19 abril 2022

Florbela Espanca: "À Morte", por Eunice Muñoz


Eunice Muñoz em 1971


No dia em que o país se despede de Eunice Muñoz, o blogue "A Nossa Rádio" associa-se ao preito nacional à genial actriz e recitadora destacando o poema (soneto) "À Morte" que fecha o alinhamento do álbum "Florbela Espanca por Eunice Muñoz", publicado em 1977 por Arnaldo Trindade, sob a chancela Orfeu. E é igualmente em lugar derradeiro que o texto aparece na segunda edição do livro "Charneca em Flor", de 1931, onde foi primeiramente publicado, inserido no apêndice de 28 sonetos inéditos "Reliquiae", bem como nas sucessivas edições dos "Sonetos Completos" e da "Poesia Completa".
Ao contrário da mais ilustre e trágica das poetisas portuguesas que chamou a si a Morte antes de tempo, a sua admiradora Eunice Muñoz gostava muito de viver, segundo testemunhos de quem com ela conviveu, mas a Senhora da Gadanha não lhe permitiu que fosse além de 93 anos, oito meses e quinze dias. Ainda assim foi uma vida longa e superlativamente enriquecedora da Cultura Portuguesa. E tudo o que se faça em reconhecimento desse tão significativo e valioso contributo nunca será bastante. Pela parte que nos toca, fica desde já expressa a intenção de rendermos a Eunice Muñoz tributos mais amplos, um dos quais tendo como enfoque a admirável "Antologia da Mulher Poeta Portuguesa" (1981).

No que respeita à rádio pública, assinalamos a reposição na emissão da Antena 1, logo na manhã de sexta-feira, pouco depois de ser veiculada a triste notícia do falecimento da Senhora D. Eunice, do excelente documentário biográfico integrante da série "Vidas Que Contam", realizado por Ana Aranha, com locução de Filomena Crespo. No caso da Antena 2, registamos também e ainda com mais agrado a mui louvável iniciativa do realizador Luís Caetano ao preencher, por inteiro, a edição do mesmo dia d' "A Ronda Noite" [>> RTP-Play] e a edição do dia seguinte d' "A Força das Coisas" [>> RTP-Play] com poesia dita por Eunice Muñoz entremeada com belíssimos trechos de música. Um regalo para os ouvidos e para o espírito!
Deveras vergonhosa e inconcebível foi a atitude negligente da direcção de programas do canal cultural da estação pública ao não resgatar uma das entrevistas que Eunice Muñoz concedeu à rádio em diferentes momentos do seu percurso artístico. Temos notícia de três – uma concedida a Francisco Igrejas Caeiro (1955), outra a Victor Nobre (1991) [>> RTP-Arquivos] e ainda outra a Luís Ramos (2000) [>> RTP-Arquivos] – mas é bem provável que existam mais no arquivo histórico. E se a não transmissão de uma entrevista é, a todos os títulos, deplorável, não deixa de ser sumamente condenável o não resgate de uma peça de teatro em que Eunice Muñoz foi protagonista. Seria um acto da mais elementar justiça atendendo à dimensão da insigne actriz e ao altíssimo gabarito que também evidenciou nas produções radiofónicas de cujos elencos fez parte, mormente nas décadas de 50, 60 e 70. Essa peça podia, inclusive, muito bem ser a que inauguraria a reposição de todas as peças que a notabilíssima artista fez na rádio, ao ritmo de uma por semana. Mais do que condecorações, lutos nacionais e honras de panteão a melhor maneira de um país manifestar a sua gratidão a alguém que foi grande (enorme) é cultivando a sua obra!



À MORTE



Poema (soneto) de Florbela Espanca (de "Reliquiae", in "Charneca em Flor", 2.ª edição, Coimbra: Livraria Gonçalves, 1931 – p. 94; "Sonetos Completos", Coimbra: Livraria Gonçalves, 1934 – p. 172; "Poesia Completa", Lisboa: Publicações Dom Quixote, 2000 – p. 388)
Recitado por Eunice Muñoz* (in LP "Florbela Espanca por Eunice Muñoz", Orfeu, 1977, reed. CD "Eunice Muñoz diz Florbela Espanca", col. O Melhor dos Melhores, vol. 61, Movieplay, 1997)
Música: Rui Guedes


Morte, minha Senhora Dona Morte,
Tão bom que deve ser o teu abraço!
Lânguido e doce como um doce laço
E como uma raiz, sereno e forte.

Não há mal que não sare ou não conforte
Tua mão que nos guia passo a passo,
Em ti, dentro de ti, no teu regaço
Não há triste destino nem má sorte.

Dona Morte dos dedos de veludo,
Fecha-me os olhos que já viram tudo!
Prende-me as asas que voaram tanto!

Vim da Mourama, sou filha de rei,
Má fada me encantou e aqui fiquei
À tua espera,... quebra-me o encanto!


* Eunice Muñoz – voz
Rui Guedes – piano

Produção – Rui Guedes
Gravado nos Estúdios Arnaldo Trindade, Lisboa
URL: https://www.infopedia.pt/apoio/artigos/$eunice-munoz
http://www.terrasdeportugal.pt/printer--friendly//eunice-munoz
https://pt.wikipedia.org/wiki/Eunice_Mu%C3%B1oz



Capa da 2.ª edição do livro "Charneca em Flor", de Florbela Espanca (Coimbra: Livraria Gonçalves, 1931)



Capa do LP "Florbela Espanca por Eunice Muñoz" (Orfeu, 1977)
Concepção – Fernando Aroso
Fotografia de Florbela Espanca gentilmente cedida por Otelo José Espanca



Capa do CD "Eunice Muñoz diz Florbela Espanca", col. O Melhor dos Melhores, vol. 61 (Movieplay, 1997)

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Ser Poeta
Camões recitado e cantado (II)
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