16 março 2023
A Natalidade de Natália
Natália Correia, "Auto-Retrato", s/d [1956], Óleo sobre platex, 38 x 30 cm, Museu Carlos Machado, Ponta Delgada [MCM 6913]
Fotografia – António Ferreira Pacheco
A Natalidade de Natália
Por: Fernando Dacosta (jornalista e escritor)
Natália Correia está hoje numa espécie de limbo. Limbo é o local onde repousam as almas dos grandes inocentes e dos grandes perversos, ou seja das crianças e dos criadores – que ela era, até ao excesso.
Não se tornava fácil compreendê-la. Nem amá-la. Fazê-lo, exigia sentimentos, disponibilidades especiais. Era um ser tocado pelo sagrado, um desses seres que não cabem no espaço que lhes foi destinado, nem no corpo, nem nas normas, nem nos modelos, nem nos sentimentos.
Os que a não aguentavam combatiam-na não pelas ideias mas pelos tiques, não pela criação mas pela distracção, tentando reduzida a anedotários de efeitos fáceis e falsos.
Ao mesmo tempo forte e desprotegida, imponente e indefesa, egoísta e generosa, arguta e ingénua, dissimulada e frontal, sentia-se, ante as coisas rasteiras (e as pessoas, e as acções), perdida; só as grandes a tocavam, galvanizando-a. Então toda ela ganhava golpe de asa, vertigem.
Era esplendoroso vê-la a entrar nos templos de chicote em punho, isto é, de palavra viva, zurzindo os vendilhões, os traficantes, os hipócritas, os videirinhos. Era magnífico acompanhá-la nas suas estradas de Damasco em direcção à utopia, ao amor, à justiça, à criatividade, à elegância, levando pelo braço poetas e amantes, perseguidos e ostracizados, loucos e solitários.
Poetisa, dramaturga, romancista, ensaísta, cronista, conferencista, deputada, oradora, editora, tradutora, Natália Correia marcou transversalmente várias gerações e identidades de nós.
A literatura (através da ficção e da reflexão), a comunicação social (dos jornais e da TV), a política (de intervenções parlamentares e ideológicas), o convívio (de colóquios e tertúlias) foram os grandes campos onde se afirmou, se popularizou, se acrescentou.
A ilha (nasceu em S. Miguel) deu-lhe o gosto mágico pela vida. Ela «é a mãe, é a fatalidade dos insulares», comentava. E o território do oculto, da partida, do regresso. «Onde vos retiver a beleza de um lugar, há um deus que vos indica o caminho do espírito», avisava.
A noção de Pátria e de Mátria, acrescenta a de Frátria – Frátria como símbolo de fraternidade, de igualdade, de equidade.
Bate-se pela recuperação do sagrado, do politeísmo, do femininismo, do barroco, do diferente, e pelo repúdio da crucificação, do consumismo, do descontrolo demográfico, da arrogância indiferenciadora.
«Como atingir a paz com os olhos postos num só deus, se as guerras são fornecidas pela nossa fé na vitória sobre a fé dos outros?», interrogava-se.
Os grandes mitos portugueses encontraram em si uma celebrante incomum: o mito do Andrógino (o ser completo, uno e plural), do Desejado (o que contém a resistência, não a desistência), de Pedro e Inês (a paixão, a volúpia pela morte), da Ilha (o espaço da esfinge, da iniciação). A todos dedicou obras próprias, reformulando-os, dando-lhes dimensões de novos futuros e liberdades.
As causas, as pessoas do coração e do sonho, e da fé, tinham-na do seu lado; as causas, as pessoas da manipulação, do utilitarismo, da serventia, conheciam-lhe a cólera, o chiste, a indignação. Sabia indignar-se com grandeza – e indignar os outros à sua altura.
Muitas vezes perdia a cabeça connosco e nós com ela. Sufocava-nos. Muitas vezes apetecia-nos fugir. Não aguentávamos a sua energia, a sua lucidez, a sua exigência, o seu empenhamento, a sua implacabilidade. Muitas vezes tentámos matá-la em nós para sermos nós. Até nisso nos ajudou.
Era uma mulher inigualável. Nos caprichos, nos excessos, nas iras, nas premonições, nos exibicionismos, na sedução, na coragem, na esperança. Cantava, dançava, declamava, improvisava, discursava, polemizava como poucos entre nós alguma vez o fizeram, o sonharam.
As Noites do Botequim
A noite reservava-a para os amigos e os admiradores no Botequim, que abriu com a poetisa [e escultora] Isabel Meyrelles, nos anos sessenta [1968].
Vendo o marido arruinado (fora um hoteleiro próspero), arranjou-lhe, no Largo da Graça, um pequeno bar para administrar – e se ocupar. Espaço único, marcaria a vida política e cultural portuguesa das últimas décadas do século. Por ele, pelas suas madrugadas, passaram (até fechar em 1995) projectos exaltantes, exultantes, de artes, de utopias, de generosidades, de cumplicidades; pela sua saleta de veludos e músicas, inúmeras estratégias de revoluções, de ficções foram feitas, desfeitas, sem desânimo nem remorso.
Romances e filmes, peças e recitais, debates e canções, quadros e fantasias, viagens e homenagens nasceram nas suas mesas, entre «rosbifes» e «champanhes», generais e presidentes, embaixadores e vadios, loucos e amantes, sob a energia, a natalidade de Natália que fez dele – para a nossa memória, para nosso afecto – um casulo, um «sol nas noites» e um «luar nos dias».
