27 dezembro 2006

Eduardo Street: morreu o grande artesão do teatro radiofónico



Nesta hora de tristeza para todos quantos amam o teatro, e especialmente o teatro via rádio, não podia deixar de prestar a minha singela homenagem a Eduardo Street, pelo muito que fez enquanto viveu pela arte de Talma. Além das dezenas e dezenas de peças e folhetins que realizou para a antiga Emissora Nacional e para a sucedânea RDP, Eduardo Street deixou-nos ainda o livro "O Teatro Invisível" [>> artigo no blogue "Indústrias Culturais"], um documento precioso para quem desejar conhecer a História do Teatro Radiofónico em Portugal e as figuras – actores, autores e realizadores – que a protagonizaram. Escusado será dizer que Eduardo Street será um nome incontornável sempre que se falar do teatro radiofónico português. Mas agora o melhor que se pode fazer pela sua memória é não deixar morrer o teatro na rádio. É importante não esquecer que o teatro radiofónico (e televisivo) é a única forma de quem vive onde não há teatro de a ele ter acesso. Todavia, quer a televisão quer a rádio portuguesas estão a pecar – e muito – nesta área da prestação de serviço público. No caso da rádio, a situação é verdadeiramente confrangedora, pois depois de algumas experiências mal conseguidas e de mau gosto nos primeiros meses deste ano, passou a reinar o vazio. Ora a rádio, enquanto veículo da oralidade, é o meio privilegiado para a divulgação dos grandes textos dramáticos. A atenção do ouvinte não está dispersa por vários sentidos estando toda concentrada num único – a audição – podendo deste modo potenciar a fruição das palavras em toda a sua profundidade e pluralidade de sentidos. No palco e na televisão, o teatro é, em certa medida, um produto acabado que não deixa grande espaço à imaginação do espectador. Já o teatro radiofónico – e aqui assemelha-se à leitura – deixa total liberdade ao ouvinte para construir o seu próprio imaginário. Não existindo a componente da comunicação visual, os actores só podem contar com as suas vozes para transmitirem, com as cambiantes que lhes souberem imprimir, as emoções, os estados de alma e, enfim, o carácter e o perfil psicológico das personagens que incarnam. Por outro lado, o teatro, enquanto arte por excelência da oralidade, tem ainda a enorme relevância de nos mostrar a correcta pronúncia da língua portuguesa padrão. E atendendo ao mau português que se vai ouvindo, maior é a importância de haver teatro radiofónico. Aliás, no caso dos invisuais, essa é a única modalidade que se lhes apresenta de fruírem da arte teatral. Não estará a rádio pública a negar-lhes esse legítimo direito, sendo também eles contribuintes do serviço público?
Urge pois que a rádio pública portuguesa, seguindo o bom exemplo da BBC, colmate a grave lacuna no tocante ao teatro, já não digo com a produção de peças novas mas, pelo menos, com a transmissão do que de melhor existe – e é muito – no arquivo histórico da RDP, designadamente as obras-primas dos grandes autores dramáticos desde os gregos (Ésquilo, Sófocles, Eurípedes, Aristófanes) até ao teatro do absurdo (Beckett, Ionesco) passando por Shakespeare, Lope de Vega, Calderón de la Barca, Corneille, Molière, Racine, Marivaux, Goldoni, Beaumarchais, Schiller, Ibsen, Strindberg, Oscar Wilde, Bernard Shaw, Tchekov, Pirandello, Federico García Lorca, Brecht, Eugene O’Neill, Tennessee Williams, Arthur Miller, Jean Anouilh, sem esquecer os nossos Gil Vicente, Jorge Ferreira de Vasconcelos, António Ribeiro Chiado, António Ferreira, Luís de Camões, António José da Silva, Almeida Garrett, Raul Brandão, António Patrício, Alfredo Cortez, Luís de Sttau Monteiro e Bernardo Santareno.
Remato com um eloquente texto da autoria do dramaturgo mexicano Victor Hugo Rascón Banda que a grande Eunice Muñoz leu no Teatro Maria Matos, no último Dia Mundial do Teatro:

«O teatro comove, ilumina, incomoda, perturba, exalta, revela, provoca, transgride. É uma conversa partilhada com a sociedade.
O teatro é a primeira das artes que se confronta com o nada, as sombras e o silêncio para que surjam a palavra, o movimento, as luzes e a vida.
O teatro é um facto vivo que se consome a si mesmo enquanto se produz, mas que renasce sempre das cinzas. É uma comunicação mágica em que cada pessoa dá e recebe algo que a transforma.
O teatro reflecte a angústia existencial do homem e desvenda a condição humana. Não são os seus criadores quem fala através do teatro: é a sociedade do seu próprio tempo.
O teatro tem inimigos visíveis: a ausência de educação artística na infância, que impede de descobri-lo e gozá-lo; a pobreza que invade o mundo, afastando os espectadores das salas; e a indiferença e o desprezo dos governos que devem promovê-lo.
No teatro já falaram os deuses e os homens, mas agora é o homem que fala aos outros homens. Por isso, o teatro tem de ser maior e melhor do que a própria vida. O teatro é um acto de fé no valor da palavra sensata num mundo demente. É um acto de fé nos seres humanos que são responsáveis pelo seu destino.
É preciso viver o teatro para entender o que nos está a acontecer, para transmitir a dor que está no ar, mas também para vislumbrar um raio de esperança no caos e no pesadelo do quotidiano.» (Victor Hugo Rascón Banda)


Adenda (em 28-12-2006):
Recomenda-se também a leitura do texto de Carlos Pinto Coelho no blogue "Sorumbático".

O blogue "A Nossa Rádio" orgulha-se igualmente de disponibilizar a edição do programa "Agora... Acontece!" em que Carlos Pinto Coelho entrevistou Eduardo Street, por ocasião do lançamento do livro "O Teatro Invisível: História do Teatro Radiofónico".


"Agora... Acontece!" N.º 379, de 26-Jun-2006



Eduardo Street entrevistado por Carlos Pinto Coelho [a partir de 27':30'']



Capa do livro "O Teatro Invisível: História do Teatro Radiofónico" (Página 4, 2006)

20 dezembro 2006

Miguel Torga: "Natal"


Giotto di Bondone, "Natividade", 1306, fresco, Cappella dell'Arena (Cappella degli Scrovegni), Pádua


NATAL



Leio o teu nome
Na página da noite:
Menino Deus...
E fico a meditar
No milagre dobrado
De ser Deus e menino.
Em Deus não acredito.
Mas de ti como posso duvidar?
Todos os dias nascem
Meninos pobres em currais de gado
Crianças que são ânsias alargadas
De horizontes pequenos.
Humanas alvoradas...
A divindade é o menos.


Poema de Miguel Torga (in "Diário X", Coimbra: Edição do autor, 1968; "Poesia Completa", Lisboa: Publicações Dom Quixote, 2000, 2002)
Recitado pelo autor (in LP "Natal: Um Conto e Vinte e Um Poemas", EMI-VC, 1986, reed. EMI-VC, 2000)

07 dezembro 2006

Programas de autor na Antena 1

Quem acompanha com alguma atenção a emissão da Antena 1, certamente já se deu conta da fraca presença de programas de autor, designadamente de temática musical. E quando falo de programas musicais de autor estou a referir-me a espaços alargados em que os temas / músicas seleccionadas fujam à lógica da 'playlist' e em que haja uma contextualização dos intérpretes, compositores e autores. A Antena 2 faz isso nas áreas da música clássica, do jazz e da música étnica. Esperar-se-ia que na Antena 1 acontecesse algo de semelhante para a música de qualidade de cariz mais popular, mas constata-se um flagrante défice do principal canal generalista da rádio estatal nesse domínio. Actualmente, temos "A Menina Dança?", de José Duarte (jazz e swing), "Ondas Luisianas", de Luís Filipe Barros (pop/rock dos anos 60, 70 e 80), "Vozes da Lusofonia", de Edgar Canelas (apresentação de novos discos), "Viva a Música", de Armando Carvalhêda (música portuguesa ao vivo), e "Lugar ao Sul", de Rafael Correia (cultura tradicional). Todos eles são bons programas, isso está fora de questão. Mas temos de admitir que é muito pouco, ademais tratando-se de programas de periodicidade semanal. Atendendo à prevalência imperial da 'playlist' que o próprio José Nuno Martins reconheceu quando se pronunciou sobre a programação musical da Antena 1, é inquestionável que devia haver mais espaços de autor que contemplassem de forma cabal e razoável os diversos estilos e géneros musicais a que um canal de serviço público deve prestar uma atenção muito particular. E neste âmbito tem de se referir obrigatoriamente a música popular portuguesa (tradicional e de autor), o fado, a música latina e também as músicas do mundo de cariz não estritamente étnico. Volto a lembrar que as pequenas rubricas dedicadas a algumas destas áreas, que existem na actual grelha da Antena 1, em razão da sua diminuta duração, são claramente insuficientes para corresponder às legítimas expectativas dos segmentos do auditório apreciadores dos géneros musicais nelas tratados. Como tal, urge que surjam espaços de outro fôlego que possam constituir pontos de referência para todos os cultores de boa música popular em cada uma das diversas linguagens estéticas. E para tal nem seria necessário recorrer à colaboração externa (como acontece na Antena 2) pois bastaria aproveitar o capital humano da RDP, quer da Antena 1 quer das demais antenas. Sem prejuízo da criação de novos programas, não vejo nenhuma razão plausível para que a Antena 1 não inclua na sua grelha alguns dos melhores programas dos canais internacionais – RDP-Internacional e RDP-África –, aliás como estes fazem com alguns programas originalmente emitidos na Antena 1. Tratando-se de canais financiados com o dinheiro dos contribuintes há todo o interesse em que os recursos sejam potenciados ao máximo e, nessa medida, ao cidadão português que resida em território nacional (continental ou insular) deve ser dada a possibilidade de ouvir por via hertziana os programas das antenas internacionais que são referências de qualidade e de indiscutível interesse geral. "A Guitarra Portuguesa e o Fado" (RDPi) e "A Hora das Cigarras" (RDP-África) são dois bons exemplos de programas desse tipo que enriqueceriam de forma significativa a grelha da Antena 1 e, ainda por cima, a custo zero. E já agora aproveito para fazer referência a outro excelente programa de autor patrocinado pelo Ministério da Ciência e Tecnologia: o "Agora... Acontece!", da autoria de Carlos Pinto Coelho. Este notável programa cultural é cedido gratuitamente a todas as emissoras de rádio que o solicitem mas mesmo assim ainda há muitas estações locais e regionais que o não transmitem (vá-se lá saber porquê?), pelo que muitos cidadãos deste país ficam impossibilitados de o ouvir. Nessa medida, a inclusão do "Agora... Acontece!" na grelha da Antena 1, além de enriquecer a sua programação, constituiria ainda o relevante serviço público de fazer chegar um bom programa a muitos ouvintes que a ele não tem acesso por via hertziana.

