21 julho 2011

"Lugar ao Sul": calinadas da 'editora' Cláudia Almeida

Na nota de apresentação à edição de sábado passado, dia 16 de Julho, do programa "Lugar ao Sul", a sra. Cláudia Almeida começou com estas palavras ('ipsis verbis'): «GNR, Trovante, Vitorino, Fausto Bordalo Dias, Carlos do Carmo, Rui Veloso – a música portuguesa no arranque desta manhã do "Lugar ao Sul". Rafael Correia esteve na piscina do Sport Algés e Dafundo...»
Ora eu estava na expectativa de ouvir todos artistas citados, mas com o desenrolar da emissão vim a constatar que fui grosseiramente enganado. Vitorino e Fausto Bordalo Dias não constaram, ao passo que foram omitidos dois artistas que efectivamente figuraram no programa: João Fernando (tema "
Tejo Que Levas as Águas") e Fernando Marques (tema "Cais da Pimenta").
Sendo uma pessoa com conhecimentos bastante limitados no tocante à música/discografia portuguesa, a jornalista Cláudia Almeida, no respeito pelas regras da deontologia profissional, devia documentar-se e/ou informar-se junto de quem a pudesse elucidar. Mas não! Pôs-se a adivinhar e... saiu asneira. João Fernando e Fernando Marques, dois eméritos compositores/intérpretes, se ouviram o programa, não devem ter gostado de ver as suas músicas atribuídas a outrem. E Vitorino e Fausto Bordalo Dias, artistas consagradíssimos e com vasta obra editada, não precisam, com certeza, que obra alheia passe como sua. Enfim, uma trapalhada que teria sido certamente evitada se a edição do programa estivesse em mãos mais sabedoras e profissionais. E neste ponto não podemos deixar de chamar à pedra o sr. Rui Pêgo, pelo flagrante erro de 'casting' que cometeu ao confiar à sra. Cláudia Almeida uma tarefa para a qual ela não tem, comprovadamente, a necessária preparação e competência. Se se disser que Rui Pêgo é igualmente um erro de 'casting' na direcção da rádio pública então ficam explicadas muitas das clamorosas deficiências que se têm registado no serviço durante os últimos anos.

05 julho 2011

"Musica Aeterna": um programa ao serviço do apostolado católico? (II)

Na sequência meu 'post' "Musica Aeterna": um programa ao serviço do apostolado católico? o autor do programa, João Chambers, fez-me chegar uma carta com o pedido expresso para publicação, invocando o direito de resposta. Para o exercício desse direito é que os blogues facultam uma caixa de comentários. Não sendo possível usar essa via devido a impedimento imprevisto (que espero seja passageiro), aqui fica a missiva tal qual a recebi, seguida de uma nota da minha lavra.


«Ex.mo Senhor Álvaro José Ferreira,

mão amiga fez-me chegar um texto escrito por V. Ex.a no blogue A NOSSA RÁDIO, onde, a propósito do MUSICA AETERNA do passado sábado que versou o Dia de Pentecostes, discorre, entre outras questões, sobre o facto de se sentir violentado na sua consciência (de livre-pensador) e o pressuposto (totalmente errado) de o respectivo autor professar o catolicismo.

Cabe antes de mais esclarecer que a totalidade dos programas concebidos para a Antena 2 tem sempre uma temática associada, logicamente com repertório alusivo. Assim, seguindo essa premissa, e se forem tidos em consideração alguns dos muitos elaborados ao longo de dez anos de colaborações regulares, ouso questionar se deverá o signatário enquanto autor ser considerado

a) fascista, por difundir o pensamento de Hobbes segundo o qual deveria prevalecer a vida sob um soberano e a necessidade absoluta de se lhe obedecer;

b) monárquico, por abordar o quinto centenário da coroação de Henrique VIII ou a Pietas Austriaca, ou seja, um código religioso e moral que proclamou ao mundo a devoção e a glorificação dos Habsburgo;

c) jesuíta, por dissertar sobre o respectivo papel desempenhado no campo educativo;

d) franciscano, por escrever sobre a Primeira Ordem dos Frades menores e um dos seus principais cultores (Santo António);

e) maçon, por redigir sobre o surgimento e a consequente expansão das sociedades secretas no século XVIII;

f) catastrofista, por referenciar a representação da morte após o Concílio de Trento e a influência dos “Exercícios Espirituais” de Inácio de Loyola;

g) evangelizador, por mencionar o papel fundamental da expansão irlandesa e das produções hibérnico-saxónicas, germânicas, norte-europeias e lombardas;

h) deísta, por falar sobre as respectivas controvérsias na Inglaterra dos séculos XVII e XVIII;

i) empirista, por divulgar os textos de Locke;

