solo, ora acompanhando cantores convidados, bem como os recitais e concertos que foi dando em Portugal e, sobretudo, no estrangeiro (em salas de grande prestígio e em criteriosos canais de televisão) servem para confirmar o altíssimo gabarito do intérprete e revelar os seus talentos enquanto arranjador e compositor. Efectivamente, a par das dezenas de transcrições que fez (muitas das quais estão publicadas em pauta e em CD na "Silvestre Fonseca Collection", pelas London Guitar Studio Publications, de Londres, e pelas Éditions Soldano, de Paris), Silvestre Fonseca compôs de raiz várias peças para ou com guitarra clássica. Seis delas fazem parte do alinhamento do CD "Olhares" (1998), e uma tem por título "Balada de um Outono". Uma composição para guitarra e violino, muito bela e impregnada de nostalgia, logo perfeitamente adequada para assinalar o começo da presente estação outonal (no hemisfério norte, bem entendido). Estando nós cientes de que muitos a desconhecem, esperamos proporcionar aos leitores/visitantes do blogue "A Nossa Rádio" uma agradável descoberta. Boa escuta!

Apesar de ser um artista de invulgar categoria e da sua discografia incluir repertório perfeitamente enquadrável em qualquer das três antenas nacionais da rádio pública, Silvestre Fonseca tem sido, pura e simplesmente, ignorado por quem escolhe a música que passa naqueles canais. Ora tal atitude de persistente boicote (não se trata de distracção momentânea e fortuita) é de todo intolerável numa estação cujo financiamento os cidadãos são chamados a assegurar (coercivamente e sob o pretexto de beneficiarem, em troca, de serviço público). Haja, pois, mais consideração pelos bons artistas, a quem o país muito deve pelo relevante contributo que deram para o enriquecimento da música/cultura portuguesa, e haja mais respeito pelos pagantes da contribuição do audiovisual!



Balada de um Outono



Música: Silvestre Fonseca
Intérprete: Silvestre Fonseca* com David Wahnon (in CD "Olhares", Movieplay, 1998)




(instrumental)


* Silvestre Fonseca – guitarra clássica
David Wahnon – violino

Produção – Silvestre Fonseca
Gravado na Sala da Pedra, Quinta da Aldeia, Vila Nova da Caparica, em Fevereiro de 1998
Engenheiro de som – José Manuel Fortes
URL: https://www.facebook.com/Silvestre-Fonseca-Guitar-502939090106079/
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https://music.youtube.com/channel/UCoibqv76X636Yqt0HUyWBuA



Capa do CD "Olhares", de Silvestre Fonseca (Movieplay, 1998)
Fotografia – Roberto Giostra
Design gráfico – Dupla

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Outros artigos com repertório alusivo ao Outono:
Celebrando Maria Teresa de Noronha
Max: "Outono na Cidade"
Jorge Cravo: "Outono à Beira-Rio"
Diabo a Sete: "Outono Embargado"
José Medeiros: "Outono Adiado"
Aníbal Raposo: "Balada de Outono" (Álamo Oliveira)

13 setembro 2023

Poesia trovadoresca adaptada por Natália Correia


Iluminura do "Cancioneiro da Ajuda" representando um nobre (possivelmente trovador) sentado, um jogral tagendo viola d'arco e uma soldadeira tocando pandeiro redondo de soalhas exteriores [>> Cantigas Medievais Galego-Portuguesas - FCSH/UNL].
A imagem encontra-se no canto superior esquerdo da página onde estão grafadas a cantiga n.º 82, "De quantos mui coitados som", e a parte inicial da cantiga n.º 83, "Pois contra vós nom me val, mia senhor", ambas da autoria do trovador castelhano Pero Garcia Burgalês (Séc. XIII). Foi reproduzida, ainda que parcialmente e retocada, nas capas do LP "Cantigas de Amor e de Amigo dos Trovadores Galego-Portugueses", de Natália Correia (Série 'Disco Falado', Guilda da Música/Sassetti, 1974), e da 3.ª edição (1998) do livro "Cantares dos Trovadores Galego-Portugueses", de Natália Correia (Editorial Estampa). [capas >> ao fundo]


CANTARES DOS TROVADORES: INTRODUÇÃO

Por: Natália Correia



Na constelação das novas atitudes espirituais que se encapelam na Renascença do século XII, sobressai uma revolucionária concepção do amor, enraizada na descoberta do espírito feminino.
O amor trovadoresco, no qual há que situar a génese da ideologia amorosa do Ocidente, tem merecido a quantos se debruçaram sobre o assunto uma investigação que incide sobre a questão das origens, sem dar o verdadeiro realce a uma motivação psico-sociológica que não pode ser ignorada, na base da tendência individualista que sumamente caracteriza esse novo código da sentimentalidade ocidental.
À luz deste critério, a rivalidade das teses que pretendem iluminar as origens passa a segundo plano, sendo em princípio todas aceitáveis como pressões culturais, havendo que considerar antes do mais a originalidade da temática trovadoresca e o porquê da sua deflagração revolucionária, no seio de uma sociedade teocrática que devia sentir-se prejudicada por um ideal que canalizava a fervorosa religiosidade medieval para um verdadeiro culto prestado à mulher.
Efectivamente, as teorias que focam a génese do amor cortês, muito embora esclarecedoras no que respeita a um contributo formal para a consumação da poética trovadoresca, deixam na sombra os pressupostos éticos sem os quais é inapreensível a substância desse florescimento poético.
O conhecimento que os trovadores do Languedócio tinham dos elegíacos latinos da época clássica pode sugerir uma influência de Ovídio, ou até mesmo, como admite Vossler, de Catulo, Propércio e Tibulo, na lírica provençal. Se aceitarmos que os trovadores eram iniciados na Retórica, é perfeitamente indicado enquadrar alguns dos temas convencionais do lirismo ocitânico numa topologia clássica. A adopção do tópico nobreza de alma (há uma nobreza de alma que nada tem a ver com o nascimento do homem) adapta-se ao conceito de amor cortês, que vê no amor uma fonte de enobrecimento da alma, podendo, pela exaltação amorosa, o vilão tornar-se cortês. Também a enumeração das virtudes (mesura, prez, formosura, riqueza), qualidades que os trovadores atribuem à dama, corresponde aos esquemas estabelecidos pela epideixis, usados, desde a época helenística, para o panegírico dos soberanos. Mas, se é plausível uma contaminação retórica, através do lirismo amoroso dos poetas médio-latinos, particularmente do lirismo clerical de Angeres, que acusa a influência da arte amatória de Ovídio, essa aproximação não excede a decoração estilística.
A diferença substancial consiste no facto de os antigos considerarem o amor uma enfermidade dos sentidos, elemento de desequilíbrio para o indivíduo, enquanto que para os trovadores é um transporte espiritual que sobrevoa a realidade física e uma via de salvação, como se depreende do tópico morrer de amor.
É certo que, no século XI, os árabes da Andaluzia conheceram os temas primordiais dos poetas ocitânicos: O pseudónimo poético da mulher; uma concepção idêntica da joy trovadoresca, em oposição ao amor doloroso; o custódio da mulher ao serviço do marido ou do rival; o detractor dos amantes responsável pela sua desdita, contra o qual o enamorado desafoga a sua aversão; a superioridade do ser amado; o serviço amoroso; e o amor sem recompensa. Note-se, contudo, que era na prosa ou nos poemas clássicos, cuja estrutura não oferece paralelo com a canção provençal, e não no jezel, formalmente mais próximo daquela forma estrófica, que os poetas árabes derramavam os acentos de um amor platónico que, expandido entre as elites muçulmanas depois das traduções dos sírios cristãos nos séculos VIII e IX, não deixa de coincidir com a ascese amorosa dos trovadores do Sul da França. Mas, mesmo que aceitemos uma ressonância trovadoresca dos temas idealistas dos árabes platonizantes, o amor provençal separa-se daqueles quando elege a mulher como único objecto capaz de acordar a alma para o seu destino metafísico, enquanto que a voluptuosa ascese árabe faz concessões ao conceito platónico da virtude como privilégio viril, atribuindo também à beleza masculina um valor cósmico e ontológico.
Também a tese folclórica oferece um fundamento à erótica provençal, uma vez que encaremos esta como o progresso de uma exaltação sensual para uma mística do amor.
Admitindo o trânsito da poesia popular jogralesca, vestígio da alegria pagã das festas de Maio, para o produto requintado do lirismo cortês, são explicáveis a joy trovadoresca, através da qual os trovadores exprimem a exaltação que o amor produz nas almas bem formadas, assim como a invocação primaveril propiciatória do amor que muitas vezes encabeça a canção, a qual seria uma cristalização dos refrãos cantados nas festas primaveris. Mas, sobretudo, teríamos a chave do enigma proposto pelo amor adulterino tão glorificado pelos trovadores, dado que a licenciosidade dos cantos eróticos, que traziam o selo da euforia orgiástica das antigas Floralia, permite uma conexão com o conceito de amor livre e anticonjugal da poesia provençal.
Se este ponto de vista é consistente no que respeita a canção da mulher, adquirindo transparência na paralelística feminil do lirismo galego-português, perde força em face do carácter subjectivo e aristocrático da canção cortês, deixando por desvendar o cerne da ideologia que a inflama.
Mais sólida, na medida em que serve a questão levantada pela sublimação da mulher, é a tese litúrgica que vê na motivação primaveril da canção trovadoresca uma projecção profana dos hinos pascais. A joy seria uma transposição do gáudio pascal, a alegria provocada pela ressurreição ide Cristo, que simboliza a ressurreição da natureza festejada no antigo culto de Vénus.
A tese litúrgica possibilita, realmente, a clarificação de certos traços marcantes do lirismo amoroso dos poetas provençais. A idealização da mulher explicar-se-ia pelo culto de Maria, celebrada na poesia litúrgica. A adoração da amada corresponderia à prosternação do cristão diante da Virgem. A descrição das graças corporais da dona seria o reflexo do ideal estético da escultura gótica inspirada pela ascese cristã. Finalmente, o apelo à mulher como medianeira traduziria o valor medial entre o homem e a divindade, atribuído à Mãe de Deus. Mas a fraqueza desta teoria reside na impossibilidade de solucionar o tema do marit-gilós, cuja ira o amante evita ocultando o nome da mulher, não logrando conciliar o culto marial da amada com o conceito adulterino dos transportes trovadorescos.
Este elemento tão acentuado no amor cortês diminui as possibilidades de um ponto de partida litúrgico, dando certa verosimilhança a uma possível aproximação do amor provençal e da heresia cátara que, pela mesma altura, triunfou no Sul da França.
Partindo do princípio de que a bondade de Deus não comportava a criação do mundo da matéria, os cátaros acreditavam que este era obra de um segundo deus, o deus do mal. A moral cátara tira todas as conclusões lógicas deste antagonismo do espírito e da matéria, proclamando que, sendo tudo o que é terrenalmente criado obra demoníaca, dar vida a uma criatura é enriquecer a milícia do deus do mal. Contudo, os cátaros não podiam opor-se à união sexual, visto que, aceitando a doutrina das reincarnações sucessivas, era na terra que se operava a evolução da humanidade, até ser conseguida a transformação completa dos corpos. O casamento, sacramentando os laços carnais de origem satânica, era abominado pelos Perfeitos que preferiam o amor livre, concedendo-o aos Crentes porque, sujeitos à sua condição luciferina, não podendo alterar a sua sorte nesta vida, gozavam de liberdade sexual. Aqui é-nos possível estabelecer um paralelo entre a gnose cátara e a ascese amorosa dos trovadores. Presa dos desejos carnais, causa principal das reincarnações, o Crente só tinha um recurso: espiritualizar o desejo, sublimação essa que resultava num esforço para fugir à fatalidade material das reincarnações sucessivas. Por um amor adulterino de natureza casta, reabilitava-se o pecado de um casamento que seria expiado no castigo de inevitáveis reincarnações.
De facto, a observância cátara de uma abstinência de carácter metafísico apresenta impressionante semelhança com o amor puro dos trovadores que não deve diluir-se no desejo, como se a tentação amorosa não tivesse outro valor senão o de ser superada. Tal é a definição que Uc de Saint-Cir nos dá da paixão trovadoresca, descrevendo-a em termos que a permitem relacionar com o amor purificador dos cátaros: A aparição da amada, cuja imagem o homem já conhece (doutrina cátara da reminiscência da bissexualidade celeste dos corpos espirituais, antes de terem incarnado em corpos de lama), liberta-o do desejo e é o espelho onde o amante se reconhece e esquece o seu corpo. Neste momento ele deve morrer, pois contemplou a que salva aquele que qualquer outra morte fará perecer.
O apoucamento do laço matrimonial como obstáculo de um amor desinteressado — tal é o juízo de Maria de Champanhe quanto a apurar-se se o casamento pode comportar um verdadeiro amor — é outro elo que liga as leis do amor cortês à concepção cátara do pecado conjugal. Por fim, os trovadores têm ainda em comum com a heresia cátara o terem sido perseguidos pela Igreja que, em 1209, confiou a Simão de Monfort o extermínio da seita herética apoiada pelos senhores do Sul. Esta coincidência não constitui aliás uma prova decisiva de que os poetas provençais fossem membros da Igreja Cátara. Para justificar a supressão da cultura trovadoresca pela Igreja, bastava a esta a virulência das sátiras anticlericais dos poetas da língua de oc, assim como o escândalo de um ideário amatório que se subtraía à tutela moral da Igreja.
Apesar destas analogias tentadoras, o ideal trovadoresco tem de ser encarado como um fenómeno independente do catarismo, ainda que ambos possam apresentar sinais da influência comum de uma mesma atmosfera mental.
Para os trovadores, é através da beleza feminina que o amor supremo (o Espírito) toca o coração do homem. Pela fidelidade à amada, o amante propõe-se reencontrar o Espírito que ela incarna. O amor é, pois, a possibilidade feminina do destino glorioso do homem. Esta sublimação da mulher, na qual o valor da masculinidade se anula, não se ajusta ao antifeminismo da teoria cátara das reincarnações, segundo a qual a última incarnação devia dar-se no corpo de um homem, para que a salvação fosse possível. Mesmo no plano metafísico, os cátaros mantinham o conceito da superioridade masculina, considerando os homens anjos do terceiro céu, enquanto que as mulheres não passavam de anjos do segundo céu. Tal concepção invalida a acção da doutrina cátara como suporte dos ideais trovadorescos, dado que não é concebível que o homem possa reconhecer a excelência da sua superioridade naquilo que lhe é inferior, e muito menos daí esperar a salvação.
Para além deste argumento, há que pôr em causa a fenomenologia do lirismo trovadoresco, que é uma emergência da subjectividade, o transporte de um arrebatado individualismo. Tanto basta para que se desconfie ser a poesia ocitânica a fabricação de um compromisso doutrinário, o que é admissível para o género realista (o serventês), mas inadequado a uma poesia que se impõe como puro produto vivencial.
Nenhuma das teses apontadas se dirige ao núcleo da erótica trovadoresca, centro esse que deve ser desvendado na situação histórica do homem do século XII que, pela intensificação do individualismo, opõe a uma cultura ortodoxa um ideal de liberdade que anuncia a Renascença. Mas perguntar-se-á: Por que razão este objectivo de abrir novos horizontes ao espírito humano se formaliza num conceito de amor no qual a feminilidade projecta a luz de uma supremacia espiritual? A isto tentaremos responder, analisando a dialéctica do amor e do homem no mundo ocidental.

