Claude Monet, "Printemps" ("Primavera"), 1886, óleo sobre tela, 65 x 81 cm, The Fitzwilliam Museum, Cambridge, Inglaterra
Para assinalar a chegada da Primavera de 2020 que um maldito vírus pneumónico, oriundo das partes do Oriente, veio tornar funesta, e estando a decorrer as comemorações do centenário do nascimento de Amália Rodrigues, não podia vir mais a propósito o fado "Primavera", uma das mais admiráveis criações amalianas. Das quatro gravações que a diva fez deste fado – três em estúdio (1951, 1965, 1966) e uma ao vivo (1955) –, escolhemos a de 1965, que permaneceu inédita até ao Outono de 1997, altura em que saiu no CD "Segredo", voltando a ser publicada, em 2011, na compilação "Amália canta David". Os versos desencantados de David Mourão-Ferreira, a música pungente de Pedro Rodrigues e a superlativa interpretação de Amália, apoiada no lendário Conjunto de Guitarras de Raul Nery, fazem deste espécime uma pérola do mais alto quilate do repertório do fado e da música portuguesa em geral.
Sendo certo que uma intérprete da dimensão de Amália nunca devia deixar de receber o mais desvelado tratamento da parte da rádio pública do seu país, era expectável e justíssimo que neste ano de celebração fosse redobrada a atenção dada ao seu legado fonográfico, ademais tendo vindo a lume novas edições contendo gravações inéditas. Atentamos na 'playlist' da Antena 1 e a voz de Amália não aparece. Como explicar tamanha monstruosidade?
Primavera
Poema: David Mourão-Ferreira
Música: Pedro Rodrigues
Intérprete: Amália Rodrigues* (1965, in CD "Segredo", EMI-VC, 1997; CD "Amália canta David", Edições Valentim de Carvalho/iPlay, 2011)
Todo o amor que nos prendera,
como se fora de cera,
se quebrava e desfazia.
Ai funesta Primavera, | bis
quem me dera, quem nos dera |
ter morrido nesse dia! |
E condenaram-me a tanto:
viver comigo o meu pranto,
viver, viver... e sem ti!
Vivendo sem, no entanto, | bis
eu me esquecer desse encanto |
que nesse dia perdi... |
Pão duro da solidão
é somente o que nos dão,
o que nos dão a comer...
Que importa que o coração | bis
diga que sim ou que não, |
se continua a viver? |
Todo o amor que nos prendera
se quebrara e desfizera,
em pavor se convertia.
Ninguém fale em Primavera! | bis
Quem me dera, quem nos dera |
ter morrido nesse dia! |
* Amália Rodrigues – voz
Conjunto de Guitarras de Raul Nery:
Raul Nery – 1.ª guitarra portuguesa
José Fontes Rocha – 2.ª guitarra portuguesa
Júlio Gomes – viola
Joel Pina – viola baixo
Gravado nos Estúdios Valentim de Carvalho, Paço d'Arcos, em 1965
Engenheiro de som – Hugo Ribeiro
Coordenação do projecto (para a edição do CD "Segredo") – Manuel Falcão e Jorge Mourinha
Produção – Rui Valentim de Carvalho
Assistente de produção – Inês Penalva
Misturas e restauro digital – Hugo Ribeiro, João Martins e Raul Ribeiro, nos Estúdios Valentim de Carvalho, Paço d'Arcos, em Setembro de 1997
Masterização – Julius Newel, no estúdio Mission Control, Lisboa, em Outubro de 1997
Capa do CD "Segredo", de Amália Rodrigues (EMI-VC, 1997)
Fotografia – Charles Ichaï
Design – Fátima Rolo Duarte
Capa do CD "Amália canta David" (Edições Valentim de Carvalho/iPlay, 2011)
Design gráfico – Roda Dentada
Pós-produção de imagem – Mackintóxico
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Outros artigos com canções alusivas à Primavera:
Cantos d'Aurora: "Primavera"
Roda Pé: "Primavera Alentejana"
Grupo Coral "Os Ceifeiros de Cuba": "No Tempo da Primavera"
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Outros artigos com repertório de Amália em voz própria:
Ser Poeta
Celebrando Vinicius de Moraes
Camões recitado e cantado (II)
2 comentários:
Post excelente e precioso.
Abraço
SOL da Esteva
& Santos Oliveira
Muito e muito obrigado!
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