j) bizantino, por aludir à Queda de Constantinopla e ao legado da antiga civilização de Bizâncio;

k) católico (de novo) por relatar o mecenato papal da Roma do século XVII, as “Missas Breves” de Bach, o capítulo dedicado a São Tomé constante da “Legenda Áurea” de Voragine, o “Cântico dos Cânticos”, sobre o qual, desde a Idade Média, foram escritas algumas das mais admiráveis páginas da História da Música Ocidental, a História da Natividade, o conceito de “Paixão”, o legado do Padre Manuel Bernardes, a por V. Ex.a mencionada “Assunção da Virgem”, etc, etc, etc.;

l) ortodoxo, por desenvolver sobre a religião e os ícones legados;

m) ateu, por discorrer sobre festa do Calendimaggio e a “Fábula de Orfeu”, para além de iluminista, absolutista, etc, etc, etc.

Creio que estas temáticas, a par de numerosas outras já abordadas em anteriores emissões, desmistificam, de imediato, a opinião de que “a pretexto desta ou daquela solenidade ou festividade católica (vale o mesmo para qualquer outra confissão) queira fazer do programa uma sessão de catequese” (sic!).

Tenho, ainda, o grato prazer de, com a devida vénia, reencaminhar V. Ex.a para parte de um texto, extraído da “Contemplação Carinhosa da Angústia”, onde, a determinada passagem, Agustina refere o seguinte:

“A crítica é menos eficaz do que o exemplo. É de considerar se a grande sugestão para usar da crítica nos nossos tempos e que põe em causa todos os valores consagrados, não é o resultado duma anemia profunda do acto de vontade de toda uma sociedade. Todos temos consciência de como o exemplo se tornou interdito, como o indivíduo, na sua excepção perturbadora, é causa de mal-estar. Dir-se-ia que a fraqueza, a breve virtude, a mediocridade, de interesses e de condições, têm prioridade sobre o modelo e a utopia. A par desta dimensão rasa do despotismo do demérito, levanta-se uma rajada de violência. É de crer que a violência é hoje a linguagem bastarda da desilusão e o reverso do exemplo; representa a frustração do exemplo.”.
Possuindo a plena consciência de nada ser mais difícil, e, por isso mesmo, tão precioso, do que ser capaz de decidir, julgo, sinceramente, que o MUSICA AETERNA só ficou a ganhar com a opção de nele ter incluído esta (para V. Ex.a) controversa temática.

Além disso, cumpre-me também informar que em quase dez anos (perfazem-se no próximo dia 6 de Julho) de colaborações regulares com a Antena 2 – MUSICA AETERNA, DIVINA PROPORÇÃO e A HERANÇA DE ATENA, os dois últimos em parceria com Ana Mântua - é a segunda vez que um programa por mim concebido encontrou um eco de desagrado. Obviamente, tal é uma situação que me preocupa sempre, facto que, apesar das numerosas felicitações recebidas, me levou a fazer um exame de consciência e tentar descortinar onde poderia estar a falha. Devo confessar, e desculpe-me discordar da opinião por si manifestada, que não a consegui encontrar. Onde se vislumbra o seu descontentamento, outros encontraram motivos para felicitações. Na tal primeira crítica recebida, o enfado manifestava-se não pela música, indiscutivelmente sublime (“As Sete Últimas Palavras de Cristo na Cruz” na extraordinária versão de Savall), tão-pouco pelos textos de minha autoria, mas sim pelos escritos que então fiz citar de Saramago. Calculei, de antemão, como, aliás, agora também aconteceu, que nela fazer constar a opinião daquela passagem bíblica pelo controverso vencedor do prémio Nobel de, salvo erro, 1998 iria desagradar a alguns ouvintes, principalmente, julgo, devido às posições políticas e, sobretudo, religiosas por ele sempre assumidas. No entanto, tal facto não podia, nem devia, tornar-se num impeditivo para assumir a minha decisão de lhe fazer referência a bem de um serviço público que, creia, presto o melhor que posso e sei. Ao elaborar o texto que acompanhou a transmissão da obra, e numa perspectiva de poder dar mais ênfase (ou força, se assim quiser) à concepção geral do programa, optei, independentemente do que essa atitude pudesse representar para muitos ouvintes, por incluir algumas das palavras ali incluídas. Tendo em conta essa decisão, e reduzindo-me à minha insignificância, ousei questionar quem era eu para poder “discutir” a autoridade teológica de Saramago. Mas, como homem de rádio que também sou, já com alguns anos de experiência de ambos os lados, ou seja, quer como autor/realizador, quer como ouvinte, e numa perspectiva puramente pessoal, devo confessar que, independentemente de gostar bastante do teor dos textos e da leitura que o João Pedro então imprimiu (aqui, felizmente, e para utilizar uma metáfora musical, estamos em perfeita sintonia), fiquei muitíssimo satisfeito com o resultado global. Então como agora! Se a “discussão” (no bom sentido, entenda-se) sobre a crença religiosa de cada um não deve ser para aqui chamada ou ser aqui discutida, tanto mais porque cópias da correspondência são enviadas a várias pessoas ou entidades, já o teor do programa que tanto o incomodou pode e deve sê-lo. Quando afirma, e passo a citá-lo,