30 novembro 2006

Arquivo online / download

Caro Sr. Luís Ramos,

Atendendo a que é responsável pela gestão dos arquivos da RDP e também pela manutenção do site, tomei a liberdade de lhe apresentar algumas questões que julgo pertinentes.
Começando pela rubrica "Os Sons Férteis", de que sou um grande apreciador, gostaria imenso que o
arquivo online integrasse todo o histórico e não apenas desde 15 de Maio de 2006, altura em que foi criado o serviço. A poesia de qualidade não é algo que se desactualize ou que passe de moda e, por isso, a disponibilização online do acervo integral do excelente apontamento de Paulo Rato passaria a constituir uma página de referência e de visita obrigatória a todos os cultores de poesia recitada. Porque se a poesia ficar oculta e silenciosa lá no arquivo sonoro da RDP ninguém dela poderá tirar proveito, seja aqueles que gostariam de voltar a ouvir determinados poetas / poemas, seja os mais jovens que assim teriam a oportunidade de fruir, pela primeira vez, de um importante manancial de poesia dita. Aliás, "Os Sons Férteis" é apenas um exemplo de excelentes rubricas e programas (actuais e do passado) cujos acervos integrais importaria colocar na internet. Dos programas actualmente em antena, e para não ser fastidioso, cito apenas "Questões de Moral", "Lugar ao Sul" ou o seu "Rua do Capelão". No blogue A Nossa Rádio já tive oportunidade de inventariar uma série de programas de indiscutível interesse, quer para a fruição pelo vulgar ouvinte quer como material pedagógico e didáctico para docentes e estudantes do ensino básico e secundário. Numa altura em que a internet e as ferramentas multimédia são um recurso cada vez mais utilizado no ensino, penso que a RDP não se devia alhear desse processo, atendendo à extraordinária riqueza do seu acervo fonográfico. Também seria muito interessante que nesse arquivo online completo de "Os Sons Férteis" houvesse junto de cada fonograma um link para o respectivo poema sob a forma escrita, de modo a que o ouvinte pudesse acompanhar a audição com a leitura (a exemplo do guião do programa "Em Nome do Ouvinte").
Presumo que a grande maioria dos programas não sejam disponibilizados para download avulso ou podcasting devido ao facto de incluírem obras musicais sujeitas a direitos de autor. No entanto, constato que algumas rubricas e programas são disponibilizados para podcasting e não o são para download manual, coisa que não consigo compreender. É o caso, por exemplo, de "Figura de Estilo", de Luís Caetano e Ana Paula Ferreira, "Escrita em Dia", de Francisco José Viegas, e "O Amor é", de Júlio Machado Vaz. Penso que a par do download por assinatura deve ser proporcionada a possibilidade de download avulso, porque, por um lado, vai ao encontro das pessoas que embora tenham computador em casa não têm ligação à internet, podendo assim descarregar manualmente os seus programas preferidos num qualquer posto de internet e, por outro lado, não obriga a assinar o podcasting aos ouvintes que só ocasionalmente estão interessados em descarregar determinado programa.
Também não vejo nenhuma razão para que certas rubricas e programas falados (por exemplo, "Lugar ao Sul", "1001 Escolhas", "À Volta dos Livros", "Vidas Que Contam", "Reportagem Antena 1") ou essencialmente de palavra com pequenos excertos musicais (por exemplo, "Questões de Moral") não sejam facultados para download manual e podcasting. No caso concreto do "Lugar ao Sul", bastaria retirar a música de disco e, desse modo, as gravações de campo já podiam perfeitamente serem disponibilizadas para descarregamento, o que agradaria de sobremaneira aos seus muitos fiéis ouvintes (eu incluído) que gostam de voltar a ouvir emissões mais antigas, sem terem obrigatoriamente de estar ligados à internet. Como os leitores de CD dos auto-rádios mais recentes já são compatíveis com MP3, as conversas de Rafael Correia pontuadas com as músicas e as poesias dos seus interlocutores passariam a ser mais uma excelente opção de escuta enquanto se conduz (ou mesmo em transportes públicos, por meio de um vulgar iPod).
Relativamente à disponibilização de conteúdos da RDP, eu iria até mais longe: independentemente da oferta gratuita de rubricas e programas que não incluem obras musicais protegidas por copyright, nada obstaria que a Rádio e Televisão de Portugal facultasse tudo o resto mediante o pagamento de uma determinada quantia por cada fonograma, tal como acontece no download legal de ficheiros de música.
Mas como a concretização das ideias apresentadas não dependerá inteiramente de si mas de instâncias superiores, achei por bem dar conhecimento desta carta ao Provedor do Ouvinte, na esperança de que ele se digne submeter o seu teor à sua apreciação.
Com os melhores cumprimentos,

Álvaro José Ferreira

28 novembro 2006

As Escolhas do Provedor: "Lugar ao Sul"

[Excerto de LUGAR AO SUL - Rafael Correia / Pastor José Lança]

Alberto Ramos (AR) – O moural do gado observa, devagar, o longe. Como sempre fez... Tudo é sossego: ovelhas e cães e terra. O pastor gosta assim da Natureza, a amanhecer, sem sobressalto. (Já lhe basta a noite, em que a zorra espreita o rebanho e não o deixa dormir a sono solto…)
Mas ele que aprecia a Natureza plena! - O cantar do alcaravão e da perdiz e da raposa. Ah, a inteligência da raposa!...
Então, imita-lhes as vozes, na perfeição.

[Excerto de LUGAR AO SUL - Rafael Correia / Pastor José Lança]

Isabel Bernardo (IB) – Este é um som que faz parte do mágico património dos sons da Radiodifusão Portuguesa. O som de uma simples conversa entre duas pessoas, conversas de que são normalmente feitos alguns dos mais notáveis Programas transmitidos na Antena 1, na Antena 2 e na RDP Internacional.
José Nuno Martins (JNM) – Os Ouvintes do Serviço Público habituaram-se há muito tempo a reconhecer o estilo especial de Rafael Correia. E de cada vez que surgem inovações na Programação, um grupo de fiéis seguidores das caminhadas e das paragens do "andarilho da Rádio" faz chegar sinais de inquietação quanto ao destino do Programa, que – ao longo de 25 anos – em diversas ocasiões, já foi alongado e reduzido na sua dimensão, já por várias vezes deslizou no horário de transmissão...
IB – Agora "Lugar ao Sul" dispõe de uma diversificada grelha de emissão: além de uma hora semanal na Antena 1, aos Sábados às 9 da manhã – que é repetida no mesmo dia na RDP Internacional às 16:07, este mesmo Programa é novamente apresentado na Um, à meia-noite e 12 de Terça-feira.
AR – Uma segunda hora de emissão é também emitida na Antena 2, às 13:07 de Sábado (ou seja, precisamente à mesma hora em que é estreado o Programa do Provedor do Ouvinte na Antena 1), sendo repetida às 17.00 na RDP Internacional.
JNM – Ainda bem que assim é. Um Programa destes não pode terminar nunca e, pelo contrário, deve ser celebrado por quem o transmite e por quem o ouve. Uma Estação que – no século XXI – disponha de um Profissional que apenas gosta de fazer a Rádio "a pé" é certamente, uma Estação privilegiada, escreveu um Ouvinte. E tem razão: "Lugar Ao Sul" é um dos mais evidentes Sinais de Excelência do Serviço Público de Radiodifusão.
AR – Um homem, vestido simplesmente e hoje com um pequeno gravador digital no bolso – um Homem da Rádio – sai da auto-estrada. Toma vias secundárias, apanha estradões municipais e, às vezes deixando o carro debaixo de uma árvore, aventura-se a pé pela serra abaixo ou ao longo de um ribeiro. Por caminhos sem alcatrão nem sinais, sobre lama e debaixo de chuva, ou ao sol abrasador de Alentejos e Algarves, aos ventos do Nordeste, ou à mansidão das Beiras.
IB – Hoje mais concentrado no Sul, em 25 anos o Mestre da Rádio a pé já andou por esses montes e vales do país inteiro. Já meteu conversa nas ilhas dos Açores e da Madeira e até já foi atrás de bordados à moda de Viana em terras do Magreb.
AR – Sabe sempre quem procura, este Homem do Gravador: procura gente simples, isolada no seu mundo isolado. Um pastor. Uma bordadeira. Um salineiro...
IB – Nunca os viu antes. Nem os conhece. Mas alguém lhe terá dito que eram gente especial. E, sempre alheio a dificuldades e lonjuras, sempre arisco a honrarias ou protagonismos mediáticos, o Homem do Gravador avança persistentemente no seu próprio caminho.
JNM – Mais nenhum Programa é como este, na Rádio em Portugal. É um Programa único, em que há 25 anos ficamos presos ao Homem do Gravador a conversar com pessoas que não conhece.

[Excerto de LUGAR AO SUL - Rafael Correia / Dona Inês, bordadeira de Peroguarda, concelho de Ferreira do Alentejo]

«Um dia te visitou
sem rodeios sem enganos
amou os alentejanos
e foi aqui que ficou
depois de ter percorrido
tanta beleza que existe
foi aqui que se prendeu
amou até que morreu
e quem ama não desiste
escondeu-se na terra fria
deste chão alentejano
sepultado muito a sós
mas permanece entre nós
o seu nome soberano
por isso, no teu cantar
Peroguarda, sim, promete
recordar com saudade
e honrar com dignidade
Michel Giacometti»

(Dona Inês, bordadeira de Peroguarda, onde está sepultado Michel Giacometti)

JNM – Rafael Correia tem a arte de ouvir porque sabe falar com quem fala. Ajusta-se a cada registo. Compreende cada silêncio. Respeita cada diferença. E sobretudo, ajuda-nos a imaginar onde estamos, com quem estamos e como estamos ali,... em cada um daqueles cenários de Rádio, feitos de sons da natureza ou da família,... em qualquer conversa nas quais nos transporta – com a fartura de simples advérbios de tempo, de lugar, de modo e de quantidade (tão significativos como os silêncios), como se todos os que o ouvem à conversa, estivessem também a ver aquele filme de Rádio…

[Excerto de LUGAR AO SUL - Rafael Correia / Salineiro, Castro Marim]

JNM – Se ele quisesse, se ele deixasse, a sua vida dava um filme. Mas hoje não é ainda o momento de contar a sua incrível história. Quero apenas reflectir como Provedor, a intensa admiração que os Ouvintes sentem por este devotado Homem da Rádio e, sobretudo pelos exemplos que resultam dessa sua devoção.
Repito por isso, o que já disse: "Lugar Ao Sul" de Rafael Correia é um Sinal de Excelência do Serviço Público de Radiodifusão. [José Nuno Martins, in "Em Nome do Ouvinte", 25-11-2006]


Aplaudo efusivamente José Nuno Martins pelo destaque alargado que achou por bem dedicar ao programa "Lugar ao Sul" e ao seu autor, o carismático Rafael Correia, passados que já são 25 anos de emissões. Em rádio, um programa durar um quarto de século é uma raridade e neste caso a proeza deve-se inteiramente ao cunho magistral e inimitável de Rafael Correia, e que os seus ouvintes apreciam, admiram – e não dispensam. Na verdade, para muitos ouvintes (eu incluído) tornou-se um ritual litúrgico, aos sábados de manhã, ficar com o ouvido colado ao rádio a sorver as histórias, as músicas, as poesias, os adágios, os romances, os cantos e cantilenas, as lengalengas... com que Rafael Correia constrói retratos sonoros de uma beleza inaudita do Portugal profundo na sua vertente mais genuína mas esquecida e menosprezada pelos media e pelos poderes instituídos. Citando Manuel Pinto, professor do Departamento de Comunicação da Universidade do Minho, «Rafael Correia é daqueles que, de forma discreta e persistente, acham que mais vale acender uma luz do que maldizer a escuridão.»
Lamentavelmente, nem todas as pessoas que têm passado pela direcção de programas da RDP-Antena 1 têm tido a clarividência de reconhecer isso mesmo e de tratar o programa como ele efectivamente merece. Desde a colocação em horários esconsos a amputações no tempo de emissão, vários têm sido os atropelos de que o "Lugar ao Sul" foi alvo durante o seu percurso na Antena 1, isto para já não falar numa real ameaça do cutelo que há uma série de anos pendeu sobre o programa e que só não se concretizou devido à forte contestação dos ouvintes. Por tudo isto, o enaltecimento que, em boa hora, o Provedor do Ouvinte faz do "Lugar ao Sul" e de Rafael Correia (aliás, já distinguido com um Prémio Gazeta de Mérito) vem completamente ao encontro do sentir do seu vasto e fiel auditório, auditório esse que desde meados de 2004 se tem dirigido insistentemente aos responsáveis da RDP (direcção e administração), mas que tem recebido como resposta a indiferença e o autismo. Embora a situação actual não seja a ideal, há que reconhecer que ultimamente o programa tem merecido uma maior consideração. Agora espero que o actual director de programas, Rui Pêgo, e os que se seguirem não voltem a cometer os erros e arbitrariedades usuais e que deixem o "Lugar ao Sul" prosseguir o seu caminho sem obstáculos porque é isso, afinal de contas, o que os seus ouvintes desejam.
À parte os horários e os tempos de emissão, existem outros aspectos aos quais é importante prestar atenção, e de que, aliás, já tive o cuidado de repetida e enfaticamente dar conta às cúpulas da RDP em diversas cartas e exposições. Refiro-me à área geográfica em que Rafael Correia incide as suas recolhas e à importante questão do espólio sonoro e da sua acessibilidade e fruição. Quanto ao primeiro ponto, constata-se que nos últimos anos, Rafael Correia se tem confinado ao Algarve e ao Baixo Alentejo, ao contrário do que era habitual pois o Alto Alentejo, o Ribatejo e a Península de Setúbal eram regularmente visitados pelo andarilho da rádio. E, como muito bem referiu José Nuno Martins, as regiões a norte do Tejo e, inclusive, os arquipélagos atlânticos já foram calcorreados por Rafael Correia, creio que com o maior prazer e agrado da sua parte e não apenas em cumprimento de ordens vindas de cima. Assim sendo, presumo que não foi por sua vontade que deixou de fazer incursões fora do extremo sul de país, mas muito provavelmente por falta de meios financeiros postos à sua disposição (designadamente para combustível e outras despesas inerentes à deslocação). Sei que muitos ouvintes aceitariam de bom grado o alargamento da incidência geográfica das recolhas e, nessa medida, volto a formular este pedido à direcção e à administração da RDP no sentido de podermos voltar a contar com emissões de um Lugar ao Sul (do rio Minho). Acresce ainda que se reveste de relevante importância que o espólio do "Lugar ao Sul" fique com uma melhor representatividade de outras áreas geográficas, além do Algarve e do Baixo Alentejo, porque dentro de poucas décadas todo esse material vai revelar-se precioso para se conhecer boa parte da cultura popular portuguesa que irremediavelmente irá desaparecer. Portugal, ainda tem uma tradição oral muito rica e diversa que importa divulgar para que seja conhecida. Porque só se ama o que se conhece! E o património que assenta na transmissão oral só sobreviverá se as novas gerações lhe prestarem atenção e o valorizarem. A rádio pode dar um importante contributo nesse sentido. Quem melhor que Rafael Correia para o fazer? Além do mais, o "Lugar ao Sul" é, de entre os programas com apontamentos captados no exterior, um dos mais baratos porque feito do início ao fim por uma única pessoa, quer dizer, bem diferente dos programas feitos com uma equipa de produção e com um certo aparato de meios técnicos e logísticos. E como a rádio é por natureza efémera, o orçamento disponível para a produção de programas deve ser preferencialmente direccionado para aqueles que sendo formativos e agradáveis de ouvir no momento em que são emitidos também tenham a peculiaridade de serem documentos com interesse cultural e histórico, para memória futura. Ora o "Lugar ao Sul" insere-se indiscutivelmente nessa categoria de programas e embora seja feito propositadamente para a rádio, e sem as preocupações científicas da recolha etnomusicológica, nem por isso deixa de ter um importante valor cultural e científico.
E isto remete imediatamente para a relevante questão do acervo fonográfico, pelo que se torna imperioso proceder à sua adequada preservação e – não menos importante – torná-lo acessível a todos os interessados, seja para trabalhos académicos nas áreas da etnologia e antropologia, seja para a pura e simples fruição auditiva. Segundo informações que me foram facultadas informalmente por fonte segura obtive a confirmação de um facto verdadeiramente inconcebível e imperdoável: o acervo do "Lugar ao Sul", no arquivo histórico da RDP, está desfalcado de boa parte dos registos dos anos 80, porque alguém teve a insana ideia de utilizar as bobinas dos programas já emitidos para efectuar outras gravações por cima, como se as recolhas de Rafael Correia não tivessem qualquer interesse para a posteridade. Sem prejuízo de se apurar e responsabilizar quem mandou executar tamanho crime de vandalismo cultural, importa agora salvaguardar o que existe e, se possível, colmatar as falhas. Sei que Rafael Correia tem o especial cuidado de guardar as gravações originais das suas recolhas, mas desconheço se ele já fez a cópia dos perecíveis registos em fita magnética para os novos suportes mais duradoiros. Em qualquer dos casos, urge que todo esse material seja digitalizado e colocado numa página da internet, e não como acontece actualmente em que, no arquivo online da RDP, apenas são disponibilizados os programas desde 28 de Abril de 2006. Se a Rádio e Televisão de Portugal não quiser alojar no seu site todo o histórico do "Lugar ao Sul", seria importante que, pelo menos, concedesse a necessária autorização a instituições científicas e académicas especialmente interessadas na matéria como, por exemplo, o IELT - Instituto de Estudos de Literatura Tradicional (Universidade Nova de Lisboa). Adicionalmente, também seria muito importante que se fizesse o lançamento de uma colecção de CDs com as recolhas mais interessantes mormente de música, poesia e romances tradicionais. Tal iniciativa teria toda a vantagem em ser levada a cabo em parceria com um jornal de circulação nacional pois assim as tiragens poderiam ser maiores, logo o preço de venda ao público mais reduzido e, consequentemente, maior o número de adquirentes.
Estou certo de que as propostas que acabo de apresentar são partilhadas por muitas pessoas desde conhecidas a anónimas. Como tal, fico na expectativa de que as mesmas sejam tomadas em consideração e não caiam, uma vez mais, em saco roto.

