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Narciso-dos-poetas (Narcissus poeticus), Pirenéus, vale de Arles
© J. Fernández (in https://notascomentarios.blogspot.com/)
Esta fotografia foi a escolhida pelo Prof. Jorge Paiva para figurar no postal "Ambiente e Desilusão", distribuído em Dezembro de 2024, o 35.º e último dos seus postais de Natal.
«Deu-se a coincidência de eu estar a escrever um livro, que a Universidade [de Coimbra] me solicitou, sobre as plantas na obra completa de Camões, em todos os poemas de Camões. E uma das plantas que eu lá identifiquei é essa, que ele nunca viu, mas que ele cita. Por causa do nome de um deus que era Narciso. E esse é o narciso a que Lineu deu o nome de narcissus poeticus, porque era o narciso que os poetas citavam nos seus poemas. É um narciso muito comum na Europa. Nós não temos, vem até aos Pirenéus. Essa fotografia é dos Pirenéus.»
JORGE PAIVA, em entrevista concedida à
jornalista Guilhermina Sousa, emitida pela
TSF-Rádio Jornal, a 17 Jan. 2025
[áudio e texto em https://www.tsf.pt/]
«O Núcleo de Biologia da Associação de Estudantes de Coimbra lançou ontem um concurso de ideias em homenagem ao botânico Jorge Paiva. É uma boa ideia.
O nome de Jorge Paiva devia ser regado e cuidado como se cuida da mais bela e frágil flor de um jardim. Ele gosta de narcisos, da beleza dos narcisos, não porque pretenda, retirado de cena aos 91 anos, rever o próprio rosto num espelho de água. Gosta da beleza da flor, do caule inclinado em vénia à flor amarela ou branca do narciso.
Jorge Paiva é um notável cientista desiludido com a apatia dos seus contemporâneos face aos problemas ambientais. Ao longo de várias décadas, o admirável botânico enviou, todos os Natais, milhares de postais alertando para a necessidade de civismo ambiental. O último citava Camões, "valioso lírico". Foi o pretexto para o botânico Jorge Paiva sacudir a legenda de "lírico irrealista" que os da compostura oficial e oficiosa, os que não fazem nem deixam fazer, lhe foram colando.
Está por fazer a grande homenagem nacional a este homem cujo nome foi dado pela comunidade científica a várias plantas entretanto descobertas. Mas sob o sorriso condescendente dos guardadores da circunspecta academia esconde-se o desdém dos contentes de si mesmos. Se perguntares na rua aos mais finórios, a quem quer que passe na pressa dos passeios, quem é Jorge Paiva, botânico, uma vida longa dedicada à paixão das plantas, o homem das improváveis expedições que lhe granjearam revelações de um mundo vegetal e várias crises de malária, poucos saberão.
Esbracejou ao longo da vida, abriu nesgas de clarividência onde imperava a opacidade, não esconde agora a desilusão com a desatenção dos dirigentes políticos relativamente aos temas ambientais, fora das proclamações de circunstância, claro. Tirando Guterres, não reconhece uma voz persistente na política actual que continuadamente alerte para o desastre.
Eis que um grupo de estudantes da universidade onde Jorge Paiva se licenciou e fez carreira acende agora a luz da sala, tocando no ponto: "Enquanto estudantes e futuros biólogos", sublinham, "sentimo-nos responsáveis pela desilusão expressa pelo professor Jorge Paiva no seu último postal de Natal". Assim, eles levantam o braço frente à indiferença geral e iniciam o que me ocorre designar como Expedição ao continente Jorge Paiva. O Núcleo de Estudantes de Biologia de Coimbra desassossega por instantes os corredores sisudos e lança o Concurso Jorge Paiva, na expectativa de que surjam ideias para a reabilitação de espaços e preservação de espécies na região de Coimbra.
E no início de Março há uma exposição com os postais de Natal do admirável botânico. Todos os postais. A flor de narciso ganha um amarelo vivo, saudando a primavera que não tarda.» [Fernando Alves, "Uma flor de narciso para Jorge Paiva", in "Os Dias que Correm", 26 Fev. 2025]
De canções portuguesas com a palavra 'narciso', no título ou no corpo da letra, referenciámos umas quantas mas o assunto tratado diz respeito a pessoas, ora envergando aquele nome ora tendo características narcísicas. Aludindo expressamente à flor daquela planta, nada lográmos encontrar, quer de canções quer de poemas ditos/recitados... Apanhámos, isso sim, uma canção que se refere às flores enquanto órgãos reprodutivos das plantas angiospérmicas e que, nessa medida, não podia ser mais adequada para dedicar a um botânico, no caso ao emérito Prof. Jorge Paiva: "Ai, Flores", de e por Amélia Muge, que abre o alinhamento do seu magnífico álbum "Taco a Taco", editado pela Polygram com o selo Mercury em 1998, e que no ano seguinte seria distinguido com o então prestigiado Prémio José Afonso. O arranjo, concebido por António José Martins, remete-nos para África, continente de onde o Prof. Jorge Paiva é natural (nasceu na vila angolana de Cambondo, na província de Cuanza Norte) e por onde também andou em campanhas científicas, pelo que certamente não deixaria de ouvir com prazer esta bela canção "Ai, Flores" como remate à crónica de Fernando Alves a si consagrada, se acaso esteve sintonizado nalguma frequência da Antena 1 aquando da transmissão hoje de manhã. E os ouvintes, na sua maioria, também a teriam escutado com agrado, quer aqueles que já a conhecem, quer os outros que assim podiam alargar os seus horizontes musicais e ficado (mais) despertos para a valiosa obra de Amélia Muge, cantautora que, apesar de ser a mais categorizada que existe em Portugal, tem sido muitíssimo maltratada pelas rádios nacionais, incluindo a do Estado.