Última grande tertúlia de Lisboa, proporcionava a «comunhão com pessoas de espírito e ousadia, fundamental para se evitar a cultura desvivenciada», lembrava, «pois só quando se está muito na vida se pode transmiti-la aos outros».
As divisões da casa onde Natália viveu e morreu eram harmoniosas, amplas, quinto andar sóbrio, sólido, paredes e decoração espessas, paralelo à Avenida da Liberdade, junto ao Marquês de Pombal [n.º 52 da Rua Rodrigues Sampaio].
Ecos de vozes no exterior, estalidos de madeiras no interior, reposteiros de veludo, estantes de vibrações, objectos de memórias davam-lhe uma sedução inesquecível – a sedução da passagem do tempo, do adensar das sombras, da finitude, da decadência.
«Um dia vim aqui visitar uns amigos e a sua atmosfera atraiu-me logo», conta-me. «Eles foram-se embora e este espaço esteve muito tempo devoluto, como que à espera de eu me casar e o alugar».
Casou-se e alugou-o.
Alfredo Machado Lage («o único homem que verdadeiramente amei», confidenciará) tornou-se o seu terceiro marido [em 1953].
Deixou o andar onde residia com a mãe [Maria José de Oliveira, professora e escritora], a irmã [Carmen de Oliveira Correia], uma criada, a Menina Esmeralda (alugara-o a meias com Vera Lagoa), e mudou-se.
Hóspede e amigo da mãe, Cardoso Martha, um bibliófilo afamado, ceder-lhe-ía a sua gigantesca biblioteca (avaliada em mais de dez mil contos), que Natália compraria e enriqueceria.
Vida Tripla
«Ela tinha, na altura, uma vida tripla: de intelectual, de política e de mulher de sociedade. Ia jogar bridge no Estoril com as senhoras bem, e roleta no casino existente no hotel do marido. Foi a mãe que a introduziu nos meios da oposição», conta-me, uma semana antes de falecer, Tomás Ribas, o maior e mais antigo, e fiel, e crítico, e profundo amigo da poetisa. «A Natália, que casara muito jovem com Álvaro dos Santos Dias Pereira [em 1942], esteve para se consorciar com o senhor Machado pouco depois de o ter conhecido. Chegou até a dar uma festa de despedida de solteira... mas quando pensávamos que era ele o noivo, apresentou um americano que acabara de encontrar, chamado Billy [William Creighton Hillen]. Casou-se [em 1949] e partiu com ele para os Estados Unidos, país que detestou. Foi nessa altura que escreveu o livro "Descobri que Era Europeia". Meses mais tarde divorciou-se e regressou.
Radicada em Lisboa, Natália toma-se colaboradora do semanário "O Sol", depois de ter passado pelo Rádio Clube Português – onde trabalhou com a irmã e onde eram conhecidas como as "Meninas Balalaikas".
Relaciona-se com Ferreira de Castro, Maria Archer, António Sérgio, Manuel da Fonseca, Jaime Cortesão, Manuel de Lima, Cesariny, Rogério Paulo, Almada, tomando-se, a partir daí, presença irrecusável entre intelectuais, artistas e políticos.
«Acusavam-me, continuam a acusar-me de tanta coisa, de ser promíscua, de ter relações com homens e mulheres... o problema é que eu quase não tenho líbido. Mesmo em nova, o sexo nunca representou grande coisa para mim. Sempre gostei, por outro lado, de homens mais velhos do que eu... ora nesta altura, com a idade que eles têm, já não funcionam», confidenciava com indisfarçável pudor – era, aliás, muito pudica no que dizia respeito à sua intimidade.
«A maior parte das pessoas apenas viam em mim a fêmea, o corpo, só depois percebiam que eu tinha ideias, talento. Isso maçava-me muito, e revoltava-me.».
Depressa deixará de se preocupar com o corpo. A beleza, a elegância perdidas não pareciam melancolizá-la. «Uma vez por semana, a cabeleireira ia arranjá-la a casa», pormenoriza-me Helena Cantos, sua amiga de juventude. «Não comprava roupas e os vestidos eram feitos pela porteira. Quando morreu houve até dificuldade em escolher um em bom estado, para a amortalharmos. Levou o azul-escuro, de veludo, que envergava nas ocasiões de maior cerimónia».
Verdadeira Pitonisa
O centro da sua casa situava-se na zona de estar (biblioteca, escritório, área de comer, de receber, de festejar, de preguiçar), espaço grandioso forrado a livros, a quadros, a fotos, a referências, a recordações, a símbolos, mesa gigantesca ao centro, mármore negro, pés esculpidos de oiro, tinteiro de cobre, candeeiro de haste, poltronas de rebordo, televisão sem som, telefone sem fios, recordações sem negrumes.
Por ele passaram vultos universais, Henry Miller, Ionesco, Claude Roi, Michaux, nele se representou Sartre (clandestinamente) pela primeira vez em Portugal.
«Aqui sentimo-nos ou no século XVIII ou no ano dois mil», exclamou Henry Miller depois de assistir a uma discussão sobre o amor [a 15 de Maio de 1960]. «Foi preciso vir a Portugal para encontrar uma verdadeira pitonisa», disse referindo-se à anfitriã.
Na sala, onde trabalhava durante a tarde (de manhã fazia-o no quarto, descalça, isolada), as atenções convergiam para um quadro sobre a lareira, ao alto, notável auto-retrato que Natália fizera; anos atrás ela entregara-se, durante meses, exclusivamente à pintura. Podia ter sido, se a continuasse (Almada incentivou-a), um nome cimeiro das nossas artes plásticas.