LUGAR AO SUL: as nossas coisas, a nossa gente... e o melhor da música e da poesia de Portugal!
RDP-Antena 1 – sábados, às 09 horas e segundas-feiras à meia-noite (reposição). Também no arquivo online.
RDP-Antena 2 – sábados, às 13 horas. Também no arquivo online.
RDP-Internacional – sábados, horário variável (reposição das emissões das Antenas 1 e 2).

Notas:
- Faço referência a um texto eloquente sobre o "Lugar ao Sul", da autoria do Prof. Manuel Pinto (Universidade do Minho), que se pode ler na página Carnet de Route d'Un Voyageur Solitaire en Algarve et Alentejo.
- A música e a poesia que marcam presença no "Lugar ao Sul" cultivam-se no Grupo de Amigos do LUGAR AO SUL. Quem desejar aderir ao grupo, e tiver dificuldade em fazê-lo por si mesmo, basta escrever para ajferreira74@gmail.com.

14 novembro 2006

Notas do Provedor: escolhas musicais da Antena 1 (II)

«Chega hoje ao fim o primeiro grande dossier publicamente aberto pelo Provedor do Ouvinte acerca das ESCOLHAS MUSICAIS da principal Estação do Serviço Público de Radiodifusão, em face de generalizadas críticas dos Ouvintes que, a este respeito, nos chegam.
Ao longo dos derradeiros seis Programas dei a conhecer o essencial das reclamações dos Ouvintes, divulguei a completa defesa escrita do Senhor Director de Programas à minha Indagação, pedi os pareceres de Peritos [Nuno Galopim, Pedro Pyrrait, David Ferreira, Alain Vachier] e Músicos [Pedro Osório, Manuel Freire, Vitorino Salomé], ouvi o testemunho de um Pensador e Professor Universitário [Eduardo Prado Coelho] e, por intermédio dos Provedores das Rádios Públicas do Brasil e de Espanha, conhecemos as estratégias seguidas pelos Profissionais dos Serviços Públicos naqueles países.
Hoje o Provedor apresenta as suas próprias reflexões sobre a matéria.
As mensagens que se relacionam com o tema das ESCOLHAS MUSICAIS representam mais de 11% de todas as que o Provedor recebeu nos últimos 102 dias e constituem mais do que um terço das que se referem expressamente à Programação da Antena 1.
A questão das escolhas musicais propostas pela principal Estação de Rádio do Serviço Público nos espaços entre Programas, não é um assunto que possa ser menorizado.
E os Ouvintes queixam-se quanto ao uso do sistema da Play List; quanto a critérios alegadamente redutores e excludentes que a Estação estará a utilizar no estabelecimento dessa Lista de Difusão; quanto à reduzida quantidade de Música de Autores portugueses; e quanto a uma invocada predominância de Música anglo-americana.

O Provedor vai analisar primeiro o uso do dispositivo da Lista.
Até agora a Direcção de Programas da Antena 1 não dispunha de nenhum estudo sobre as percentagens realmente ocupadas pelas diferentes naturezas de conteúdos da sua Programação.
Ou seja, não se conhece de modo seguro, qual é exactamente o grau de relevância atingido pelo conjunto das Canções da 'playlist' da Estação, no contexto global da Programação da Antena 1.
Na verdade, é completamente diferente programar 13 ou 14 Canções para um espaço de uma hora e depois verificar que, dependendo dos tempos ocupados com Noticiário, pequenos Programas e Continuidade (horas, trânsito, meteorologia, jogos de antena, promoções e anúncios de discos, etc.), apenas se emitem 6, 7 ou 8 das Canções previstas.
Era pois importante avaliar qual é realmente, do ponto de vista do Programador, o papel desempenhado pela Lista de Difusão, através da análise do peso percentual das Canções, relativamente aos restantes conteúdos da Antena 1. E, para a completa observação da matéria em causa, esta não é, seguramente, uma questão de somenos.
Também por isso solicitei recentemente ao Senhor Director de Programas que procedesse a um cuidadoso levantamento destes tempos de emissão.
Uma coisa seria estarmos a falar de um tempo residual (com meia dúzia de minutos por hora) no qual Canções dispersas constituem meros elementos de acerto horário entre as nuvens de pequenas unidades de Programação; e outra coisa será olhar para a Música como uma matéria de natureza intrinsecamente cultural, ocupando possivelmente, pelo menos 40% do tempo de transmissão de uma Emissora Pública.
Julgo consensual que, para respeitar e servir o gosto dos Públicos, a escolha das Canções que são apresentadas na Rádio Pública deva reflectir equilibradamente, todas as tendências de gosto, todos os períodos, todas as paisagens, todas as intensidades e perfumes, enfim, se possível todos os modelos musicais de que se compõe o vasto mosaico virtual do imaginário dos Ouvintes, no que respeita à Música.
Pensam os Ouvintes que me escrevem que – além das Canções que entram na Lista – a própria selecção de Autores e Intérpretes não possa ser negligenciada, neste processo, como parecia defender no seu texto o Senhor Director de Programas.
A Música que uma Rádio passa – o exercício dos Autores e Cantores consagrados e dos novos Intérpretes – define o espírito com que ou a Estação se entrega universalmente, ou se preserva, em modelos próprios.
Pode reflectir como um espelho, todo o País que a ouve. Como pode permanecer alheia às volições de quem a escuta.
É sobre isso que alguns Ouvintes da Rádio de Serviço Público questionam o seu Provedor.
Acerca da matéria, pedi opinião a gente também muito qualificada.
A maioria dos Especialistas que ouvimos não recusa a utilização do dispositivo da Play List como ferramenta adequada, reconhecendo nele as virtualidades da racionalização de custos e da coerência que pode introduzir como elemento identitário da Estação e da Audiência.
E sem qualquer dúvida, essa é também a minha opinião: a Lista de Difusão previamente estabelecida é – no Séc. XXI – um modelo apropriado para ajudar a definir a identidade musical de uma Estação de Rádio.
Mas, nas abalizadas opiniões que recolhi, houve quem defendesse também o dispositivo complementar dos Programas de Autor, nos quais, segundo áreas de especialidade bem definidas, cabe ao Realizador assumir as suas próprias escolhas musicais, com modelos de apresentação personalizados, contextualizando informação adequada em torno da Música.
É verdade que Direcção de Programas da Antena 1 também está a usar este procedimento.
Usá-lo-á porventura, de modo demasiadamente mitigado, na forma e nos conteúdos. E talvez numa proporção reduzida, em relação à prevalência imperial da Lista de Difusão, previamente determinada por um órgão central de decisão. Mas, sem conhecer os dados quantitativos que estão a ser levantados nesta altura, não quero desenvolver este raciocínio.
O que, sim, me cumpre acentuar é que, tanto nas reclamações dos Ouvintes, como na apreciação dos Expertos, se detecta algum desconforto relativamente à linearidade, digamos assim, com que a Música é tratada no sistema da Lista Difusão.
Fora dos raros e breves Programas nos quais determinados géneros musicais são "autonomizados" e tratados com alguns cuidados, com o dispositivo da Play List é muito raro encontrar, nas 24 horas de emissão da Antena 1, algum texto de enquadramento acerca das condições de criação e de produção das Canções, que ajude desvendar aos Ouvintes as novas tendências ou os velhos standards.
A uma canção de um estilo, sucede outra de género diferente, a que se justapõe outra, de outra época e uma outra ainda que nada tem a ver com a anterior.
E uma Lista, é, afinal, não mais do que uma enfiada pouco coerente de Canções não contextualizadas e muitas vezes contraditórias, até. Onde, por exemplo, espantosamente se juntam For Me Formidable de Aznavour, com Para Sempre dos Xutos, e Father & Son dos Boyzone...
Prevalece o sentido do mix, do mosaico... Perde-se a unidade e esvai-se, afinal, a identidade pretendida.
Estes são alguns dos riscos do uso de uma Lista de Difusão, aos quais é sensato contrapor a economia de escala, a economia de processos e a economia do custo por minuto de emissão que o dispositivo assegura.
Não admira assim que possa ser interpretada como redutora a utilização que a Estação Pública está a fazer da Música que apresenta, com o método dominante da Play List.
Manifestação de Cultura viva, os Especialistas consideram que a Música deve ser entendida numa Rádio nacional como um corpo maleável e expressivo que religa, mais do que justapõe, as significativas manifestações do presente aos perduráveis actos da memória.
Um agregado construído sem complexos, correspondendo menos, aos sinais das modas e, menos ainda, à imagem dos Músicos da moda.
Depois de ouvir esses testemunhos concluo ainda que a Música mais adequada para uma Rádio nacional, será prioritariamente toda a Música desse país e não apenas primordialmente, a sua Música mais recente ou, sequer apenas, a sua Música mais tradicional.
A Música que uma Rádio Pública transmite constitui uma matéria heterogénea.
Mas a sua essência plástica será de tal maneira forte e significativa que, se for entendida no seu conjunto, só pode assumir a carga simbólica de "reflectir, como um espelho, o País que a ouve".
A verdade é que é possível (como em Espanha) realizar uma emissão de Rádio Publica e generalista, dispensando-se o uso da Play List e não determinando sequer, quotas de Música nacional ou estrangeira. Lá, os Ouvintes não se queixam.
Da mesma forma que, como no Brasil, se recorre ao dispositivo de uma Lista Musical pré-estabelecida por 5 Especialistas, com a esmagadora e descomplexada utilização de Música nacional. E também lá, os Ouvintes não
reclamam, nem consideram a exclusividade brasileira, como um posicionamento chauvinista da Rádio.
E para intervir quanto à questão (levantada pelo Ouvinte Álvaro José Ferreira) de nomes alegadamente banidos, sinceramente, creio não haver qualquer pré-disposição da Estação nesse sentido. E muito menos, desde que aqui comecei a tratar desta matéria, "Em Nome do Ouvinte"...
O que haverá talvez, é uma certa ligeireza, no modo de escolher adequadamente o material esteticamente relevante. Critérios de arquitectura da Lista, ficou para mim claro que existem. Mas preencher as diversas áreas consagradas na Grelha arquitectural da Lista de Difusão, é um verdadeiro exercício de minúcia que exige muita sensatez, capacidade intelectual, vasta preparação cultural, específica e genérica, além de um sentido estético muitíssimo apurado.
Não será – seguramente – uma tarefa de um homem só, nem mesmo é – certamente – um desafio simples para quatro excelentes Profissionais a meio tempo.