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A distinção que Platão faz entre o amor popular e sensual, apanágio dos homens vulgares escravos da atracção feminina, e a comunhão espiritual, o amor dos sábios que estimam as virtudes espirituais do homem, transmite-se à mentalidade cristã sob a forma de uma conflituosa antítese da carne e do espírito.
O postulado platónico fundamenta-se na concepção da inferioridade mental da mulher que, por carência de dons intelectuais, não pode inspirar um amor que Platão define como procriação do espírito. Esta noção enquadra-se nos valores do mundo grego, no qual se afirma uma violenta afirmação da superioridade viril, com reacção contra uma cultura pré-helénica de estrutura matriarcal. Sob o advento do pensamento cristão, esta situação da inferioridade da mulher não se altera substancialmente, porque, se ela sofre uma dignificação que corresponde à glorificação espiritual da Virgem em cujo seio o Verbo se faz carne, a moral cristã conforma-se, no plano social, com o rebaixamento da mulher, herdado da mentalidade grega.
Mas o cristianismo vem agravar a cisão do homem dividido entre o espírito e a carne, acrescentando a noção de pecado. Chegamos ao ponto onde nos parece transparecer a estratégia psicológica das forças moralizadoras que, sob essa máscara, dissimulam um projecto de domínio sobre o indivíduo.
Sendo eticamente interdito ao homem o consórcio da carne e do espírito, por aviltamento daquela e exaltação deste, satisfaz-se o indivíduo em regime de pluralidade, satisfação essa sempre unilateral, na qual um dos níveis do ser fica sempre prejudicado. Ao seguir a voz do instinto, entrega-se o homem à angústia do pecado. Ao comprazer-se na fantasmagoria de um amor celestial que repudia o sexo, conhece o desespero da sua natureza insatisfeita. Num e noutro caso, o objecto do seu interesse parece-lhe demasiadamente pequeno para responder à sua inata e imensa necessidade de paixão, que é a saudade do seu ser integral que se realiza na complementaridade. Este comportamento, que é a impossibilidade de o homem realizar a sua síntese, corresponde a uma desordem interior, porque o homem que não se encontra, que não se unifica, vive em desordem e, se vive em desordem, não é livre. Só aquele que conhece a ordeira plenitude de uma identificação, na qual o ser se reconhece, pode legitimamente considerar-se livre. Este resistirá às pressões externas que personologicamente o despromovem. Vive em regime de androginato, de unificação, e não teme enfrentar a autoridade paterna do deus, assim como o estatuto terreno que a reflecte.
Não é por acaso que aludimos ao mito do andrógino que Júpiter separou em sexos, porque temia que eles conquistassem o céu. Se transpusermos este mito para a sociedade, o poder teocrático, que se autoriza com a autoridade divina, é-nos dada a razão de uma persistente oposição à unificação do separado que, uma vez reunido, é mais forte que a divindade. Eis o motivo por que o amor é concebido como agente de subversão, e não é outro o significado do par Tristão e Isolda, cuja paixão é o entusiasmo da impossibilidade social de o amor triunfar.
O amor cortês, pelo seu carácter herético e revolucionário, insere-se num complexo ideológico, que determina a Renascença e a Reforma, surgindo como a síntese encontrada pelo homem pré-renascentista para se furtar a um poder desfigurante da sua individualidade
É no século XII que ganha consistência a lenta elaboração medieval, iniciada com o humanismo carolíngio, de uma mentalidade que renova a cultura da Antiguidade que descobre a natureza e a força libertária do individualismo, constituindo-se a génese da nossa civilização. Precisamente nesta época afirma-se uma individualidade intelectual que desabrocha com o exercício apaixonado da dialéctica. Abelardo funda o racionalismo medieval. A razão suspeita do pensamento dogmático, e o que era indiscutível passa a ser problemático. Béranger de Tours leva a sua argumentação dialéctica ao ponto de negar a transubstanciação e o dogma da Eucaristia. O optimismo naturalista da Escola de Chartres culmina no humanismo pagão de Bernardo Silvestre. Os clerici vagantes cantam a volúpia dos prazeres terrestres, libertando-os do estigma do pecado, parodiando os Evangelhos, as orações e os ofícios e criticando a venalidade, a imoralidade e a hipocrisia do clero. Um florilégio de poesia erótica latina, de inspiração ovidiana, coloca-se sob o signo da lasciva Afrodite. A controvérsia das escolas conturba os espíritos, e essa agitação ganha o grande público sob a forma das heresias populares. O povo crê que o Espírito Santo, cujo reino fora anunciado para 1260, incarnará numa mulher, afrontando o antifeminismo do dogma oficial. Uma cultura secular dirige a vida individual e social segundo princípios que se afastam da esfera rigorosa do cristianismo ortodoxo e se manifesta de forma mais vital e mundana no Sul da França.
Esta região oferecia condições privilegiadas para o florescimento de uma cultura adequada a um forte individualismo. Uma acentuada civilização urbana desenvolve-se no Meio-Dia, onde as cidades tinham independência política análoga às Repúblicas italianas. Um desenvolvido regime municipal fomentava potentes focos mercantilistas. A divisão da propriedade era mais racional. Uma forte impregnação do Direito Romano, que sobrepõe os direitos do indivíduo à força do contrato e à sujeição jurada, tornava mais ténues os laços feudais. Um intenso tráfico portuário de importação e exportação proporcionava uma opulência na qual os burgueses competiam com os nobres. A independência económica estimulava as tendências individualistas do meridional. Finalmente, a mulher beneficiava de uma situação jurídica que estabelecia a igualdade de direitos de herança para os dois sexos, estando as suas terras fora do serviço feudal.
Se juntarmos a esta civilização de cunho liberal a predisposição psicológica do homem ocitânico para uma cultura subordinada às exigências secretas do íntimo, uma cultura da alma, compreende-se que a ardorosa reivindicação dos direitos do indivíduo, em luta com a administração moral da Igreja, tenha tomado a forma subjectiva da expressão poética. Recorrendo ao real absoluto da poesia, o homem explora um mundo de liberdade que lhe é vedado pelo poder, sobrepondo-se às contingências da argumentação controversa de uma posição lógica.
Resta contudo por explicar o facto de o amor cortês afirmar a sua originalidade através da apaixonada visão da superioridade da mulher, o que de modo algum traduz a sua situação real, condicionada pela tradição greco-cristã.

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O amor trovadoresco não exprime um ajustamento da realidade e do conceito do amor e do amar, mas é um conceito que quer operar sobre a realidade, transformá-la, ou seja, converter a situação passiva da mulher em princípio activo, a mulher que inspira o amor que integra a personalidade do homem, a fim de que este reconquiste a sua natureza una, perdida na pluralidade que o escraviza à autoridade desnaturante. Nestes termos, a valorização do princípio feminino, a exaltação do amor como portador do valor da unificação que liberta, é uma arma de combate contra a autoridade que oprime o livre exercício da individualidade.
Torna-se assim compreensível que as épocas em que o homem quer reconquistar a sua natureza perdida na teia das leis deformantes assumam um carácter que Rattray Taylor (Il Sesso nella Storia) define como tendência matrista.
Muito embora R. Taylor não aprofunde o substrato psicológico da sua observação, limitando-se a destacar uma evidência que ressalta dos movimentos empenhados em libertar o homem da sua dependência das leis opressivas da moral, a sua análise surpreende curiosas significações de uma identificação com o símbolo materno, quando nos diz o seguinte: Quer o trovadorismo quer o Romantismo, que daquele retoma o tema da liberdade através da ascese amorosa, doutrina que tem por núcleo a mulher, são reacções contra uma identificação paterna, na medida em que esta representa o princípio da autoridade, o espírito das leis mediante as quais se exercem os imperativos de um mundo patriarcalmente organizado. Esta atitude implica uma inconsciente preocupação pelo incesto na literatura romântica; a simpatia pelo liberalismo político e a aversão à tirania, que os trovadores relacionam com a Igreja e os Românticos com o absolutismo dos governos; e a rebeldia contra Deus, como princípio absoluto masculino, justificação transcendente da autoridade paterna na Terra.
Mas por que razão o movimento para a liberdade no homem subentende uma vinculação ao princípio feminino, entronizado na figura mítica da Mãe?
Mergulhamos assim na psicologia das profundezas, na qual o amor é anterior ao sexo, não emergindo de uma cripto-sexualidade, mas derivando de um instinto de autoconservação.
Como motivação primordial dos sentimentos de ansiedade e de satisfação, depara-se-nos aquilo que Ian D. Suttie (The Origins of Love and Hate) chama o amor dependente da mãe. Na primeira fase da mentalidade infantil, a criança não pode apreciar-se como ser distinto da mãe. Quando descobre gradualmente o seu corpo, relacionando movimentos com sensações e o desejo com o acto, por contraste com o próprio, distingue-se o não-próprio (a mãe), que se torna poderoso pela sua capacidade de satisfazer ou deixar insatisfeitos os desejos do próprio. Estabelece-se assim uma relação emocional com base no instinto de conservação, que é o elemento psíquico do amor.
Esta estratificação infantil da segurança incarnada na mãe, projectando-se na vida social do adulto, torna-se premente sempre que o homem conhece a ansiedade de uma situação em que a sua natureza sofre o vexame de leis que ameaçam o seu sentido de conservação individual. Numa sociedade que não satisfaz o indivíduo, desde que organizada segundo os desígnios masculinos, é contra estes que se insurgirá o inadaptado, convertendo-os em objecto de ódio, porque representam aquilo que separa o homem da mãe, que é a fonte da sua conservação. Daí um movimento de simpatia mental pelo princípio materno.
Esta opção, que é a defesa vital do indivíduo socialmente inseguro, quer dizer, quando a cultura e a realidade humana se não coadunam, explica as tendências matristas das épocas que valorizam o amor (a relação emocional com o mundo através da mãe) como elemento de subversão das normas que sufocam o indivíduo. É o momento em que a imaginação se compraz em desencantar os tesouros da Natureza redentora, trazendo à luz da consciência o arquétipo da Grande Mãe partenogenética, a que autoconcebe sem intervenção do elemento masculino e que representa a substância, o princípio estável em cujo seio se gera o filho, que é o contínuo instável, o que incessantemente morre e renasce.
A procura da estabilidade no mundo instável é, em última análise, a determinante deste impulso para a mãe, que se traduz na estima apaixonada e intelectual das virtudes femininas.
Esta perspectiva ajuda-nos a penetrar no conteúdo da topologia literária do amor cortês.
Na sua doutrina antimatrimonial do amor, Maria de Champanhe diz-nos que os amantes dão reciprocamente, sem que os mova o menor constrangimento, ao passo que os casados se obrigam, por dever, a não se recusar coisa nenhuma. Daqui ressalta a eleição do que é natural e a dignificação da recusa ao artifício instituído pelo poder. O amor adulterino, que não podia deixar de constituir escândalo, se não configurasse um enleio idealista, traduz o objectivo de amesquinhar a potestas marital, subestimando o poder legal do homem sobre a mulher, ou seja, a sua acção possessiva sobre a natureza.
Por outro lado, o pseudónimo poético da mulher — o senhal —, se é um imperativo de descrição em relação ao marido ciumento, revela-nos também como que uma renúncia ao orgulho do amante que não pode vangloriar-se dos favores concedidos pela dama. De facto, a paixão que emociona os poetas provençais dirige-se acima de tudo contra o orgulho e o egoísmo masculinos, que se anulam em face de um amor que reflecte o valor da alma feminina, que é adorada pelo homem numa humildade total. É um amor que se intensifica na destruição da virilidade, ou melhor, dos aspectos típicos que esta assume numa cultura patrista.
A fidelidade, encarada como emblema de eleição espiritual, a glorificação do amor único, indica, por sua vez, a voluntária concentração dos interesses psíquicos, físicos e espirituais num só objecto, cuja superioridade apaixonante fortalece a coesão do sujeito, isto é, a ordem interior que lhe permite opor-se às leis que não espelhem a estatura da sua individualidade.
Finalmente, bastante significativo, no que respeita à abdicação ascética da masculinidade, é o tema da piedade que constantemente aparece nessa poesia que adopta o tom de uma prece dirigida pelo crente à divindade.
Para os trovadores, a piedade feminina é a mais alta virtude que o amor confere à mulher. Recusar a merci ao cavaleiro que ama devotadamente é um pecado mortal, pois que a sua salvação depende de um gesto desse amor misericordioso que é o valor supremo do amor feminino. Dir-se-ia que o trovador, em cuja consciência se repete a metamorfose crística da morte e da ressurreição, quer dizer, o homem que morre para uma mentalidade dogmática e quer renascer através de uma atitude libertária que inicie uma cultura de harmonia com o ser, exalta na mulher a maternidade inefável da Piedosa. Ela representa o seio da matéria, ao qual o filho se acolhe sempre que for ressurgir das próprias cinzas. E este é o caso do homem da Renascença do século XII que, na poesia, como receptáculo das forças inconscientes, faz explodir a tendência geral da época, para promover o nascimento do homem novo.

