01 outubro 2023
Vai de Roda: "Minha Roda 'stá Parada; Quadrilha Mandada"
Quadrilha (do francês, quadrille) – variedade da contradança francesa, bailada por quatro pares formando um quadrado ou por dois pares frente a frente, igualmente formando um quadrado. Floresceu nos salões da aristocracia gaulesa, na segunda metade do século XVIII. Foi assim, por via aristocrática, que chegou à côrte portuguesa, que a levou para o Rio de Janeiro, quando aí se radicou em Março de 1808, depois de, cerca de três meses antes, ter zarpado de Lisboa, em fuga do exército napoleónico comandado por Junot. No Brasil, a quadrilha não tardou a ser adoptada pelo povo ficando associada às festividades juninas dos Santos Populares e aos folguedos da época das colheitas. Em Portugal, também o povo dela se apropriou, tendo-se mantido com maior pujança na província do Douro Litoral.
A quadrilha mandada (assim chamada por ter um mandador), que o grupo Vai de Roda recolheu na aldeia de Pias, concelho de Cinfães, e gravou para o seu primeiro álbum, de título genérico "Vai de Roda", publicado no Outono de 1983 com selo Orfeu, teve o (bendito) condão de tornar-se o ex-libris do grupo. Para tal terão certamente contribuído a beleza e a vivacidade da melodia, assente na rabeca (tocada por Manuel António Tentúgal), e o vigoroso e apelativo mando de Amílcar Sardinha que, sucessivamente (11 vezes), profere "E viva a música!", que funciona simultaneamente como bordão e como incitamento aos tocadores e aos bailadores. E não foi por acaso que nas duas regravações feitas por iniciativa de Tentúgal dessa emblemática quadrilha mandada, para os álbuns "Terreiro das Bruxas" (1990), o segundo do grupo Vai de Roda, com o mando a cargo de Abílio Santos ('Bilão'), e "Rebento" (2019), da Companhia do Canto Popular, com o mando na voz de Rui Vaz, a expressão "Viva a Música" passou a constar no título das faixas: "Quadrilha (e vivá música)" [>> YouTube] e, depois, somente "Viva a Música" [>> YouTube Music].
Não sabemos se o realizador Armando Carvalhêda, quando, em 1996, escolheu o nome "Viva a Música" para baptizar o seu programa de música ao vivo na Antena 1, que duraria quase 25 anos [>> RTP-Palco], o fez inspirado pela "Quadrilha Mandada" do Vai de Roda. Certo, certo é que extraiu um trecho da gravação integrante do álbum "Terreiro das Bruxas" para indicativo da rubrica "Cantos da Casa" [>> RTP-Play] que, a partir de Setembro de 2006, manteve na mesma antena, e também para o indicativo do programa homónimo de fim-de-semana, iniciado em Outubro de 2015 [>> RTP-Play]. Serve esta menção para exprimirmos, uma vez mais, a nossa gratidão ao emérito profissional pelo proficiente trabalho de divulgação da música portuguesa de raiz que desenvolveu na nossa rádio. Muito obrigado, Sr. Armando Carvalhêda!
E como os vivas à música nunca são bastantes, ademais no dia instituído para celebrá-la de maneira mais formalizada (afinal, todos os dias se prestam à celebração da arte dos sons, de tão necessária que ela é à existência humana), aqui destacamos a primeira e maravilhosa "Quadrilha Mandada" do grupo Vai de Roda, que tem como introdução um lamiré, dado pela sanfona, da belíssima melodia da cantiga de rega "Minha Roda 'stá Parada". Boa escuta e bons passos de dança (para quem não tiver pés de chumbo)!
É oportuno apontar o dedo acusador e reprovador à actual direcção de programas da Antena 1, na pessoa de Nuno Galopim de Carvalho, pela vil e criminosa marginalização a que vem votando a música tradicional/folk portuguesa ao negar-lhe a merecida presença na 'playlist', restringindo-a, no caso de novas edições discográficas, ao programa dominical e bem matutino "A Árvore da Música" [>> RTP-Play] e, mais esporadicamente, ao também dominical "Vozes da Lusofonia" [>> RTP-Play]. O património discográfico anterior fica, portanto, sem cabal divulgação, pois só uma ou outra gravação aparece, de vez em quando, no programa "Alma Lusa" [>> RTP-Play] que é essencialmente de fado e peca por ser transmitido a horas de sono da maioria dos ouvintes (depois do noticiário da meia-noite de domingo até às 2h:00 da madrugada de segunda-feira). Urge, pois, que a rádio pública faça jus à missão para a qual foi criada, não se demitindo jamais de divulgar convenientemente a mais genuína e qualificada música regional de Portugal. A bem dos artistas que nela laboram (e da memória daqueles que laboraram) e pelo respeito que é devido aos ouvintes amantes da boa e bela música tradicional portuguesa!