A terceira e mais generalizada questão trazida pelos Ouvintes refere-se à alegada rarefacção de Música Portuguesa nas emissões da Antena 1.
Quanto a este assunto duas teses.
Podemos considerar que a Antena 1 deva apresentar Músicas de todas as origens, ou (ligando-se com a quarta questão levantada por muitos Ouvintes, que reclamam do excesso de Música anglófona), no limite, consideramos que a Antena 1 apenas deva apresentar Música Portuguesa.
No primeiro contexto, que é a prática actual, com 60% da Música que a Estação transmite, constituídos por "novidades, sucessos quentes e recentes ou memórias" de Música "produzida por Músicos portugueses ou residentes em Portugal", julgo que não haverá razão de queixa.
O limite mínimo de 25% estabelecido na Lei está largamente ultrapassado e nenhuma outra Estação de dimensão nacional – com dispositivos muito idênticos – dedica tanto tempo aos Autores e Intérpretes portugueses.
Mas vejamos o que se pode aduzir quanto à 2ª tese:
Ponto 1: A Antena 1 é apenas a primeira de diversas Estações nacionais do Serviço Público de Rádio, com a missão de se dirigir às mais vastas camadas da população portuguesa, nos seus diversos estratos culturais;
Ponto 2: As outras Estações de dimensão nacional, de natureza privada e comercial, acentuam cada vez mais o carácter de "mix de géneros" praticado na Play List da Antena 1. Sobrepõem-se as estéticas propostas, confundem-se as estratégias, repartem-se os Públicos indecisos e dificilmente se distingue o auditório da Rádio Pública;
Ponto 3: para além da Antena 2, a RDP dispõe ainda de uma terceira Estação – a Antena 3 – com Programação destinada aos Públicos mais jovens e com grau de literacia mais apetente para o consumo intensivo das Músicas modernas, dominadas pelos padrões de expressão em língua inglesa;
Ponto 4: no plano musical, a Antena 1 tem historicamente promovido a divulgação de paisagens musicais de diversas origens, também através de Produções específicas, nas quais podem ser devidamente contextualizadas as expressões musicais estrangeiras, com recurso aos chamados Programas de Autor destinados a Públicos dedicados.
A não ser por razões de natureza económica, nada obstaria a que se pudesse acentuar na Estação Pública esta complementaridade em Programas fechados. No plano da Continuidade de emissão, razões de coerência estética recomendá-lo-iam; e razões de unidade conceptual justificá-lo-iam, ao nível das grandes unidades de Programação.
Ponto 5: Deste modo, poderia expandir-se a disponibilidade de entradas na Lista de Difusão, senão para a Programação exclusiva de Música Portuguesa, pelo menos para a Programação exclusiva de Música em Língua Portuguesa.
O caso brasileiro que foi aqui apresentado é absolutamente paradigmático: ao gostarem de ouvir a sua formidável Música popular em exclusivo, os Ouvintes da Rádio Nacional de Brasília não se consideram extremistas ou chauvinistas – celebram apenas a vitalidade criativa dos seus Autores e dos seus Músicos, beneficiando dela na sua Rádio Pública.

Em conclusão:
Considero que, caso decidisse assumir a exclusividade da Música Portuguesa no quadro da sua Play List – criando complementarmente, alguns sólidos formatos de Autor dedicados a outras Músicas – a Antena 1 asseguraria, no campo musical, um modelo original, eficaz e identitário, mais consensual junto dos seus Públicos e completamente diferenciado no contexto das Estações nacionais de Rádio, como Rádio portuguesa e sobretudo, como Rádio de Serviço Público.» (José Nuno Martins, in "
Em Nome do Ouvinte", 11-11-2006)


Concordo genericamente com as ideias expressas pelo Provedor do Ouvinte, José Nuno Martins, mas gostaria de comentar dois ou três pontos abordados. Antes de mais, a coerência de oferta musical, que é um dos argumentos (para além da economia de custos) para o uso de 'playlists', é coisa que não existe na Antena 1. Veja-se a sequência: Jorge Palma – Robin Williams – Chico Buarque – Santos e Pecadores – Rodrigo Leão – Ricky Martin – Rio Grande – Céline Dion – Sérgio Godinho – George Michael – Dulce Pontes – Xutos e Pontapés – Adriana Calcanhotto – Lenny Kravitz. Sem pôr em causa a qualidade de alguns destes nomes, onde está a coerência estética e a unidade conceptual num alinhamento desta natureza? Pois é! É que na 'playlist' da Antena 1 este tipo de sequências é a regra e não a excepção. Nessa medida, concordo totalmente com a ideia exposta pelo Provedor do Ouvinte para uma 'playlist' exclusivamente portuguesa (ou em língua portuguesa) pois atenuaria de forma significativa as aberrantes disparidades estéticas no encadeamento de canções e daria uma maior harmonia aos alinhamentos. Não obstante, há três requisitos que se deve ter em conta na adopção desse modelo para não suceder que o André Sardet e o Paulo Gonzo, por exemplo, em vez de aparecerem duas vezes por dia passem a aparecer quatro vezes ou mais. Primeiro ponto: integração na 'playlist' de todos os intérpretes portugueses de qualidade reconhecida (e de todos os géneros, com ênfase nas obras esteticamente mais relevantes), havendo a preocupação de os ordenar por afinidades estilísticas, e sem esquecer a renovação periódica dos respectivos temas. Segundo ponto: tratamento mais equilibrado dos diferentes artistas, evitando o favorecimento de uns e a marginalização de outros. Terceiro ponto: abolição da 'playlist' aos fins-de-semana (com excepção da madrugada) e também no intervalo 19-24 horas (de segunda a sexta-feira), períodos que devem ser preenchidos com programas de autor e com espaços musicais temáticos reservados aos géneros não contemplados (ou deficientemente representados) na 'playlist', tais como as músicas latinas (não lusófonas) e mesmo a música de outras espaços culturais e linguísticos, nem que nesse caso se tivesse de privilegiar a música instrumental.
Embora José Nuno Martins não queira admitir, eu continuo a pensar que há exclusão/marginalização deliberada e ostensiva de alguns nomes de referência da música portuguesa (não acredito que um Adriano Correia de Oliveira, uma Amélia Muge, um Manuel Freire, um Pedro Barroso, um Janita Salomé, um Luiz Goes ou um Rão Kyao estejam fora da 'playlist' por esquecimento fortuito e involuntário). Aliás, tanto o director de programas, Rui Pêgo, como o editor da 'playlist', Rui Santos, têm conhecimento da lista de banidos/excluídos há mais de um ano (fui eu que tive o cuidado de a enviar a cada um deles) e, como nada fizeram, é legítimo que se infira da existência de um propósito pré-definido nesse sentido. Acresce ainda que foi o próprio Rui Pêgo que assumiu a exclusão do fado e da música tradicional da 'playlist', coisa para mim completamente absurda e bizarra na rádio estatal portuguesa por se tratar precisamente dos géneros musicais mais idiossincraticamente nacionais. Será que a rádio pública espanhola não passa flamenco e coplas? A rádio cabo-verdiana não passa morna e funaná? A rádio angolana não passa quizomba? A rádio brasileira não passa samba e choro? A rádio argentina não passa tango e música gaúcha? A rádio cubana não passa rumba e mambo? E a National Public Radio, dos Estados Unidos da América, também não passa música country e blues? Em suma: se não for a rádio pública portuguesa a passar a música de que melhor define a nossa identidade quem é que o vai fazer? Jamais poderei aceitar que uma cantora como Amália Rodrigues não tenha lugar na emissão de continuidade da Antena 1 e, ao invés, se prefira passar alguns dos seus temas cantados por outros (Dulce Pontes, Adriana Calcanhotto, etc.) em versões que nem se comparam às originais. Além disso, Amália Rodrigues não tem apenas fado no seu vastíssimo repertório, pelo que é ainda mais inconcebível a sua exclusão da 'playlist'. Em contraponto ao "esquecimento" de Amália (e de outras figuras de referência), regista-se um favorecimento descarado de uma plêiade de nomes mais mainstream, não só quanto a padrões de repetição como também no número de canções presentes na 'playlist'. Exemplos: André Sardet, Paulo Gonzo, GNR, Mesa, Clã, Pedro Abrunhosa, Delfins, Pólo Norte, Xutos e Pontapés, Heróis do Mar, António Variações, Humanos, Luís Represas, Paulo de Carvalho, Sérgio Godinho, Rui Veloso, Jorge Palma. Deste modo, e com o prejuízo de tantos outros artistas (e dos ouvintes que gostariam de os ouvir), se cumpre na Antena 1 a taxa de difusão de música portuguesa (alegadamente 60%) mesmo que, em boa verdade, tal não signifique uma cabal e razoável representação do universo de música de qualidade produzida em Portugal. Dado que, segundo Rui Pêgo, o que conta são as canções e não os intérpretes, torna-se fácil elaborar uma 'playlist' tendo como base o repertório de duas dezenas de favoritos, e sem que se vislumbre um critério claro e plausível para tais preferências. Então, se um cantor/grupo mediano passar duas ou três vezes por dia e outro de qualidade superior não passar nenhuma, isso não é motivo de preocupação para a direcção da Antena 1? Pode não ser para Rui Pêgo (que talvez nem ouça habitualmente a Antena 1) mas é sobejamente para mim e creio que também para muitos outros ouvintes. E cumpre-me dizer que, além de preocupante, será sempre inaceitável – insisto – que na rádio estatal portuguesa, a nossa música mais autêntica (passada e actual) não tenha uma presença digna na grelha e seja enfiada em guetos de cinco minutos de duração diária. Sem prejuízo da necessária reformulação da 'playlist', não me calarei enquanto não existir, pelo menos, um programa de autor reservado ao fado e à música popular portuguesa (tradicional e de autor), tal como acontece para o pop/rock dos anos 60, 70 e 80 (em "Ondas Luisianas").

24 outubro 2006

Notas do Provedor: escolhas musicais da Antena 1

«Na semana passada, o Director de Programas explicitou a definição global estabelecida para a política musical da Antena 1 e caracterizou os módulos da Arquitectura que sustenta a Lista de Difusão.
Apresentou também alguns Gráficos, no primeiro dos quais se observa que 60% da Música que a Estação transmite é constituída por "novidades, sucessos quentes e recentes ou memórias" de Música "produzida por Músicos portugueses ou residentes em Portugal".
Também se demonstra que 12 pontos percentuais são preenchidos com Música Anglófona (no texto, designada como Anglo-saxónica).
E que entre Novidades e Apostas, a Antena 1 dispensa 18% da sua Lista de Difusão à Música mais recente.
O Director Rui Pêgo apresentou ainda na sua resposta, apenas escrita, outros Gráficos em que se desenham 3 tipologias de preenchimento musical de uma hora – aplicáveis segundo as diferentes horas do dia.
Caracterizou o trabalho do Editor Musical – o 1º responsável pelas Escolhas Musicais – assim como apresentou o currículo desse profissional e os dos restantes 3 elementos da Direcção de Antena que trabalham nesta área.
O Director de Programas informa que o Público-alvo ao qual se pretende dirigir a selecção musical que constitui a Lista "é o mesmo a que se dirige a Estação", ou seja, Publico na faixa etária dos 35 aos 54 anos. Mas não deixa de anotar que "o actual perfil etário (da Antena 1) é um pouco mais alto", sem explicitar directamente qual seja.
Mas da análise do Gráfico evolutivo que apresenta pode inferir-se que – ao contrário do que parece ser a tendência mais jovial da Música proposta pela Estação – se tem acentuado no último ano e meio a propensão para o "envelhecimento" da Audiência.
Esta constatação, apenas impressivamente analisada pode, só por si, fazer entender melhor todo o volume e toda a densidade das queixas que continuo a receber dos Ouvintes, acerca das escolhas musicais propostas na Play List da Antena 1, que parecerão estar, assim, desajustadas do gosto dominante daqueles que se deixam cativar (crescentemente, afinal) pela restante Programação generalista da Estação.
Mas não quero para já, extrair conclusões precipitadas.
Continuemos a citar Rui Pêgo.
O Director informa que "a Lista de Difusão acomoda todos os géneros musicais portugueses com excepção para o fado… e para a Música Tradicional… que têm difusão autonomizada em conteúdos específicos que, na sua opinião, lhes conferem muito maior notoriedade e exposição em antena.
59% da Música Portuguesa que passa na Antena 1, tem 10 anos ou menos, de acordo com outro Gráfico recebido, cruzado com a definição geral do arco temporal pré-estabelecido para o conjunto da Lista que referimos no Programa anterior.
Ora, esta parece ser outra medida não consensual para os Ouvintes reclamantes. Sobretudo quando este dado é cruzado com um outro Gráfico anterior, explicitado em exemplificações apresentadas por Rui Pêgo.
Diz o Director das Antenas 1, 2 e 3, que o universo definido para a Música Portuguesa que é normalmente incluída na Lista de Difusão da Antena 1 contempla três géneros distintos:
Talvez que um dos problemas consista, precisamente, no estabelecimento da distinção entre estes géneros e no grau de incidência percentual que cada um atinge na Lista… Vejamos os exemplos que me chegam e as percentagens definidas:

Música Portuguesa Popular – 77%
Produzida por Músicos com origem no movimento dos Baladeiros, no Pop e no Rock dos anos 80 e todos os seus herdeiros – por exemplo: Rui Veloso, Sérgio Godinho, Jorge Palma, Fausto, Clã.