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Para alguns será um alarme esta iniciativa de dar acesso à nossa poesia medieval mediante uma actualização que transgride as regras da vigilância erudita que a monopoliza. Entendemos, porém, que os esclarecimentos filológicos, por mais úteis e respeitáveis que sejam, não encurtam a distância que separa o leitor actual de uma poesia cuja divulgação é um dado fundamental para a compreensão histórico-literária da poesia portuguesa. Atrevemo-nos por isso, em nome de uma cultura que não deve ser privilégio de iniciados, mas o património de um povo que a tornou possível, aduzir aos valiosos estudos que têm iluminado essa alvorada da nossa literatura uma interpretação poética que não só é exigida pela natureza do género como vem reanimar um corpo poético entorpecido pelo peso da camada lexical que o rouba à vida.
Se são consideradas legítimas as transcrições em prosa que tornam explícito o conteúdo desses poemas, com muito mais razão se justifica a transposição para uma linguagem poética, na qual tivemos o cuidado de salvaguardar, sempre que possível, a fidelidade ao esquema formal das cantigas, a fim de estabelecer maior proximidade entre o original e a sua versão actualizada. Cremos, assim, ter conseguido conciliar a legibilidade do texto com a conservação de um estilo que, a não ser respeitado, nos desviaria da atmosfera peculiar da poesia galego-portuguesa.
[...]

(in "Cantares dos Trovadores Galego-Portugueses", Selecção, introdução, notas e adaptação de Natália Correia, Editorial Estampa, 1970 – p. 15-31 e 49-50)


Ciente de que a poesia, ademais a trovadoresca, se torna viva e actuante quando recitada e/ou cantada, Natália Correia, ainda antes de publicar aquele livro, já recitava, entre amigos, adaptações suas de cantigas galaico-portuguesas. A primeira de que se conhece registo fonográfico foi a cantiga de amor "A Formosinha de Elvas", recitada em casa de Amália Rodrigues no serão de 19 de Dezembro de 1968, integrante do álbum "Amália/Vinicius", editado em 1970 [>> YouTube Music]. Empenhada nesse propósito de divulgação da primeva produção poética de Portugal e da Galiza a um público nela não iniciado, Natália levou a cabo a gravação de três álbuns inteiramente preenchidos com poesia trovadoresca: "Cantigas d'Amigos" (1971), com Amália Rodrigues e Ary dos Santos, "Alegre Eu Ando" (1972) e "Cantigas de Amor e de Amigo dos Trovadores Galego-Portugueses" (1974). E no seu álbum "Improviso" (1973), feito em colaboração com o pianista e compositor António Victorino d'Almeida, também incluiu duas cantigas de trovadores do séc. XIII que interpretou cantando.
Este precioso património fonográfico não é, hoje em dia, suficientemente valorizado e cultivado, pelo que achámos por bem debruçarmo-nos sobre ele, a pretexto do centenário do nascimento da autora de "Mátria", aproveitando para apresentar também uns quantos espécimes dispersos por discos de outrem, a maioria na forma cantada. Votos de boa celebração nataliana com a sua tão amada poesia trovadoresca!
À laia de complemento ao texto acima transcrito, recomendamos vivamente o programa televisivo "A Poesia dos Trovadores", inserto na série "Neste Lugar Onde..." (1981), da autoria de Natália Correia [>> RTP-Arquivos].

No que à rádio pública diz respeito, começamos por dar nota do louvável cuidado do realizador Germano Campos ao assinalar a efeméride do centenário, por antecipação, consagrando a edição de domingo passado do seu programa "Café Plaza" (Antena 2) a Natália Correia, com excertos de entrevistas por ela concedidas a Francisco Igrejas Caeiro e a Maria José Mauperrin, e poemas com a marca nataliana, uns recitados e outros cantados [>> RTP-Play].
No dia de hoje, apraz-nos registar a transmissão na mesma Antena 2 de poemas e excertos de textos em prosa de Natália Correia, uns recitados pela autora e outros nas vozes de Flora Miranda, Micaela Soares, Romi Soares e Sara Barros Leitão, estas acompanhadas ao piano por Pedro Almeida, no âmbito do recital "Poetas na Praça", gravado ao vivo, a 23 de Agosto de 2023, no Teatro Municipal de Matosinhos Constantino Nery [>> RTP-Play]. E a fechar o dia, n' "A Ronda da Noite", pela mão de Luís Caetano, tivemos o grato prazer de escutar, em primeira audição, a gravação de uma sessão de poesia dada por Natália Correia no estúdio B da Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos, em Washington D.C, a 18 de Abril de 1978. Apesar do registo estar em bruto e do aparelho fonador da autora não se encontrar, na ocasião, nas melhores condições, foi um interessante momento de celebração nataliana [>> RTP-Play].
Desde 2 de Julho passado, igualmente na Antena 2, no espaço "Caleidoscópio" [>> RTP-Play], vem sendo transmitido, semanalmente, o ciclo "Em Que Ponto Estarei da Eternidade: Natália Correia, 100 Anos de Transversalidade", da autoria de Miriam Cardoso. A ideia de explorar, de modo mais amplo e aprofundado, a obra de tão marcante e importante figura da Cultura Portuguesa da segunda metade do século XX era excelente, mas a sua concretização tem-se revelado pífia. Mais de 80 % do tempo de cada episódio (que dura cerca de 55 minutos) tem sido preenchido com música, não tanto canções sobre poemas natalianos (que as há em quantidade e qualidade) mas mais obras de autoria alheia, com o predomínio de peças instrumentais. Não duvidamos que entre os compositores já incluídos no ciclo se contam alguns que eram predilectos de Natália Correia, como J.S. Bach, Beethoven e Fernando Lopes-Graça, mas temos sérias dúvidas de que a distinta livre-pensadora e lutadora pela liberdade gostasse de ver o seu nome associado a uns quantos, tais como Ruy Coelho (amigo de António Ferro e fiel servidor do Estado Novo, designadamente na companhia de bailado "Verde Gaio") e Carl Orff (apoiante do regime nazi, e ao qual prestou um relevante serviço ao concordar que a sua composição mais popular e impactante, "Fortuna Imperatrix Mundi", integrante da cantata cénica "Carmina Burana", fosse usada como instrumento de propaganda do III Reich). Além disso, a abordagem à obra de Natália Correia peca por ser bastante superficial e diletante, quase 'naïf', com erros de palmatória à mistura, como considerar que o PS venceu as primeiras eleições legislativas, em 1976, com maioria absoluta. O episódio menos mal conseguido foi o dedicado à poesia trovadoresca, em que esteve em destaque o álbum "Cantigas d'Amigos" [>> RTP-Play]. Ainda assim foram cometidos dois erros crassos: situar o disco no ano de 1970 (impossível, porque foi gravado no Outono de 1971) e considerar que a cantiga "Na Ermida de S. Simeão", cantada por Amália, fora adaptada por Natália, quando na verdade quem fez a adaptação (e compôs a música) foi Alain Oulman (a gravação saiu primeiramente, sob o título de "Cantiga de Amigo", no álbum "Fado Português", de 1965). A versão nataliana do texto de Mendinho é a que apresentamos neste artigo recitada pela adaptadora. Enfim, quem estava à espera de conhecer, com o mínimo de rigor e sem ser pela rama, o poliédrico universo de Natália Correia, só pode sentir-se defraudado...



Fui à Fonte Lavar os Cabelos



Poema (Cantiga de amigo) de João Soares Coelho (Séc. XIII) [texto original >> Cantigas Medievais Galego-Portuguesas - FCSH/UNL]
Adaptado por Natália Correia (in "Cantares dos Trovadores Galego-Portugueses", Editorial Estampa, 1970 – p. 167)
Recitado por Natália Correia* (in LP "Alegre Eu Ando", Decca/VC, 1972; CD "A Defesa do Poeta", EMI-VC, 2003)
Música: Cristiana


Fui à fonte lavar os cabelos,
minha mãe; e gostei eu deles,
         e de mim também.

Fui à fonte as tranças lavar;
e das tranças pus-me eu a gostar,
         e de mim também.

Lá na fonte, onde eu gostei deles,
vi o dono dos meus cabelos,
         e de mim também.

Lá na fonte, antes que eu partisse,
gostei tanto do que ele me disse,
         e de mim também.


* Natália Correia – voz
Cristiana – viola
Gravado nos Estúdios Valentim de Carvalho, Paço d'Arcos
Captação de som – Hugo Ribeiro



Fui à Fonte Lavar os Cabelos



Poema (Cantiga de amigo): João Soares Coelho (Séc. XIII) [texto original >> Cantigas Medievais Galego-Portuguesas - FCSH/UNL]
Adaptação: Natália Correia (in "Cantares dos Trovadores Galego-Portugueses", Editorial Estampa, 1970 – p. 167)
Música: Alain Oulman
Intérprete: Amália Rodrigues* [grav. 1969, in CD "Com Que Voz (Remastered)", Edições Valentim de Carvalho, 2019]




Fui à fonte lavar os cabelos,
minha mãe; e gostei eu deles,
         e de mim também.

Fui à fonte as tranças lavar;
e das tranças pus-me eu a gostar,
         e de mim também.

Lá na fonte, onde eu gostei deles,
vi o dono dos meus cabelos,
         e de mim também.

Lá na fonte, antes que eu partisse,
gostei tanto do que ele me disse,
         e de mim também.


* Amália Rodrigues – voz
José Fontes Rocha – guitarra portuguesa
Pedro Leal – viola
Gravado por Hugo Ribeiro, nos Estúdios Valentim de Carvalho, Paço d'Arcos, em 1969
Remasterizado por Jorge Barata



A Formosinha de Elvas



Poema (Cantiga de amor de refrão) de Vidal [texto original >> Cantigas Medievais Galego-Portuguesas - FCSH/UNL]
Adaptado por Natália Correia (in "Cantares dos Trovadores Galego-Portugueses", Editorial Estampa, 1970 – p. 295)
Recitado por Ary dos Santos* (in LP "Espiral Op. 70", Espiral/Decca/VC, 1969; Livro/8CD "O Mundo segundo Carlos Paredes: Integral 1958-1993": CD 2 - "Na Corrente", EMI-VC, 2003)
Música: Carlos Paredes


Faz-me por ela morrer
e traz-me desesperado
alguém que dá gosto ver
e de corpo bem talhado,
por quem a morte hei-de ter
como cervo lanceado
que se vai do mundo a perder
da companhia das cervas.
      Antes ficasse sandeu
      ou me embruxassem com ervas
      no dia em que me apareceu
      a tal formosinha de Elvas.

Mais a morte me convém,
pois da sensatez me queixo
de quem desejo não tem
de matar o meu desejo
e me parece tão bem
que cada vez que a vejo
me lembra a rosa que vem
saindo por entre as relvas.
      Antes ficasse sandeu
      ou me embruxassem com ervas
      no dia em que me apareceu
      a tal formosinha de Elvas.


* Ary dos Santos – voz
Carlos Paredes – guitarra clássica



Dom Fulano



Poema (Cantiga de escárnio): D. Dinis (1261-1325) [texto original >> Cantigas Medievais Galego-Portuguesas - FCSH/UNL]
Adaptação: Natália Correia
Música: José Cid
Intérprete: José Cid* (in LP "José Cid", Columbia/VC, 1971; CD "O Melhor de José Cid", EMI-VC, 1990; CD "O Melhor de José Cid", Edições Valentim de Carvalho/iPlay, 2008; CD "José Cid: Essencial", Edições Valentim de Carvalho/CNM, 2014)




Estando Dom Fulano a tagarelar
comigo, de tédio senti-me morrer,
tantas as tolices que lhe ouvi dizer.
Finalmente disse: «Tenho que ir deitar.»
      Respondi-lhe logo: «Se isso vos apraz,
      ide-vos embora que eu cá fico em paz.»

Morrendo de tédio farto de o ouvir,
fiquei muito tempo ali massacrado,
já pestanejavam meus olhos de enfado.
Finalmente disse: «Tenho é que ir dormir.»
      Respondi-lhe logo: «Se isso vos apraz,
      ide-vos embora que eu cá fico em paz.»

Foi tagarelando pela noite fora
e dentro de mim o tédio crescia,
mas o maçador mal se apercebia.
Finalmente disse: «Eu tenho é que ir dormir.»
      Respondi-lhe logo: «Se isso vos apraz,
      ide-vos embora que a mim tanto faz.»


* José Cid – voz, órgão, bateria, viola baixo e piano
Produção e direcção musical – José Cid
Orquestrações – Pedro Osório
Gravado nos Estúdios Valentim de Carvalho, Paço d'Arcos
Técnico de som – Hugo Ribeiro



Serventês



Poema (Serventês): Afonso X de Castela e de Leão, o Sábio (1221-1284) [texto original >> Cantigas Medievais Galego-Portuguesas - FCSH/UNL]
Adaptação: Natália Correia (in "Cantares dos Trovadores Galego-Portugueses", Editorial Estampa, 1970 – p. 193)
Música: Luís Cília
Intérprete: Luís Cília* (in LP "La Poésie Portugaise de Nos Jours et de Toujours 3", Moshé-Naïm, 1971)


O que atravessou a serra
e não quis servir a terra
que ora se lança na guerra,
         o que fareça?
Se em farejar tanto erra,
         maldito seja!