«Pintei como terapêutica. Ferida, nessa altura, pela notícia da morte da minha mãe [1956], que estava no Brasil, agarrei-me, rangendo de dor, aos pincéis e fechei-me num quarto durante um ano».
A ilha deu-lhe o gosto irreal pela vida: Ela «é a mãe, é a fatalidade dos insulares. Mesmo os mais desgarrados, como aparentava ser Antero, escolhem a ilha como túmulo, ou seja, berço para reviver».
A parte mais secreta da biblioteca, dispersa por todas as divisões, estava em estantes descomunais, num corredor que abria com um quadro de Bual, em tons azuis e verdes. Telas valiosas seguiam-se-lhe pelos cantos, à espera de serem encaixilhadas, penduradas, recuperadas, amadas.
Um escultor visionário, Júlio, tomou-a por um ser mítico, um ícone índio, e fixou-a em busto de pedra. Comovida, Natália colocou-o numa parede nobre, junto a uma menina-girassol, lindíssima, de Cesariny. Um fotógrafo de sensibilidade, Sampaio Teixeira, imaginou-a uma deusa grega e retratou-a, esplendorosamente nua, em cenários dionisíacos – mais de 20 "slides" inéditos deixados (por testamento) ao Centro Nacional de Cultura, onde se encontram, se resguardam, invioláveis, intocáveis.
«Sou da Ilha das línguas de fogo. Com elas aprendi a metrificar o Espírito. O indizível. O religioso é uma ideia que anda no ar mesmo para as pessoas que não têm sensibilidade para a ver nem coragem para a agarrar».
As recordações dos Açores eram-lhe, amiúde, pontes para um tempo, o da infância, um espaço, o das ilhas, mágicos. Natália Correia precisava desse apego à infância e às ilhas, lugares de ligação ao mistério que a habitava.
«Os deuses só nos pedem que estejamos na vida com a mesma naturalidade com que as flores estão na haste. Os homens só serão unidos quando acreditarem em todos os deuses. Mais importante do que eles existirem é acreditarmos neles».
Sacerdotisas do amor
Atraía como um íman os desvairados, os místicos, os assassinos, os ladrões, os vagabundos, os dementes. Todos a ouviam, a tocavam. Todos a fascinavam: «Temos que recuperar o seu sofrimento porque eles estão mais próximo do oculto», repetia-nos.
Era surpreendente vê-la dirigir-se às prostitutas e aos travestis que acorriam a saudá-la quando, madrugada alta, chegava à sua rua, em Santa Marta: «Meninas, não consintam que as humilhem, lembrem-se que são sacerdotisas do amor!».
E ficava-se, por vezes até amanhecer, a ouvi-las, a exortá-las. Guardas-nocturnos, prostitutos, gigolos, chulos, assaltantes, passantes, juntavam-se e faziam roda, e perguntas, e pedidos, e batiam-lhe palmas, num fantástico teatro de sombras e iluminações, vertigens e desmesurados. Nunca existiu nada, assim, nas margens da cidade, de tão intenso, tão belo, tão desapossado, tão comovedor.
Só na vigília por ela, na Casa dos Açores, longa vigília de duas noites e dois dias (o tempo que um espírito necessita para se desprender do corpo) se atingiria, entre ondas de flores a chegarem de todo o país, de músicos, de cantores, de ranchos folclóricos, de tunas, de estudantes em serenatas, se atingiria dimensão semelhante – com o Presidente da República, ministros, embaixadores, intelectuais, artistas, desportistas, autarcas, astrólogas, videntes, espíritas, sacerdotes, vadios a olharem o esquife aberto, ela no centro, serena e branca, finalmente ungida deusa pagã.
Daí seguiria, ao terceiro dia, para o forno crematório (apavorava-a a ideia de poder ser enterrada viva) do cemitério do Alto de São João.
A percepção que Natália Correia tinha do mistério – fonte da sua criatividade – levou-a a voltar-se, desde muito cedo, para os universos do fantástico, do inexplicável, do religioso, do maravilhoso, do poético. A alquimia significava para si, não a obtenção do oiro, mas a obtenção da androginia.
Desses universos provinham-lhe (subtis cordões umbilicais) a energia, a vidência que a faziam – como a Camões, como a Pascoaes, como a Patrício, como a Pessoa – ser de genialidades.
Os poderes que detinha tomavam-na, por vezes, inquietante. Contactos com mortos e extraterrestres, controlo de elementos da Natureza, cumprimento de rituais iniciáticos eram-lhe irreprimíveis. Entidades de outras dimensões e espíritos de mortos e de deuses tinham, exclamava-me angustiada, «tendência para baixar» nela. Daí nunca estar sozinha em casa.
Em certas alturas, energias estranhas irrompiam de si comunicando-se aos que a envolviam – pessoas, animais, objectos, árvores, águas, nuvens; outras, irrompiam sobre si, dilatando-a, transfigurando-a. Forças inexplicáveis tomavam-na, tomavam-nos. Com gestos imprevisíveis, dirigia-se para lá do visível entoando melopeias de rezas e salmos. Tomava-se, então, uma vidente, uma médium de assombros.
Asas de ouro
Porque poeta, Natália Correia sentia-se profeta. Imperatriz do Espírito Santo (fora coroada em menina, na sua ilha), procurou desde muito cedo os enigmas que a envolviam, como o da Lagoa do Fogo, na lha de São Miguel.