Música Portuguesa Moderna – 14%
Produzida por Músicos das gerações mais novas – por exemplo: Toranja, Mesa, Mercado Negro, David Fonseca.

Música Portuguesa Ligeira – 9%
Produzida por Músicos da escola das Orquestras e dos Festivais e pelos "miúdos das Avenidas Novas".
Cançonetistas e Cantores. Por exemplo: Paulo de Carvalho, Fernando Tordo, Dina e Lara Li.
(...)

O Provedor colocava outra questão essencial a Rui Pêgo:
"Acentuar os critérios de pluralidade de géneros e as exigências de nível estético que primordialmente devem caracterizar a função de Serviço Público, conduz inevitavelmente ao prejuízo do posicionamento da Antena 1 no mercado da Comunicação?"
Rui Pêgo afirma que não. "Pelo contrário." E reiterando a política musical que está em prática na Play List, refere os Programas de abordagem directa a determinados géneros, como "Alma Lusa" – fado; "Cantos da Casa" – tradicional; "Cinco minutos de jazz"; "Banda sonora" – filmes; Júlio Isidro – latinos; Luís Filipe Barros – pop-rock nos quais a Música, tomada como um conteúdo, é um exemplo indiscutível de um "valor único" e de clara afirmação de personalidade.
E o Director ainda informa:
"Tomando como referência as estações generalistas… verificamos que a Antena 1 transmite quase o dobro da música portuguesa difundida pela Rádio Renascença e quatro vezes mais do que a TSF. Em contrapartida, o primeiro canal da Rádio Pública difunde um quinto da produção em língua inglesa executado pela Renascença e quase a sétima parte da que é transmitida pela TSF.
Em resposta a outras questões técnicas do Provedor, o Senhor Director de Programas da Antena 1 – dizendo que é 878 o número total das Canções que integram a Lista – informa ser permanente o seu refrescamento e apresenta um Quadro completo dos patamares de repetição aplicados.
Os valores apresentados nesse Quadro surpreendem-me.
Por exemplo, nenhuma Canção é actualmente repetida na Play List da Antena 1 menos de 15 horas depois de ser passada pela última vez... E mesmo assim, tem de se tratar, de uma daquelas Canções em que a Estação aposta para vir a tornar-se num sucesso público a breve trecho.
Ainda por exemplo, e repito, segundo os dados fornecidos pelo Director da Antena 1, nenhuma Canção portuguesa – que não seja uma das Novidades Correntes – já explicitadas no Programa anterior – é actualmente reemitida antes de terem passado 3 dias e 14 horas sobre a sua anterior difusão...
E, como exemplo final, nenhuma Canção Anglo-Americana é repetida antes de terem passado, 12 dias, 4 horas e 48 minutos sobre a passagem anterior. Vantagens dos sistemas informáticos que permitem definir estas coisas com tanto preciosismo.
Este é sem dúvida, o lado bom das coisas.
Onde as dúvidas voltam a acentuar-se – de acordo com as mensagens fortemente críticas dos Ouvintes – é quando leio na resposta escrita de Rui Pêgo, que a Canção portuguesa mais vezes difundida na Play List da Antena 1, nos meses de Junho, Julho e Agosto deste ano, tenha sido – com o devido respeito pelo seu Autor – a canção "Quando eu Te Falei Em Amor" cantada pelo jovem André Sardet.
Um Ouvinte médio pode efectivamente questionar – e vários Ouvintes reclamaram a este respeito – por que razão uma Canção desta natureza tenha constituído uma Aposta,… um Sucesso Quente,… em suma, a Canção mais repetidamente apresentada na principal Estação do Serviço Público de Rádio.
Será esta Canção, sequer, a melhor Canção jamais escrita por André Sardet – um jovem Autor português ?
Repito (com todo o devido respeito pela Obra do Autor e pelo indesmentível Talento do Intérprete) acerca deste exemplo que me foi expressamente indicado, como tendo sido a Canção mais repetidamente apresentada na Antena 1 ao longo de 3 meses:
- O próprio Autor, André Sardet, considerá-la-á como a sua melhor Canção de todos os tempos, para ter tocado, em vez de tantas outras, pelo menos uma vez por dia, durante não sei quantos dias (ou semanas), no espaço de 3 meses na Antena 1 ?
- 2ª Questão: Será esta Canção escutada com o mesmo enlevo pelos Ouvintes que acompanham a Obra de André Sardet, ou pelos decisores da Play List da Estação, dentro de 1 ano?
- 3ª Questão: Tem esta Canção – por contraponto com dezenas ou centenas de outras grandes Canções portuguesas contemporâneas – argumentos artísticos, expressividade musical, textura poética, técnica de interpretação, ambiente orquestral, universalidade temática, enfim,… modelo expressivo tão indiscutível que tenham podido fazer dela a Canção do Verão eleita pela Rádio Pública ?
- Os Ouvintes questionam-se sobre se esta Canção, bonita e leve, resistirá ao rei do mundo, que é o Tempo…

Ou seja: dentro de 11 anos, em 2017, será que esta Canção escolhida poderá integrar o lote das Grandes Canções que fazem parte da Memória da Antena 1?» (José Nuno Martins, in "Em Nome do Ouvinte", 21-10-2006)


Não podia estar mais de acordo com as palavras do Provedor do Ouvinte, José Nuno Martins. A escolha da citada canção de André Sardet para promoção massiva na Antena 1 é apenas um dos muitos exemplos que atestam a incompetência de Rui Santos para exercer as funções de editor de playlist da rádio pública. Talvez fosse pertinente investigar o porquê do empurrão que a Antena 1 tem vindo a dar ao André Sardet. Em contrapartida, a cantora Ana Laíns, por exemplo, que lançou este ano um dos grandes álbuns de música popular portuguesa dos últimos tempos esteve bem longe de receber o mesmo tratamento pois foi logo banida da playlist ao cabo das duas ou três semanas em que passou como Disco Antena 1. E com o devido respeito pelos fãs do André Sardet penso a suas cançonetas não tem, nem de perto nem de longe, o estofo e a perenidade dos temas de Ana Laíns. E Ana Laíns é apenas um dos vários exemplos de qualidade indiscutível do nosso meio musical a que a Antena 1 não promove como é sua obrigação, sobretudo da área da música tradicional (ou de inspiração tradicional) e do fado. Neste âmbito, a ausência destas áreas na playlist do principal canal generalista da rádio do Estado é totalmente inaceitável jamais se podendo tomar como válido e credível o argumento de Rui Pêgo segundo o qual o fado e a música tradicional têm mais notoriedade e exposição em "Alma Lusa" e "Cantos da Casa", rubricas de cinco minutos de duração que passam uma ou duas vezes num período de 24 horas (incluindo a madrugada). O Sr. Rui Pêgo não quer assumir a marginalização a que o fado e a música tradicional vêm sendo votados na Antena 1 mas isso é um facto indesmentível. Faça-se uma monitorização independente de todos os conteúdos musicais da Antena 1 ('playlist', rubricas e programas) e facilmente se perceberá a presença residual do fado e da música tradicional no cômputo geral da música portuguesa. E mesmo a música popular portuguesa de autor está bem longe de ter uma presença razoável e equilibrada. Averigúe-se e facilmente se constatará que na percentagem (77 %) apontada para a categoria a que Rui Pêgo chama "música portuguesa popular" é quase totalmente preenchida pelo pop-rock e afins. Veja-se a situação de Vitorino, José Mário Branco e José Afonso em que mal se dá por eles e ainda Amélia Muge, Pedro Barroso, Manuel Freire, Janita Salomé, Adriano Correia de Oliveira, Luiz Goes, Paco Bandeira, Rão Kyao, Frei Fado d'El-Rei, entre outros nomes de referência, que nunca aparecem na 'playlist'. Esta é a verdade e não vale a pena manipular e distorcer os números para tentar disfarçar o que é por de mais evidente. E jamais se poderá aceitar o argumento de que a marginalização/exclusão daqueles e de tantos outros artistas se deve ao propósito de corresponder aos gostos da faixa etária 35-54 anos a que pretensamente se dirige a Antena 1. Em primeiro lugar, não acredito que os ouvintes da Antena 1 dessa faixa etária não gostassem de ouvir aqueles nomes, isto para já não falar em artistas/grupos da nova geração também eles boicotados. Parecem-me muito simplistas e perfeitamente erróneas as teorias que correlacionam a idade dos ouvintes com a época em que a música foi lançada. Basta atentar no público de diferentes gerações que se vê nos concertos de alguns artistas nacionais e estrangeiros já avançados na idade. Por outro lado, não me parece nada correcto que a Antena 1 esteja apenas direccionada para a faixa etária anunciada, deixando de fora todas as outras. Assim, e partindo do pressuposto que a Antena 3 cobre a faixa abaixo dos 35 (se bem que de forma bastante questionável), a população acima dos 55 anos que não se encaixa no público da Antena 2 fica sem um canal público de rádio para ouvir. Pessoalmente, embora não me enquadre nesses escalões, não posso deixar de levantar a questão.
E de nada adianta vir o Sr. Rui Pêgo dizer que a Antena 1 passa mais música portuguesa que a Rádio Renascença (uma rádio comercial, convém lembrar), porque o que está em causa não são apenas percentagens: a questão é mais funda e complexa e tem a ver também – e sobretudo – com conteúdos e respectiva diversidade e qualidade. E neste ponto, tem de se reconhecer que a música portuguesa que passa na Rádio Renascença é não só de qualidade genericamente superior à da Antena 1 como contempla também muitos dos nomes boicotados na 'playlist' da rádio pública. Isto é que devia preocupar o Sr. Rui Pêgo em vez de andar a encobrir as arbitrariedades e as atitudes censórias de Rui Santos, um indivíduo que põe e dispõe a seu bel-prazer e que, inclusive, se dá ao luxo de fazer orelhas moucas a algumas das orientações do próprio Rui Pêgo (vá-se lá saber porquê?!).
Por último, não acredito na percentagem (12 %) apontada por Rui Pêgo para a música anglo-saxónica. Basta ouvir a Antena 1 no período da tarde (durante a semana e o fim-de-semana) para perceber que esse número está bastante abaixo do real. E para tal contribui não só a playlist como também o programa "Ondas Luisianas" que por si só contabiliza quatro horas de emissão semanais (duas depois da meia-noite de sexta-feira a que se somam as duas horas de reposição ao sábado). Eu pergunto ao Sr. Rui Pêgo: onde estão espaços do mesmo género dedicados à música popular portuguesa (tradicional e de autor) e ao fado? Não está em causa o programa de Luís Filipe Barros mas não deixa de ser escandaloso que na rádio estatal portuguesa, o pop/rock tenha maior destaque que os géneros que melhor exprimem a nossa identidade musical.

20 outubro 2006

As Escolhas do Provedor: "Em Sintonia com António Cartaxo"



José Nuno Martins, o Provedor do Ouvinte da Rádio Pública, passou a apontar no seu programa semanal "Em Nome do Ouvinte" os programas e trabalhos jornalísticos que considera serem exemplos de excelência no serviço público de rádio. Se cabe ao provedor fazer-se eco das reclamações dos ouvintes, também lhe cumpre desempenhar um papel pedagógico não só junto dos ouvintes mas também das direcções de programas e de informação dos diversos canais da RDP. E quando o provedor elogia um programa ou um determinado profissional da rádio pública está a dar um sinal do caminho que deve ser trilhado. Nessa medida, faço questão de louvar a iniciativa agora encetada por José Nuno Martins. E sendo o blogue "A Nossa Rádio" um espaço de intervenção crítica sobre os múltiplos aspectos do serviço público de rádio, o magistério do provedor do ouvinte não deixará de ser também objecto de apreciação crítica, quer para discordar quer para subscrever as suas opiniões e veredictos, que espero seja a maioria das vezes. E sempre que as palavras do Provedor do Ouvinte mereçam o meu aplauso é com um gosto redobrado que lhes darei aqui destaque. Começo com a opinião emitida sobre António Cartaxo e os programas de que é autor na RDP.
Com a devida vénia a José Nuno Martins, aqui transcrevo e sublinho as suas palavras:

«António Cartaxo é um dos maiores Autores da História da Rádio em Portugal
Após muitos anos da sua vida passados em Londres, no Serviço Português da BBC, António regressa a Portugal depois do 25 de Abril para felizmente se fixar com a sua Arte de musicólogo-contador-de-histórias na Antena 2.
É um imenso prazer para os sentidos fruir do clima interior e interiorizado dos seus Textos e da sua Voz, acompanhando o Ouvinte em mágicos percursos pelos tempos e pelos espaços da vida dos Músicos de todos os tempos.
António Cartaxo procede sempre com uma mestria comunicacional única e exclusiva.
É um grande trunfo do Serviço Público de Radiodifusão.
E parafraseando-o a ele mesmo, aos Domingos de manhã, às 11, na Antena 2, EM SINTONIA COM ANTÓNIO CARTAXO, sendo um romance sem fim… é um autêntico SINAL DE EXCELÊNCIA da Rádio Pública.» (José Nuno Martins, in "
Em Nome do Ouvinte", 14-10-2006)

Programas de António Cartaxo na RDP:
- "Em Sintonia com António Cartaxo": Antena 2, domingos, 11 horas ou no
arquivo online.
- "De Olhos Bem Abertos": Antena 2, de segunda a sexta-feira, 10:05 ou no
arquivo online.
- "Grandes Músicas": Antena 1, segunda a sexta-feira, 4:55, 9:25, 23:55 ou no
arquivo online.

