14 janeiro 2025
Manuel D'Oliveira: "O Momento Azul"
Manuel de Oliveira num 'videoclipe' gravado em Ponte de Lima.
© D.R.
«Em vésperas do centenário do nascimento de Carlos Paredes, voltaremos a escutar, na evocação do grande mestre da guitarra (ou, como sustenta o genial Pedro Caldeira Cabral, da cítara portuguesa) os "Verdes Anos" ou o "Movimento Perpétuo". Passada a efeméride, Paredes regressará ao desterro dos instrumentais. Porque as rádios, à excepção da Antena 2 e pouco mais, convivem mal com os grandes instrumentistas, sejam eles ou não geniais criadores. Conheci quem sustentasse que, não obstante a reconhecida qualidade artística de tantas obras instrumentais, elas não passariam de uma espécie de tapete luxuoso para certos contextos de sonoplastia. Não passariam de música para falar por cima.
Palavras medíocres limparam inúmeras vezes os pés no tapete instrumental disponível. Não encontro palavras para classificar essa visão estreita, essa concessão a critérios de estrita cobardia editorial.
Se um instrumentista ganha um prémio ou cai na grelha dos obituários, abre-se circunspecta excepção à regra mais cómoda.
Lembro-me do indisfarçado incómodo com que hierarcas da 'playlist' reagiram em tempos idos à minha opção de passar, em programas com forte componente musical, com o mesmo grau de dignidade, obras instrumentais e canções.
António Pinho Vargas, Júlio Pereira, Carlos Bica, Custódio Castelo, Carlos Paredes, Branko, assomaram às janelas que abri em tantas emissões de rádio, entretecendo atmosferas com os criadores de canções da minha estima.
Sou por isso obviamente sensível a um desabafo recente do grande guitarrista Manuel de Oliveira, vencedor do prémio Carlos Paredes e de quem se aguarda a apresentação, já em Maio, na Casa das Artes de Famalicão, do projecto "Ibéria 20/22", no qual leva por diante uma parceria feliz com dois músicos espanhóis [Jorge Pardo e Carles Benavent] fundadores do sexteto de Paco de Lucía.
Manuel de Oliveira, não obstante a alegria pelo justo prémio, deixou dito com todas as letras: "A música instrumental portuguesa é um lugar difícil em Portugal. Num país com uma riqueza cultural tão vasta e diversa é difícil compreender como a música instrumental continua a ser marginalizada por alguns dos nossos meios de comunicação. Existem canais em Portugal que não difundem a música instrumental como critério de programação, o que é medíocre e é penalizante da cultura e inteligência do público português".
Penso no quanto estas palavras de justa indignação de um músico excepcional deveriam trazer à discussão e à reflexão, no quanto elas podem ser instrumentais de um processo de mudança de critérios.
Entretanto, se andares a norte, não percas o fado anunciado para dia 17 na bela casa desenhada por Souto de Moura em São Martinho de Anta. É o "Fado da Cítara Portuguesa" pensado e dedilhado por Pedro Caldeira Cabral no Espaço Miguel Torga.