O que arrecadou dinheiros,
e não trouxe cavaleiros,
e não quis ser dos primeiros,
         o que fareça?
Se só vem com os derradeiros,
         maldito seja!

Quem cobrou grande soldada
mas nunca fez cavalgada,
e não quer ir a Granada,
         o que fareça?
Se tem fortuna ou mesnada,
         maldito seja!

Quem muita manha meteu
no saco e pouco de seu
e em Veiga não se atreveu,
         o que fareça?
Se a alma lhe amoleceu,
         maldito seja!


* Luís Cília – voz e guitarra
Produção – Moshé-Naïm
Engenheiro de som – Daniel Vallancien



Vim Esperar o Meu Amigo



Poema [Cantiga de amigo (tenção)] de Bernaldo de Bonaval (Séc. XIII) [texto original >> Cantigas Medievais Galego-Portuguesas - FCSH/UNL]
Adaptação: Natália Correia (in "Cantares dos Trovadores Galego-Portugueses", Editorial Estampa, 1970 – p. 87)
Música: José Fontes Rocha
Intérpretes: Ary dos Santos e Amália Rodrigues* (in LP "Cantigas d'Amigos", Columbia/VC, 1971, reed. Edições Valentim de Carvalho/iPlay, 2011)




— Ai, formosinha, se me escutais,
    longe da vila, que procurais?
— Vim esperar o meu amigo.

— Ai, formosinha, se me atendeis,
    longe da vila, o que fazeis?
— Vim esperar o meu amigo.

— Longe da vila que procurais?
— Sabei-o, já que o perguntais:
    vim esperar o meu amigo.

— Longe da vila o que fazeis?
— Sabei-o, já que o não sabeis:
    vim esperar o meu amigo.


* Ary dos Santos – voz (recitação)
Amália Rodrigues – voz (canto)
José Fontes Rocha – 1.ª guitarra portuguesa
Carlos Gonçalves – 2.ª guitarra portuguesa
Pedro Leal – viola
Joel Pina – viola baixo



Vem Comigo, Irmã



Poema (Cantiga de amigo) de Fernando Esguio (Sécs. XIII-XIV) [texto original >> Cantigas Medievais Galego-Portuguesas - FCSH/UNL]
Adaptado por Natália Correia (in "Cantares dos Trovadores Galego-Portugueses", Editorial Estampa, 1970 – p. 265)
Recitado por Natália Correia* (in LP "Cantigas d'Amigos", Columbia/VC, 1971, reed. Edições Valentim de Carvalho/iPlay, 2011)
Música: José Fontes Rocha




Vem comigo, irmã, iremos dormir
nas margens do lago onde andar eu vi
         às aves, o meu amigo.

Vem comigo, irmã, iremos folgar
nas margens do lago onde eu vi andar
         às aves, o meu amigo.

Nas margens do lago, onde andar, eu vi
com o arco na mão as aves ferir,
         às aves, o meu amigo.

Nas margens do lago, onde eu vi andar,
com o arco na mão as aves matar,
         às aves, o meu amigo.

Com o arco na mão as aves ferir;
mas as que cantavam deixava-as fugir
às aves, o meu amigo.

Com o arco na mão as aves matar;
mas as que cantavam deixava-as voar
às aves, o meu amigo.


* Natália Correia – voz
José Fontes Rocha – 1.ª guitarra portuguesa
Carlos Gonçalves – 2.ª guitarra portuguesa
Pedro Leal – viola
Joel Pina – viola baixo



Perigosas Elas São



Poema (Serventês moral) de Afonso X de Castela e de Leão, o Sábio (1221-1284) [texto original >> Cantigas Medievais Galego-Portuguesas - FCSH/UNL]
Adaptado por Natália Correia (in "Cantares dos Trovadores Galego-Portugueses", Editorial Estampa, 1970 – p. 189 e 191)
Recitado por Ary dos Santos* (in LP "Cantigas d'Amigos", Columbia/VC, 1971, reed. Edições Valentim de Carvalho/iPlay, 2011)




Não me posso agradar tanto
do canto
das aves nem de ambição
nem de canseira ou paixão
nem de armas com que me espanto,
por quanto
perigosas elas são,
como de um bom galeão
que me arrebate à vizinha
maldição desta campina
onde vive o escorpião;
pois dentro, no coração
dele senti a espinha.

Não mais trazer barba e manto
garanto;
tampouco me enredarão
do amor a inquietação
ou armas que só quebranto
e pranto
são o fruto que elas dão.
Antes quero embarcação
que me leve e na marinha
vendendo azeite e farinha
fugirei do escorpião,
já que para a peçonha não
conheço melhor mèzinha.

De lançar a tavolado
agrado
não tenho ou de bafordar;
e se obrigado a rondar
o faço de noite armado,
enfado
é o que tenho a lucrar.
Partir e fazer-me ao mar
prefiro a ser cavaleiro
eu que já fui marinheiro
e me quero resguardar
de escorpiões e voltar
àquilo que fui primeiro.

Sabei que do Inimigo
o perigo
já me não pode enganar
fazendo-me armas tomar.
Pelejar não é comigo.
Castigo
não me vale imaginar
se não o hei-de aplicar.
Antes sozinho onde for
como qualquer mercador
outras terras procurar
onde não me há-de acusar
escorpião de vária cor!


* Ary dos Santos – voz
Gravado nos Estúdios Valentim de Carvalho, Paço d'Arcos, de 29 de Setembro a 1 de Outubro de 1971
Captação de som e mistura – Hugo Ribeiro
Restauro e remasterização (edição em CD) – Joel Conde, nos Estúdios Tcha Tcha Tcha, Miraflores



Não sei eu, amigo, de quem padecesse



Poema (Cantiga de amigo) de D. Dinis (1261-1325) [texto original >> Cantigas Medievais Galego-Portuguesas - FCSH/UNL]
Adaptado por Natália Correia (in "Cantares dos Trovadores Galego-Portugueses", Editorial Estampa, 1970 – p. 255)
Recitado por Natália Correia* (in LP "Cantigas de Amor e de Amigo dos Trovadores Galego-Portugueses", Série 'Disco Falado', Guilda da Música/Sassetti, 1974)
Música: Rui Cardoso




Não sei eu, amigo, de quem padecesse
mágoas que padeço e que não morresse,
senão eu, coitada, antes não nascesse,
já que não vos vejo como merecia;
Ah, quisesse Deus que eu vos esquecesse,
         amigo que vi em tão triste dia!

Não sei eu, amigo, de outra que penasse
penas como eu peno e as suportasse
e que não morresse ou desesperasse,
já que não vos vejo como merecia;
Ah, quisesse Deus que eu vos não lembrasse,
         amigo que vi em tão triste dia!

Não sei eu, amigo, de quem tal sentisse,
e que assim sentindo o sol encobrisse,
senão eu, coitada, a quem Deus maldisse,
já que não vos vejo como merecia;
Ah, quisesse Deus que nunca eu vos visse,
         amigo que vi em tão triste dia!


* Natália Correia – voz
Rui Cardoso – saxofones
Direcção literária – Alberto Ferreira
Gravado nos Estúdios Polysom e Rádio Triunfo, Lisboa
Captação de som e mistura – Moreno Pinto



Ah, Quisesse Deus



Poema (Cantiga de amigo): D. Dinis (1261-1325) [texto original >> Cantigas Medievais Galego-Portuguesas - FCSH/UNL]
Adaptação: Natália Correia (in "Cantares dos Trovadores Galego-Portugueses", Editorial Estampa, 1970 – p. 255)
Música: José Fontes Rocha
Intérprete: Amália Rodrigues* (in LP "Cantigas d'Amigos", Columbia/VC, 1971, reed. Edições Valentim de Carvalho/iPlay, 2011)




Não sei eu, amigo, de quem padecesse
mágoas que padeço e que não morresse,
senão eu, coitada, antes não nascesse,
já que não vos vejo como merecia;
Ah, quisesse Deus que eu vos esquecesse,
         amigo que vi em tão triste dia!

Não sei eu, amigo, de outra que penasse
penas como eu peno e as suportasse
e que não morresse ou desesperasse,
já que não vos vejo como merecia;
Ah, quisesse Deus que eu vos não lembrasse,
         amigo que vi em tão triste dia!

Não sei eu, amigo, de quem tal sentisse,
e que assim sentindo o sol encobrisse,
senão eu, coitada, a quem Deus maldisse,
já que não vos vejo como merecia;
Ah, quisesse Deus que nunca eu vos visse,
         amigo que vi em tão triste dia!


* Amália Rodrigues – voz
José Fontes Rocha – 1.ª guitarra portuguesa
Carlos Gonçalves – 2.ª guitarra portuguesa
Pedro Leal – viola
Joel Pina – viola baixo



Senhora, Que Bem Pareceis



Poema (Cantiga de amor de mestria) de D. Dinis (1261-1325) [texto original >> Cantigas Medievais Galego-Portuguesas - FCSH/UNL]
Adaptado por Natália Correia (in "Cantares dos Trovadores Galego-Portugueses", Editorial Estampa, 1970 – p. 253)
Recitado por Ary dos Santos* (in LP "Cantigas d'Amigos", Columbia/VC, 1971, reed. Edições Valentim de Carvalho/iPlay, 2011)
Música: José Fontes Rocha




Senhora que bem pareceis,
se de mim vos recordasse
Deus que vos fez e mandasse
que do mal que me fazeis
me fizésseis correcção;
quem dera, senhora, então
que eu vos visse e agradasse.

Ó formosura sem falha
que nunca um homem viu tanto
para meu mal e meu quebranto!
Senhora, que Deus vos valha!
Por quanto tenho penado
seja eu recompensado
vendo-vos só um instante.

Da vossa grande beleza
da qual eu esperei um dia
grande bem e alegria,
só me vem mal e tristeza.
Sendo-me a mágoa sobeja,
deixai que ao menos vos veja
no ano, o espaço de um dia.


* Ary dos Santos – voz
José Fontes Rocha – 1.ª guitarra portuguesa
Carlos Gonçalves – 2.ª guitarra portuguesa
Pedro Leal – viola
Joel Pina – viola baixo



...E Pede-me Agora o Que Não Devia



Poema (Cantiga de amigo): João Garcia de Guilhade (Séc. XIII) [texto original >> Cantigas Medievais Galego-Portuguesas - FCSH/UNL]
Adaptação: Natália Correia (in "Cantares dos Trovadores Galego-Portugueses", Editorial Estampa, 1970 – p. 129)
Música: José Fontes Rocha
Intérprete: Amália Rodrigues* (in LP "Cantigas d'Amigos", Columbia/VC, 1971, reed. Edições Valentim de Carvalho/iPlay, 2011)




Reparastes, donas, quando noutro dia
o meu namorado comigo falou
como se queixava? Tanto se queixou
que lhe dei o cinto. Dei-lhe o que podia;
e pede-me agora o que não devia.

Vistes (antes nunca tal coisa se visse!)
que à força de muito, muito se queixar,
fez-me da camisa o cordão tirar;
o cordão lhe dei; no que fiz tolice;
e o que pede agora, antes não pedisse.

Das minhas ofertas, João de Guilhade,
enquanto as quiser, não o privarei,
que muitas e boas já dele alcancei;
nem lhe negarei minha lealdade.
Mas de outras loucuras tem ele vontade.


* Amália Rodrigues – voz
José Fontes Rocha – 1.ª guitarra portuguesa
Carlos Gonçalves – 2.ª guitarra portuguesa
Pedro Leal – viola
Joel Pina – viola baixo



O Rapinante



Poema (Cantiga de escárnio) de João Airas, de Santiago (Sécs. XIII-XIV) [texto original >> Cantigas Medievais Galego-Portuguesas - FCSH/UNL]
Adaptado por Natália Correia (in "Cantares dos Trovadores Galego-Portugueses", Editorial Estampa, 1970 – p. 237)
Recitado por Natália Correia* (in LP "Cantigas d'Amigos", Columbia/VC, 1971, reed. Edições Valentim de Carvalho/iPlay, 2011)
Música: José Fontes Rocha




Uma dama, não digo qual,
não agoirou este ano mal
pelas oitavas do Natal:
ia ela a missa ouvir
e ouvindo um corvo carniçal
já de casa não quis sair.

Ia a dama com devoção
ouvir a missa e o sermão.
Mas não podendo à tentação
carnal do corvo resistir,
logo mudou de opinião:
já de casa não quis sair.

Diz a dama: «mal me virá!
Paramentado o padre está
e a maldição me lançará
se na igreja me não vir.»
Diz o corvo: «vem cá! vem cá!»
Já de casa não quis sair.

Eis os agoiros que com espanto
este ano ouvi; nunca durante
a vida ouvira semelhante:
ia à igreja mas ao sentir
em cima dela o rapinante,
já de casa não quis sair.


* Natália Correia – voz
José Fontes Rocha – 1.ª guitarra portuguesa
Carlos Gonçalves – 2.ª guitarra portuguesa
Pedro Leal – viola
Joel Pina – viola baixo



Uma Pastora Delgada



Poema (Pastorela de mestria) de D. Dinis (1261-1325) [texto original >> Cantigas Medievais Galego-Portuguesas - FCSH/UNL]
Adaptado por Natália Correia (in LP "Cantigas d'Amigos", Columbia/VC, 1971, reed. Edições Valentim de Carvalho/iPlay, 2011)
Recitado por Ary dos Santos e Natália Correia* (in LP "Cantigas d'Amigos", Columbia/VC, 1971, reed. Edições Valentim de Carvalho/iPlay, 2011)
Música: José Fontes Rocha




Uma pastora delgada
recordando o seu amor
estava e era muita a dor
que a pastora revelava
dizendo: «ai da namorada
que no amigo acredita!
que só ser atraiçoada,
como eu, terá por dita.»