«Ibericista» (não iberista), «femininista» (não feminista), «politeísta» (não fundamentalista), na sua autodefinição, abria-nos espaços surpreendentes. «Onde vos retiver a beleza de um lugar, há um deus que vos indica o caminho do espírito».
Ousadíssima, recusava o monoteísmo e a crucificação. Aceitá-los, sobretudo à crucificação, era aceitar o holocausto – atómico, demográfico, ambiental, tecnocrático.
Daí ser urgente pôr fim à explosão do nuclear e do populacional; ser urgente subir ao Monte e despregar Cristo da Cruz, trazendo-o para o meio dos homens e dos outros deuses; ser urgente recuperar o romantismo, o barroco, o anárquico, o profético, o periférico, o utópico, valores profundamente portugueses; ser urgente religar o racional e o intuitivo, o masculino e o feminino, o novo e o antigo, o conservador e o inovador; ser urgente assinar o Armistício connosco próprios – "Armistício" é o título de um dos seus livros mais perturbadores.
Cartas de amor
Dórdio Guimarães, que Natália conheceu nos anos sessenta, muito jovem, muito tímido, apaixonou-se por ela passando a segui-la como uma sombra, até ser-lhe uma sombra. «E um esposo-irmão», justificará aos que a interrogam. «O nosso é um casamento casto», acrescentará, sorrindo.
As cartas de amor que Natália Correia escreveu (ao primo José António Correia quando fazia a guerra colonial na Guiné) colocam-na, pela sua intensidade e vertigem, entre as grandes autoras amorosas – superior a uma Mariana Alcoforado – da nossa literatura.
Deviam, sem preconceitos nem inibições, ser publicadas (Inês Pedrosa deu, ante a incompreensão de alguns, um exemplo de ousadia nesse sentido), tal como os inéditos que deixou prontos e que não foram ainda divulgados nem conhecidos.
A solidariedade, a lealdade não tinham limites nela. Nunca a vi consentir que dissessem mal dos seus amigos; nunca a vi virar costas a quem lhe estendesse a mão, o sofrimento, o medo.
A cultura portuguesa, cuja grande reserva se encontra nas ilhas e nos interiores, era-lhe uma paixão ardente. Enjoavam-na os enjoados da Pátria e dos sentimentos, os cínicos e os yuppies, os normalizadores e os burocratas.
A ideia dos Estados Unidos da Europa punha-a possessa. Jamais esquecerei a tarde que passámos (ela, o Dórdio e eu) em casa de Miguel Torga, em Coimbra, na altura em que Portugal assinou o tratado de Maastricht.
O poeta, que morreria pouco depois, encontrava-se deitado num "divã", quase inerte, ao fundo da saleta que lhe servia de escritório. O seu acabrunhamento parecia o de Camões após Alcácer Quibir.
Catastrofista, não acreditava que Portugal sobrevivesse integrado na Comunidade Europeia: «É um continente com uma economia, uma cultura, uma informação muito fortes. Não vamos poder resistir-lhe», repetia.
Preocupado com a tosse de Natália (a doença tomara-a já), levantou-se, foi buscar um estetoscópio e obrigou-a a deixar-se consultar. «Não está nada bem», sussurraria para nós. Sentou-se à secretária e prescreveu-lhe uma receita. A última que ele passou.
«Em vez de a aviar numa farmácia vou guardá-la como recordação», decidiu, comovida, Natália.
No chamado "Verão Quente de 75", Miguel Torga seria dos poucos vultos de esquerda a estar a seu lado na oposição às tentativas de tomada do poder por forças do PCP.
"Não Percas a Rosa", diário que ela escreveu sobre esses meses de brasa, tomou-se uma premonição: do fim do 25 de Abril, da queda do bloco de Leste, da ditadura mercantilista, da perversão globalizadora.
Debruçada sobre a mesa de trabalho, aos pés da cama, anota: «A revolução marxista deter-se-á em Lisboa. A roda do mundo atingirá, nela, o limite da rotação, e desandará. Na economia misteriosa da História, Portugal é o peso minúsculo que vai fazer inclinar todo o conjunto».
Voltas a Portugal
Ramalho Eanes revelar-se-lhe-ía de uma lealdade suprema. Com discrição e firmeza defendeu-a, acompanhado por Manuela Eanes, até ao fim. Sem Natália o saber, os dois diligenciaram, por exemplo, que lhe fosse atribuída uma pensão por mérito artístico, maneira de lhe minorar, não a constrangendo, a sobrevivência.
Presidente da República, encarregou-a por mais de uma vez de o representar em cerimónias oficiais de destaque. Embaixadas, Ministério da Cultura, direcção do Teatro Nacional foram, entre outros, cargos que, nesse período, ela recusou.
Passámos, nos últimos anos, os fins-de-semana a cirandar pelo País. Para participar em debates, proferir conferências, apresentar livros, desenvolver encontros, promover obras.
Íamos quase sempre à nossa custa, no meu carro (um soberbo "Nissan Primera"), ou no de Francisco Baptista Russo (um magnífico BMW), pagando com frequência a gasolina e as refeições do nosso bolso.
Dotada de uma intuição notável para detectar talentos, Natália abria-se-lhes com generosidade, com quixotismo – apoiando-os, impulsionando-os, divulgando-os, amando-os.
Viajar com Natália Correia era uma aventura ora apaixonante, ora desesperante, tais os imprevistos, os incidentes, os caprichos, as exaltações, os temores que a possuíam.
