06 fevereiro 2025

Adriano Correia de Oliveira: "Pensamento" (Manuel Alegre)


Auguste Rodin, "Le Penseur" ("O Pensador"), 1904, escultura em bronze, Museu Rodin, Paris
Fotografia – Daniel Stockman, 27 Abr. 2010


«Ainda era escuro na manhã, perguntei à Oriana Barcelos, uma das madrugadoras desta rádio, se tinha saudades da Canada dos Melancólicos. E ela pôs-se a desfiar nomes de canadas da sua Angra, começando pela dos Diabretes. A conversa espraiou-se pela Canada dos Capins e, num ai, levei as saudades por uma canada para os lados de São Mateus, com o fito numas lapas que eu cá sei.
Por volta das cinco e meia fui à janela e não vi a estrela Sirius. Depois perdi-me no céu do ecrã e encontrei no sítio da rádio Vidigueira notícia de uma acção agendada para logo, ao fim da tarde, pelo município de Moura. Trata-se da iniciativa "Ruas que Falam" que continua a interpretar a toponímia da cidade das atalaias e da moura Salúquia. Na tarde de hoje, a Câmara de Moura leva os interessados a percorrer a zona da Porta Nova, revelando segredos mais ou menos bem guardados nas cercanias das muralhas medievais.
Há tanto a descobrir, seguindo os nomes das ruas. No caso de Moura, basta que nos deixemos levar, olhos abertos, curiosidade alevantada. Na rua das Terçarias, talvez alguém nos inicie na lenda associada a uma caução, a um penhor, envolvendo duas mulheres poderosas – Beatriz, mãe de D. Manuel, e Isabel, rainha de Castela –, cada uma guardando como garantia de um rascunho para o futuro tratado de paz de Alcáçovas, o filho da outra. E vai pela Torre do Relógio, pela Fonte das Três Bicas, pelas ruínas do convento das freiras dominicanas, pelas termas. E pergunta pela Rua dos Espingardeiros, pela dos Carmelitas, pela Rua Primeira do Sete e Meio, pela do Escalatrim, pela da Igualdade. Dá a volta ao largo da Capa Rota. E se te cansares, senta-te no Jardim dos Mal Encarados.
Mas guarda tempo, algum tempo para o ritual da mesa na Taberna do Liberato, onde já fiz com bons compinchas uma inesquecível emissão de rádio durante a qual, Jorge, o anfitrião, explicou como foi eleito bastonário da Ordem dos Taberneiros.
Entre duas lascas de presunto e um brinde ao grande Mário Zambujal, que aqui nasceu, saúdo a iniciativa da autarquia de Moura. Tantos são os que nada sabem, e muitos não cuidam de saber, sobre as origens do nome da rua onde vivem.
Lembro-me de, há muito tempo, em Vila de Frades, junto à casa onde nasceu o escritor Fialho de Almeida, ter ficado preso ao nome da rua mais próxima, Rua do Pensamento. Uma pequena rua de casas baixas e alto nome. Cheguei a bater a algumas portas, cuidando que haveria de colher de algum morador, não digo uma explicação cabal, mas um doce desvario, um verso repentista, um pensamento escapando-se em sorriso largo. Mas não, ninguém sabia. Dá que pensar.» [Fernando Alves, "Ruas que falam", in "Os Dias que Correm", 6 Fev. 2025]