“…Em todo o caso, o tratamento e desenvolvimento que lhe merecem os assuntos ligados ao catolicismo, com abundante citação de textos doutrinários produzidos ou avalizados pela Igreja Católica, leva-me a presumir, se não de uma inconfessada empatia, pelo menos de um não questionamento do teor de tal literatura, e nessa medida reconhecendo-lhe crédito intelectual…” [excerto de carta entretanto enviada a João Chambers]

é, certamente, por não ser um ouvinte assíduo. Se o fosse teria escutado num dos programas anteriores, dedicado à efeméride dos 650 anos da morte de Philippe de Vitry, em vários momentos da emissão, o Roman de Fauvel, isto é, uma crítica à corrupção da Igreja e ao sistema político vigente. Além disso, entre muitos outros exemplos, posso referir também as constantes alusões ao Concílio de Trento, que, como certamente saberá, se desenrolou em três sessões e onde, entre outros assuntos, se definiu a eliminação da corrupção dos costumes do clero. Assim, conceber os MUSICA AETERNA em torno de efemérides ou acontecimentos, religiosos ou não, é, julgo, uma forma produtiva de criar na Antena 2 um espaço intercultural, já que aquelas permitem o cruzamento da harmonia com outras artes/conteúdos, circunstância que acaba por proporcionar uma perspectiva multifacetada da arte dos sons. Abordá-las, quer sejam de carácter nacional ou internacional, quer relacionadas, na maioria dos casos, com a cultura judaico-cristã, decorre de uma “pesadíssima” herança que carregamos no Velho Continente e que não podemos, nem devemos, olvidar. Assim, sem surpresa, vejo-me na obrigação de lhe criticar as considerações feitas sobre o tema de um único programa, ignorando, ou não se preocupando em inteirar, de muitas outras temáticas abordadas e que fiz constar no meu anterior mail. A resposta enviada defende que será uma dedução abusiva pautar as opções ideológicas do autor, ou seja, eu próprio, a partir de uma determinada temática abordada, questionando se pelo facto de referir o protestantismo na Alemanha setentrional do século XVII, como, aliás, já o fiz, fará de mim protestante. O ecletismo que se encontra na génese do MUSICA AETERNA está ausente da crítica inicial e, curiosamente, ou talvez não, não obstante a resposta, também do segundo. Além disso, também o Álvaro, e permita-me a dispensa de formalismos, se refere à falta de questionamento do teor de tal literatura utilizada no programa (Bíblia, “esquecendo-se” da também bastas vezes citada protestante, patrística, etc.), já que não cabe ali concebê-lo. E por falar em Bíblia, o que ali diz sobre ela é quase um despropósito, no caso, totalmente a despropósito num texto onde reconhece que a música é sacra e, logo, conhecidamente, nela baseada seja lá qual for o credo concreto de cada compositor, os mais deles pouco católicos, aliás. Com a devida vénia, uma enormidade essa referência. Fazer questionar e reflectir será antes apanágio do QUESTÕES DE MORAL, programa do meu particular amigo Joel Costa e sobre o qual nos encontramos em total consonância. Dar espaço a tal tipo de abordagem secundariza, a meu ver, o papel da harmonia no MUSICA AETERNA. Considerando que numa emissão de duas horas, o texto, ou seja, aquilo que lhe serve de esboço, apenas ocupa, em média, cerca de trinta minutos, nunca a música poderia ser passada para uma posição de subalternidade ou de menor relevância. Considerar isso será, a meu ver, um tremendo equívoco.

Queria, ainda, acrescentar que, após ter feito uma pesquisa ao seu blogue, verifiquei, com uma pontinha de orgulho, devo confessar, em escritos anteriores, apenas elogios da sua parte (e jamais algo de negativo) aos programas por mim realizados nesta década de colaboração com a Antena 2. Tal levou-me, de imediato, a estranhar que, ao mínimo sinal de desagrado, o Álvaro não tenha tido esse facto em consideração, nem tão-pouco se tenha dignado a mencioná-lo. Salvo melhor opinião, julgo que não teria sido... de mau tom.