Ela trazia na mão
um papagaio formoso
cantando muito viçoso
porque já entrava o verão.
«Não sei, amigo loução,
que fazer com tais amores
se me pagais com traição?»,
disse e caiu entre as flores.

Esteve ali parte do dia
a pastora e não falava;
umas vezes acordava;
as outras, esmorecia:
«Valha-me Santa Maria!
que será de mim agora?»
Ao que a ave respondia:
«Bem, pelo que sei, senhora.»

«Se me queres ver consolada»,
disse ela, «só a verdade
quero ouvir, por caridade».
E a ave: «Ó mulher dotada
de bem, não te queixes mais.
Quem te escolheu por amada...
ergue os olhos: vê-lo-ás.»


* Ary dos Santos – voz
Natália Correia – voz
José Fontes Rocha – 1.ª guitarra portuguesa
Carlos Gonçalves – 2.ª guitarra portuguesa
Pedro Leal – viola
Joel Pina – viola baixo



Lá Vão as Flores



Poema (Cantiga de amigo): Paio Gomes Charinho (Séc. XIII) [texto original >> Cantigas Medievais Galego-Portuguesas - FCSH/UNL]
Adaptação: Natália Correia (in "Cantares dos Trovadores Galego-Portugueses", Editorial Estampa, 1970 – p. 201 e 203)
Música: José Fontes Rocha
Intérprete: Amália Rodrigues* (in LP "Cantigas d'Amigos", Columbia/VC, 1971, reed. Edições Valentim de Carvalho/iPlay, 2011)




As flores do meu amigo
briosas vão no navio.
         Lá vão as flores
e com elas meus amores!
         Foram-se as flores
e com elas meus amores!

As flores do meu amado
briosas leva-as o barco.
         Lá vão as flores
e com elas meus amores!
         Foram-se as flores
e com elas meus amores!

Briosas vão no navio.
Na armada irão seguindo.
         Lá vão as flores
e com elas meus amores!
         Foram-se as flores
e com elas meus amores!

Briosas leva-as o barco
para lutar no fossado.
         Lá vão as flores
e com elas meus amores!
         Foram-se as flores
e com elas meus amores!

Na armada irão seguindo
servir meu corpo garrido.
         Lá vão as flores
e com elas meus amores!
         Foram-se as flores
e com elas meus amores!

Para lutar no fossado,
servir meu corpo louvado.
         Lá vão as flores
e com elas meus amores!
         Foram-se as flores
e com elas meus amores!


* Amália Rodrigues – voz
José Fontes Rocha – 1.ª guitarra portuguesa
Carlos Gonçalves – 2.ª guitarra portuguesa
Pedro Leal – viola
Joel Pina – viola baixo



Nem por Rei ou Infante Eu me Trocaria



Poema (Cantiga de amor de refrão) de D. Dinis (1261-1325) [texto original >> Cantigas Medievais Galego-Portuguesas - FCSH/UNL]
Adaptado por Natália Correia (in "Cantares dos Trovadores Galego-Portugueses", Editorial Estampa, 1970 – p. 241)
Recitado por Ary dos Santos* (in LP "Cantigas d'Amigos", Columbia/VC, 1971, reed. Edições Valentim de Carvalho/iPlay, 2011)
Música: José Fontes Rocha




Senhora, tanto eu queria,
se a Deus e a vós aprouvesse,
que onde estais sempre estivesse,
senhora, então me daria
         por tão radiante
         que daí em diante
         nem por rei ou infante
         eu me trocaria.

Sabendo que vos sorria
que onde morásseis, morasse,
sempre vos visse e falasse,
senhora, então me daria
         por tão radiante
         que daí em diante
         nem por rei ou infante
         eu me trocaria.

Muito contente andaria,
se onde vivêsseis, vivesse.
Apenas isto entendesse,
com razão eu me daria
         por tão radiante
         que daí em diante
         nem por rei ou infante
         eu me trocaria.


* Ary dos Santos – voz
José Fontes Rocha – 1.ª guitarra portuguesa
Carlos Gonçalves – 2.ª guitarra portuguesa
Pedro Leal – viola
Joel Pina – viola baixo



Sejamos Como Toda a Gente



Poema (Cantiga de amigo de mestria) de João Garcia de Guilhade (Séc. XIII) [texto original >> Cantigas Medievais Galego-Portuguesas - FCSH/UNL]
Adaptado por Natália Correia (in "Cantares dos Trovadores Galego-Portugueses", Editorial Estampa, 1970 – p. 133)
Recitado por Natália Correia* (in LP "Cantigas d'Amigos", Columbia/VC, 1971, reed. Edições Valentim de Carvalho/iPlay, 2011)




Por Deus, amigas, que fazer,
se vejo o mundo volver-se em nada:
esquece o amigo a namorada,
e já o amor não tem poder;
da formosura se desdenha
e um corpo belo a quem o tenha,
mais lhe valera nunca o ter.

Vede que falo com razão:
não sei no mundo de rei que visse
meu corpo esbelto e resistisse,
ou não morresse de paixão.
Mas meu amigo aqui passou
e ver meus olhos não procurou,
estes meus olhos que verdes são.

Não mais, ó donas, ingenuamente
por namorados porfieis;
e vossos olhos, não os canseis
por quem vos é inclemente:
quem os meus viu e quis outrora
meu corpo esbelto, passa agora
junto de mim indiferente.

Se ao mundo importa minimamente
rosto formoso, corpo atraente,
sejamos como toda a gente.


* Natália Correia – voz



Ai, Dona Feia, Foste-vos Queixar



Poema (Cantiga de maldizer) de João Garcia de Guilhade (Séc. XIII) [texto original >> Cantigas Medievais Galego-Portuguesas - FCSH/UNL]
Adaptado por Natália Correia (in "Cantares dos Trovadores Galego-Portugueses", Editorial Estampa, 1970 – p. 137)
Recitado por Ary dos Santos* (in LP "Cantigas d'Amigos", Columbia/VC, 1971, reed. Edições Valentim de Carvalho/iPlay, 2011)
Música: José Fontes Rocha




Ai, dona feia, foste-vos queixar
de que vos nunca louvo em meu trovar.
Mas umas trovas vos quero dedicar
em que louvada de toda a maneira
         sereis, tal é o meu louvar:
         dona feia, velha e gaiteira.

Ai, dona feia, se com tanto ardor
quereis que vos louve, como trovador,
trovas farei e de tal teor
em que louvada de toda a maneira
         sereis, tal é o meu louvar:
         dona feia, velha e gaiteira.

Ai, dona feia, nunca vos louvei
em meu trovar eu que tanto trovei
e eis que umas trovas vos dedicarei
em que louvada de toda a maneira
         sereis, tal é o meu louvar:
         dona feia, velha e gaiteira.


* Ary dos Santos – voz
José Fontes Rocha – 1.ª guitarra portuguesa
Carlos Gonçalves – 2.ª guitarra portuguesa
Pedro Leal – viola
Joel Pina – viola baixo



Amores Eu Tenho



Poema [Cantiga de amigo (tenção)]: Pero Meogo (Séc. XIII) [texto original >> Cantigas Medievais Galego-Portuguesas - FCSH/UNL]
Adaptação: Natália Correia (in "Cantares dos Trovadores Galego-Portugueses", Editorial Estampa, 1970 – p. 159)
Música: José Fontes Rocha
Intérpretes: Natália Correia* e Amália Rodrigues (in LP "Cantigas d'Amigos", Columbia/VC, 1971, reed. Edições Valentim de Carvalho/iPlay, 2011)




— Responde, filha, formosa filha,
porque tardaste na fonte fria?
         Amores eu tenho!

Filha, formosa filha, responde:
porque tardaste na fria fonte?
         Amores eu tenho!

— Tardei, minha mãe, na fonte fria;
cervos do monte a água volviam.
         Amores eu tenho!

Tardei, minha mãe, na fria fonte;
volviam a água cervos do monte.
         Amores eu tenho!

— Que escondes, filha, por teu amigo?
cervos do monte não volvem o rio.
         Amores eu tenho!

Por teu amado, filha, que escondes?
o mar não volvem cervos do monte.
         Amores eu tenho!


* Natália Correia – voz (recitação)
Amália Rodrigues – voz (canto)
José Fontes Rocha – 1.ª guitarra portuguesa
Carlos Gonçalves – 2.ª guitarra portuguesa
Pedro Leal – viola
Joel Pina – viola baixo
Gravado nos Estúdios Valentim de Carvalho, Paço d'Arcos, de 29 de Setembro a 1 de Outubro de 1971
Captação de som e mistura – Hugo Ribeiro
Restauro e remasterização (edição em CD) – Joel Conde, nos Estúdios Tcha Tcha Tcha, Miraflores



Na Ermida de S. Simeão



Poema (Cantiga de amigo) de Mendinho [texto original >> Cantigas Medievais Galego-Portuguesas - FCSH/UNL]
Adaptado por Natália Correia (in "Cantares dos Trovadores Galego-Portugueses", Editorial Estampa, 1970 – p. 289 e 291)
Recitado por Natália Correia* (in LP "Alegre Eu Ando", Decca/VC, 1972; CD "A Defesa do Poeta", EMI-VC, 2003)


Estava eu na ermida de São Simeão,
cercaram-me as ondas que tão altas são!
         eu esperando o meu amigo!
         eu esperando o meu amigo!

Estando eu na ermida diante do altar,
cercaram-me as ondas grandes do mar:
         eu esperando o meu amigo!
         eu esperando o meu amigo!

Cercaram-me as ondas que tão altas são!
remador não tenho nem embarcação:
         eu esperando o meu amigo!
         eu esperando o meu amigo!

Cercaram-me as ondas do alto mar;
não tenho barqueiro e não sei remar:
         eu esperando o meu amigo!
         eu esperando o meu amigo!

Remador não tenho nem embarcação;
morrerei formosa na imensidão:
         eu esperando o meu amigo!
         eu esperando o meu amigo!

Não tenho barqueiro e não sei remar;
morrerei formosa no alto mar:
         eu esperando o meu amigo!
         eu esperando o meu amigo!


* Natália Correia – voz e sonoplastia



Ai, Minha Senhora, Assim Morro Eu



Poema (Cantiga de amor de refrão) de Paio Soares de Taveirós (Séc. XIII) [texto original >> Cantigas Medievais Galego-Portuguesas - FCSH/UNL]
Adaptado por Natália Correia (in "Cantares dos Trovadores Galego-Portugueses", Editorial Estampa, 1970 – p. 57)
Recitado por Natália Correia* (in LP "Alegre Eu Ando", Decca/VC, 1972; CD "A Defesa do Poeta", EMI-VC, 2003)


Como morreu quem nunca amar
se fez pela coisa que mais amou,
e quanto dela receou
sofreu, morrendo de pesar,
     ai, minha senhora, assim morro eu.

Como morreu quem foi amar
quem nunca bem lhe quis fazer,
e de quem Deus lhe fez saber
que a morte havia de alcançar,
     ai, minha senhora, assim morro eu.

Igual ao homem que endoideceu
com a grande mágoa que sentiu,
senhora, e nunca mais dormiu,
perdeu a paz, depois morreu,
     ai, minha senhora, assim morro eu.

Como morreu quem amou tal
mulher que nunca lhe quis bem
e a viu levada por alguém
que a não valia nem a vale,
     ai, minha senhora, assim morro eu.


* Natália Correia – voz e sonoplastia



Mas se Eu Ficasse com o Meu Amigo...



Poema (Cantiga de amigo) de Juião Bolseiro (Séc. XIII) [texto original >> Cantigas Medievais Galego-Portuguesas - FCSH/UNL]
Adaptado por Natália Correia (in "Cantares dos Trovadores Galego-Portugueses", Editorial Estampa, 1970 – p. 121)
Recitado por Natália Correia* (in LP "Alegre Eu Ando", Decca/VC, 1972; CD "A Defesa do Poeta", EMI-VC, 2003)


Sem o meu amigo sinto-me sozinha
e não adormecem estes olhos meus.
Tanto quanto posso peço a luz de Deus
e Deus não permite que a luz seja minha.
         Mas se eu ficasse com o meu amigo
         a luz agora estaria comigo.

Quando eu a seu lado folgava e dormia
depressa passavam as noites; agora
vai e vem a noite, a manhã demora;
demora-se a luz e não nasce o dia.
         Mas se eu ficasse com o meu amigo
         a luz agora estaria comigo.

Diferente é a noite quando ele aparece,
meu lume e senhor e o dia me traz;
pois apenas chega logo a luz se faz.
Vai-se agora a noite, vem de novo e cresce.
         Mas se eu ficasse com o meu amigo
         a luz agora estaria comigo.

Padres-nossos já rezei mais de um cento
implorando Àquele que morreu na cruz
que cedo me mostre novamente a luz
em vez destas longas noites de Advento.
         Mas se eu ficasse com o meu amigo
         a luz agora estaria comigo.


* Natália Correia – voz e sonoplastia



Estava a Formosa a Seda Torcendo



Poema [Cantiga de amigo (tenção)] de Estêvão Coelho (Sécs. XIII-XIV) [texto original >> Cantigas Medievais Galego-Portuguesas - FCSH/UNL]
Adaptado por Natália Correia (in "Cantares dos Trovadores Galego-Portugueses", Editorial Estampa, 1970 – p. 269)
Recitado por Natália Correia* (in LP "Alegre Eu Ando", Decca/VC, 1972; CD "A Defesa do Poeta", EMI-VC, 2003)
Música: Cristiana


Estava a formosa a seda torcendo,
sua voz mansinha formosa dizendo
         cantigas de amigo.

Estava a formosa a seda lavrando,
sua voz mansinha formosa cantando
         cantigas de amigo.