Uma noite, vínhamos de Tróia de um encontro de escritores ibéricos, ela dispara-me enquanto atravessávamos o Sado, num ferry-boat: «Não posso passar por Setúbal». Porquê?, pergunto-lhe estupefacto. «Uma cigana disse-me há dias que este mês não devia entrar em nenhuma cidade com rio, além de Lisboa».
Ironicamente, afianço-lhe: «Mas não passamos por lá. Há uma auto-estrada à saída do barco que nos leva por outro lado».
Claro que não havia. Percorremos calmamente Setúbal sem que ela, na sua incomensurável inocência, se apercebesse de nada. «É bonita esta auto-estrada, tem casas à volta, nem parece uma auto-estrada», comentou.
«Apetece-me champanhe para o almoço, e do bom!», exclama-me num fim de manhã de domingo. Regressamos a Lisboa depois de uma emocionante deslocação a Coimbra para apresentar um livro do poeta António Vilhena. Da parte da tarde, estudantes proporcionam-nos, em barcos engalanados de flores e dosséis, um passeio pelo Mondego – que a deslumbra.
Jovens vestidos à época de Pedro e Inês tangem alaúdes e guitarras. Natália, uma mão aberta na frescura da água, outra fechada na baste de uma rosa, canta (possuía uma voz magnífica) versos da "Samaritana". Nas margens, populares acenam-lhe sorrisos e simpatias, acompanhando-a nos compassos do refrão.
Toda a natureza – pessoas, rio, peixes, vegetação, pássaros – parece unir-se-lhe em sinfonia única, cósmica.
No Choupal, sentada num banco de pedra, lançará, após dizer poemas exaltando amantes mortos, a ideia de um ciclo sobre poetas suicidados. «Os grandes criadores acabam por desistir de viver. A inveja, a maldade, o cinismo, a hipocrisia que os cerca amargura-os a tal ponto que lhes apressa a morte, lhes faz apetecer a morte. O José Régio foi um dos que sucumbiram, tal a campanha de ofensas que lhe moveram. Ele será o primeiro homenageado!».
Pressentido que lhe poderia acontecer o mesmo, Natália tentava, dessa maneira, esconjurar as forças negativas que, à distância, a rondavam.
Um estudante grava numa árvore, ante o silêncio comovido do grupo, as palavras: "Ciclo dos poetas suicidados".
O desaparecimento, pouco depois, de Natália Correia "suicidar-nos-á", por muito tempo, a todos nós.
Medo da miséria
«Apetece-me champanhe, e do bom!», repete-me ela. «Não há dinheiro para essas extravagâncias», respondo-lhe. «Não lhe pedi nada, menino».
Abre a janela: «Vá devagarinho, por favor», pede. Entrámos em Leiria. Cabeça de fora, ela perscruta, nos locais dos restaurantes, as aglomerações dos carros estacionados. De súbito, ordena: «Páre, páre. É aqui que vamos almoçar».
A sua figura atrai sobre nós os olhares da sala onde um grupo festeja ruidosamente o aniversário de um jovem de côr.
Natália encomenda cozido à portuguesa, que adorava e devorava. A sua gula aconselhava a que não se escolhesse, nunca, o mesmo que ela; que se pedissem mesmo coisas de que não gostasse, sob o risco do seu garfo surripiador levar o melhor de todas as travessas.
Quando o grupo ao fundo entra nos brindes, Natália vira-se para o homenageado e dirige-lhe uma quadra de felicitações – pelos seus anos e pela sua beleza de «príncipe negro» à espera «da paixão que não tardará a fazê-lo voar». «Só não lhe ergo uma taça porque a não tenho!»
Ainda não havia acabado e já a mesa se nos enchia de garrafas, de doces, de ofertas, de palmas – e de «champanhe», do bom. O número seria, daí em diante, repetido com oportunidade e proveito.
A sua era uma luz que nem todos conseguiam suportar, até porque não permitia filtros aos que a fitavam.
O tempo foi, entretanto, mudando, mudando-a, isolando-a. A força da palavra, a sua arma, enfraqueceu. A cultura e o espírito, a imaginação e a utopia depreciaram-se. Tentou resistir: «Não, não me mato/ Antes me zango até ficar um cacto/ Quem me tocar, maldito/ Que se pique».
A vitória do liberalismo selvagem, da tecnocracia desumanizante, da globalização colonialista, amputou-a. «Pela primeira vez na minha vida tenho medo», confidencia-me. «As forças do mal estão a ganhar terreno, a perverter a democracia, a solidariedade».
As mulheres da política, por outro lado, decepcionam-na: «Em vez de levarem o feminino para o poder, de modo a transformá-lo, melhorá-lo, não: imitam os homens, ultrapassam-nos no que eles têm de pior. Comportam-se como travestis».
Vivia pobre sem saber que era rica. Que as suas colecções de arte, de manuscritos, de originais, de pintura valiam mais de trezentos mil contos.
A miséria passou a assustá-la, sobretudo a partir do momento em que o PS não quis recandidatá-la ao Parlamento – e faltavam-lhe apenas sete meses para ter, como deputada, direito a reforma.
O Botequim imergiu em decadência. Os jornais deixaram de solicitar-lhe colaborações, os seus livros não se vendiam. A RTP recusou-lhe propostas de programas, indiferente ao êxito da série "Mátria". As companhias de teatro ignoravam-lhe as peças, apesar do sucesso de "A Pécora". Dórdio Guimarães, com quem casara para fugir à solidão, faz-se-lhe um peso, uma preocupação crescente.