Sem outro assunto de momento, queira aceitar, Sr. Álvaro de Jesus Ferreira, a expressão dos melhores cumprimentos do

João Chambers
MUSICA AETERNA
Antena 2»



Agora a minha nota:

Para mim, não é especialmente importante saber qual a orientação religiosa do Sr. João Chambers, se é que tem alguma. As suas convicções religiosas pertencem ao seu foro íntimo e merecem, naturalmente, o maior respeito da minha parte, quaisquer que elas sejam. Apenas aludi a essa questão porque o assunto a isso impelia e para melhor explicitação do meu ponto de vista.
Reconheço o eclectismo de temáticas tratadas no "Musica Aeterna" e não me custa nada louvar o autor do programa nesse ponto. E havendo uma indesmentível carga secular de catolicismo na produção musical anterior ao Romantismo, seria muito redutor e falho de razoabilidade que essa dimensão não fosse contemplada num programa que tem como âmbito justamente a música antiga (expressão que comummente se usa à falta de melhor – a música realmente boa extravasa a temporalidade, embora a época de criação possa ser referenciável). Nesta ordem de ideias – como já havia enunciado anteriormente – a atenção que dá à produção musical sacra de qualidade merece o meu incondicional aplauso e só lhe fico grato por me dar a oportunidade de ouvir obras e interpretações de altíssima valia que nunca (ou muito raramente) aparecem noutros programas ou espaços musicais da Antena 2 (falo da Antena 2 porque é a única rádio portuguesa consagrada à música erudita).
No caso do Espírito Santo, e mais concretamente da solenidade do Pentecostes, a minha posição crítica não tem tanto a ver com o tema em si, menos ainda com a música seleccionada, mas mais com o teor confessional/dogmático dos textos que o Sr. João Chambers citou ou redigiu. Ainda estaria disposto a tolerar que citasse a passagem bíblica do episódio do Pentecostes, para contextualização. Foi longe de mais, na minha opinião, quando se socorreu de literatura doutrinária católica. Não havia necessidade! Causar-me-ia menos anticorpos se, em vez desses textos, tivesse seleccionado poemas alusivos ao Espírito, em sentido lato e não apenas na acepção católica ou judaico-cristã.
Por último, uma breve consideração ao texto que citou da grande escritora Agustina Bessa-Luís. Começo por dizer que estou genericamente de acordo com o seu teor. Apenas ponho algumas reservas ao trecho «É de considerar se a grande sugestão para usar da crítica nos nossos tempos e que põe em causa todos os valores consagrados, não é o resultado duma anemia profunda do acto de vontade de toda uma sociedade.». Penso que a problematização e a análise crítica do mundo e da acção humana, longe de resultar «duma anemia profunda do acto de vontade de toda uma sociedade» é antes um factor de vitalidade e de salutar progresso civilizacional. Não tivesse existido um Voltaire e outros grandes iluministas a contestar o dogmatismo/obscurantismo religioso e correlativo poder temporal da Igreja e é muito provável que ainda hoje ardessem seres humanos em autos-de-fé (para gáudio sádico de zelosos seguidores da Lei de Deus). Ao contrário do que afirma Agustina, nem todos os valores consagrados são bons: muitos deles decorrem da prevalência de interesses – políticos, económicos, religiosos – nas sociedades. As revoluções e as grandes rupturas de paradigma político-social acontecem precisamente quando tal 'status quo' deixa de ser mais sustentável.
Subscrevo e friso bem estas palavras de Agustina Bessa-Luís: «Todos temos consciência de como o exemplo se tornou interdito, como o indivíduo, na sua excepção perturbadora, é causa de mal-estar. Dir-se-ia que a fraqueza, a breve virtude, a mediocridade, de interesses e de condições, têm prioridade sobre o modelo e a utopia. A par desta dimensão rasa do despotismo do demérito, levanta-se uma rajada de violência. É de crer que a violência é hoje a linguagem bastarda da desilusão e o reverso do exemplo; representa a frustração do exemplo.»Álvaro José Ferreira é um indivíduo que, na sua excepção perturbadora, causa mal-estar, justamente por questionar a fraqueza, a breve virtude, a mediocridade, de interesses e de condições, que na rádio estatal têm prioridade sobre o modelo e a utopia. Prevalece o despotismo do demérito, e a falta de vontade (e de capacidade) para tornar o serviço num exemplo de excelência. Levanta-se uma rajada de violência verbal (ou de autismo arrogante) sempre que os cidadãos/contribuintes/ouvintes tomam a atitude lúcida de dizer "O rei vai nu". É de crer que a violência e o autismo são hoje, na estação pública, a linguagem bastarda da incompetência e o reverso do exemplo; representam a frustração do exemplo. (com a devida vénia à insigne escritora Agustina Bessa-Luís).

Álvaro José Ferreira