Pedro Caldeira Cabral sabe, de Portugal, as variações. Sabe o que é um lugar difícil em Portugal.» [Fernando Alves, "Um lugar difícil em Portugal", in "Os Dias que Correm", 14 Jan. 2025]
Nuno Galopim de Carvalho, quando ouviu a crónica de Fernando Alves lida hoje, pelo seu autor, aos microfones da Antena 1, como se sentiu? Não ficou com as orelhas a arder? Pois não era caso para menos já que a mesmíssima rádio, cuja direcção de programas lhe foi (levianamente) confiada, tem tratado bastante mal a música instrumental portuguesa que é perfeitamente enquadrável no estatuto editorial do canal generalista público (não é de música rotulada de erudita a que nos referimos, obviamente). Basta atentar na vergonhosa e asquerosa 'playlist' usada para preencher larguíssimos tempos de emissão. O problema não é novo (remonta a 2003, quando um programa informático de débito de música foi implantado no primeiro canal da rádio estatal por decisão do inenarrável António Luís Marinho), mas a verdade é que desde então nunca houve a mínima vontade de resolvê-lo, apesar das nossas múltiplas chamadas de atenção para ele (por exemplo, no artigo "Rão Kyao & Lu Yanan: Primavera"). Também por isso foi com imenso agrado que ouvimos Fernando Alves pôr o dedo na ferida, se bem que o tenha feito visando o panorama radiofónico português em geral, com a honrosa excepção da Antena 2 (cujo serviço, ainda assim, está longe de ser perfeito). Irá Nuno Galopim de Carvalho emendar a mão, tomando em boa conta as palavras sensatas e judiciosas de Fernando Alves e fazendo justiça, como é obrigação da Antena 1, a Manuel de Oliveira, a Pedro Caldeira Cabral e a tantos outros instrumentistas portugueses de mérito reconhecido? Temos seriíssimas dúvidas...
O escrevente destas linhas descobriu Manuel de Oliveira (ou Manuel D'Oliveira, como se grafava nos primeiros tempos) pela mão do saudoso Carlos Pinto Coelho numa emissão do seu programa radiofónico "Agora... Acontece!", em 2006 ou 2007, e não teve a mais pequena dificuldade em perceber logo que se tratava de um instrumentista de invulgar e elevado gabarito. E não quis deixar de adquirir os dois álbuns até então publicados pelo exímio guitarrista vimaranense: "Ibéria" (2002) e "Amarte" (2006). Um dos pontos mais altos, provavelmente o culminante, do primeiro CD intitula-se "O Momento Azul" e nele Manuel D'Oliveira (nas guitarras acústicas) faz-se acompanhar por Quiné Teles (na percussão) e por dois convidados especiais, António Chainho (na guitarra portuguesa) e Ricardo J. Dias (no acordeão). Esta pérola da música instrumental portuguesa, além de ter qualidade bastante para figurar na 'playlist' da Antena 1, seria o remate musical adequadíssimo e perfeito à crónica de Fernando Alves, oportunidade que quem manda no canal generalista da rádio do Estado desperdiçou uma vez mais, injustiçando impiedosamente o talentoso músico Manuel de Oliveira e desdenhando vilmente os ouvintes que apreciariam tê-la ouvido e descoberto (a esmagadora maioria, garantidamente).
O Momento Azul
Música: Manuel d'Oliveira
Intérprete: Manuel D'Oliveira* com António Chainho e Ricardo J. Dias (in CD "Ibéria", Manuel D'Oliveira/Ultimatum Music Records, 2002)
(instrumental)
* Manuel D'Oliveira – guitarras acústicas
Quiné Teles – percussão
Convidados especiais:
António Chainho – guitarra portuguesa
Ricardo J. Dias – acordeão
Produção – Manuel D'Oliveira, Torcato Faria
Produção executiva – Lucília Didier
Gravado e misturado no Estúdio Praça das Flores, Lisboa
Gravação – Jorge Barata, Dominik Borde, Jorge Cervantes, Tó Pinheiro da Silva
Assistentes de gravação – Pedro Gonçalves, Nuno Roque
Mistura – Tó Pinheiro da Silva, Manuel D'Oliveira
Masterização – Pep Agulló, Manuel D'Oliveira, nos Estudis Iguana, Barcelona
URL: https://manueldeoliveira.com/
https://www.facebook.com/manueldeoliveiraguitar/
https://bodyspace.net/discos/979-iberia-amarte/
https://www.youtube.com/@ManuelDeOliveiraGuitar/videos
https://music.youtube.com/channel/UCkWhSVZnx1N-ydqe6J3zxJQ
Capa do CD "Ibéria", de Manuel D'Oliveira (Manuel D'Oliveira/Ultimatum Music Records, 2002)
Fotografia – Cassiano Ferraz
Design gráfico – Armando Oliveira
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