— Por Deus, dona, amores vos fazem sofrer,
tão sentidamente vos vejo dizer
         cantigas de amigo.

— Por Deus, dona, amores vos fazem penar,
tão sentidamente vos vejo cantar
         cantigas de amigo.

— Abutre comestes pois que adivinhastes.


* Natália Correia – voz
Cristiana – viola



Senhora, Senhora, Morrerei de Amor



Poema (Cantiga de amor de refrão) de Fernão Velho (Séc. XIII) [texto original >> Cantigas Medievais Galego-Portuguesas - FCSH/UNL]
Adaptado por Natália Correia (in "Cantares dos Trovadores Galego-Portugueses", Editorial Estampa, 1970 – p. 117)
Recitado por Natália Correia* (in LP "Alegre Eu Ando", Decca/VC, 1972; CD "A Defesa do Poeta", EMI-VC, 2003)


Quanto, senhora, de vós receei,
dizem-me agora que mo ides dar.
Apenas senti que vos ia amar,
ai Nosso Senhor, como eu receei
    que vos casassem; mas se assim for,
    senhora, senhora, morrerei de amor.

Sempre vos amei cheio de pavor,
desde que vos vi, quando vos falei;
depois que este amor vos desocultei
nunca mais deixei de sentir pavor
    que vos casassem; mas se assim for,
    senhora, senhora, morrerei de amor.

Sempre vos amei tremendo de medo.
Dizem-me agora que tinha razão.
Apenas perdido que fui de paixão,
ai Nosso Senhor, como eu tive medo
    que vos casassem; mas se assim for,
    senhora, senhora, morrerei de amor.


* Natália Correia – voz
Gravado nos Estúdios Valentim de Carvalho, Paço d'Arcos
Captação de som – Hugo Ribeiro



Morrerei de Amor



Poema (Cantiga de amor de refrão): Fernão Velho (Séc. XIII) [texto original >> Cantigas Medievais Galego-Portuguesas - FCSH/UNL]
Adaptação: Natália Correia (in "Cantares dos Trovadores Galego-Portugueses", Editorial Estampa, 1970 – p. 117)
Música: José Barros
Intérprete: José Barros e Navegante* (in CD "Não Há Heróis", Lusogram, 1999)


Quanto, senhora, de vós receei,
dizem-me agora que mo ides dar.
Apenas senti que vos ia amar,
ai Nosso Senhor, como eu receei
    que vos casassem; mas se assim for,
    senhora, senhora, morrerei de amor.

Sempre vos amei cheio de pavor,
desde que vos vi, quando vos falei;
depois que este amor vos desocultei
nunca mais deixei de sentir pavor
    que vos casassem; mas se assim for,
    senhora, senhora, morrerei de amor.

Sempre vos amei tremendo de medo.
Dizem-me agora que tinha razão.
Apenas perdido que fui de paixão,
ai Nosso Senhor, como eu tive medo
    que vos casassem; mas se assim for,
    senhora, senhora, morrerei de amor.


* [Créditos gerais do disco:]
José Barros – voz e viola braguesa
Vasco Sousa – baixo
Carlos Passos – violino
Miguel Tapadas – piano e sintetizador
Mário Delgado – guitarra
Hugo Tapadas – acordeão
José Manuel David – flauta transversal
Eduardo Monteiro – sanfona
Arranjos – José Barros (com a participação de Navegante)
Produção e direcção musical – José Barros
Gravado nos Estúdios Musicorde, Lisboa, em Fevereiro e Março de 1999
Técnico de som – João Magalhães
Misturas e masterização – João Magalhães e José Barros, no Estúdio JMJB



Será Que me Quer Matar?



Poema (Cantiga de amor de mestria) de Osoir' Eanes (Sécs. XII-XIII) [texto original >> Cantigas Medievais Galego-Portuguesas - FCSH/UNL]
Adaptado por Natália Correia (in "Cantares dos Trovadores Galego-Portugueses", Editorial Estampa, 1970 – p. 69)
Recitado por Natália Correia* (in LP "Alegre Eu Ando", Decca/VC, 1972; CD "A Defesa do Poeta", EMI-VC, 2003)


Cuidei eu que meu coração
não mais me pudesse forçar
pois me tirara da prisão
onde me torna a encarcerar;
e eis que me queima em nova chama
e me escraviza a outra dama.
Será que me quer matar?

Desde que alguém desamparar
quis meu amor, cuidei que não
à escravidão de outra paixão
me voltaria a sujeitar;
e eis que me forçam os olhos meus,
a formosura que vi nos seus
seu alto preço e um cantar

que lhe eu ouvi, vendo-a mostrar
os seus cabelos. Perdição
me foi ouvir essa canção.
Antes a morte que suportar
da minha dor o extremo anseio;
e já não sei se mais receio
morrer ou lha manifestar.


* Natália Correia – voz e sonoplastia



Vi Eu no Sagrado em Vigo



Poema (Cantiga de amigo) de Martim Codax (Séc. XIII) [texto original >> Cantigas Medievais Galego-Portuguesas - FCSH/UNL]
Adaptado por Natália Correia (in "Cantares dos Trovadores Galego-Portugueses", Editorial Estampa, 1970 – p. 75)
Recitado por Natália Correia* (in LP "Alegre Eu Ando", Decca/VC, 1972; CD "A Defesa do Poeta", EMI-VC, 2003)


Vi eu no sagrado em Vigo
bailar um corpo tão lindo:
         enamorei-me!

Vi em Vigo no sagrado
bailar um corpo delgado:
         enamorei-me!

Bailar um corpo tão lindo
que nunca vira em amigo:
         enamorei-me!

Bailar um corpo delgado
que nunca vira em amado:
         enamorei-me!

Que nunca vira em amigo
senão no sagrado em Vigo:
         enamorei-me!

Que nunca vira em amado,
só em Vigo no sagrado:
         enamorei-me!


* Natália Correia – voz e sonoplastia



Por Deus, Coitada Vivo



Poema (Cantiga de amigo) de Pero Gonçalves de Portocarreiro (Séc. XIII) [texto original >> Cantigas Medievais Galego-Portuguesas - FCSH/UNL]
Adaptado por Natália Correia (in "Cantares dos Trovadores Galego-Portugueses", Editorial Estampa, 1970 – p. 145)
Recitado por Natália Correia* (in LP "Alegre Eu Ando", Decca/VC, 1972; CD "A Defesa do Poeta", EMI-VC, 2003)
Música: Cristiana


Por Deus, coitada vivo,
pois não vem meu amigo,
pois não vem, que farei?
meus cabelos, com sirgo,
não mais vos atarei.

Pois não vem de Castela;
morreu! ai, quem soubera!
ou mo detém el-rei?
minhas toucas de Estela,
não mais vos usarei.

Se contente semelho,
não me sei dar conselho;
amigas, que farei?
em vós, ai meu espelho,
nunca mais me verei.

Estas prendas tão belas
ele mas deu, donzelas,
não vos ocultarei.
Ai, cintas de fivelas,
não mais vos cingirei.


* Natália Correia – voz
Cristiana – viola



Alegre Eu Ando



Poema [Cantiga de amigo (alba)] de Nuno Fernandes Torneol (Séc. XIII) [texto original >> Cantigas Medievais Galego-Portuguesas - FCSH/UNL]
Adaptado por Natália Correia (in "Cantares dos Trovadores Galego-Portugueses", Editorial Estampa, 1970 – p. 219)
Recitado por Natália Correia* (in LP "Alegre Eu Ando", Decca/VC, 1972; CD "A Defesa do Poeta", EMI-VC, 2003)


Ergue-te, amigo que dormes nas manhãs frias!
Todas as aves do mundo, de amor, diziam:
         alegre eu ando.

Ergue-te, amigo que dormes nas manhãs claras!
Todas as aves do mundo, de amor, cantavam:
         alegre eu ando.

Todas as aves do mundo, de amor, diziam;
do meu amor e do teu se lembrariam:
         alegre eu ando.

Todas as aves do mundo, de amor, cantavam;
do meu amor e do teu se recordavam:
         alegre eu ando.

Do meu amor e do teu se lembrariam;
tu lhes tolheste os ramos em que eu as via:
         alegre eu ando.

Do meu amor e do teu se recordavam;
tu lhes tolheste os ramos em que pousavam:
         alegre eu ando.

Tu lhes tolheste os ramos em que eu as via;
e lhes secaste as fontes em que bebiam:
         alegre eu ando.

Tu lhes tolheste os ramos em que pousavam;
e lhes secaste as fontes que as refrescavam:
         alegre eu ando.


* Natália Correia – voz e sonoplastia



Por Deus, Ai Dona Leonor



Poema (Cantiga de amor de refrão) de Rui Pais de Ribela (Séc. XIII) [texto original >> Cantigas Medievais Galego-Portuguesas - FCSH/UNL]
Adaptado por Natália Correia (in "Cantares dos Trovadores Galego-Portugueses", Editorial Estampa, 1970 – p. 177 e 179)
Recitado por Natália Correia* (in LP "Alegre Eu Ando", Decca/VC, 1972; CD "A Defesa do Poeta", EMI-VC, 2003)


         Por Deus, ai Dona Leonor
         bela vos fez Nosso Senhor!

Senhora sois tão bem parecida:
em mais ninguém vi repetida
a formosura que em vós contida
não poderia ser maior:
         por Deus, ai Dona Leonor,
         bela vos fez Nosso Senhor!

Deus que por bem vos escolheu
tanto em fazer-vos se excedeu
que melhor modo não concebeu
de vos fazer com mais rigor:
         por Deus, ai Dona Leonor,
         bela vos fez Nosso Senhor!

Em vós mostrou Deus o poder
de pôr no mundo uma mulher
que no falar e no parecer
a glória é do Criador:
         por Deus, ai Dona Leonor,
         bela vos fez Nosso Senhor!

Como entre as pedras o rubi
a melhor sois de quantas vi.
Criou-vos Deus pensando em mim
para me mostrar o seu amor:
         por Deus, ai Dona Leonor,
         bela vos fez Nosso Senhor!


* Natália Correia – voz e sonoplastia



Eu Sou Guiomar Afonso!



Poema (Cantiga de amor) de Rui Queimado (Séc. XIII) [texto original >> Cantigas Medievais Galego-Portuguesas - FCSH/UNL]
Adaptação: Natália Correia (in "Cantares dos Trovadores Galego-Portugueses", Editorial Estampa, 1970 – p. 185)
Música: António Victorino d'Almeida
Intérprete: Natália Correia* (in LP "Alegre Eu Ando", Decca/VC, 1972; CD "A Defesa do Poeta", EMI-VC, 2003)


Quando morto eu for por ela,
sei que dirá minha bela:
      — Eu sou Guiomar Afonso!

Quando ela me der a morte,
sei que dirá desta sorte:
      — Eu sou Guiomar Afonso!

Quando eu morrer, levará
a mão ao queixo e dirá:
      — Eu sou Guiomar Afonso!


* Natália Correia – voz
António Victorino d'Almeida – piano



Já Passou



Poema (Cantiga de amigo) de João Garcia de Guilhade (Séc. XIII) [texto original >> Cantigas Medievais Galego-Portuguesas - FCSH/UNL]
Adaptado por Natália Correia (in "Cantares dos Trovadores Galego-Portugueses", Editorial Estampa, 1970 – p. 131)
Recitado por Natália Correia* (in LP "Alegre Eu Ando", Decca/VC, 1972; CD "A Defesa do Poeta", EMI-VC, 2003)


Por muito tempo, ó amado,
sei eu que me dedicastes
grande amor e que ficastes
muito feliz a meu lado.
Falo do tempo passado:
                          já passou.

Os nossos grandes amores,
(longamente nos amámos!)
porque não os acabámos
como Brancaflor e Flores?
E o tempo dos amadores
                          já passou.

Muitas coisas vos dizia,
ora louca, ora com sizo,
com muito e nenhum juízo,
enquanto durava o dia.
Mas, ai Dom João Garcia,
                          já passou.

Porque essa loucura toda
                          já passou!
O alegre tempo da boda
                          já passou.


* Natália Correia – voz



Pelas Verdes Ervas



Poema (Cantiga de amigo) de Pero Meogo (Séc. XIII) [texto original >> Cantigas Medievais Galego-Portuguesas - FCSH/UNL]
Adaptado por Natália Correia (in "Cantares dos Trovadores Galego-Portugueses", Editorial Estampa, 1970 – p. 161 e 163)
Recitado por Natália Correia* (in LP "Alegre Eu Ando", Decca/VC, 1972; CD "A Defesa do Poeta", EMI-VC, 2003)


Pelas verdes ervas,
vi andar as cervas,
         meu amigo.

Pelos verdes prados,
vi os cervos bravos,
         meu amigo.

Contente com vê-las,
lavei as madeixas,
         meu amigo.

Contente com vê-los,
lavei os cabelos,
         meu amigo.

Logo que os lavei,
com ouro os atei,
         meu amigo.

Logo que as lavara,
com ouro as atara,
         meu amigo.

Com ouro os atei,
e vos esperei,
         meu amigo.

Com ouro as atara,
e vos esperara,
         meu amigo.


* Natália Correia – voz e sonoplastia



Tu, Que Ora Vens de Montemor



Poema (Cantiga de amor de refrão) de D. Gil Sanches (Séc. XIII) [texto original >> Cantigas Medievais Galego-Portuguesas - FCSH/UNL]
Adaptado por Natália Correia (in "Cantares dos Trovadores Galego-Portugueses", Editorial Estampa, 1970 – p. 65)
Recitado por Natália Correia* (in LP "Alegre Eu Ando", Decca/VC, 1972; CD "A Defesa do Poeta", EMI-VC, 2003)


Tu, que ora vens de Montemor,
Tu, que ora vens de Montemor,
dá-me notícias do meu amor,
dá-me notícias do meu amor;
         que se as não tiver
         viverei penado
         e ela em pecado
         por me não valer,
         a mim, malfadado,
         tão enamorado,
         sem dela saber.