Nota: Recomenda-se também a leitura do texto que Francisco Mateus escreveu no blogue "
Rádio Crítica".

13 outubro 2006

Antena 2: uma rádio à deriva

Exmo. Sr. Provedor do Ouvinte da Rádio Pública,

A grelha da Antena 2 agora em vigor tem vários pontos que não me satisfazem e, por isso, resolvi vir dizer de minha justiça ao Sr. Provedor. O exercício da crítica pressupõe dizer não só o que está mal mas também o que está bem e, nessa conformidade, começo por me congratular com o regresso às tardes de sábado do programa de Luís Caetano "A Força das Coisas", um espaço de que já sentia saudades. E também não escondo o meu agrado ao ver que o programa "Lugar ao Sul" foi alargado de meia para uma hora de duração, o que compensa de algum modo o tempo de emissão de que foi arbitrariamente amputado nas manhãs de sábado da Antena 1. Também registo uma notória melhoria no programa da manhã (agora intitulado "O Império dos Sentidos") sobretudo pelas escolhas musicais de Gabriela Canavilhas e igualmente por um maior profissionalismo na condução da emissão imprimido por Paulo Alves Guerra. Não obstante, penso que a locução precisa de ser aprimorada já que Paulo Alves Guerra, por exemplo, apesar de largos anos de trabalho na rádio peca por frequentes atropelos no tocante à dicção: oscilações na projecção de voz, acelerações bruscas, obliterações de sílabas, etc. (sobre o problema da locução em geral falarei mais adiante). Estas são as escassas medidas positivas que registo nesta grelha a qual apresenta múltiplos aspectos negativos, uns introduzidos em Janeiro e outros mais recentemente, e que passo a expor.
Em primeiro lugar, quero contestar de modo veemente o horário muito tardio – depois da meia-noite – a que alguns bons programas de autor são transmitidos, o que torna impraticável a sua audição por muitos interessados. Convenhamos que não é nada razoável que se obrigue quem tem de se levantar cedo no dia seguinte, para trabalhar ou estudar, a ficar de vigília até à 1 h da madrugada. É verdade que esses programas passam também às 14 horas, mas nem todos os ouvintes têm actividades que lhes permitam estar a ouvir rádio enquanto as exercem. E mesmo que determinadas actividades profissionais possam ser desempenhadas com um aparelho de rádio ao pé, temos de admitir que a atenção auditiva nessas circunstâncias nunca será a desejável para programas que solicitam um maior envolvimento do ouvinte do que a mera música de fundo. Assim sendo, eu proponho que os programas de autor que passam depois da meia-noite sejam colocados no espaço horário compreendido entre as 19 e as 24 horas. Pessoalmente, teria preferência pelo intervalo 20-21 horas, porque gosto de ouvir um bom programa de rádio à hora de jantar. Actualmente, este espaço horário é ocupado pelo programa "Jazz com Brancas", de José Duarte. Apesar de entender que o jazz tem cabimento numa rádio clássica, já me parece questionável o tratamento de privilégio que o género tem tido desde Janeiro do ano corrente. E duvido sinceramente que as audiências da Antena 2 registem um aumento digno de nota graças ao jazz. Talvez suceda precisamente o contrário já que o jazz é um género bem mais minoritário do que a música clássica/erudita e com muitos detractores entre o público tradicional da Antena 2, o que torna legítima a suposição de que os ouvintes que se ganham com o jazz talvez não cheguem para contrabalançar os que se perdem. Por outro lado, não me parece nada razoável que os programas de autor sejam preteridos a favor do jazz (ou de outra música) e por duas razões muito simples: primeira, os programas de autor representam um custo financeiro nada desprezível para o orçamento da RDP e, como tal, quando os mesmos são colocados em horários não acessíveis à generalidade dos ouvintes é o dinheiro desses ouvintes (e dos demais contribuintes) que está a ser desperdiçado; segunda, a Antena 2 deve ser algo mais do que uma emissora musical que passa música erudita, jazz e música étnica. Ao contrário do que acontece em alguns países europeus, na rádio pública portuguesa não existe um canal especificamente dedicado à cultura e, como tal, cabe à Antena 2 desempenhar esse papel. Ora na presente situação, é por de mais evidente que a Antena 2 não corresponde ao mínimo que seria desejável nesse capítulo. E não é só pela inadequação dos horários dos programas de autor de indiscutível interesse como "Questões de Moral", "O Ouvido de Maxwell" ou "A Propósito da Música". É também por não haver programas culturais de temática não musical: literatura, história, ciência, teatro, etc.. A exemplo do que fez na Antena 1, Rui Pêgo achou por bem também salpicar a grelha da Antena 2 com pequenas rubricas avulsas sobre música e outras áreas culturais. Devo dizer que acho a medida positiva, mas também digo que isso é claramente insuficiente e de pouca utilidade a quem não segue de forma continuada a emissão da Antena 2. Além do mais, essas rubricas funcionam, na sua maioria, como sugestões ou propostas de agenda da actividade cultural exterior à rádio, quando o que se pediria é que fosse a própria rádio a ter, ela mesma, cultura no seu seio – a rádio enquanto agente cultural. Neste âmbito, faço questão de apontar a honrosa excepção da rubrica de poesia e música "Os Sons Férteis", de Paulo Rato, para mim um exemplo paradigmático do serviço cultural que a rádio pública pode e deve prestar. Ainda a propósito de apontamentos e rubricas, sinto a falta no programa da manhã da crónica diária que chegou a contar com a colaboração de figuras como Isabel da Nóbrega, Helena Vaz da Silva, Maximiano Gonçalves, Teresa Rita Lopes e Vasco Graça Moura. Embora nem sempre estivesse de acordo com o que era dito nessas crónicas, elas tinham a vantagem de nos interpelar e de nos pôr a pensar sobre os mais diversos assuntos, alguns deles em que nunca atentaríamos de outra maneira. Voltando aos espaços culturais propriamente ditos, lamento profundamente que tenham desaparecido os programas evocativos e os ciclos temáticos sobre figuras e factos da História da Humanidade. Recentemente, foi para o ar um programa dedicado a Rembrandt, aliás muito bem feito, mas tratou-se de um acto isolado e sem continuidade. Todas as semanas, há uma efeméride (nascimento ou morte de uma personalidade, evento histórico, etc.) digna se ser tratada, pelo que não é por falta de assunto que tais programas não existem. Aliás, o arquivo histórico da RDP está repleto de material desse tipo e que não perdeu actualidade, o que torna ainda mais incompreensível ele não ser aproveitado, caso não se queira produzir novos programas. Neste capítulo, não posso deixar de fazer uma referência muito especial ao teatro radiofónico de que o arquivo histórico guarda autênticas preciosidades e que é um autêntico crime não serem dadas a conhecer ao público de hoje, passados que foram tantos anos sobre a sua produção e emissão. Aproveito para dizer que não gostei mesmo nada das duas ou três peças de produção recente que foram transmitidas este ano. Por princípio, não sou avesso ao experimentalismo mas confesso que os produtos que foram apresentados deixam muito a desejar não só em termos de formato e conteúdo como até no uso de linguagem obscena e imprópria para a rádio.
Analisando as alterações agora feitas à grelha que arrancou em Janeiro, fica bem evidente a desorientação e a falta de uma estratégia consistente para a Antena 2. Passo a explicitar: há programas que desaparecem decorridos apenas seis meses de vigência ("Café Plaza", "Paisagens", "Delta Blues", "Escrita em Dia"), outros mudam de nome ainda que o figurino e o conteúdo continuem os mesmos ("Amanhecer" para "Notas Soltas" e depois "Império dos Sentidos"; "Sarabanda" para "Folia"), a constante mudança de apresentadores de certos espaços musicais ("Raízes", "Até Bach", "Foyer Central") e, sobretudo, a incessante alteração de horários dos espaços musicais e dos programas de autor, isto para já não falar da suspensão inusitada que sofreram no Verão passado. Se um dos objectivos do canal é fidelizar ouvintes e criar hábitos de escuta, como é que explica esta constante deriva?
Acresce ainda que o serviço de locução tem registado uma crescente deterioração com a colocação aos microfones de pessoas que além de não terem timbre de voz adequado para a rádio ainda pecam por deficiente dicção e domínio da língua portuguesa. Não é locutor de rádio quem quer, assim como não é piloto de aviões quem quer. Não restam dúvidas de que quem decidiu pôr essas pessoas aos microfones ou não percebe nada de rádio ou então, se percebe, ignorou as regras básicas da profissão para fazer favores a amigos. E digo isto porque o Sr. João Almeida, com a complacência de Rui Pêgo, não teve o menor pejo em marginalizar ou pôr na prateleira alguns locutores detentores de vozes de qualidade e bons articulantes da nossa língua, para entregar a locução de continuidade e a apresentação de espaços musicais a três ou quatro apaniguados, diletantes e mal preparados, mas certamente mais dóceis e dispostos a cumprirem obedientemente todos os recados de que sejam incumbidos.
Por último, uma palavra sobre a colaboração externa. Eu sou um defensor da colaboração de autores exteriores à RDP desde que isso signifique uma mais valia para o serviço público e sempre que não haja profissionais no quadro da empresa com competência para realizar programas de relevante interesse cultural. Ora acontece que na actual grelha alguns colaboradores seriam totalmente dispensáveis pois não fazem nada que gente da casa não pudesse fazer, tão bem ou melhor que eles. Por exemplo, o espaço "Cantabile" podia perfeitamente ser realizado por Jorge Rodrigues ou por Teresa Ferreira de Almeida, dois bons conhecedores de música vocal. O mesmo se aplica aos programas "Prata da Casa", "Amadeus" e "Descobertas". O próprio "Jazz com Brancas" deixa muito a desejar pois José Duarte, apesar de ser uma sumidade no domínio do jazz, pouco mais faz do que dizer umas palavras de circunstância e a tocar CDs, nada que o Sr. João Almeida, por exemplo, não pudesse fazer. Muito melhor faz Manuel Jorge Veloso no seu "Um Toque de Jazz", esse sim um bom exemplo em que a colaboração externa constitui um enriquecimento do serviço prestado pelo canal. E qual o interesse para a Antena 2 de um programa como "Fuga da Arte"? A ideia de construir um programa com passagens de livros e música até podia ser interessante, mas a avaliar pelas emissões que tenho ouvido é bem evidente a inadequação entre a música seleccionada e um canal com o perfil da rádio clássica (se estivesse na Antena 1 ou Antena 3 já não teria nada a opor). Neste âmbito, tenho se contestar a presença cada vez mais frequente na Antena 2 de música pop, muitas vezes introduzida de forma despropositada e fora de contexto. Para ouvir música pop e de qualidade superior à que tenho ouvido na Antena 2 sei onde a posso encontrar e, como tal, parece-me descabido e falho de razoabilidade a difusão de música para a qual o canal não está vocacionado e que extravasa o seu estatuto editorial. Se o blues, mormente o mais genuíno, se podia aceitar no âmbito das músicas do mundo, já me parece que se está a pisar o risco quando se abre o leque a nomes como U2, Sting ou Abba (isto independentemente da qualidade que se lhes possa reconhecer). Querer fazer da Antena 2 uma rádio de todas as músicas e para todos os públicos constitui um erro crasso e radica num grande equívoco, pela simples razão de que é impossível satisfazer, ao mesmo tempo, o público da música erudita e os públicos acostumados aos produtos mais ligeiros e massificados. E quando se pretende agradar a gregos e a troianos, o mais provável é que não se agrade a ninguém. Por outro lado, quando se pretende colocar, no mesmo plano, a pop e a música erudita cai-se no ridículo e, no fim de contas, dá-se razão àqueles que acusam a Antena 2 de abastardamento. Eu não sou propriamente um purista da música clássica, mas pelo caminho que as coisas estão a levar temo que se resvale a breve prazo para algo do género «vale tudo até tirar olhos». Se é louvável o propósito de aumentar o número de ouvintes regulares da Antena 2, já me parece errada a estratégia adoptada para o conseguir. Em minha opinião, a angariação de novos ouvintes para a rádio clássica deve ser feita por outra via, essa sim com resultados mais consistentes e duradouros. Tudo começa por uma verdadeira política de educação musical no ensino básico e secundário, coisa que tem sido completamente descurada em Portugal, como é sabido. E quando o sistema de ensino falha cabe aos media corrigir esse défice, aproveitando a força e o poder que têm junto das massas. E aqui tem de se trazer à liça os canais generalistas da rádio portuguesa. Onde é que estão programas do tipo de um "Em Órbita" para abrirem os horizontes da dita música erudita a pessoas por princípio a ela alheias? Convém lembrar que boa parte dos actuais ouvintes da Antena 2 começaram por ser ouvintes do mítico programa de Jorge Gil, na Rádio Comercial, uma rádio do pop/rock (é bom não esquecer este pormenor). E o que é que os canais generalistas da rádio pública têm feito na promoção e divulgação da música clássica? Actualmente existe uma boa rubrica da autoria de António Cartaxo na Antena 1, o que se aplaude, mas faz falta um espaço de maior fôlego. Porque não se faz um programa, a incluir nas grelhas das Antenas 1 e 3, preenchido com obras e trechos mais acessíveis e de mais fácil agrado com especial incidência na música barroca por ser o estilo mais apelativo? Convém lembrar que muitos ouvintes sem formação musical formal foram conquistados para a música clássica precisamente com obras como: o Bolero, de Ravel; As Quatro Estações, de Vivaldi; Tocata e Fuga em ré menor, BWV 565, de Bach; Canon, de Pachelbel; Adágio, de Albinoni; Minueto, de Boccherini, Concerto de Aranjuez, de Joaquín Rodrigo; Sinfonia nº. 40, de Mozart; Quinta Sinfonia, de Beethoven; etc.. E já agora, por que razão a excelente rubrica de António Cartaxo não passa na Antena 3 de modo a proporcionar aos mais jovens, e de forma paulatina, a descoberta do vasto mundo da música clássica/erudita? Sem prejuízo de tudo isto, também acho que seria interessante haver na Antena 3, um programa dedicado a músicas do pop/rock inspiradas ou adaptadas de composições da música clássica e em que se fizesse o contraponto com as obras originais. Nomes como Procol Harum, Jethro Tull, Deep Purple, Frank Zappa, Electric Light Orchestra, Sting, entre outros, têm no seu repertório adaptações de obras dos grandes compositores sem que os próprios fãs, muitas vezes, tenham a noção disso. Seria mais uma janela que se abriria em muitas cabeças. Ainda com o intuito de cativar mais jovens para a Antena 2, não seria boa ideia incluir na Antena 3 pequenos apontamentos em que se daria um lamiré de obras potencialmente mais cativantes da programação diária da rádio clássica? É durante a juventude que há mais avidez por conhecer coisas novas e, desta maneira, estou em crer que se conquistariam, se não de imediato pelo menos a médio prazo, mais uns tantos ouvintes para a Antena 2. Há que lançar as sementes à terra agora quando ela está tenra e arável para que as árvores nasçam, cresçam e, por fim, dêem frutos.
Para terminar, não escondo a minha perplexidade com a decisão de colocar um programa de entrevista – "Quinta Essência" – no mesmo horário em que na Antena 1 passa justamente outro programa de entrevista – "1001 Escolhas". Eu até nem me importava de ouvir ambas as entrevistas, mas já que sou obrigado a optar será certamente o programa de Madalena Balça aquele que não vou perder.
E já que falei na Antena 1, aproveito o ensejo para exprimir o meu profundo desagrado pelo facto dos programas "Escrita em Dia" e "Viva a Música" terem deixado de ser repostos nas tardes de sábado, ao contrário do que continua a acontecer com o programa "Ondas Luisianas". Agora entre as 14 e as 17 horas de sábado, voltou a reinar a banal e corriqueira música de 'playlist', a mesma que passa a toda a hora na Antena 1. Em face disto, eu tenho de formular ao sr. Rui Pêgo a seguinte pergunta: a música de 'playlist' (ainda por cima de fraca qualidade) representa mais serviço público do que uma conversa à volta de livros ou do que a música portuguesa ao vivo?
Com os mais respeitosos cumprimentos,

