11 novembro 2025

Ruy Mingas: "Monangambé" (António Jacinto)


Ruy Mingas (1939-2024) – fotografia publicada na capa do LP "Temas Angolanos" (Zip-Zip/Sassetti, 1974)


                                        Apresentação da voz
Quem está cantando? Negro ou voz de um povo?
Assim que a gente sente, logo-logo. A voz é dolorosa, cheia demais para ser duma pessoa só, madura demais. Voz mais-velha, esta que a gente está ouvir. Não nasceu ontem, não é filha alheia — vem de cinco séculos, não cala nunca, não cala. E a gente ouve o berro: monangambéééé! — e somos capazes de começar sorrir já na dor que a palavra tem, a dor de lhe sabermos sinónimo de escravo. Porque damos encontro a sabedoria deve sofrimento de séculos, um filho do povo já afirma: "eu não espero" / "eu sou aquele por quem se espera".
O povo angolano sabe, Rui Mingas sabe, sua voz marca hierarquias: "desdém" (mal se ouve!) "fuba podre" (constata só) "peixe podre" (quase um rir), "panos ruins" (ironia numa «civilização colonizadora») "cinquenta angolares" — é aqui que a voz berra, a mais desumana violência dum sistema de opressão é o capital. E o "porrada se refilares" final é já dito como quem reza na igreja, oração sabida de cór: se a gente nascemos já com a porrada na barriga da mãe!…
Aqui está uma das vozes libertadores de Angola — de Africa, do Mundo portanto. Com Agostinho Neto, negro poeta angolano, denuncia; denuncia com António Jacinto, poeta branco angolano; denuncia com Mário de Andrade, mestiço, poeta, angolano. E com aquele que o nosso irmão e filho e tudo mais quanto é, brasileiro, nosso mais-velho poeta, Solano Trindade, ainda pergunta:
                Quem está gemendo?
                Negro ou carro de bois?
Este disco é a resposta: quem está gemendo é carro de bois! Negro, esse, já está cantando — Rui Mingas, angolano.


                          LUANDINO VIEIRA
                          [texto publicado na contracapa do
                          EP "Monangambé", de Ruy Mingas,
                          Zip-Zip/Sassetti, 1974]


Quando musicados e cantados, alguns poemas têm o sortilégio de se tornarem os hinos de uma causa ou de denúncia de determinada injustiça. Foi o caso do poema "Monangamba", escrito por António Jacinto, poeta branco angolano, como o definiu o seu compatriota José Luandino Vieira, e publicado em letra de forma na colectânea "Poemas", pela Casa dos Estudantes do Império, em 1961, por coincidência o ano da eclosão, em terras de Angola, da Guerra Colonial – texto esse que, treze anos mais tarde, o também angolano (negro) Ruy Mingas gravou, com música da sua autoria, sob o título "Monangambé", para o EP homónimo editado pela Sassetti, com o selo Zip-Zip. Antes de 1974, Ruy Mingas já havia gravado outras canções (o seu primeiro álbum saiu em 1970) e mais viria a gravar, mas o "Monangambé" ficou como o seu grande cartão-de-visita. Sempre que o nome do artista é referido, de imediato alguém minimamente informado o associa àquela emblemática canção.
A independência de Angola, formalizada há precisamente meio século, permitiu que os "monangambés" (escravos) passassem a ser só uma memória da opressão colonial salazarista, que embora triste é avisado não esquecê-la, ademais verificando-se hoje o recrudescimento de ideários racistas e xenófobos um pouco por todo o mundo desenvolvido a par da indecorosa e feroz sanha neoliberal de ataque a direitos básicos e elementares dos trabalhadores. Actualmente, patrões sem escrúpulos e certos políticos do chamado Primeiro Mundo (Portugal incluído) desprovidos de sentido humanista/ético mostram não ter o menor pejo em (querer) fazer dos trabalhadores os novos "monangambés". A tais ímpetos desumanizantes é imperioso contrapor firme resistência e as palavras certeiras de António Jacinto impressivamente cantadas por Ruy Mingas ajudam, sem dúvida, a fortalecer o ânimo para a luta. Monangambés (qualquer que seja a cor da pele) nunca mais!

Não costumamos ouvir a RDP-África, mas queremos acreditar que Ruy Mingas lá passe com alguma frequência (seria assaz anormal se acontecesse o contrário, tratando-se de um dos nomes grandes da música angolana). Seria bom que a Antena 1 desse igualmente a escutar aos seus ouvintes, uma vez por outra, algo do repertório de Ruy Mingas. A relação amistosa que Portugal deve manter com Angola exprime-se também por essas acções.