Natália perde, rapidamente, saúde, espaço, influência, energia. A década de noventa cerca-a. «Os dias que aí vêm são mesquinhos e feios, não me apetece ter de os viver», exclama. Amigos e companheiros (Rogério Paulo, Manuel da Fonseca, António José Saraiva, António Quadros) são, nesse ano negro, levados de nós.
«A partir de agora, se alguém me quiser encontrar procure-me», escreve, «entre o riso e a paixão. Adeus, espero-vos no Templo».
Ao raiar a madrugada de 16 de Março de 1993 entra em casa – e voa.
(in "Natália Correia, 10 Anos Depois...", Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 2003 – p. 9-18)
Em complemento ao perfil biográfico de Natália Correia, admiravelmente traçado por Fernando Dacosta, e porque a evocação de um autor não dispensa o cultivo da sua obra, ademais tratando-se de um poeta (e dos maiores), juntamos cinco poemas natalianos em registos ainda não apresentados neste blogue: dois recitados pela autora (em 1969) e mais três cantados – dois por Sofia Escobar, com música de Renato Júnior, sob o título genérico "Separação", que é a última faixa do álbum "Natália É Quando Uma Mulher Quiser", de Renato Júnior, recentemente publicado nas plataformas digitais; e um por Mia Tomé, com música dela própria e de Mário George Cabral, intitulado "O Espírito", que faz parte do álbum, também muito recente, "Projecto Natália". Boa escuta e boa leitura!
No que à rádio pública diz respeito, começamos por enaltecer os animadores do programa "Encontros Imediatos", João Gobern e Margarida Pinto Correia, pelo convite à escritora Filipa Martins para ir falar, na edição emitida no sábado passado, de Natália Correia e da biografia "O Dever de Deslumbrar", lançada hoje mesmo [>> capa do fundo], e por terem pontuado a conversa com um punhado de poemas natalianos, uns recitados e outros cantados [1.ª hora >> RTP-Play / 2.ª hora >> RTP-Play]. É oportuno referir que a entrevistada já assinara o argumento da série "Três Mulheres" [1.ª temporada >> RTP-Play / 2.ª temporada >> RTP-Play] e do documentário televisivo em duas partes "A Insubmissa" [Natália na Resistência >> RTP-Play / Natália na Liberdade >> RTP-Play].
No dia de hoje, a Antena 1 também evocou a grande poetisa, transmitindo um apontamento em directo com a actriz e cantora Mia Tomé focado no álbum "Projecto Natália" [>> RTP-Play], a peça da jornalista Inês Ameixa centrada na actividade política de Natália Correia, com os depoimentos de Helena Roseta [>> RTP.PT/Noticias] e uma breve entrevista com o músico Renato Júnior, a propósito do seu álbum "Natália É Quando Uma Mulher Quiser" [>> RTP-Play]. O nosso aplauso para Nuno Galopim pelo cuidado que teve em não deixar passar em vão a efeméride dos 30 anos da morte de Natália. Resta-nos fazer votos de que, de hoje em diante, a 'playlist' nunca deixe de ter canções baseadas em poemas natalianos.
Na Antena 2, só no programa da manhã, de Paulo Alves Guerra, nos demos conta da transmissão de poemas de Natália Correia, em voz própria. Nada mais ao longo do dia...
A Antena 3, a aferir pelas incursões que fizemos à respectiva emissão, ainda esteve pior. Nadinha! Conclusão a tirar: os directores de programação do segundo e terceiro canal da rádio pública 'primaram' pela inércia – vergonhosa inércia!...
REQUIEM POR NOSSA MÃE CIBELANAÍTARIADNE
Poema de Natália Correia (do ciclo "As Silvas do Mandala", in "O Vinho e a Lira", Lisboa: Fernando Ribeiro de Mello, 1966; "O Sol nas Noites e o Luar nos Dias I", Lisboa: Projornal/Círculo de Leitores, 1993 – p. 357; "Poesia Completa", Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1999 – p. 263-264)
Recitado pela autora* (in EP "Natália Correia Diz Poemas de Sua Autoria", col. A Voz e o Texto, Decca/VC, 1969; CD "A Defesa do Poeta", EMI-VC, 2003; CD "Natália Correia & Ary dos Santos", Col. "...Dizem os Poetas", Vol. 6, Edições Valentim de Carvalho, 2018)
Não há notícias de Ariadne
novilha incriada a úbere
que o algodão do luar tecia
magnânima de leite e urze
a dos megalíticos peitos
mama altar de vinha fartos
seu nome com sílabas de trevos
apodrece na memória dos charcos.
Em Auschwitz a vira
m com varizes de erva nas tíbias
catando meticulosas lesmas
nas virilhas de radiografias.
Depois anestésica madre
doce olhar de águas termais
fez-se puta a dolorosa
anémona de uísque e jazz.
A última vez que a vira
m apascentava em Hiroxima
suas rezes de sânie e sal
ela própria uma flauta de cinza.
E não mais tivemos notícias
de Ariadne a tecelã
que cozeu nossos olhos de argila
no fogo de uma romã.
* Natália Correia – voz
Gravado nos Estúdios Valentim de Carvalho, Paço d'Arcos
Técnico de som – Hugo Ribeiro
Masterização (edição em CD) – Rui Dias, nos Estúdios Tcha Tcha Tcha, Miraflores
MÁTRIA (VII)
Poema de Natália Correia (in "Mátria", Lisboa: Fernando Ribeiro de Mello, 1968; "O Sol nas Noites e o Luar nos Dias I", Lisboa: Projornal/Círculo de Leitores, 1993 – p. 391-392; "Poesia Completa", Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1999 – p. 292-293)
Recitado pela autora* (in EP "Natália Correia Diz Poemas de Sua Autoria", col. A Voz e o Texto, Decca/VC, 1969; CD "A Defesa do Poeta", EMI-VC, 2003; CD "Natália Correia & Ary dos Santos", Col. "...Dizem os Poetas", Vol. 6, Edições Valentim de Carvalho, 2018)
Manolo Sanchez de Sevilha
ombros da lenha despontados
sua faca de amor amola
em esmeril de manzanilha
que rico olor tienen los nardos.