Álvaro José Ferreira

04 outubro 2006

"Os Sons Férteis": arquivo 'online' e 'podcasting'

Exmo. Senhor Provedor do Ouvinte,

Queria chamar a atenção para o facto dos audiogramas da rubrica "Os Sons Férteis" não estarem a merecer a devida e merecida atenção de quem de direito no que respeita a actualizações no arquivo online. Durante as últimas semanas de Agosto e as primeiras de Setembro nem sequer houve colocações 'online', ao contrário do que acontecia com as rubricas da Antena 1, o que me leva a supor que o sucedido se deve a descoordenação entre a direcção de programas da RDP e o administrador do site ou, pura e simplesmente, negligência ou má vontade do dito responsável para com a rubrica de Paulo Rato. Por exemplo, só hoje, quarta-feira, é que foram colocados os audiogramas da semana passada. Gostava de lembrar que se há espaço na Antena 2 que se pode considerar com toda a propriedade serviço público, "Os Sons Férteis" é, com toda a certeza, um deles. Por isso, não compreendo nem posso aceitar o que se está a passar. O apontamento de Paulo Rato é das melhores coisas que a rádio nos proporciona, e que sabe bem ouvir quando nos apetece saborear um bom naco de poesia temperada com música. Ora acontece que quem não pode ouvir a rubrica em directo, na única vez que passa na rádio (às 11 horas da manhã), ou gostava de a voltar a ouvir, fica impossibilitado de o fazer. Tratando-se de um apontamento de palavra, fazia todo o sentido que os ficheiros áudio fossem facultados em podcasting (além da possibilidade de download avulso).
E também seria de relevante interesse que o arquivo online passasse a contemplar todo o histórico do programa. A poesia não se desactualiza com a passar do tempo, pelo que constitui uma falha no serviço público os audiogramas de "Os Sons Férteis" apenas estarem disponíveis durante uma semana (quando estão!) e serem rapidamente sepultados nesse autêntico cemitério que é o arquivo histórico da RDP, sem que ninguém deles possa tirar proveito. Seria também muito interessante que nesse arquivo online completo de "Os Sons Férteis" houvesse à frente de cada audiograma um link para o respectivo poema sob a forma escrita, de modo a que o ouvinte pudesse acompanhar a audição com a leitura. Aliás, já houve uma experiência desse género, no antigo site da RDP, com a rubrica "Canções" que foi muito apreciada. Porque não reeditá-la com o excelente apontamento de poesia e música de Paulo Rato?
Por último, e a exemplo do que se passa com as rubricas da Antena 1, por que razão a rubrica "Os Sons Férteis" não é repetida à tarde e à noite?
Com os mais respeitosos cumprimentos,

Álvaro José Ferreira

29 setembro 2006

Propostas para o serviço público de televisão



Exmo. Sr. Provedor do Telespectador da Televisão Pública,

Tendo ouvido/visto o repto lançado pelo Sr. Provedor Paquete de Oliveira aos telespectadores da RTP para o ajudarem com a apresentação de sugestões com vista à melhoria do serviço público de televisão, eu não me podia escusar e, nessa medida, venho também dar o meu (modesto) contributo, reportando-me sobretudo aos dois canais de cobertura nacional em sinal aberto (RTP-1 e 2).
Passo a apresentar as minhas ideias e propostas, por áreas temáticas que embora não sendo estanques se tornam úteis para organizar a exposição.

1. Programas de debate e espaços de grande reportagem
Este é um ponto a que o serviço público devia dar uma atenção muito particular. No tocante aos espaços de debate existem dois – "Estado da Nação" e "Prós e Contras" - mas que pecam por se centrarem sobretudo na actualidade política. No programa apresentado por Fátima Campos Ferreira raramente se tratam de assuntos que embora não estejam na agenda politico/mediática nem por isso deixam de ter um real interesse para os cidadãos, um pouco no género do que era feito no programa "Hora Extra". Este programa que Conceição Lino apresentava na SIC era um notável exemplo de serviço público cujo modelo eu gostava que fosse adoptado na televisão pública, em sinal aberto. O "Prós e Contras" é um programa que tem os seus méritos mas, em minha opinião, um pouco cinzento e institucional e que também peca por alguns convidados caírem com muita facilidade na conversa fiada e cifrada, frequentemente enfadonha, pouco esclarecedora e pouco apelativa para o cidadão comum. Eu confesso que já me aconteceu chegar ao fim do programa e concluir que pouco ou nada contribuiu para verdadeiramente me elucidar sobre um determinado assunto.
No tocante aos espaços de reportagem (que devem ser autónomos dos noticiários), cumpre-me dizer que têm sido notoriamente descurados. Havia o espaço "Grande Informação", da responsabilidade de Judite de Sousa, que era bem feito e abordava temas sociais, o que lhe conferia um inegável interesse público, mas inexplicavelmente foi descontinuado. Recentemente apareceu um espaço de curtas reportagens intitulado "Reportagem" mas que, apesar do interesse de alguns temas tratados, peca pela exiguidade do tempo de duração. Porquê apenas 15 minutos e não meia hora ou mesmo uma hora? Se há temas que se conseguem tratar num quarto de hora sem problemas de maior, outros há que ficam notoriamente a perder com um tempo tão diminuto. E faz também falta na televisão pública um programa reservado a reportagens e documentários sobre as grandes temáticas do nosso tempo à escala mundial nos diversos domínios (ambiente, terrorismo, fenómenos sociais, etc.) um pouco no figurino do espaço "Toda a Verdade" (SIC Notícias). No canal 2, existia um bom programa nesta área chamado "Sinais do Tempo", mas também foi incompreensivelmente extinto. Veio depois a ressurgir na RTP-N, mas isso não é razão para não figurar também na grelha da RTP-2, a exemplo do que acontece – e muito bem – com os programas "Livro Aberto" e "Viajar é Preciso" e já aconteceu com "Estes Difíceis Amores" e "4 x Ciência". Aliás, penso que seria pertinente que estes e outros programas de cariz cultural/científico da RTP-N e também da RTP-Memória fossem retransmitidos (ainda que com algum desfasamento temporal) na RTP-2, mesmo a horas tardias. Deste modo, quem não pode ou não quer assinar os pacotes do cabo tinha a possibilidade de programar o videogravador para depois ver os programas do seu interesse a uma hora mais conveniente. Alguns exemplos: "1001 Escolhas" (Madalena Balça), "Histórias da Música" (António Vitorino de Almeida), "Se Bem me Lembro" (Vitorino Nemésio), "Viagem ao Maravilhoso" (Carlos Brandão Lucas), "Lendas e Factos da História de Portugal" (Luís Beja), "Histórias Que o Tempo Apagou" (José Hermano Saraiva), "Povo Que Canta" (Michel Giacometti e Alfredo Tropa), "Danças e Cantares", "Fados de Portugal".

2. Séries e mini-séries de ficção
Esta é outra área em que o serviço público pode marcar a diferença pela qualidade em relação às estações comerciais. Neste ponto, tenho de aplaudir algumas opções da RTP e de criticar outras. Para começar tenho de louvar o empenho da televisão pública na produção de séries de época baseadas em figuras/factos da nossa História e em obras literárias ("Ricardina e Marta", "Ballet Rose", "A Raia dos Medos", "O Conde d'Abranhos", "Alves dos Reis", "A Febre do Ouro Negro", "Gente Feliz com Lágrimas", "O Processo dos Távoras", "A Ferreirinha", "João Semana", "Pedro e Inês", "Bocage", "Quando os Lobos Uivam"). Umas foram mais bem conseguidas do que outras mas, em todo o caso, é importante que a RTP continue a apostar na produção de época pois se não for a televisão pública a fazê-lo mais ninguém o vai fazer. Por isso, espero que o vazio que se tem verificado ultimamente seja passageiro e que em breve possamos contar com outras séries de época de produção nacional. Aplaudo também a exibição pela RTP-1 de algumas mini-séries de época estrangeiras, algumas muito boas, mas lamento a não exibição, na RTP-1 ou 2, de séries do mesmo género de maior fôlego como já aconteceu anteriormente ("Norte e Sul", "As Saias da Revolução", "Napoleão", "Eu, Cláudio", "Reviver o Passado em Brideshead", "A Cartuxa de Parma", "Madame Bovary", "Os Miseráveis", "Anna Karenina", "Sensibilidade e Bom Senso", etc.). É verdade que passou recentemente na RTP-2 uma série intitulada "Roma" mas foi um caso isolado. E digo isto porque a direcção da RTP-2 parece só ter olhos para as séries americanas de cariz mais comercial e teima em ignorar a produção europeia que regista uma grande qualidade no capítulo das reconstituições de época e ficção histórica. Não digo que não haja séries americanas de qualidade como a já referida "Roma" ou "Sete Palmos de Terra", mas é inegável que muitas outras são produtos banais e vulgares, e sem qualquer substrato cultural, apenas entretenimento fútil e de baixo nível. Neste aspecto parece-me um flagrante desvio do serviço público e um desperdício do dinheiro dos contribuintes estar-se a ocupar o horário nobre do canal cultural da televisão pública todos os dias com séries infindáveis, as quais foram concebidas propositadamente para as televisões comerciais.

