09 abril 2022

Adriano Correia de Oliveira: "Exílio" (Manuel Alegre)



O escrevente destas linhas não teve o privilégio de conhecer, em carne e osso, Adriano Correia de Oliveira porque ainda era uma criança quando a morte levou, precocemente, o notabilíssimo artista. Porém, os testemunhos de pessoas que com ele privaram, mormente o do seu íntimo amigo e poeta Manuel Alegre, dão-no como um homem extraordinariamente corajoso e destemido. Apesar da implacável repressão que a ditadura salazarista-marcelista exercia sobre os criadores e artistas que lhe eram hostis, Adriano Correia de Oliveira nunca se calou e, emprestando a sua esplêndida e cristalina voz cantada a alguma da melhor poesia portuguesa de mensagem, afirmou-se um dos dois principais cantores-lutadores (o outro era José Afonso) pela mudança política que devolvesse a liberdade e a democracia ao povo português. O poema "Exílio", escrito por Manuel Alegre e musicado por Luís Cília (este foi o primeiro a gravá-lo quando estava exilado em Paris, no álbum "Portugal-Angola: Chants de Lutte", de 1964), que Adriano gravou em 1967, embora não se conte entre os seus temas mais conhecidos, é talvez o que melhor exprime esse desígnio de artista livre que não se deixava amedrontar e subjugar, porque «a verdade é mais forte do que as algemas» e era preciso tomar o navio da canção para ir direito ao coração de toda a gente. Nessa medida, "Exílio" pode considerar-se um manifesto cívico-artístico do cantor Adriano Correia de Oliveira que, apesar de viver dentro das fronteiras do seu país, não deixava de se sentir um exilado devido à opressão e ao cerceamento da liberdade de expressão que eram apanágio do Estado Novo.
É, pois, destacando a canção "Exílio", maravilhosamente cantada por Adriano acompanhado pela virtuosística viola de Rui Pato, que rendemos o nosso singelo tributo à memória do insigne compositor/intérprete, neste dia em que completaria 80 anos de idade. Dedicamo-la a todos os exilados deste mundo, independentemente das razões que os levaram a sair das suas pátrias: ausência de liberdade de expressão, intolerância religiosa, insegurança, guerra, falta de trabalho ou trabalho mal remunerado, desertificação, corrupção...

Ontem, na Antena 1, Adriano Correia de Oliveira foi evocado em dois espaços: no programa da manhã em que os respectivos animadores, Mónica Mendes e Pedro Miguel Ribeiro, estiveram à conversa com Rui Pato [>> RTP-Play], e no programa do pós-jantar (21h:00-23h:00) no qual Jorge Afonso teve como convidados Teresa Alegre Portugal (irmã de Manuel Alegre), Paulo Sucena e Manuel Portugal (filho de António Portugal) [>> RTP-Play]. Também foram transmitidas, avulsamente ao longo do dia, cinco canções escolhidas por seis convidados de renome: "Trova do Vento Que Passa" / Manuel Alegre [>> RTP-Play]; "E de Súbito um Sino" / Rui Pato [>> RTP-Play]; "Cantar de Emigração" / Armando Carvalhêda [>> RTP-Play]; "Tu e Eu Meu Amor" / Arnaldo Trindade [>> RTP-Play]; "Canção com Lágrimas" / Viriato Teles [>> RTP-Play]; "Canção com Lágrimas" / João Carlos Callixto [>> RTP-Play].
Registamos com agrado as referidas evocações do criador da balada "Fala do Homem Nascido" na véspera do 80.º aniversário do seu nascimento, mas não conseguimos disfarçar a nossa decepção por, no dia de hoje, em nenhum dos programas dos turnos da manhã e da tarde se ter falado da obra do artista e dado a ouvir alguns espécimes da sua discografia, com especial enfoque nos menos conhecidos. Como explicar tão aberrante e absurda omissão no canal da estação pública que propagandeia ser «uma rádio com memória»? Em matéria de omissões, temos de voltar a apontar o dedo à 'playlist', na qual Adriano Correia de Oliveira não está representado há um ror de anos. Situação que é de absoluta anormalidade, atendendo à importância do compositor/intérprete na História da Música Portuguesa e ao valor superlativo do seu legado musical/fonográfico que está recheado de canções intemporais e tremendamente actuais, como é o caso de "As Balas" e "Cantar de Emigração".
Não acompanhámos, de fio-a-pavio, a emissão de hoje da Antena 3, mas nas breves incursões que lá fizemos nada nos constou sobre Adriano Correia de Oliveira, o que nos leva a deduzir que o canal jovem também pecou por omissão. Perguntamos: os portugueses que nasceram a partir de meados dos 70, que constituem o grosso do auditório da Antena 3, não têm o direito de saber que existiu em Portugal um grande (enorme) compositor/cantor chamado Adriano de Correia de Oliveira e de tomar contacto auditivo com algumas das suas canções, de modo a ficarem com a curiosidade espicaçada e motivados a irem à descoberta da obra integral?