Monangambé



Poema: António Jacinto (ligeiramente adaptado) [texto original >> abaixo]
Música: Ruy Mingas
Intérprete: Ruy Mingas* (in EP "Monangambé", Zip-Zip/Sassetti, 1974; LP "Monangambé e Outras Canções Angolanas", Zip-Zip/Sassetti, 1976, reed. Strauss, 1994, CNM, 2000)




Naquela roça grande não tem chuva
é o suor do meu rosto que rega as plantações,

Naquela roça grande tem café maduro
e aquele vermelho-cereja
são gotas do meu sangue feitas seiva.

        O café vai ser torrado,
        pisado, torturado,
        vai ficar negro, negro da cor do contratado!

Negro da cor do contratado!

Perguntem às aves que cantam,
aos regatos de alegre serpentear
e ao vento forte do sertão:

        Quem se levanta cedo? quem vai à tonga?
        Quem traz pela estrada longa
        a tipóia ou o cacho de dendém?
        Quem capina e em paga recebe desdém
                fuba podre, peixe podre,              | bis
                panos ruins, cinquenta angolares  |
                «porrada se refilares»? [bis]

        Quem faz o milho crescer
        e os laranjais florescer?

        Quem dá dinheiro para o patrão comprar
        máquinas, carros, senhoras
                e cabeças de pretos para os motores?

        Quem faz o branco prosperar,
        ter barriga grande — ter dinheiro?
        — Quem?

E as aves que cantam,
os regatos de alegre serpentear
e o vento forte do sertão
responderão:

                        — «Monangambééé...» [bis]

Ah! Deixem-me ao menos subir às palmeiras
Deixem-me beber maruvo
e esquecer diluído nas minhas bebedeiras

                        — «Monangambééé...» [5x]


* Ruy Mingas – voz
Produção – Sassetti
URL: https://pt.wikipedia.org/wiki/Ruy_Mingas
https://www.publico.pt/2024/01/04/culturaipsilon/noticia/morreu-ruy-mingas-musico-lutador-liberdade-cantor-homem-politico-2075758
https://music.youtube.com/channel/UCgoa6Oms8IAEoycukvf07ag



MONANGAMBA

(António Jacinto, in "Poemas", Col. Autores Ultramarinos, N.º 9, Lisboa: Casa dos Estudantes do Império, 1961, 2.ª edição, Lisboa: UCCLA - União das Cidades Capitais de Língua Portuguesa/Jornal 'Sol', 2015 – p. 21-23; "No Reino de Caliban – Antologia panorâmica da poesia africana de expressão portuguesa: Vol. II – Angola, São Tomé e Príncipe", Organização, selecção, prefácio e notas de Manuel Ferreira, Lisboa: Seara Nova, 1976, 2.ª edição, Lisboa: Plátano Editora, 1988 – p. 135-136; "50 Poetas Africanos: Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe", Org. Manuel Ferreira, Lisboa: Plátano Editora, 1989, 2.ª edição, 1997 – p. 39-41; "António Jacinto: Obra Reunida", Organização, introdução e notas de Zetho Cunha Gonçalves, Lisboa: Maldoror, 2025)


Naquela roça grande não tem chuva
é o suor do meu rosto que rega as plantações,

Naquela roça grande tem café maduro
e aquele vermelho-cereja
são gotas do meu sangue feitas seiva.

        O café vai ser torrado,
        pisado, torturado,
        vai ficar negro, negro da cor do contratado!

Negro da cor do contratado!

Perguntem às aves que cantam,
aos regatos de alegre serpentear
e ao vento forte do sertão:

        Quem se levanta cedo? quem vai à tonga?
        Quem traz pela estrada longa
        a tipóia ou o cacho de dendém?
        Quem capina e em paga recebe desdém
                fuba podre, peixe podre,
                panos ruins, cinquenta angolares
                «porrada se refilares»?

        Quem?

        Quem faz o milho crescer
        e os laranjais florescer
        — Quem?

        Quem dá dinheiro para o patrão comprar
        máquinas, carros, senhoras
                e cabeças de pretos para os motores?

        Quem faz o branco prosperar,
        ter barriga grande — ter dinheiro?
        — Quem?

E as aves que cantam,
os regatos de alegre serpentear
e o vento forte do sertão
responderão:

                        — «Monangambééé...»

Ah! Deixem-me ao menos subir às palmeiras
Deixem-me beber maruvo, maruvo
e esquecer diluído nas minhas bebedeiras

                        — «Monangambééé...»