Noite indormida de mariscos
sangrando ulmeiros e cavalos
mastigação de flores de aveia
Manolo Sanchez vara de mimbre
que a minha hera serpenteia
sua crescente lenha de macho
em perfeição de dor se queima.
Ai ojos quites andaluzes
passes de peito da tristeza
manoletinas de soluços:
eres mi novia portuguesa.
Obsoleta a lua deixa
que com sua dor de ponta e mola
Manolo lhe corte uma madeixa.
Manolo Sanchez de Sevilha
em carbúnculo de adeus ficado!
Da amada reconhecível
não era a fonte não era a hora
seu sumo de desaparecida
tua língua refresca agora.
Ai contraluz de intáctil noiva
postumamente germinada!
Em tua tela cor da sede
sequestro verde de mulher água.
* Natália Correia – voz
Gravado nos Estúdios Valentim de Carvalho, Paço d'Arcos
Técnico de som – Hugo Ribeiro
Masterização (edição em CD) – Rui Dias, nos Estúdios Tcha Tcha Tcha, Miraflores
URL: http://livro.dglab.gov.pt/sites/DGLB/Portugues/autores/Paginas/PesquisaAutores1.aspx?AutorId=9794
https://sites.google.com/site/ciberlusofonia/PT/Lit-Acoriana/Natalia_Correia
https://music.youtube.com/channel/UCFvNM9oE4Tk9D3Q5uDVtJeQ
Superação
Poemas: Natália Correia ("Superação" e "A Exaltação da Pele") [textos individualizados >> abaixo]
Música: Renato Júnior
Intérpretes: Renato Júnior* com Sofia Escobar (in álbum "Natália É Quando Uma Mulher Quiser", Doubleclick/SME Portugal, 2023)
Fechei-me dentro dos muros
onde o meu corpo não cabia
contente de ser prisioneira
do cárcere que eu transcendia.
E fui no vento que tudo
tudo o que havia varria,
contente de ser mais veloz
que o vento que me impelia.
Fiquei suspensa dos ramos
que os meus cabelos prendia
m contente de ser o destino
da árvore em que me fundia.
E dei-me como leito às águas
dos sonhos que me transcorria
m contente de ser o curso
da água em que me esvaía.
Hoje quero com a violência da dádiva interdita.
Sem lírios e sem lagos
e sem gesto vago
desprendido da mão que um sonho agita.
Existe a seiva. Existe o instinto. E existo eu
suspensa de mundos cintilantes pelas veias
metade fêmea metade mar como as sereias.
[instrumental]
Hoje quero com a violência da dádiva interdita.
Sem lírios e sem lagos
e sem gesto vago
desprendido da mão que um sonho agita.
Existe a seiva. Existe o instinto. E existo eu
suspensa de mundos cintilantes pelas veias
metade fêmea metade mar como as sereias.
* Sofia Escobar – voz
Arranjos – Renato Júnior e Helder Godinho
Produção – Renato Júnior
Gravado por Nelson Carvalho e Nelson Canoa
Misturado por Nelson Carvalho
Masterizado por Mário Barreiros
URL: https://www.renatojunior.com/
https://www.youtube.com/channel/UCJtjR32RmphFQTgX1DfmFag
SUPERAÇÃO
[Natália Correia, de "Inéditos (1959/61)", in "O Sol nas Noites e o Luar nos Dias I", Lisboa: Projornal/Círculo de Leitores, 1993 – p. 255; "Poesia Completa", Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1999 – p. 193]
Fechei-me dentro dos muros
onde o meu corpo não cabia
contente de ser prisioneira
do cárcere que eu transcendia.
E fui no vento que tudo
tudo o que havia varria,
contente de ser mais veloz
que o vento que me impelia.
Fiquei suspensa dos ramos
que os meus cabelos prendia
m contente de ser o destino
da árvore em que me fundia.
E dei-me como leito às águas
dos sonhos que me transcorria
m contente de ser o curso
da água em que me esvaía.
A EXALTAÇÃO DA PELE
(Natália Correia, do ciclo "Biografia", in "Poemas", Porto: Edição de autor, 1955; "O Sol nas Noites e o Luar nos Dias I", Lisboa: Projornal/Círculo de Leitores, 1993 – p. 62; "Poesia Completa", Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1999 – p. 69)
Hoje quero com a violência da dádiva interdita.
Sem lírios e sem lagos
e sem gesto vago
desprendido da mão que um sonho agita.
Existe a seiva. Existe o instinto. E existo eu
suspensa de mundos cintilantes pelas veias
metade fêmea metade mar como as sereias.
O Espírito
Poema: Natália Correia (ligeiramente adaptado) [texto original >> abaixo]
Música: Ana Maria Tomé de Matos e Mário George Cabral
Intérpretes: Mário George Cabral & Mia Tomé* (in álbum "Projecto Natália", MGeorge01LP, 2023)
[instrumental]
Nada a fazer, amor, eu sou do bando
Impermanente das aves friorentas;
E nos galhos dos anos desbotando
Já as folhas me ofuscam macilentas;
E vou com as andorinhas. Até quando? Até quando?
