23 outubro 2007

"Selecção Nacional": a apologia do pechisbeque

Tendo ouvido um 'spot' a anunciar um novo programa musical da Antena 1 chamado "Selecção Nacional", tomei a devida nota e, no domingo, depois do noticiário das 13 horas, lá liguei para o primeiro canal da RDP (para mim, uma opção cada vez menos válida). Com um título destes presumi que se tratasse de um programa que incluísse efectivamente o que de melhor se fez em Portugal em termos musicais e que habitualmente não se consegue ouvir nos alinhamentos de continuidade. Puro engano! Afinal, a "Selecção Nacional", apresentada por Filomena Crespo, é formada pela mesmíssima música que pulula na vergonhosa 'playlist' da Antena 1. Eu pergunto: valerá mesmo a pena fazer um suposto programa de autor que se limita a decalcar os conteúdos da 'playlist'? Conteúdos esses – convém reafirmá-lo – que continuam a evidenciar um confrangedor e redutor afunilamento na música pop, e ainda por cima com uma grande incidência na de pior qualidade. Atente-se nos nomes escolhidos para a "Selecção Nacional": GNR, Paulo Gonzo, Pedro Abrunhosa, Pedro Khina, Toranja, Heróis do Mar, The Gift. Todos eles nomes insistentemente rodados na famigerada 'playlist'. Foram também contemplados Sérgio Godinho e Né Ladeiras mas em ambos os casos com temas que não constituem propriamente o melhor das respectivas obras. De Né Ladeiras a escolha recaiu em "Sonho Azul", tema que convenhamos não se pode comparar ao que ela fez nos álbuns "Traz os Montes" (galardoado com o Prémio José Afonso) e "Todo Este Céu", sobre temas de Fausto Bordalo Dias. Então porquê a opção pelo mediano quando se pode escolher o excelente?
Sendo obrigado a desembolsar 20.52 euros de taxa por ano, não posso deixar de me sentir defraudado e revoltado com a vulgar e medíocre linha musical que, nos últimos anos, passou a imperar na rádio do Estado. Precisamente a estação que por ser pública e paga pelos contribuintes se devia pautar por critérios de maior rigor e exigência na sua programação musical. Com exemplos destes, muito mal vai o serviço público de rádio!

16 outubro 2007

Em memória de Adriano



No dia em que se completam precisamente 25 anos sobre o desaparecimento prematuro de Adriano Correia de Oliveira, presto-lhe a minha singela homenagem deixando aqui aquela que é talvez, do ponto de vista interpretativo, a sua balada mais sublime.
Registo com agrado as iniciativas que a Antena 1 tem levado a cabo para assinalar a efeméride, designadamente o convite feito a Fausto Bordalo Dias, que com ele conviveu, para falar do homem e da obra. Pena foi não ter sido dirigido idêntico convite a Rui Pato, responsável pelo acompanhamento à viola de boa parte do seu repertório. O seu testemunho seria com certeza do maior interesse.
Bem, e porque não basta evocar Adriano para depois o votar novamente ao ostracismo, eu faço uma pergunta muito simples à direcção de programas da rádio do Estado: por que razão esta e outras belíssimas baladas de Adriano não figuram nas 'playlists' das Antenas 1 e 3?



Canção com Lágrimas



Poema: Manuel Alegre (adaptado de "Canção com Lágrimas e Sol", in "Praça da Canção", 1965)
Música e voz: Adriano Correia de Oliveira
Viola: Rui Pato


Eu canto para ti um mês de giestas
um mês de morte e crescimento ó meu amigo
como um cristal partindo-se plangente
no fundo da memória perturbada.

Eu canto para ti um mês onde começa a mágoa
e um coração poisado sobre a tua ausência
eu canto um mês com lágrimas e sol o grave mês
em que os mortos amados batem à porta do poema.

Porque tu me disseste: quem me dera em Lisboa
quem me dera em Maio. Depois morreste
Com Lisboa tão longe ó meu irmão tão breve
Que nunca mais acenderás no meu o teu cigarro.

Eu canto para ti Lisboa à tua espera
teu nome escrito com ternura sobre as águas
e o teu retrato em cada rua onde não passas
trazendo no sorriso a flor do mês de Maio.

Porque tu me disseste: quem me dera em Maio
porque te vi morrer eu canto para ti
Lisboa e o sol. Lisboa com lágrimas
Lisboa à tua espera ó meu irmão tão breve.

Eu canto para ti Lisboa à tua espera...


(in EP "Menina dos Olhos Tristes", Orfeu, 1968; "Obra Completa": CD "Trova do Vento Que Passa: Adriano Canta Manuel Alegre (I)", Movieplay, 1994)

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Outros artigos sobre Adriano Correia de Oliveira:
Adriano Correia de Oliveira: um grande cantor silenciado na rádio pública
Galeria da Música Portuguesa: Adriano Correia de Oliveira

09 outubro 2007

"Alma Lusa": mais tempo de antena para o fado

Em Janeiro de 2007, no texto Música na Antena 1: pequenos e grandes formatos, tive o ensejo de chamar a atenção para a situação escandalosa e absurda na rádio pública no tocante a espaços vocacionados para as músicas fora do universo anglo-saxão. Efectivamente, ao passo que a música anglo-americana tinha um programa alargado chamado "Ondas Luisianas", as músicas da portugalidade – tradicional e fado – e a música latina estavam confinadas a mini-formatos de aproximadamente cinco minutos, respectivamente Cantos da Casa, Alma Lusa e Júlio Isidro. Agora reparo que, no caso do fado, a situação foi finalmente corrigida com a criação de uma edição alargada de "Alma Lusa", aos domingos depois da meia-noite. O que não deixa de ser curioso é que esta alteração tenha surgido pouco antes da estreia do tão badalado filme "Fados". O que terá levado Rui Pêgo a tomar a decisão apenas agora, se ela se impunha há demasiado tempo? Medo que, por causa do filme de Carlos Saura, alguém de fora descobrisse que a Antena 1 dedicava apenas três/quatro minutos por dia ao fado?
Bem, o importante é que no principal canal da rádio estatal passa a existir um programa, digno desse nome, dedicado ao fado. Agora, o que não se compreende é que não tenha sido aplicado igual procedimento à música tradicional e à música latina. A abundância de material de qualidade nessas duas áreas musicais justificaria sobremaneira a existência de mais tempo de antena para a respectiva divulgação. No caso da música tradicional/folk portuguesa, isso é particularmente premente pois nos últimos anos têm aparecido excelentes agrupamentos aos quais a Antena 1 devia prestar outra atenção. Afinal de contas, trata-se de uma elementar questão de serviço público.