Ai, Flores
Letra e música: Amélia Muge
Arranjo: António José Martins
Melodia incidental: José Mário Branco
Intérprete: Amélia Muge* (in CD "Taco a Taco", Mercury/Polygram, 1998)
A flor traz saiinha branca
E amarela chapelinha
A flor traz saiinha branca
E amarela chapelinha
Se a saia, se a saia cair ao chão
Fica a flor mais pobrezinha
Fica a flor mais pobrezinha
Grande é a contradição
Fica a flor mais pobrezinha
Grande é a contradição
Uma coroa, coroa de rainha
Com o reino pelo chão
Uma coroa, coroa de rainha
Com o reino pelo chão
[instrumental / vocalizos]
Com o reino pelo chão
Lá se foi quem já não é
Com o reino pelo chão
Lá se foi quem já não é
Lá dançam, lá dançam no terreiro
Os que ficaram de pé
Os que ficaram de pé
São a esperança da monção
Os que ficaram de pé
São a esperança da monção
Lá andam, lá andam na base da coroa
Inventam nova união
Lá andam, lá andam na base da coroa
Inventam nova união
[instrumental / vocalizos]
...de pé!
* Amélia Muge – voz
Catarina Anacleto e Luís Sá Pessoa – violoncelos
Nuno Patrício – didjiridum
Rui Júnior – congas
OÓQueSomTem – palmas
António José Martins – guimbarda, maracas
Produção – António José Martins, com a colaboração de José Mário Branco
Produtores executivos – Paulo Salgado e António José Martins
Gravado e misturado no estúdio Noites Longas, em Dezembro de 1997
Técnicos de som – António Pinheiro da Silva e Maria João Castanheira
Misturas – António Pinheiro da Silva e António José Martins
Materização – António Pinheiro da Silva e Rui Neves
Texto sobre o disco em: Grandes discos da música portuguesa: efemérides em 2008
URL: https://www.facebook.com/ameliamuge
https://www.facebook.com/Am%C3%A9lia-Muge-Michales-Loukovikas-315928531775833/
https://pt.wikipedia.org/wiki/Am%C3%A9lia_Muge
https://www.uguru.net/artista/amelia-muge/
https://www.youtube.com/channel/UC9pldcsocJWRX6mIP5w2viw
https://www.youtube.com/@macajm51
https://www.youtube.com/@UGURUMusica/videos?query=amelia+muge
https://music.youtube.com/channel/UCEWggHi4NJVs7BYz1VmaOfg
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Capa do CD "Taco a Taco", de Amélia Muge (Mercury/Polygram, 1998)
Ilustrações – Amélia Muge
Concepção gráfica – Cristiana Serejo
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Prof. Jorge Paiva
(in https://noticias.uc.pt/)
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Outros artigos com repertório de Amélia Muge:
A infância e a música portuguesa
Camões recitado e cantado
Celebrando Natália Correia
Em memória de António Ramos Rosa (1924-2013)
Celebrando Sophia de Mello Breyner Andresen
Em memória de Fernando Alvim (1934-2015)
Amélia Muge: "Os Novos Anjos" (ao Zeca Afonso)
Amélia Muge: "Dia em Dia"
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Outros artigos relacionados com a crónica de Fernando Alves na Antena 1:
Galandum Galundaina: "Chin Glin Din"
"Sons d'Outrora" em viola da terra, por Miguel Pimentel
Vitorino: "Moças de Bencatel" (Conde de Monsaraz)
Teresa Silva Carvalho: "Barca Bela" (Almeida Garrett)
António Borges Coelho: "Sou Barco"
Celeste Rodrigues: "Chapéu Preto"
Sérgio Godinho: "Tem Ratos"
Ruy Belo: "E Tudo Era Possível", por Nicolau Santos
Jacques Brel: "J'Arrive"
A tristeza lusitana
Segréis de Lisboa: "Ay flores do verde pino" (D. Dinis)
Manuel D'Oliveira: "O Momento Azul"
Aldina Duarte: "Flor do Cardo" (João Monge)
José Mário Branco: "Inquietação"
Chico Buarque: "Bom Conselho"
Teresa Paula Brito: "Meu Aceso Lume - Meu Amor" (Maria Teresa Horta)
Adriano Correia de Oliveira: "Pensamento" (Manuel Alegre)
Fausto Bordalo Dias: "Comboio Malandro" (António Jacinto)
Grupo Coral "Os Ganhões de Castro Verde" com Luiz Avellar: "As Nuvens Que Andam no Ar"
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