À vida breve não perguntes: cruentas
Rugas me humilham. Não mais em estilo brando
Ave estroina serei em mãos sedentas.
Nada a fazer, amor, eu sou do bando
Impermanente das aves friorentas;
E nos galhos dos anos desbotando
Já as folhas me ofuscam macilentas;
E vou com as andorinhas. Até quando? Até quando?
À vida breve não perguntes: cruentas
Rugas me humilham. Não mais em estilo brando
Ave estroina serei em mãos sedentas.
Vou com as andorinhas. Até quando? Até quando?
À vida breve não perguntes: cruentas
Rugas me humilham. Não mais em estilo brando
Ave estroina serei em mãos sedentas.
Pensa-me eterna que o eterno gera
Quem na amada o conjura. Além, mais alto,
Em ileso beiral, aí me espera:
Andorinha indemne ao sobressalto
Do tempo, núncia de perene primavera.
Confia. Eu sou romântica. Não falto.
[instrumental]
E vou com as andorinhas. Até quando? Até quando?
À vida breve não perguntes: cruentas
Rugas me humilham. Não mais em estilo brando
Ave estroina serei em mãos sedentas.
Vou com as andorinhas. Até quando? Até quando?
À vida breve não perguntes: cruentas
Rugas me humilham. Não mais em estilo brando
Ave estroina serei em mãos sedentas.
[instrumental]
* Mia Tomé – voz
Mário George Cabral – sintetizador
Ricardo Parreira – guitarra portuguesa
Nelson Aleixo – viola
Francisco Gaspar – baixo acústico
Arranjos e direcção musical – Mário George Cabral
Direcção artística – Tiago Ribeiro
Produção – Mário George Cabral e Mia Tomé
Co-produção e pós-produção – Tó Pinheiro da Silva
Gravação, mistura e masterização – Tó Pinheiro da Silva
Assistente de gravação – Miguel Peixoto Batista
URL: https://www.facebook.com/miatome.artista/
https://music.youtube.com/playlist?list=OLAK5uy_m-BauAuyCrBztcRFbSO7u1I17sxd02i7E
O ESPÍRITO
(Natália Correia, terceiro poema do ciclo "Do Amor Que Acorda o Espírito Que Dorme", in "Sonetos Românticos", Col. Horas de Poesia, vol. 2, Lisboa: Edições 'O Jornal', 1990; "O Sol nas Noites e o Luar nos Dias II", Lisboa: Projornal/Círculo de Leitores, 1993 – p. 357; "Poesia Completa", Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1999 – p. 589)
Nada a fazer, amor, eu sou do bando
Impermanente das aves friorentas;
E nos galhos dos anos desbotando
Já as folhas me ofuscam macilentas;
E vou com as andorinhas. Até quando?
À vida breve não perguntes: cruentas
Rugas me humilham. Não mais em estilo brando
Ave estroina serei em mãos sedentas.
Pensa-me eterna que o eterno gera
Quem na amada o conjura. Além, mais alto,
Em ileso beiral, aí me espera:
Andorinha indemne ao sobressalto
Do tempo, núncia de perene primavera.
Confia. Eu sou romântica. Não falto.
Capa da 1.ª edição do livro "O Vinho e a Lira", de Natália Correia (Col. Sagir, vol. 1, Lisboa: Fernando Ribeiro de Mello, 1966)
Capa da 1.ª edição do livro "Mátria", de Natália Correia (Lisboa: Fernando Ribeiro de Mello, 1968)
Capa da 1.ª edição do livro "Sonetos Românticos", de Natália Correia (Col. Horas de Poesia, vol. 2, Lisboa: Edições 'O Jornal', 1990)
Sobrecapa do livro "O Sol nas Noites e o Luar nos Dias I", de Natália Correia (Lisboa: Círculo de Leitores, 1993)
Concepção – Clementina Cabral
Sobrecapa do livro "O Sol nas Noites e o Luar nos Dias II", de Natália Correia (Lisboa: Círculo de Leitores, 1993)
Concepção – Clementina Cabral
Capa da 1.ª edição do livro "Poesia Completa", de Natália Correia (Col. Poesia do Século XX, Vol. 32, Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1999)
Capa do EP "Natália Correia Diz Poemas de Sua Autoria" (Col. A Voz e o Texto, Decca/VC, 1969)
Capa da compilação em CD "A Defesa do Poeta", de Natália Correia (EMI-VC, 2003)
Capa do CD "Natália Correia & Ary dos Santos", Col. "...Dizem os Poetas", Vol. 6 (Edições Valentim de Carvalho, 2018)
Concepção – Maria Mónica
Capa do álbum (edição digital) "Natália É Quando Uma Mulher Quiser", de Renato Júnior (Doubleclick/SME Portugal, 2023)
Concepção – João Santos
Capa do álbum (edição digital) "Projecto Natália", de Mário George Cabral & Mia Tomé (MGeorge01LP, 2023)
Concepção – Silas Ferreira
Capa do livro "O Dever de Deslumbrar: Biografia de Natália Correia", de Filipa Martins (Lisboa: Contraponto, 2023)
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Outros artigos com poesia de Natália Correia:
Galeria da Música Portuguesa: José Afonso
Poesia na rádio (II)
Ser Poeta
Celebrando Natália Correia
Ana Moura: "Creio" (Natália Correia)
Natália Correia: "Rascunho de uma Epístola", por Ilda Feteira
[Reeditado em 23 Mar. 2023]
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