31 janeiro 2025

Chico Buarque: "Bom Conselho"


Nicolau Von Rupp surfando uma onda gigante na Praia do Norte / Nazaré Big Wave Challenge 2024
© Carlos Barroso/LUSA
(in https://desporto.sapo.pt/)


«O repórter fotográfico Carlos Barroso, da agência Lusa, deu asas a um olhar de ave marinha, e deixou-se levar na crina dos mais altos ventos, acima dos magotes que seguiam, nas arribas da Praia do Norte, a dança dos surfistas com a tempestade Ivo, na Nazaré. O Diário de Notícias dá-nos, esta manhã, uma das suas formidáveis imagens, uma primeira fila na última página, explicando que a Polícia Marítima cortou o trânsito para o farol, mas isso não impediu os amantes do surf de seguirem o português Nicolau Von Rupp enfrentando a tempestade Ivo. O jornal Público abre um pouco mais o mar da página para acolher os desafiadores da tempestade.
Poucos dias antes, o jornal Globo seguiu, na Nazaré, em plena tempestade Hermínia, o combate corpo a corpo entre o sergipano William Santana e um muro de água de trinta metros. Podia ser um cenário para a peça shakespeariana.
A Tempestade estava, aliás, em cena, há dias, no mais antigo teatro de Inglaterra, quando dois activistas de um grupo ambientalista invadiram o palco, protestando contra a inacção dos dirigentes políticos face às alterações climáticas. Este grupo tem desenvolvido acções semelhantes, nos lugares mais inesperados, em Wimbledon ou junto ao túmulo de Darwin. Não consta que tenham tentado anular as ondas da Nazaré, prejudicando assim a actuação de William Santana.
O nome William, no teatro das ondas, puxa mesmo a tempestade.
Tal como na peça, ele grita que é da mesma substância de que são feitos os sonhos, as ondas e a tempestade são a sua ilha de Próspero.
E por isso, ele sonha a onda de Santana, é o seu epónimo salgado.
Como se, no areal, a prancha debaixo do braço, ele fosse já repetindo o estribilho de uma canção de Chico, "vou para a rua a bebo a tempestade".
Os jornais dão notícia de ventos muito fortes e de agitação marítima nos municípios litorais da sua Sergipe, Aracaju, Japaratuba, Nossa Senhora do Socorro. Ele semeou o vento na sua cidade e atravessou o mar para subir ao alto de uma parede de água, mais veloz do que um cavalo-marinho, devagar é que não se vai longe.
O repórter fotográfico Carlos Barroso sobe também à mais alta arriba seguindo a dança na prancha. Caliban abraça em espuma a bela Ariel. Não tenhas medo, a praia está cheia de ruídos. Barroso merece mesmo uma caldeirada na mesa de McNamara, na Celeste.» [Fernando Alves, "Na onda mais alta da tempestade", in "Os Dias que Correm", 31 Jan. 2025]


O verso de Chico Buarque citado por Fernando Alves pertence à canção "Bom Conselho" e não seria difícil identificá-la já que uma das gravações abre o alinhamento de um dos mais conhecidos e aclamados álbuns do categorizado cantautor brasileiro: "Caetano e Chico Juntos e Ao Vivo" (1972). Esse registo teria sido o perfeito remate à crónica quando foi radiodifundida no programa da manhã da Antena 1 mas tal aconteceu, uma vez mais, denotando que a direcção de programas do canal generalista da rádio do Estado se está mesmo a marimbar para os ouvintes/contribuintes, muito especialmente para os que ficam com vontade de ouvir algo de música e/ou poesia sugerido pelo reputado cronista ou tematicamente relacionado com o teor da crónica. A passagem da referida canção de Chico seria igualmente uma maneira de celebrar, ainda que singelamente, a maior figura da música popular brasileira e um dos vultos mais proeminentes da canção de língua portuguesa (também por isso lhe foi outorgado, e com inteira justiça, o Prémio Camões). Eis, pois, o irónico "Bom Conselho", de e por Chico Buarque. Boa escuta!



Bom Conselho



Letra e música: Chico Buarque (Francisco Buarque de Holanda)
Intérprete: Chico Buarque* (in LP "Caetano e Chico Juntos e Ao Vivo", Philips/Phonogram, 1972, reed. Philips/Polygram, 1988, 1993)




Ouça um bom conselho
Que eu lhe dou de graça:
Inútil dormir que a dor não passa
Espere sentado
Ou você se cansa
Está provado
Quem me espera nunca
Alcança

Venha, meu amigo
Deixe esse regaço
Brinque com meu fogo
Venha se queimar
Faça como eu digo
Faça como eu faço
Aja duas vezes antes de pensar

Corro atrás do tempo
Vim de não sei onde
Devagar é que não se vai longe
Eu semeio vento na minha cidade
Vou p'rà rua e bebo a tempestade [3x]


* Chico Buarque – violão e voz
Perinho Albuquerque – violão
Tutty Moreno – bateria
Bira da Silva – percussão
Moacyr Albuquerque – baixo eléctrico
Antônio Perna Fróes – teclados

Produzido por Roni Berbert e Guilherme Araújo
Gravado ao vivo no Teatro Castro Alves, Salvador, Bahia, nos dias 10 e 11 de Novembro de 1972, por Ary Carvalhaes
URL: https://www.chicobuarque.com.br/
https://www.facebook.com/ChicoBuarque/
https://pt.wikipedia.org/wiki/Chico_Buarque
https://altamont.pt/caetano-veloso-e-chico-buarque-caetano-e-chico-juntos-e-ao-vivo/
https://music.youtube.com/channel/UC0KFB-23-1AeWp1pOi6bvpQ



Capa da 1.ª edição do LP "Caetano e Chico Juntos e Ao Vivo" (Philips/Phonogram, 1972)
Fotografia – Marcos Maciel.

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Outros artigos com repertório de Chico Buarque:
Em memória de Georges Moustaki (1934-2013)
Celebrando Vinicius de Moraes

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Outros artigos relacionados com a crónica de Fernando Alves na Antena 1:
Galandum Galundaina: "Chin Glin Din"
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