![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjuuWKvfXSMg3ejW3EaseDR7OK-ywH5WfOr6NikyUHVqy2n4PG2KaXAPDWVTuUe6J1Sb4a7ZkaLklX9Jg7aqMOngICRjljEunzvD4LtLNsaJG5k_biCgmznUDJPs4RkcYEuwgJi1Tu147fGI63O4r1bfwd-G2NEJBqSWpkAi8soLaA5RcmD1fz6/w400-h400/Maria_Teresa_Horta.jpg)
Fotografia respigada do Facebook oficial de Maria Teresa Horta.
«Guardei há dias no bloco de notas uma frase que encontrei na edição digital do jornal El Sur, de Málaga, dita por Antonio Ortiz, um especialista em padrões estocásticos: "Uma das coisas que sempre nos distinguirá da inteligência artificial é desobedecer".
Lembrei-me dessa anotação quando chegou a notícia da morte de Maria Teresa Horta que sempre fez da desobediência uma das marcas, talvez a principal, das tantas lutas que travou. Nela, a desobediência era um degrau mais alto da coragem. Porque, nela, a coragem podia implicar que, não raras vezes, rompesse com a norma estabelecida no seu mais íntimo círculo de acção. Desobediente, pois, e desalinhada, mesmo quando fazia ombro com outros ombros no empenhamento cívico. Não era mais uma. Era uma, senhora de si, fraternal, solidária. "Comigo me desavim/ minha senhora/ de mim", escreveu ela num livro de 1971 que a PIDE haveria de apreender.
O enaltecimento desta sua marca de água ética e estética por certo merece menoscabo de tantos que na passagem dos dias nunca deixaram de beber o purgante da vassalagem, educados na continência e na serventia vil. Vemo-los compondo, no enquadramento, o galheteiro mediático, olhar circunspecto e bajulador, abanando a cabeça às declarações de um qualquer mais graduado. Têm a altivez de um cão de loiça. São insensíveis à pulsão mais funda da liberdade, estranham qualquer manifestação ou formulação de um viver poético.
Na notável biografia de Maria Teresa Horta que Patrícia Reis publicou o ano passado, justamente intitulada "A Desobediente", é relembrado um depoimento do compositor António Chagas Rosa que em dado momento pretendeu musicar poemas originais de Maria Teresa. Ele conta que ela se lhe apresentou com aquilo que define como "a modéstia dos grandes", e lhe entregou um esboço do magnífico conto cantado "Feiticeiras", perguntando: "Acha bem?".
"Sou mulher/ sou feiticeira/ sou bruxa// No meu abraço// desobedeço e invento/ insubordino o que faço".
São versos retomados, noutra formulação, no poema "Ponto de Honra", incluído em "Inquietude", uma edição da Quasi, nos finais de 2006: "Desassossego a paixão / espaço aberto nos meus braços/ Insubordino o amor/ desobedeço e desfaço".
