18 março 2020
Pedro Barroso: "Epitáfio"
«Um dia, parto, assim, sem despedida / Entre memórias e cantos partilhados», escreveu Pedro Barroso no poema "Epitáfio", primeiramente publicado, na forma dita, no livro/CD "Palavras Mal Ditas", de 2013, e novamente publicado, já musicado e cantado, no álbum "Palavras ao Vento", lançado a 14 de Abril de 2014. O poeta, compositor e intérprete partiu na noite da pretérita segunda-feira, mas teve tempo de se ir despedindo do seu público, ante o gradual avanço da doença oncológica que o atingira. O último concerto, assinalando os 50 anos de música e palavras, aconteceu a 21 de Dezembro de 2019, no Teatro Virgínia, de Torres Novas, parte do qual a Antena 1 transmitiu ontem, após o bloco de anúncios que se seguiu ao noticiário das 22:00. O canal generalista da estação pública esteve bem, mas a completa ausência de repertório de Pedro Barroso na actual 'playlist' é de todo incompreensível e falha de razoabilidade, atendendo às inalienáveis e particulares obrigações da rádio estatal no campo da música portuguesa, mormente naquela que tem a assinatura dos mais categorizados cantautores. Uma situação que se afigura ainda mais absurda se atendermos ao facto de alguns dos últimos álbuns do artista, como foi o caso deste "Palavras ao Vento", terem recebido o rótulo "Disco Antena 1".
Aqui apresentamos o epitáfio poético-musical de Pedro Barroso, à laia de prólogo a uma homenagem mais ampla que tencionamos render-lhe brevemente.
Epitáfio
Poema e música: Pedro Barroso
Intérprete: Pedro Barroso* (in CD "Palavras ao Vento", Ovação, 2014)
Que do céu tombassem violinos
Decidindo por nós, gente maior,
Na forma, no projecto e na ideia,
No fazer sempre mais, sempre melhor!
Que o povo alcançasse em sentimento
Sempre a classe mais alta do poema
E a vida fosse mais que este momento
Entre farrapos de nada e alfazema!
Que a vida fosse alma e fosse vinho,
Fosse vento nas searas ondulantes
E orgasmos de prazer e rosmaninho
E luxo e sonho e fúria a cada instante!
E oceanos de espuma nos levassem
Cavalgando o desespero de partir!
E tudo fosse simples e elevado
Como um prado orvalhado no sentir!
[instrumental]
De tudo, tanto que eu acreditei
Tantos anos de espera convertida,
Sobra um sabor de que nada aconteceu
Pelas regras que devia haver na vida.
Por isso, um dia, parto, assim, sem despedida
Entre memórias e cantos partilhados.
E este excesso fabuloso sem ter fim
Vai comigo, fiquem, disso, descansados.
Sobrará de mim, talvez, fraca memória,
Esta luxúria da vida, alguns recados,
Este modo amordaçado de sorrir
E uma montanha de amores nunca alcançados.
Espantosamente, como é qu'inda deixo sonhos?
Mais que o dobro dos feitos consumados!
Só não deixo meias-tintas nem favores,
Nem regras, nem peias, nem pudores.
Deixo excessos, truculências e humores.
Mas virtudes?! Nem pensar! Tudo pecados!
[instrumental]
Espantosamente, como é qu'inda deixo sonhos?
Mais que o dobro dos feitos consumados!
Só não deixo meias-tintas nem favores,
Nem regras, nem peias, nem pudores.
Deixo excessos, truculências e humores.
Mas virtudes?! Nem pensar! Tudo pecados!
* [Créditos gerais do disco:]
Pedro Barroso – voz, viola, piano, metalofone e adufe
Susana Castro Santos – violoncelo
Manuel Rocha – violino
David Coelho – piano
Luís Petisca – guitarra portuguesa
Abel Moura – acordeão
Miguel Carreira – viola e acordeão
Ensemble Ribatejo – trompas
Produção e direcção musical – Pedro Barroso
Co-produção – Uriel Pereira
Gravado por Uriel Pereira, nos estúdios Quinta da Voz, Casal da Raposa, Riachos, de Junho a Dezembro de 2013
URL: http://nossaradio.blogspot.com/2007/11/galeria-da-msica-portuguesa-pedro.html
http://pedro-sc-barroso.blogspot.pt/p/discografia.html
Capa do CD "Palavras ao Vento", de Pedro Barroso (Ovação, 2014)
Grafismo – Pedro Chora
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Outros artigos com repertório de Pedro Barroso:
Galeria da Música Portuguesa: Pedro Barroso
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Pedro Barroso: "Palavras Mal Ditas" ou "Palavras Malditas"?
Celebrando Sophia de Mello Breyner Andresen
Cesário Verde: "De Tarde"
Pedro Barroso: "Música de Mar"
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2 comentários:
Um grande senhor da música portuguesa, com canções intemporais, mas é a vida, ficará a sua obra musical, literária, artistica e para aqueles que como eu têm o privilégio de possuir quase todo o seu acervo musical restar-me-á escutar a sua voz e lembrar-me que um dia houve um cantor que me proporcionou horas intermináveis de prazer com a audição da sua música e da leitura da sua poesia.
Excelente. Parabéns
Abraço
Santos Oliveira
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