3. Cinema
Registo com agrado a transmissão que a RTP-1 tem vindo a fazer de bons filmes, mas não deixo de lamentar o enfoque exagerado no cinema norte-americano e, por outro lado, a colocação dos filmes de maior qualidade em horários muito tardios. Admito que a RTP-1 talvez não seja o canal mais indicado para o cinema europeu, mas há alguns filmes de linguagem e estilo acessíveis ao grande público que têm todo o cabimento num canal generalista de feição mais popular. Por acaso, a RTP-1 até transmitiu recentemente um desses filmes – "Pinóquio" – realizado e protagonizado por Roberto Benigni, mas cometeu um erro imperdoável e de palmatória: colocou-o às 2 horas da madrugada! Com que critério é que se atira para tal horário um filme que tem como alvo preferencial o público infantil? Era de caras que este filme devia ser colocado numa matiné, nunca num horário tão impróprio para o público a que se destina. Mas as minhas críticas em matéria de cinema vão sobretudo para a RTP-2 pela forma como tem desprezado a sétima arte, depois da abolição do espaço "Cinco Noites, Cinco Filmes". Um dos grandes erros da direcção de Manuel Falcão foi preferir as séries americanas ao cinema de qualidade: séries quase todos os dias e apenas uma filme por semana. Estava à espera que sob a direcção de Jorge Wemans, diminuísse o peso das séries de produção industrial e se apostasse de uma forma mais séria e digna no cinema, mas constato que a situação continua no essencial a mesma. Ora eu penso que o canal 2 da RTP tem uma obrigação acrescida de serviço público, relativamente ao cinema, que não está notoriamente a cumprir. Como já disse atrás, o canal passa apenas um filme por semana, (na rubrica "Sala 2"), e além disso restringe-se ao cinema americano. Penso que o cinema clássico norte-americano se adequa perfeitamente ao canal 2, mas já não acho razoável o ostracismo a que tem sido votado o cinema europeu – clássico e moderno – e igualmente o cinema português. No espaço "Noites da 2" foi recentemente exibido um ciclo de cinema português, mas há largas semanas que não se via um filme nacional na 2, o que acho totalmente inaceitável. O próprio canal 1, presumo que para cumprir calendário, passa mais cinema português e europeu (se bem que a começar às 2 e às 3 da madrugada!), o que dá bem para perceber a situação bizarra a que se vem assistindo no canal cultural da televisão pública portuguesa. Acresce que o espaço "Noites da 2", criado pela nova direcção de programas, supostamente para acolher conteúdos de qualidade na área do documentário, do cinema e das demais artes, tem na prática funcionado como um espaço (mais um!) onde são despejadas mais séries americanas, algumas de qualidade muito duvidosa. Em face disto, há uma pergunta que eu não posso deixar de formular à direcção da 2: as séries televisivas americanas tem mais valor cultural que o cinema, nomeadamente o europeu?
Escusado será dizer que a televisão pública tem um papel insubstituível na divulgação das obras-primas da História do Cinema, com especial incidência na produção europeia devido à sua menor visibilidade. Porque se não for o serviço público a fazê-lo, uma parte muita significativa da população portuguesa que gosta de cinema fica impossibilitada de fruir da obra de nomes tão importantes como Murnau, Fritz Lang, Fassbinder, Victor Sjöstrom, Ingmar Bergman, Dreyer, Jean Renoir, René Clair, Marcel Carné, Jean Cocteau, Truffaut, Claude Chabrol, André Techiné, Rosselini, Antonioni, Fellini, Visconti, Pasolini, Bertolucci, Franco Zefirelli, Luis Buñuel, Carlos Saura, D. W. Griffith, John Ford, Howard Hawks, Raoul Walsh, John Huston, George Cukor, Frank Capra, Joseph L. Mankiewicz, Orson Welles, Elia Kazan, Alfred Hitchcock, Michael Powell, Lawrence Olivier, David Lean, James Ivory, Roman Polanski, Sergei Eisenstein, Satyajit Ray, Kurosawa, Mizoguchi, Zhang Yimou, Chen Kaige, entre outros. Dado que uma grande parte da filmografia destes e de outros nomes de referência da História do Cinema não está disponível no mercado videográfico, e nem todos os cinéfilos têm possibilidade de frequentar a Cinemateca Portuguesa, eu sugiro que a Rádio e Televisão de Portugal celebre um protocolo com a Cinemateca com vista à transmissão televisiva dos melhores filmes dos vários ciclos que vão sendo programados para as salas da Rua Barata Salgueiro. Falei do cinema clássico mas convém não olvidar boa parte da produção actual que passa nos Festivais de Cinema (Cannes, Berlim, Veneza, etc.) e que depois, por não chegar às salas do circuito comercial, fica totalmente inacessível ao público. Cabe ao serviço público de televisão tornar essas obras também acessíveis aos amantes de cinema portugueses. E já que estou a falar de cinema não comercial, aproveito também para sugerir a criação de um espaço semanal dedicado ao cinema português. É um lugar comum dizer-se que o público português não gosta do cinema português de autor e que só acorre às salas para assistir a filmes do género "O Crime do Padre Amaro". Não ponho em questão que haja algum fundamento nessa asserção, mas também é verdade que cabe à televisão uma função pedagógica no modo de ver e apreciar as obras cinematográficas mais exigentes e menos imediatistas. A este propósito, faço referência a divulgadores como João Bénard da Costa ou Lauro António que já tiveram programas próprios na televisão portuguesa e com quem muitas pessoas (eu incluído) aprenderam a ver os filmes com outros olhos mas que por motivos de mera lógica comercial foram afastados. Urge que essas experiências sejam retomadas no serviço público, porque a sensibilidade educa-se e o gosto pelas coisas da cultura cultiva-se. Há quem esteja disposto a fazê-lo, desde que quem dirige a televisão pública lhe abra as portas. Fala-se muito da falta de públicos para a cultura em Portugal, mas também não vejo nada de assinalável a ser feito nos media para resolver o problema.

4. Documentários
Outra área que, tal como a ficção de qualidade, devia constituir uma aposta forte da televisão pública mas que infelizmente também tem sido algo descurada. A RTP-1 passou recentemente uma série documental sobre a emigração portuguesa de grande qualidade e muito aclamada tanto pela crítica como pelo público e, como tal, não se compreende a fraca aposta da televisão pública no documentário de produção própria. A este propósito, não posso deixar de lamentar a extinção dos espaços da RTP-2 "O Lugar da História" e "Artes e Letras". O primeiro era coordenado por Júlia Fernandes que dava uma atenção muito especial à produção nacional, sendo que muitos deles nada ficavam a dever a belíssimos documentários estrangeiros que eram a imagem de marca do programa. Foram muitos e memoráveis os documentários que vi pela mão de Júlia Fernandes e confesso que sinto muitas saudades desse espaço pelo profissionalismo com que era feito e pela qualidade que apresentava. Em Janeiro de 2004, aquando da reestruturação do canal 2, o espaço foi criminosamente extinto tendo surgido os espaços "Mundos" e "Vidas" e "Hora Discovery" que a meu ver ficam muito aquém dos anteriores, quer em termos de conteúdos quer de conceito. E aponto apenas três pontos para fundamentar a minha opinião: o critério de escolha dos conteúdos e das produtoras, a locução em língua portuguesa e a produção nacional. Em tudo isto "O Lugar da História" era um notável exemplo. Agora os documentários são escolhidos de forma aparentemente aleatória sendo que alguns apresentam uma qualidade mediana para não dizer medíocre e sobre assuntos de duvidoso interesse cultural e pedagógico (sobretudo na "Hora Discovery"); quase não há locução em língua portuguesa prevalecendo a legendagem, o que constitui uma falha grave do serviço público para os telespectadores que não sabem ler mas que têm curiosidade intelectual e vontade de se enriquecem culturalmente; a produção nacional tornou-se insignificante e esporádica. Recentemente foi para o ar uma boa série documental em quatro episódios intitulada "Périplo" (em torno do Mediterrâneo), bem demonstrativa do que podíamos fazer com mais regularidade e não nos ficarmos por experiências esporádicas e avulsas. Por que motivo não se fazem documentários monográficos sobre figuras da nossa História e Cultura, que depois até podiam ser cedidos às escolas? Júlia Fernandes e Diana Andringa deram um importante contributo para o enriquecimento do acervo da RTP nesta área mas muito mais havia a fazer. E por que motivo não são repostos de vez em quando esses belos documentários nos canais de sinal aberto em vez ficarem apenas reservados à RTP-Memória?
Ainda em matéria de documentários gostava que houvesse um maior investimento no campo da História e particularmente na História da Arte. Há pouco tempo passou uma série documental intitulada "A Vida Íntima de Uma Obra-Prima" que me fascinou e com a qual muito aprendi. Faço votos para que mais documentários do género sejam exibidos proximamente. Sugestão: uma série documental sobre o Renascimento, outra sobre o Impressionismo e ainda outra sobre a arte oriental.

5. Artes cénicas
Esta é a área por excelência de qualquer serviço público de televisão que se preze. Infelizmente no caso da RTP, em especial do canal 2, quer o teatro, quer a ópera, quer a dança têm andado pelas ruas da amargura. Durante algum tempo, mesmo depois da reestruturação da grelha da RTP-2 ocorrida em Janeiro de 2004, lá aparecia uma ópera ou um bailado de tempos a tempos. Agora, nada! Porquê? E de teatro nem vale a pena falar já que desde 2004 não me lembro de alguma vez ter sido transmitida alguma peça na 2. Ora isto é totalmente inaceitável porque, felizmente, o arquivo da RTP tem um espólio apreciável de peças produzidas propositadamente para a televisão, algumas muito bem feitas. Sem prejuízo de novas produções, haverá alguma razão plausível para que a RTP-Memória tenha o exclusivo da transmissão das peças do arquivo, a ponto de nunca serem exibidas na RTP-2, o canal cultural da televisão que todos os contribuintes suportam?

6. Programas musicais
Esta é outra área claramente deficitária na televisão pública, sobretudo nos canais destinados ao público residente em Portugal. Pessoalmente, para ouvir música prefiro a rádio ou a minha colecção de CDs e de ficheiros áudio mas atendendo à força que a televisão tem, penso que ela devia dar mais atenção à música, especialmente a que tem a ver com as raízes culturais portuguesas e do espaço lusófono. Começando pela RTP-2 encontro o espaço "Músicas" aos sábados depois da "Sala 2", de que sou fiel telespectador, e que me parece excessivamente centrado no pop/rock de origem anglo-americana e, mesmo assim, com escolhas que deixam muito a desejar. A meu ver, é muito discutível o critério segundo o qual se põe na RTP-2 nomes como Christina Aguilera e Anastacia, ou seja, no mesmo canal onde está (ou devia estar) a ópera e o bailado. Acresce ainda que há pouca música portuguesa e lusófona, assim como se nota uma grande escassez de jazz e ainda mais de 'world music'. No tocante à música portuguesa (dos diversos géneros) é flagrante a falta na RTP de um programa de música ao vivo, um pouco ao estilo do "Viva a Música" que Armando Carvalheda faz para a Antena 1 e que merecia maior visibilidade. Já agora, e aproveitando as sinergias rádio/televisão públicas, não seria boa ideia a RTP filmar essas actuações para as transmitir posteriormente num espaço regular semanal? Fica a sugestão! Os programas de imitações do tipo "A Canção da Minha Vida" que, de vez em quando, aparecem na grelha da RTP-1, além de serem caros, não são, de forma alguma, a melhor solução para dar a ouvir música na televisão. Admito que tais programas – aliás um entretenimento algo pobre – possam fazer algum sentido no caso de artistas falecidos ou retirados, mas jamais se pode aceitar que sejam encarados como substitutos da presença em palco de artistas no activo desde os mais velhos aos mais novos. Em Portugal, há bastantes nomes que, por causa do critério de formação das 'playlists', não têm lugar nas rádios de cobertura nacional, o que dificulta imenso a divulgação dos trabalhos que vão produzindo. E se esta é uma situação grave para determinados artistas de nome feito que, apesar de tudo, ainda vão conseguindo ter uma razoável agenda de espectáculos, constitui uma verdadeira asfixia para muitos nomes de talento que não pertencem aos 'lobbies' que controlam ou têm poder de influência nas rádios e televisões. Devido a este estado de coisas, muitos são os músicos/grupos de qualidade que não conseguem vingar ou que vão ficando pelo caminho e que podiam enriquecer o nosso património musical e, ao invés, somos inundados com os produtos mais banais e medíocres só porque é isso que interessa às grandes editoras. Na sociedade do nosso tempo, quem não aparece nos media é como se não existisse e, como tal, cabe à rádio e televisão do Estado, devido à sua responsabilidade acrescida, desempenharem um papel de correcção dessa distorção tornando visível ao grande público a boa música que não aparece nos tops. E já que falei em tops, aproveito para referir o programa "Top+", quanto a mim um claro exemplo do que não deve ser feito na televisão pública. Com efeito, trata-se de um espaço notoriamente ao serviço dos interesses comerciais das 'majors' discográficas e concebido do princípio ao fim com esse propósito. Que serviço público pode prestar um programa de televisão que passa apenas a música comercial insistentemente rodada na generalidade das rádios e no canal MTV?

Mais tinha que dizer mas como a exposição já vai longa fico-me por aqui. Espero o Sr. Provedor do Telespectador tenha em boa conta as considerações e os comentários que achei por bem tecer e que, de algum modo, lhe possam ser úteis para a formalização de propostas concretas aos altos responsáveis da RTP. A bem do serviço público de televisão!
Com os mais respeitosos cumprimentos,

Álvaro José Ferreira