A mulher que nos olha com tamanha doçura na belíssima foto de capa, de Gonçalo Villaverde, esta manhã no DN, intima-nos, tão serenamente, a que não desistamos da coragem da desobediência, quando ela se imponha não para que nos distingamos de máquinas inteligentes, mas de humanos pusilânimes.» [Fernando Alves, "O que sempre nos distinguirá", in "Os Dias que Correm", 5 Fev. 2025]
Se esta crónica de Fernando Alves, verdadeiramente antológica (a somar a tantas outras que já escreveu e leu aos microfones da rádio portuguesa), tivesse sido emitida pela TSF-Radio Jornal é garantido que seria rematada com um registo extraído de um disco – poema recitado ou canção sobre poesia de Maria Teresa Horta. Na Antena 1 a opção tem sido a de transmitir a crónica a seco (seguida do estado do tempo), não por haver a evidência de que assim as palavras do eminente cronista sejam mais facilmente apreendidas e assimiladas (longe disso), mas tão-só porque a inércia e a desconsideração pelos ouvintes prevalecem sobre o profissionalismo e o sentido de serviço público que deviam nortear sempre quem exerce funções de chefia e subalternas na estação que é suportada pelos pagantes da contribuição do audiovisual. No caso presente, o remate mais óbvio e lógico seria um dos poemas de que Fernando Alves leu excertos, de preferência na voz da autora, que muito provavelmente existem no arquivo histórico da RDP (o primeiro citado, "Minha Senhora de Mim", éramos capazes de apostar que lá existe). Mas, se acaso se verificasse a inexistência de qualquer dos poemas evocados pelo distinto cronista, ficaria igualmente bem passar uma canção sobre um poema de Maria Teresa Horta. E há várias, a começar pelas gravadas por Teresa Paula Brito, em 1971, com música de Nuno Filipe e arranjos de Rui Ressurreição, para o EP "Minha Senhora de Mim" sobre poemas do livro homónimo, volume esse publicado no mesmo ano e logo apreendido pela PIDE. Escolhemos, para aqui destacar, em saudosa memória da poetisa, que acabou de nos deixar, e da intérprete, que já cá não está desde 2003, a canção (compósita de dois poemas) "Meu Aceso Lume - Meu Amor". Estamos certos de que os ouvintes da Antena 1 (se não todos, a esmagadora maioria) teriam gostado de ouvi-la, uns em deslumbrante descoberta e outros em gratíssima revisitação. Os que aqui acederem poderão colmatar a lacuna que a sua rádio lhes deixou (negligentemente) aberta e, ao mesmo tempo, tomarem mais aguda consciência de como o dinheiro que desembolsam não tem com correspondência um serviço irrepreensível e plenamente satisfatório. Boa escuta!
Nota: A respeito de Maria Teresa Horta, recomendamos vivamente a edição de ontem d' "A Ronda da Noite", que Luís Caetano fez a justiça de dedicar inteiramente à distinta poetisa e escritora [>> RTP-Play].
Meu Aceso Lume - Meu Amor
Poemas: Maria Teresa Horta (ligeiramente adaptados) [textos originais individualizados >> abaixo]
Música: Nuno Filipe
Intérprete: Teresa Paula Brito* (in EP "Minha Senhora de Mim", Movieplay, 1971; CD "Teresa Paula Brito", Col. Clássicos da Renascença, vol. 61, Movieplay, 2000)
Colheste as flores
da tua chama
apagaste devagar
os teus sentidos
sossegaste o corpo
em sua cama
desguarneceste em mim
os teus motivos
Colheste as flores
da tua chama
apagaste devagar
os teus sentidos
sossegaste o corpo
em sua cama
desguarneceste em mim
os teus motivos
Que a vela acesa corte a madrugada
e lhe desdiga a calma e a palavra
Colheste devagar o meu queixume:
Ó meu amor!
Ó meu aceso lume!
[instrumental]
Meu amor meu amor
meu profundo segredo
meu secreto recanto
meu labor
mais sedento
meu amor meu amor
minha sede mais
pura
meu corpo
meu invento
meu futuro lamento
minha grande ternura
Meu amor meu amor
meu profundo segredo
meu secreto recanto
meu labor
mais sedento
meu amor meu amor
minha sede mais
pura
meu corpo
meu invento
meu futuro lamento
minha grande ternura
Meu amor meu amor
meu profundo segredo
meu secreto recanto
meu labor
mais sedento
meu amor meu amor
minha sede mais
pura
meu corpo
meu invento
meu futuro lamento
minha grande ternura
* Teresa Paula Brito – voz
Arranjos e direcção – Rui Ressurreição
Colaboração especial – José Cid, Luís Filipe, Tozé Brito, Victor Mamede
Produção – Movieplay
Gravado nos Estúdios Polysom, Lisboa, em 1971
Técnico de som – Jean-François Beaudet
URL: https://pt.wikipedia.org/wiki/Teresa_Paula_Brito
https://ruascomhistoria.wordpress.com/2018/10/23/quem-se-lembra-da-cantora-teresa-paula-brito-se-fosse-viva-faria-hoje-74-anos-de-idade-aqui-fica-a-nossa-homenagem-a-teresa-paula-brito-e-ao-mesmo-tempo-a-maria-teresa-horta/
https://www.youtube.com/@DoTempoDosSonhos/videos?query=teresa+paula+brito
MEU ACESO LUME
(Maria Teresa Horta, in "Minha Senhora de Mim", Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1971; "Poesia Reunida", Lisboa: Publicações Dom Quixote, 2009)
Colheste as flores
da tua chama
apagaste devagar
os teus sentidos
sossegaste o corpo
em sua cama
desguarneceste em mim
os teus motivos
Que a vela acesa corte a madrugada
e lhe desdiga a calma e a palavra
Colheste devagar o meu queixume:
Ó meu amor!
Ó meu aceso lume!
MEU AMOR
(Maria Teresa Horta, in "Minha Senhora de Mim", Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1971; "Poesia Reunida", Lisboa: Publicações Dom Quixote, 2009)
Meu amor meu amor
meu profundo segredo
meu secreto recanto
meu labor
mais sedento
meu amor meu amor
minha sede mais
pura
meu corpo
meu invento
meu futuro lamento
minha grande ternura
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjI5bFdu2vssWb4uWeEnH7IxNPF87okT9oEmhxsfnv8ecZlJLJ-Bqlkf-G7w8v7pnqFGxYwBqEmYsP1WmGRR_2WOIxD51KT8D6z5uSrYfsfNo3E2xGI7ACYG7XFXg5f4WUZDIboPPWiSuPn0serOjZg5_RLycro3N27QiU5KP9PFJVp6lWAAdVl/w385-h640/Maria_Teresa_Horta_-_Minha_Senhora_de_Mim_1971_Dom_Quixote.jpg)
Capa da 1.ª edição do livro "Minha Senhora de Mim", de Maria Teresa Horta (Col. Cadernos de Poesia, N.º 18, Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1971)
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Capa da 2.ª edição do livro "Minha Senhora de Mim", de Maria Teresa Horta (Col. Nova Visão Futura, Lisboa: Editorial Futura, 1974)
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Capa da 3.ª edição do livro "Minha Senhora de Mim", de Maria Teresa Horta (Col. Poesia, Lisboa: Gótica, 2001)
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Capa da 4.ª edição do livro "Minha Senhora de Mim", de Maria Teresa Horta (Lisboa: Publicações Dom Quixote, Mai. 2015)
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Capa do livro "Poesia Reunida", de Maria Teresa Horta (Lisboa: Publicações Dom Quixote, 2009)
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Capa do EP "Minha Senhora de Mim", de Teresa Paula Brito (Movieplay, 1971)
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Capa da compilação em CD "Teresa Paula Brito" (Col. Clássicos da Renascença, vol. 61, Movieplay, 2000)
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Capa do livro "A Desobediente: Biografia de Maria Teresa Horta", de Patrícia Reis (Lisboa: Contraponto Editores, 2024)
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Outros artigos com poesia de Maria Teresa Horta:
Dialecto: "Instrumentos de Trabalho" (Maria Teresa Horta)
Maria Teresa Horta: "Mulher-Poetisa"
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Outros artigos relacionados com a crónica de Fernando Alves na Antena 1:
Galandum Galundaina: "Chin Glin Din"
"Sons d'Outrora" em viola da terra, por Miguel Pimentel
Vitorino: "Moças de Bencatel" (Conde de Monsaraz)
Teresa Silva Carvalho: "Barca Bela" (Almeida Garrett)
António Borges Coelho: "Sou Barco"
Celeste Rodrigues: "Chapéu Preto"
Sérgio Godinho: "Tem Ratos"
Ruy Belo: "E Tudo Era Possível", por Nicolau Santos
Jacques Brel: "J'Arrive"
A tristeza lusitana
Segréis de Lisboa: "Ay flores do verde pino" (D. Dinis)
Manuel D'Oliveira: "O Momento Azul"
Aldina Duarte: "Flor do Cardo" (João Monge)
José Mário Branco: "Inquietação"
Chico Buarque: "Bom Conselho"