Minha Roda 'stá Parada; Quadrilha Mandada
Música: Tradicional ("Minha Roda 'stá Parada" – margens do Zêzere, Beira Baixa – Recolha: António Avelino Joyce, 1938; "Quadrilha Mandada" – Pias, Cinfães, Douro Litoral – Recolha: Vai de Roda)
Arranjo: Manuel António Tentúgal; concepção da braguesa: Agostinho Couto
Intérprete: Vai de Roda* (in LP "Vai de Roda", Orfeu, 1983, reed. Movieplay, 1997)
(instrumental / voz do mandador / palmas)
* Instrumentos: sanfona portuguesa, ocarinas soprano, cucos e chocalhos (em "Minha Roda 'stá Parada"); voz do mandador, banjolim, viola braguesa, viola, baixo acústico, cavaquinho, violino e palmas (em "Quadrilha Mandada")
Vai de Roda:
Manuel António Tentúgal – voz solo, sanfona portuguesa, banjolim, harmónio, cavaquinho, violino, braguesa, viola com arco, baixo acústico, gaita-de-foles, ponteira, ocarina soprano, tambor e congas marroquinas, adufe, pandeireta, bombo, caixa, coros, grilos e arreiocos
Abi Feijó – pífaro de barro, ponteira, ocarina soprano, carrilhão de canas, demónio da floresta, piassába no bombo, címbalos, canas e foguetório, palmas
Agostinho Couto – guitarra, braguesa, baixo acústico, búzio, demónio da floresta, garrafa com garfo, canas, sineta, caixa de ovos, coros e foguetório
Amílcar Sardinha – voz solo (em "Quadrilha Mandada"), gaita-de-beiços, cavaquinho, trancanholas, pandeiro com milho, sarronca, bombo, palmas, almofariz, sino, canas e coros
Carlos Adolfo – guitarra, cavaquinho, conchas, garrafa com garfo, palmas, paulitos, coros e foguetório
Fernando Carvalho – adufe, bombo, caixa, baixo acústico, pandeireta, genebres, forma com milho, ocarina baixo, cuco, guizos, sino, palmas, paulitos, corno, coros, gritos, arreiocos e foguetório
Gi – voz, canas e palmas
Isabel Leal – voz, guitarra, canas e palmas
Fernanda Ramos ('Nanda') – voz, pinhas e palmas
Né Santelmo – voz, canas, carrilhão de seixos, chocalhos e palmas
Paula – voz, chocalhos e palmas
Preciosa Branco – voz, canas, carrilhão de chaves, chocalhos e palmas
Raul – banjolim, guitarra, baixo acústico, pandeireta, caixa, timbalão, caixa de ovos, palmas, garrafa com garfo, canas, sineta e coros
Músicos convidados:
Isabel Afonso – voz solo
Mina – segunda voz
Zé Vítor – flauta sopranino
Arranjos e direcção musical – Manuel António Tentúgal
Produção artística – Vai de Roda
Gravado nos Estúdios da Rádio Triunfo, Lisboa, em 11, 12 e 13 de Maio e 27, 28 e 29 de Junho de 1983
Captação de som – Moreno Pinto e Jorge Barata
Misturas – Moreno Pinto, Manuel António Tentúgal e Abi Feijó
Texto sobre o disco em: Grandes discos da música portuguesa: efemérides em 2008
URL: http://www.sinfonias.org/mais/musica-portuguesa-anos-80/directorio/959-vai-de-roda
https://www.youtube.com/user/DoTempoDosSonhos/videos?query=vai+de+roda
Capa do LP "Vai de Roda", do grupo Vai de Roda (Orfeu, 1983)
Concepção – Né Santelmo e Abi Feijó.
A pitoresca aldeia de Pias, na margem direita do rio Bestança, afluente do Douro (na margem esquerda).
Fotografias – Pedro Sá.
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