Poemas e canções em língua portuguesa que referem o pensamento ou o acto de pensar não escasseiam. Alguns exemplos bem conhecidos: "Livre" (Não há machado que corte / a raiz ao pensamento), de Carlos de Oliveira, cantado por Manuel Freire; "Abandono" (Por teu livre pensamento / Foram-te longe encerrar), de David Mourão-Ferreira, cantado por Amália; "Vejam Bem" (que não há só gaivotas em terra / quando um homem se põe a pensar", de e por José Afonso. Com o vocábulo "pensamento" no título também existem várias canções e entre elas figura uma que seria o perfeito remate poético-musical à crónica de Fernando Alves hoje emitida pela Antena 1 no programa da manhã: "Pensamento", por Adriano Correia de Oliveira cantando versos de Manuel Alegre, que saiu primeiramente no EP "Trova do Vento Que Passa", em inícios de 1964. Acreditamos piamente que Fernando Alves teria apreciado que este belo trecho fosse tomado como epílogo às sua palavras em torno do pensamento. E teria sido também uma excelente oportunidade para dar a ouvir Adriano Correia de Oliveira, uma das melhores vozes de sempre da música portuguesa mas alvo de um criminoso boicote por quem tem administrado a 'playlist' do canal generalista da rádio do Estado. Os ouvintes teriam, decerto, ficado agradados com este mimo, mas não lhes foi concedido. Aqueles que aqui acederem poderão desfrutá-lo as vezes que lhes apetecer e voltarem a lamentar-se pela desconsideração a que são votados pela rádio que pagam. Boa escuta!



Pensamento



Poema: Manuel Alegre
Música: Adriano Correia de Oliveira e António Portugal
Intérprete: Adriano Correia de Oliveira* [in EP "Trova do Vento Que Passa", Orfeu, 1964; LP "Adriano Correia de Oliveira: Baladas", Orfeu, 1969; LP "Trova do Vento Que Passa", Orfeu, 1982; "7CD "Adriano: Obra Completa": CD "Trova do Vento Que Passa: Adriano canta Manuel Alegre (I)", Movieplay, 1994; 7 livros/CD "Obra Completa de Adriano Correia de Oliveira": vol. 3 - "Trova do Vento Que Passa: Adriano canta Manuel Alegre I", Movieplay/Público, 2007]


Meu pensamento
Partiu no vento
Podem prendê-lo
Matá-lo não.

Meu pensamento
Quebrou amarras
Partiu no vento
Deixa guitarras.

Meu pensamento
Por onde passas
Estátua de vento
Em cada praça.

Meu pensamento
Partiu no vento
Podem prendê-lo
Matá-lo não.

Foi à conquista
Do novo mundo
Foi vagabundo
Contrabandista.

Foi marinheiro
Maltês ganhão
Foi prisioneiro
Mas servo não.

Meu pensamento
Partiu no vento
Podem prendê-lo
Matá-lo não.

E os reis mandaram
Fazer muralhas
Tecer as malhas
De negras leis.

Homens morreram
Chamas ao vento
Por ti morreram
Meu pensamento.


* Adriano Correia de Oliveira – voz
António Portugal – guitarra de Coimbra
Rui Pato – viola

Montagem DAT (edição de 1994) – João Pedro Castro, nos Estúdios Namouche, Lisboa
Biografia e discografia em: A Nossa Rádio
URL: https://adrianocorreiadeoliveira.org/
https://www.facebook.com/adrianocorreiadeoliveira/
https://www.youtube.com/user/DoTempoDosSonhos/videos?query=adriano+correia+oliveira



Capa do EP "Trova do Vento Que Passa", de Adriano Correia de Oliveira (Orfeu, 1964)
Fotografia – Fernando Aroso



Capa da compilação em LP "Adriano Correia de Oliveira: Baladas" (Orfeu, 1969)
Fotografia – Fernando Aroso (Praia de Lavadores, Vila Nova de Gaia)



Capa da compilação em LP "Trova do Vento Que Passa" (Orfeu, 1982)
Reedição da compilação anterior.



Capa da caixa de 7CD "Adriano: Obra Completa", org. José Niza (Movieplay, 1994)
Fotografia – Inácio Ludgero
Design gráfico – José Santa-Bárbara
Edição electrónica/digitalização gráfica – Olívia Braga



Capa do CD "Trova do Vento Que Passa: Adriano canta Manuel Alegre (I)", org. José Niza (Movieplay, 1994)
Design gráfico – José Santa-Bárbara
Edição electrónica/digitalização gráfica – Olívia Braga



Capa do livro/CD "Trova do Vento Que Passa: Adriano canta Manuel Alegre I", vol. 3 da "Obra Completa de Adriano Correia de Oliveira", org. José Niza (Movieplay/Público, 2007)

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