Exílio



Poema: Manuel Alegre
Música: Luís Cília
Criação: Luís Cília (in LP "Portugal-Angola: Chants de Lutte", Chant du Monde, 1964)
Intérprete: Adriano Correia de Oliveira* [in LP "Adriano Correia de Oliveira ("Rosa de Sangue")", Orfeu, 1967, reed. LP "Margem Sul", Orfeu, 1982; EP "Para Que Quero Eu Olhos", Orfeu, 1968; 7CD "Adriano: Obra Completa": CD "Trova do Vento Que Passa: Adriano canta Manuel Alegre (I)", Movieplay, 1994; 7 livros/CD "Obra Completa de Adriano Correia de Oliveira": vol. 3 - "Trova do Vento Que Passa: Adriano canta Manuel Alegre I", Movieplay/Público, 2007]




Venho dizer-vos que não tenho medo,
A verdade é mais forte do que as algemas;
Venho dizer-vos que não há degredo
Quando se traz a alma cheia de poemas.

Lá, lá, lá...

Venho dizer-vos que não tenho medo,
A verdade é mais forte do que as algemas;
Venho dizer-vos que não há degredo
Quando se traz a alma cheia de poemas.

[instrumental]

Em qualquer parte estou presente,
Tomo o navio da canção
E vou direito ao coração de toda a gente.

Venho dizer-vos que não tenho medo,
A verdade é mais forte do que as algemas;
Venho dizer-vos que não há degredo
Quando se traz a alma cheia de poemas.

Lá, lá, lá...

Venho dizer-vos que não tenho medo...


* Adriano Correia de Oliveira – voz
Rui Pato – viola
Montagem DAT (edição de 1994) – João Pedro Castro, nos Estúdios Namouche, Lisboa
URL: https://adrianocorreiadeoliveira.org/
https://www.facebook.com/adrianocorreiadeoliveira/
https://www.youtube.com/user/DoTempoDosSonhos/videos?query=adriano+correia+oliveira



Capa do LP "Adriano Correia de Oliveira ("Rosa de Sangue")" (Orfeu, 1967)
Concepção – Fernando Aroso



Capa do EP "Para Que Quero Eu Olhos", de Adriano Correia de Oliveira (Orfeu, 1968)
Concepção – Fernando Aroso



Capa do LP "Margem Sul", de Adriano Correia de Oliveira (Orfeu, 1982)
Reedição LP "Adriano Correia de Oliveira ("Rosa de Sangue")", de 1967



Capa da caixa de 7CD "Adriano: Obra Completa", org. José Niza (Movieplay, 1994)
Fotografia – Inácio Ludgero
Design gráfico – José Santa-Bárbara
Edição electrónica/digitalização gráfica – Olívia Braga



Capa do CD "Trova do Vento Que Passa: Adriano canta Manuel Alegre (I)", org. José Niza (Movieplay, 1994)
Design gráfico – José Santa-Bárbara
Edição electrónica/digitalização gráfica – Olívia Braga



Capa do livro/CD "Trova do Vento Que Passa: Adriano canta Manuel Alegre I", vol. 3 da "Obra Completa de Adriano Correia de Oliveira", org. José Niza (Movieplay/Público, 2007)

___________________________________________

Outros artigos com canções interpretadas por Adriano Correia de Oliveira:
Adriano Correia de Oliveira: um grande cantor silenciado na rádio pública
E Alegre se Fez Triste
Galeria da Música Portuguesa: Adriano Correia de Oliveira
Em memória de Adriano
Adriano Correia de Oliveira: "As Balas" (Manuel da Fonseca)
Adriano Correia de Oliveira: "Cantar de Emigração"
Em memória de Urbano Tavares Rodrigues (1923-2013)
Celebrando Luís Pignatelli

Sem comentários: