01 julho 2024

Fausto Bordalo Dias: "Quando Eu Morrer" (Alexandre Dáskalos)



Sendo o escrevente destas linhas um profundo admirador da arte de Fausto Bordalo Dias, não podia deixar de manifestar a sua pesada consternação pela morte, ocorrida na pretérita madrugada, daquele que foi (é) um dos dois maiores criadores (o outro é José Afonso) da Música Popular Portuguesa e, por extensão, um dos valores cimeiros do universo musical português genericamente considerado. Fá-lo destacando um espécime poético-musical que não podia vir mais a propósito nesta hora triste: "Quando Eu Morrer", com música composta pelo próprio Fausto (como, aliás, quase todo o repertório que gravou) sobre um belíssimo poema do angolano Alexandre Dáskalos (Nova Lisboa, actual Huambo, 26.01.1924 - Caramulo, 24.02.1961) – texto esse extraído da colectânea "Poesia", publicada já postumamente, em 1961, pela Casa dos Estudantes do Império.
Havemos de celebrar (é imperioso) o valiosíssimo legado discográfico de Fausto de modo mais consistente. Por agora, rendemos-lhe esta singela homenagem aproveitando para apensar uma nota de imensa gratidão: Muito obrigado, Fausto, pela importantíssima obra com que enriqueceu, e de sobremaneira, o património musical/fonográfico português!

A Antena 1, hoje de manhã, a partir das 09h:00 e durante cerca de duas horas, consagrou a emissão a Fausto Bordado Dias, maioritariamente preenchida com depoimentos de admiradores (músicos, radialistas, etc.), a convite do jornalista de serviço, Frederico Moreno [>> RTP-Play]. Reparámos que não intervieram na emissão dois músicos que eram absolutamente obrigatórios pelo relevante papel que desempenharam no álbum "Por Este Rio Acima", a obra magna de Fausto: Eduardo Paes Mamede (na qualidade de produtor e de flautista) e Rui Júnior (responsável pelas magistrais percussões). Preferimos acreditar que foram convidados ou que foi feita a tentativa de contactá-los nesse sentido e que acabaram por não falar devido a algum impedimento inultrapassável. Fica, pois, registado o nosso apreço à direcção de informação, na pessoa de Mário Galego, e ao jornalista Frederico Moreno.
Ao longo do dia e antes do sacrossanto futebol, foram transmitidas várias canções de Fausto, em boa parte recuperadas do ciclo "Canções de um Viageiro" que decorreu em Novembro de 2018, por ocasião do 70.º aniversário do insigne artista [>> RTP-Play]. Neste domínio da programação é que muito mais podia e devia ser feito, designadamente o resgate do arquivo histórico da RDP de entrevistas e de conversas com Fausto e a realização de um programa de grande fôlego (ou, ainda melhor, de uma série de programas) em torno da discografia do categorizado cantautor. Esperamos que isso ainda se faça...



Quando Eu Morrer



Poema: Alexandre Dáskalos (ligeiramente adaptado) [texto original >> abaixo]
Música: Fausto Bordalo Dias
Intérprete: Fausto Bordalo Dias* (in LP/CD "A Preto e Branco", CBS Portugal, 1989)




[instrumental]

Quando eu morrer
não me dêem rosas
mas ventos.
Quero as ânsias do mar
quero beber a espuma branca
duma onda a quebrar
e vogar.

Quando eu morrer
não me dêem rosas...

Ah, a rosa dos ventos
a correrem na ponta dos meus dedos
a correrem, a correrem sem parar.
Onda sobre onda infinita como o mar
como o mar inquieto
num jeito
de nunca mais parar.

Por isso eu quero o mar.
Morrer, ficar quieto,
não.
Oh, sentir sempre no peito
o tumulto do mundo
da vida e de mim.

E eu e o mundo.
E a vida. Oh mar,
o meu coração
fica para ti
para ter a ilusão
de nunca mais parar.

Quando eu morrer
não me dêem rosas...

[instrumental]


* [Créditos gerais do disco:]
Fausto Bordalo Dias – voz, viola e guitarra midi
Mário Rui Silva – viola clássica
André Sousa Machado – bateria
Vítor Milhanas – viola baixo
António Pinto – viola eléctrica
Rui Luís Pereira (Dudas) – viola eléctrica
Tomás Pimentel – trompete e 'flügelhorn' (fliscorne)
João Lucas – piano
Edgar Caramelo – saxofone soprano e tenor
Fernando Molina – percussões
Guilherme Inês – programação de sequenciadores e de sintetizadores
Claus Nymark – trombone
Bondo – tablas
Coros – Eugénia Melo e Castro, Madalena Leal, Isabel Bernardo, Ana Noronha Andrade, João Parreira, Fernando Molina, André e Vítor Milhanas

Arranjos da responsabilidade dos músicos intervenientes na gravação
Produção – CBS Portugal
Gravado nos Estúdios Namouche, Lisboa, durante o Verão de 1989
Engenheiro de som – António Pinheiro da Silva
URL: https://www.facebook.com/p/Fausto-Bordalo-Dias-P%C3%A1gina-Oficial-100044468348123/
https://fausto-bordalodias.blogspot.com/p/discografia.html
https://viriatoteles.com/livros/contas-a-vida/41-fausto-bordalo-dias.html
https://viriatoteles.com/imprensa/imprensa-1990-2000/89-por-favor-leiam-estes-discos.html
https://music.youtube.com/channel/UCH_869XTh5lFDKiCKvmuV_w
https://www.youtube.com/channel/UCh5tYA07B0Uur5Mo1gbPmYQ/videos?query=fausto



Quando Eu Morrer

(Alexandre Dáskalos, in "Poesia", pref. Alfredo Margarido, Col. Autores Ultramarinos, N.º 10, dir. Carlos Eduardo e Costa Andrade, Lisboa: Casa dos Estudantes do Império, 1961 – p. 13-14)


Quando eu morrer
não me dêem rosas
mas ventos.
Quero as ânsias do mar
quero beber a espuma branca
duma onda a quebrar
e vogar.

Ah, a rosa dos ventos
a correrem na ponta dos meus dedos
a correrem, a correrem sem parar.
Onda sobre onda infinita como o mar
como o mar inquieto
num jeito
de nunca mais parar.

Por isso eu quero o mar.
Morrer, ficar quieto,
não.
Oh, sentir sempre no peito
o tumulto do mundo
da vida e de mim.

E eu e o mundo.
E a vida. Oh mar,
o meu coração
fica para ti
para ter a ilusão
de nunca mais parar.



Capa do livro "Poesia", de Alexandre Dáskalos (Col. Autores Ultramarinos, N.º 10, Lisboa: Casa dos Estudantes do Império, 1961)
Concepção – Victor Palla



Capa do LP "A Preto e Branco", de Fausto Bordalo Dias (CBS Portugal, 1989)
Fotografia – João Palmeiro
Concepção – Avenida Designers

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Outros artigos com repertório de Fausto ou com ele relacionados:
A seca que a Antena 1 deu a Fausto... e aos ouvintes
Grandes discos da música portuguesa: efemérides em 2007
Celebrando Eugénio de Andrade
Fausto Bordalo Dias: "Uma Cantiga de Desemprego"

1 comentário:

Nair Alexandra disse...

Dizia alguém que ontem foi um dia infausto. E é bem verdade.