23 fevereiro 2016

José Mário Branco: "Zeca (Carta a José Afonso)"


© Alexandre Carvalho

No dia em que se completa mais um ano sobre o desaparecimento (prematuro) de José Afonso, o blogue "A Nossa Rádio" rende tributo à sua memória apresentando "Zeca (Carta a José Afonso)", de e por José Mário Branco, que faz parte do álbum "Correspondências", editado em 1990 (três anos após a morte física do 'destinatário'). Trata-se, e não tivesse a assinatura de José Mário Branco, de uma das mais bem conseguidas homenagens em forma de canção que até hoje se fizeram ao autor d' "Os Vampiros".
À parte algum repertório de cariz mais circunstancial, a obra de José Afonso não sofreu a erosão do tempo. Nessa medida, não se pode aceitar que a rádio pública a subestime, silenciando-a ou afunilando a sua divulgação a dois ou três dos espécimes mais conhecidos, como vem acontecendo na Antena 1.



Zeca (Carta a José Afonso)



Letra e música: José Mário Branco
Arranjo: José Mário Branco
Intérprete: José Mário Branco* (in LP/CD "Correspondências", UPAV, 1990, reed. EMI-VC, 1996)




Vieste de menino d'oiro pela mão
Acordar a madrugada
E fez mais, às vezes, uma só canção
Do que muita panfletada
         Grandes janelas soubeste abrir
         Por onde o ar correu sem te pedir
         Que não se cansem de nascer
         As fontes onde vais beber

         Nunca mais te hás-de calar,
         Ó Zeca, para nós
         Canta sempre sem parar
         Que é seiva e flor a tua voz

Vestiste a capa de caloiro coimbrão
Para ultrapassar o fado
E, em cada Natal, teu fruto temporão
Nunca foi ultrapassado
         Na distracção jogas à defesa
         Com o humor disfarças a tristeza
         Cantas a esp'rança e o amor
         Que o povo te ensinou, de cor

         Nunca mais te hás-de calar,
         Ó Zeca, para nós
         Canta sempre sem parar
         Que é seiva e flor a tua voz

Nem tudo o que reluz é oiro, pois então
E bem gostaria o facho
De te ver calado e manso pela mão
Com medalhas no penacho
         Co'a a tua ronha felina e sã
         Vais-lhe atirando as flechas de amanhã
         O olho pisco a acender
         E a garganta a acontecer

         Nunca mais te hás-de calar,
         Ó Zeca, para nós
         Canta sempre sem parar
         Que é seiva e flor a tua voz

Vieste de menino d'oiro pela mão...


* José Mário Branco – voz
José Castro – sintetizador
Graça Moreira, Isabel Campelo, Maria Guinot, Gustavo Sequeira, Carlos Alberto Moniz, Fernando Tordo e Necas Moreira – coros
Direcção artística – José Mário Branco e Manuela de Freitas
Produção – António José Martins e José Mário Branco
Gravado e misturado no Angel Studio 2, Lisboa, de Janeiro a Julho de 1989
Engenheiros de gravação – Fernando Abrantes, Jorge Barata e José Manuel Fortes
Misturas – Rui Novais, Jorge Barata, António José Martins, José Peixoto e José Manuel Fortes


Nota:
Outros dois poemas de homenagem a José Afonso, escritos por Natália Correia e Hélia Correia, e gravados, respectivamente, por Afonso Dias e Filipa Pais, já foram apresentados neste blogue, nos seguintes artigos:
Galeria da Música Portuguesa: José Afonso
Filipa Pais: "Zeca"

Grandes discos da música portuguesa: editados em 2015


[em preparação]