Tu, que ora viste os olhos seus,
Tu, que ora viste os olhos seus,
dá-me notícias dela, por Deus,
dá-me notícias dela, por Deus;
         que se as não tiver
         viverei penado
         e ela em pecado
         por me não valer,
         a mim, malfadado,
         tão enamorado,
         sem dela saber.


* Natália Correia – voz e sonoplastia



Levantou-se a Bela



Poema [Cantiga de amigo (alba)] de D. Dinis (1261-1325) [texto original >> Cantigas Medievais Galego-Portuguesas - FCSH/UNL]
Adaptado por Natália Correia (in "Cantares dos Trovadores Galego-Portugueses", Editorial Estampa, 1970 – p. 259 e 261)
Recitado por Natália Correia* (in LP "Alegre Eu Ando", Decca/VC, 1972; CD "A Defesa do Poeta", EMI-VC, 2003)
Música: António Victorino d'Almeida


Levantou-se a bela;
    rompe a alvorada;
vai lavar camisas
    no rio:
    lava-as, de alvorada.

Levantou-se a alva;
    rompe a alvorada;
finas peças lava
    no rio:
    lava-as, de alvorada.

Vai lavar camisas;
    rompe a alvorada;
o vento as desvia
    no rio:
    lava-as, de alvorada.

Finas peças lava;
    rompe a alvorada;
o vento as levava
    no rio:
    lava-as, de alvorada.

O vento as desvia;
rompe a alvorada;
fica a alva em ira
    no rio:
    lava-as, de alvorada.

O vento as levava;
    rompe a alvorada;
fica a alva irada
    no rio:
    lava-as, de alvorada.


* Natália Correia – voz
António Victorino d'Almeida – piano



Bailemos Nós Todas Três, Ai Amigas!



Poema [Cantiga de amigo (bailada)] de Airas Nunes (Séc. XIII) [texto original >> Cantigas Medievais Galego-Portuguesas - FCSH/UNL]
Adaptado por Natália Correia (in "Cantares dos Trovadores Galego-Portugueses", Editorial Estampa, 1970 – p. 209)
Recitado por Natália Correia* (in LP "Alegre Eu Ando", Decca/VC, 1972; CD "A Defesa do Poeta", EMI-VC, 2003)


Bailemos nós todas três, ai amigas,
debaixo destas avelaneiras floridas
e quem for bonita como nós bonitas,
         se amigo amar,
debaixo destas avelaneiras floridas
         virá bailar.

Bailemos nós todas três, ai irmãs,
sob este ramo florido de avelãs
e quem for louçã como nós louçãs
         se amigo amar,
sob este ramo florido de avelãs,
         virá bailar.

Sem mais cuidados, bailemos amorosas
debaixo destas avelaneiras frondosas
e quem for formosa como nós formosas,
         se amigo amar,
debaixo destas avelaneiras frondosas
         virá bailar.


* Natália Correia – voz e sonoplastia



Quantos o Amor Faz Padecer



Poema (Cantiga de amor de refrão) de João Garcia de Guilhade (Séc. XIII) [texto original >> Cantigas Medievais Galego-Portuguesas - FCSH/UNL]
Adaptado por Natália Correia (in "Cantares dos Trovadores Galego-Portugueses", Editorial Estampa, 1970 – p. 125)
Recitado por Natália Correia* (in LP "Alegre Eu Ando", Decca/VC, 1972; CD "A Defesa do Poeta", EMI-VC, 2003)


Quantos o amor faz padecer
penas que tenho padecido,
querem morrer e não duvido
que alegremente queiram morrer.
Porém enquanto vos puder ver,
         vivendo assim eu quero estar
         e esperar, e esperar.

Sei que a sofrer estou condenado
e por vós cegam os olhos meus.
Não me acudis; nem vós, nem Deus.
Mas, se sabendo-me abandonado,
ver-vos, senhora, me for dado.
         vivendo assim eu quero estar
         e esperar, e esperar.

Esses que vêem tristemente
desamparada sua paixão,
querendo morrer, loucos estão.
Minha fortuna não é diferente;
porém eu digo constantemente:
         vivendo assim eu quero estar
         e esperar, e esperar.


* Natália Correia – voz
Gravado nos Estúdios Valentim de Carvalho, Paço d'Arcos
Captação de som – Hugo Ribeiro



A Donzela de Biscaia



Poema (Cantiga de maldizer): Rui Pais de Ribela (Séc. XIII) [texto original >> Cantigas Medievais Galego-Portuguesas - FCSH/UNL]
Adaptação: Natália Correia (in "Cantares dos Trovadores Galego-Portugueses", Editorial Estampa, 1970 – p. 181)
Música: António Victorino d'Almeida
Intérprete: Natália Correia* (in LP "Improviso", Guilda da Música/Sassetti, 1973, reed. CD "Natália Correia: Poemas Ditos (e até Cantados) pela Autora", CNM, 2011)




A donzela de Biscaia,
nunca ao meu encontro saia
         de noite, ao luar!

Se ela agora me desdenha,
nunca ao meu encontro venha
         de noite, ao luar!

Se ela agora me amesquinha,
que me apareça sozinha
         de noite, ao luar!


* Natália Correia – voz
António Victorino d'Almeida – piano



Cabelos os Meus Cabelos



Poema (Cantiga de amigo): João Zorro (Séc. XIII) [texto original >> Cantigas Medievais Galego-Portuguesas - FCSH/UNL]
Adaptação: Natália Correia (in "Cantares dos Trovadores Galego-Portugueses", Editorial Estampa, 1970 – p. 227)
Música: António Victorino d'Almeida
Intérprete: Natália Correia* (in LP "Improviso", Guilda da Música/Sassetti, 1973, reed. CD "Natália Correia: Poemas Ditos (e até Cantados) pela Autora", CNM, 2011)




— Cabelos os meus cabelos
    quer El-Rei ser dono deles;
    minha mãe, que lhes farei?
— Filha, dai-os a El-Rei.

— Madeixas minhas tão belas
    quer El-Rei ser dono delas;
    minha mãe, que lhes farei?
— Filha, dai-as a El-Rei.


* Natália Correia – voz
António Victorino d'Almeida – cravo
Arranjos e direcção – António Victorino d'Almeida
Gravado nos Estúdios Valentim de Carvalho, Paço d'Arcos
Técnico de som – Hugo Ribeiro



Sempre que eu vejo as ondas



Poema (Cantiga de amor de refrão) de Rui Fernandes, de Santiago (Séc. XIII) [texto original >> Cantigas Medievais Galego-Portuguesas - FCSH/UNL]
Adaptado por Natália Correia (in "Cantares dos Trovadores Galego-Portugueses", Editorial Estampa, 1970 – p. 81)
Recitado por Natália Correia* (in LP "Cantigas de Amor e de Amigo dos Trovadores Galego-Portugueses", Série 'Disco Falado', Guilda da Música/Sassetti, 1974)
Música: Rui Cardoso




Sempre que eu vejo as ondas
e as altivas falésias,
logo me vêm ondas
ao peito pela bela.
         Maldito seja o mar
         que me faz tanto mal!

Nunca vejo eu as ondas
nem as altivas rochas
que me não venham ondas
ao peito pela formosa.
         Maldito seja o mar
         que me faz tanto mal!

Sempre que eu vejo as ondas
e as altas ribanceiras,
logo me vêm ondas
ao peito pela perfeita.
         Maldito seja o mar
         que me faz tanto mal!


* Natália Correia – voz
Rui Cardoso – saxofones



A dona que eu sirvo e que muito adoro



Poema (Cantiga de amor de refrão) de Bernaldo de Bonaval (Séc. XIII) [texto original >> Cantigas Medievais Galego-Portuguesas - FCSH/UNL]
Adaptado por Natália Correia (in "Cantares dos Trovadores Galego-Portugueses", Editorial Estampa, 1970 – p. 85)
Recitado por Natália Correia* (in LP "Cantigas de Amor e de Amigo dos Trovadores Galego-Portugueses", Série 'Disco Falado', Guilda da Música/Sassetti, 1974)
Música: Rui Cardoso




A dona que eu sirvo e que muito adoro,
mostrai-ma, ai Deus! pois que vos imploro,
         senão dai-me a morte.

Essa que é a luz destes olhos meus
por quem sempre choram, mostrai-ma, ai Deus!
         senão dai-me a morte.

Essa que entre todas fizestes formosa,
mostrai-ma, ai Deus! onde vê-la eu possa,
         senão dai-me a morte.

A que me fizestes mais que tudo amar,
mostrai-ma onde possa com ela falar,
         senão dai-me a morte.


* Natália Correia – voz
Rui Cardoso – saxofones



Dona do corpo delgado



Poema (Cantiga de amor de refrão) de Pero da Ponte (Séc. XIII) [texto original >> Cantigas Medievais Galego-Portuguesas - FCSH/UNL]
Adaptado por Natália Correia (in "Cantares dos Trovadores Galego-Portugueses", Editorial Estampa, 1970 – p. 91)
Recitado por Natália Correia* (in LP "Cantigas de Amor e de Amigo dos Trovadores Galego-Portugueses", Série 'Disco Falado', Guilda da Música/Sassetti, 1974)
Música: Rui Cardoso




Dona do corpo delgado,
       em má hora fui gerado,
que só afã e cuidado
ganhei desde que vos vi.
       Em má hora fui gerado,
       dona, por vós e por mim.

Com este afã perlongado,
       em má hora fui gerado,
amando contrariado
a quem contrario assim.
       Em má hora fui gerado,
       dona, por vós e por mim.

Ai, eu cativo e coitado,
       em má hora fui gerado,
servindo desesperado
amores que não consegui.
       Em má hora fui gerado,
       dona, por vós e por mim.


* Natália Correia – voz
Rui Cardoso – flautas



Já dona por quem trovar



Poema (Cantiga de maldizer) de Gil Peres Conde (Séc. XIII) [texto original >> Cantigas Medievais Galego-Portuguesas - FCSH/UNL]
Adaptado por Natália Correia (in "Cantares dos Trovadores Galego-Portugueses", Editorial Estampa, 1970 – p. 111)
Recitado por Natália Correia* (in LP "Cantigas de Amor e de Amigo dos Trovadores Galego-Portugueses", Série 'Disco Falado', Guilda da Música/Sassetti, 1974)




Já dona por quem trovar
não tenho, nem me apetece;
mais amara, mas amar
absurdo me parece.
Roubou-me Deus meu amor.
Leve o demónio ao Senhor
tudo quanto lhe pertence,

como a cadeira levou
outrora que pertencia
ao Filho! Por que roubou
Deus quem feliz me fazia?
Diz Deus que não tem mulher.
Se a não tem porque quer
tanto à bondosa Maria?

Nunca bem de Deus me veio,
antes do amor me privou.
Por isso, se hoje descreio,
por pecador não me dou.
A amada fez-me perder.
Vede o que Deus foi fazer
a quem nele confiou!

Sempre Deus hei-de negar
se me não der tal senhora;
mas quer, em vez de ma dar,
destruir-me antes que morra.
É homem: por malvadez
comigo faz o que fez
já em Sodoma e Gomorra.


* Natália Correia – voz



A bela acordara



Poema [Cantiga de amigo (alba)] de Pero Meogo (Séc. XIII) [texto original >> Cantigas Medievais Galego-Portuguesas - FCSH/UNL]
Adaptado por Natália Correia (in "Cantares dos Trovadores Galego-Portugueses", Editorial Estampa, 1970 – p. 155 e 157)
Recitado por Natália Correia* (in LP "Cantigas de Amor e de Amigo dos Trovadores Galego-Portugueses", Série 'Disco Falado', Guilda da Música/Sassetti, 1974)
Música: Rui Cardoso




A bela acordara, formosa se erguia;
lavar seus cabelos vai, na fonte fria,
    radiante de amores, de amores radiante.

Formosa se erguia, a bela acordara;
lavar seus cabelos vai, na fonte clara,
    radiante de amores, de amores radiante.

Lavar seus cabelos vai, na fonte fria;
passa seu amigo que muito lhe queria,
    radiante de amores, de amores radiante.

Lavar seus cabelos vai, na fonte clara;
passa seu amigo que muito a amava,
    radiante de amores, de amores radiante.

Passa seu amigo que muito lhe queria;
o cervo do monte a água volvia,
    radiante de amores, de amores radiante.

Passa seu amigo que muito a amava;
o cervo do monte revolvia a água,
    radiante de amores, de amores radiante.


* Natália Correia – voz
Rui Cardoso – flautas



Disseram-me hoje, amiga, que já não



Poema (Cantiga de amigo) de Paio Gomes Charinho (Séc. XIII) [texto original >> Cantigas Medievais Galego-Portuguesas - FCSH/UNL]
Adaptado por Natália Correia (in "Cantares dos Trovadores Galego-Portugueses", Editorial Estampa, 1970 – p. 199)
Recitado por Natália Correia* (in LP "Cantigas de Amor e de Amigo dos Trovadores Galego-Portugueses", Série 'Disco Falado', Guilda da Música/Sassetti, 1974)
Música: Rui Cardoso




Disseram-me hoje, amiga, que já não
é meu amigo almirante do mar.
Porque posso dormir e sossegar
e já pode folgar meu coração;
      quem do mar o meu amigo tirou,
      tire-o Deus das mágoas que amargou.

Muito me alegro e doravante sei
que a ventania não mais hei-de temer,
nem a tormenta me fará perder
o sono, amiga; e se foi El-Rei
      quem do mar o meu amigo tirou,
      tire-o Deus das mágoas que amargou.

Muito me alegro! e mais me hei-de alegrar:
sempre que da fronteira alguém vier,
não temerei as novas que trouxer
porque me fez feliz sem lho rogar;
      quem do mar o meu amigo tirou,
      tire-o Deus das mágoas que amargou.


* Natália Correia – voz
Rui Cardoso – saxofones



Muito me eu alegro com este verão



Poema (Cantiga de mestria) de Airas Nunes (Séc. XIII) [texto original >> Cantigas Medievais Galego-Portuguesas - FCSH/UNL]
Adaptado por Natália Correia (in "Cantares dos Trovadores Galego-Portugueses", Editorial Estampa, 1970 – p. 207)
Recitado por Natália Correia* (in LP "Cantigas de Amor e de Amigo dos Trovadores Galego-Portugueses", Série 'Disco Falado', Guilda da Música/Sassetti, 1974)
Música: Rui Cardoso




Muito me alegro com este verão,
com estas ramagens com estas flores,
com as aves que cantam entoando amores.
Ando eu tão alegre e tão descuidado,
e quem como eu estando enamorado
não há-de sentir esta exaltação?

Quando pelas margens dos rios passeio
debaixo das árvores, por prados viçosos,
se pássaros ouço cantar amorosos
com eles de amor me ponho a cantar;
de amor com os pássaros fico-me a trovar;
mil cantigas faço e nelas me enleio.

Muito me eu alegro, deleito e sorrio
quando as aves ouço cantar no estio.


* Natália Correia – voz
Rui Cardoso – flautas



Se em partir, senhora minha



Poema (Cantiga de amor de refrão) de Nuno Fernandes Torneol (Séc. XIII) [texto original >> Cantigas Medievais Galego-Portuguesas - FCSH/UNL]
Adaptado por Natália Correia (in "Cantares dos Trovadores Galego-Portugueses", Editorial Estampa, 1970 – p. 217)
Recitado por Natália Correia* (in LP "Cantigas de Amor e de Amigo dos Trovadores Galego-Portugueses", Série 'Disco Falado', Guilda da Música/Sassetti, 1974)
Música: Rui Cardoso




Se em partir, senhora minha,
mágoas haveis de deixar
a quem firme em vos amar
foi desde a primeira hora,
se me abandonais agora,
         ó formosa! que farei?

Que farei se nunca mais
contemplar vossa beleza?
Morto serei de tristeza.
Se Deus me não acudir,
nem de vós conselho ouvir,
         ó formosa! que farei?

A Nosso Senhor eu peço
quando houver de vos perder,
se me quizer comprazer,
que a morte me queira dar.
Mas se a vida me poupar,
         ó formosa! que farei?

Vosso amor me leva a tanto!
Se, partindo, provocais
quebranto que não curais
a quem de amor desespera,
de vós conselho quisera:
         ó formosa! que farei?


* Natália Correia – voz
Rui Cardoso – saxofones



Pelo souto do Crescente



Poema (Pastorela) de João Airas, de Santiago (Sécs. XIII-XIV) [texto original >> Cantigas Medievais Galego-Portuguesas - FCSH/UNL]
Adaptado por Natália Correia (in "Cantares dos Trovadores Galego-Portugueses", Editorial Estampa, 1970 – p. 233 e 235)
Recitado por Natália Correia* (in LP "Cantigas de Amor e de Amigo dos Trovadores Galego-Portugueses", Série 'Disco Falado', Guilda da Música/Sassetti, 1974)
Música: Rui Cardoso




Pelo souto do Crescente
uma pastora vi andar,
muito afastada das gentes
erguendo a voz a cantar,
em sua saia cingida
quando a luz do Sol nascia
nas margens do rio Sar.

E as aves que voavam,
quando rompia o alvor,
os seus amores entoavam
pelos ramos de arredor.
Não sei de quem lá estivesse
que o pensamento pusesse
se não em coisas de amor.

Ali estive muito quedo,
quis falar e não ousei;
disse-lhe, por fim, a medo:
«Senhora, falar-vos-ei,
se me quiserdes ouvir,
e se melhor vos servir,
ordenai e eu partirei.»

«Senhor, por Santa Maria,
ide-vos, deixai-me só.
Ver-vos partir preferia
deste lugar onde estou:
pois quantos aqui chegarem
dirão, se nos encontrarem,
mais do que aqui se passou.»


* Natália Correia – voz
Rui Cardoso – flautas, saxofones



Já nem prazer já nem pesar me acodem



Poema (Cantiga de amor de refrão) de D. Dinis (1261-1325) [texto original >> Cantigas Medievais Galego-Portuguesas - FCSH/UNL]
Adaptado por Natália Correia (in "Cantares dos Trovadores Galego-Portugueses", Editorial Estampa, 1970 – p. 245)
Recitado por Natália Correia* (in LP "Cantigas de Amor e de Amigo dos Trovadores Galego-Portugueses", Série 'Disco Falado', Guilda da Música/Sassetti, 1974)
Música: Rui Cardoso




Já nem prazer já nem pesar me acodem,
que nunca mais, senhora, algum senti
depois que dos meus olhos vos perdi.
E sem prazer ou sem pesar não podem,
         senhora, meus sentidos estremar
         o bem do mal, o prazer do pesar.

Por nada mais prazer posso sentir,
ou pesar, se de vós me separei.
E se não mais no mundo os sentirei,
não vejo como possam conseguir,
         senhora, meus sentidos estremar
         o bem do mal, o prazer do pesar.

Se de vós me afastei e desde então
perdi quer o pesar quer o prazer
que me destes outrora a conhecer;
se ambos perdi, como é que poderão,
         senhora, meus sentidos estremar
         o bem do mal, o prazer do pesar.


* Natália Correia – voz
Rui Cardoso – flautas



Os provençais que bem sabem trovar!



Poema (Cantiga de amor de mestria) de D. Dinis (1261-1325) [texto original >> Cantigas Medievais Galego-Portuguesas - FCSH/UNL]
Adaptado por Natália Correia (in "Cantares dos Trovadores Galego-Portugueses", Editorial Estampa, 1970 – p. 251)
Recitado por Natália Correia* (in LP "Cantigas de Amor e de Amigo dos Trovadores Galego-Portugueses", Série 'Disco Falado', Guilda da Música/Sassetti, 1974)




Os provençais que bem sabem trovar!
e dizem eles que trovam com amor,
mas os que cantam na estação da flor,
e nunca antes, jamais no coração
semelhante tristeza sentirão
qual por minha senhora ando a levar.

Muito bem trovam! Que bem sabem louvar
as suas bem-amadas! Com que. ardor
os provençais lhes tecem um louvor!
Mas os que trovam durante a estação
da flor, e nunca antes, sei que não
conhecem dor que à minha se compare.

Os que trovam e alegres vejo estar
quando na flor está derramada a cor
e que depois, quando a estação se for,
de trovar não mais se lembrarão,
esses, sei eu que nunca morrerão
da desventura que vejo a mim matar.


* Natália Correia – voz



Minha mãe bonita



Poema (Cantiga de amigo) de D. Dinis (1261-1325) [texto original >> Cantigas Medievais Galego-Portuguesas - FCSH/UNL]
Adaptado por Natália Correia (in LP "Cantigas de Amor e de Amigo dos Trovadores Galego-Portugueses", Série 'Disco Falado', Guilda da Música/Sassetti, 1974)
Recitado por Natália Correia* (in LP "Cantigas de Amor e de Amigo dos Trovadores Galego-Portugueses", Série 'Disco Falado', Guilda da Música/Sassetti, 1974)
Música: Rui Cardoso




Minha mãe bonita,
vou eu à bailia
      do amor.

Minha mãe louvada,
vou eu à bailada
      do amor.

Vou eu à bailia
que fazem na vila
      do amor.

Vou eu à bailada
que fazem na casa
      do amor.

Que fazem na vila
do que eu muito queria,
      do amor.

Que fazem na casa
do que eu muito amava,
      do amor.


* Natália Correia – voz
Rui Cardoso – flautas, percussão



Estes que me afastam hoje do meu amor



Poema (Cantiga de amor) de D. Afonso Sanches (c.1288-1328) [texto original >> Cantigas Medievais Galego-Portuguesas - FCSH/UNL]
Adaptado por Natália Correia (in "Cantares dos Trovadores Galego-Portugueses", Editorial Estampa, 1970 – p. 273)
Recitado por Natália Correia* (in LP "Cantigas de Amor e de Amigo dos Trovadores Galego-Portugueses", Série 'Disco Falado', Guilda da Música/Sassetti, 1974)
Música: Rui Cardoso




Estes que me afastam hoje do meu amor,
e que nem sequer nos deixam falar,
por mais que lhes pese não hão-de evitar
que eu a veja um dia sem nenhum pavor;
porque morrerei e tempo virá
em que ela, formosa, também morrerá
e a amada verei já sem dissabor.

Tenho eu a certeza, por Nosso Senhor,
que se por lá vir o seu belo rosto
não me tolherão nem mal nem desgosto
mesmo no inferno, se com ela for;
e quantos jazerem por lá a penar
não mais sofrerão só de contemplar
da sua beleza o raro esplendor.


* Natália Correia – voz
Rui Cardoso – saxofones
Direcção literária – Alberto Ferreira
Gravado nos Estúdios Polysom e Rádio Triunfo, Lisboa
Captação de som e mistura – Moreno Pinto



Pastorela



Poema (Pastorela): Lourenço (Séc. XIII) [texto original >> Cantigas Medievais Galego-Portuguesas - FCSH/UNL]
Adaptação: Natália Correia (in "Cantares dos Trovadores Galego-Portugueses", Editorial Estampa, 1970 – p. 141)
Música e arranjo: José Barros
Intérprete: Navegante* (in CD "Navegante", Movieplay, 1994)


Três moças de amor cantavam,
três pastorinhas formosas,
de seus amores desditosas.
Disse então a que eu amava:
         «Amigas, dizei comigo
         o cantar do meu amigo».

Cantavam sua canção
de moças enamoradas,
todas três desventuradas.
Disse a minha amada então:
         «Amigas, dizei comigo
         o cantar do meu amigo».

Com que prazer eu ouvia
as três pastoras cantar
e que me era doce escutar
o que a amada dizia:
         «Amigas, dizei comigo
         o cantar do meu amigo».

Se mais tempo ali estivera,
maior meu enlevo fôra,
ouvindo a minha senhora
e o modo como dissera:
         «Amigas, dizei comigo
         o cantar do meu amigo».


* [Créditos gerais do disco:]
Navegante:
José Barros – voz, viola braguesa, bandolim e cavaquinho
Jorge Cruz – acordeão, sintetizadores e voz
Rui Júnior – percussões
Luís Baptista – guitarras
Músicos convidados:
Quim Correia – baixo eléctrico e acústico
José Sá Machado – violino
Rui Vaz – flautas, gaita-de-foles, coro
Mário Laginha – piano
António José Martins – sintetizador
José Eduardo – violoncelo
Paulo Parreira – guitarra portuguesa
Joaquim Caixeiro – coro
António Lopes – coro

Direcção musical – José Barros e Jorge Cruz
Produção – Rui Júnior e José Barros
Produção executiva – José Barros
Gravado nos Estúdios Namouche, Lisboa, de Maio a Julho de 1994
Técnicos de som – Maria João Castanheira e João Pedro de Castro
Misturas – Maria João Castanheira, João Pedro de Castro, Rui Júnior e José Barros



Capa da 1.ª edição do livro "Cantares dos Trovadores Galego-Portugueses", de Natália Correia (Col. Clássicos de Bolso, Editorial Estampa, 1970)
Arranjo gráfico – Alda Rosa e Eduardo Dias



Capa da 2.ª edição do livro "Cantares dos Trovadores Galego-Portugueses", de Natália Correia (Col. Clássicos de Bolso, Editorial Estampa, 1978)



Capa da 3.ª edição do livro "Cantares dos Trovadores Galego-Portugueses", de Natália Correia (Col. Clássicos de Bolso, Editorial Estampa, 1998)
Reprodução parcial e ligeiramente retocada de uma iluminura do "Cancioneiro da Ajuda".



Capa do LP "Cantigas d'Amigos", de Natália Correia, Amália Rodrigues e Ary dos Santos (Columbia/VC, 1971)
Concepção – Maluda.



Capa do LP "Alegre Eu Ando", de Natália Correia (Decca/VC, 1972)
Reprodução parcial de um desenho à pena, aguarelado a nanquim, assinado por Zuzarte (Séc. XVIII), mostrando o lado oriental do Rossio, antes do Terramoto de 1755 [imagem inteira >> aqui].



Capa do CD "A Defesa do Poeta", de Natália Correia (EMI-VC, 2003)
Inclui, entre outras, todas as faixas do LP "Alegre Eu Ando", excepto "Senhora, Que Bem Pareceis", substituída pela faixa homónima do LP "Cantigas d'Amigos".



Capa do LP "Improviso", de Natália Correia e António Victorino d'Almeida (Guilda da Música/Sassetti, 1973)
Inclui, entre os 15 poemas recitados/interpretados por Natália Correia, dois de trovadores galego-portugueses do século XIII.



Capa do CD "Natália Correia: Poemas Ditos (e até Cantados) pela Autora" (CNM, 2011)
O conteúdo é o mesmo do LP "Improviso" (1973).



Capa do LP "Cantigas de Amor e de Amigo dos Trovadores Galego-Portugueses", de Natália Correia (Série 'Disco Falado', Guilda da Música/Sassetti, 1974)
Concepção – Cipriano Dourado (a partir de uma iluminura do "Cancioneiro da Ajuda").

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Artigos com poesia de Natália Correia:
Galeria da Música Portuguesa: José Afonso
Poesia na rádio (II)
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Celebrando Natália Correia
Ana Moura: "Creio" (Natália Correia)
Natália Correia: "Rascunho de uma Epístola", por Ilda Feteira
A Natalidade de Natália
Natália Correia: "A Casa do Poeta", por Afonso Dias

[Reeditado em 15 Set. 2023]