O poeta António Jacinto (1924-1991)
(in https://www.facebook.com/ospoetasdeangola)



Capa do livro "Poemas", de António Jacinto (Col. Autores Ultramarinos, N.º 9, Lisboa: Casa dos Estudantes do Império, 1961)
Concepção – Luandino Vieira



Capa do volume "Obra Reunida", de António Jacinto; Organização, introdução e notas de Zetho Cunha Gonçalves (Lisboa: Maldoror, Abr. 2025)



Capa da 1.ª edição do livro "No Reino de Caliban – Antologia panorâmica da poesia africana de expressão portuguesa: Vol. II – Angola, São Tomé e Príncipe", Organização, selecção, prefácio e notas de Manuel Ferreira (Lisboa: Seara Nova, 1976)



Capa da 2.ª edição do livro "No Reino de Caliban – Antologia panorâmica da poesia africana de expressão portuguesa: Vol. II – Angola, São Tomé e Príncipe", Organização, selecção, prefácio e notas de Manuel Ferreira (Lisboa: Plátano Editora, 1988)



Capa do livro "50 Poetas Africanos: Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe", Org. Manuel Ferreira (Lisboa: Plátano Editora, 1989)



Capa do EP "Monangambé", de Ruy Mingas (Zip-Zip/Sassetti, 1974)



Capa do LP "Monangambé e Outras Canções Angolanas", de Ruy Mingas (Zip-Zip/Sassetti, 1976)
Reedição do álbum "Angola: Canções por Rui Mingas" (Zip-Zip, 1970), tendo o tema "Mu Cinkola" (primeira faixa) sido substituído por "Monangambé".



Capa da mais recente reedição em CD do álbum anterior (CNM, 2000).

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Outro artigo com poesia de António Jacinto:
Fausto Bordalo Dias: "Comboio Malandro" (António Jacinto)

05 novembro 2025

Amália Rodrigues: "Quando a Noite Vem" (Charlie Chaplin e David Mourão-Ferreira)


Gravura de Gustave Doré, c.1880, para uma edição oitocentista da "Divina Comédia", de Dante Alighieri – Canto II do "Purgatório".


A Charlie Chaplin, o criador do imortal vagabundo Charlot (Carlitos, no Brasil), se devem algumas das mais belas e inspiradas melodias da sétima arte, concebidas, como é fácil de intuir, para os seus próprios filmes. Uma delas é o "Terry's Theme", do filme "Luzes da Ribalta" ("Limelight", 1952), que sendo originalmente apenas instrumental [>> YouTube] não tardou a ser guarnecida de palavras, pelos britânicos John Turner e Geoff Parsons, a fim de que, feita canção, sob o título "Eternally", pudesse ser cantada e assim tornar mais facilmente apreensível o significado expresso. A primeira intérprete a fazê-lo, em 1953, foi a norte-americana Dinah Shore [>> YouTube], logo seguida, no mesmo ano, pelo compatriota Vic Damone [>> YouTube], pelos britânicos Ray Burns [>> YouTube] e Jimmy Young [>> YouTube], e pela brasileira Nora Ney, esta com letra de Antônio Almeida & João de Barro (Braguinha) [>> YouTube]. Também a nossa grande Amália se deixou seduzir por aquela tocante e cativante melodia chapliniana, gravando a sua versão, em 1953, para a Valentim de Carvalho, com versos da autoria de David Mourão-Ferreira, tendo sido acompanhada por Mário Simões e Seu Conjunto. Essa preciosa e sublime gravação amaliana, a única que se conhece no seu extenso acervo fonográfico, foi primeiramente publicada em 1954 sob o selo Columbia, na face B no disco de 78 r.p.m. "Alamares / Quando a Noite Vem", e já neste século incluída nas compilações "Amália canta David" (2011) e "Amália no Chiado" (2014). É pois dando destaque a esta pérola, tão insuficientemente divulgada e desconhecida de muitos, que nos associamos à celebração do presente Dia Mundial do Cinema. Boa escuta!

Na rádio, a melhor maneira de celebrar o cinema, mais do que transmitir falas de actores e os sons da envolvência, é mesmo transmitir música composta expressamente para filmes ou que por eles tenha sido apropriada. E ao longo do dia de hoje, a Antena 2 celebrou amplamente a sétima arte dessa maneira, iniciativa que aplaudimos. Contudo, houve duas coisas menos positivas que nos cumpre reportar: a primeira diz respeito ao modo algo caótico como foi transmitida música relacionada com a sétima arte fora dos programas de autor; a segunda prende-se com a fraquíssima atenção que foi dada ao cinema português e à música que o serviu. Que nos tenhamos dado conta, apenas foi trazido à liça o filme "Os Verdes Anos", de Paulo Rocha, e dada a ouvir a música de Carlos Paredes e a poesia de Pedro Tamen que para ele foi composta e escrita, respectivamente. Esperamos que as deficiências apontadas sejam debeladas no próximo ano, pois não falta excelente material musical usado no cinema nacional, quer feito de raiz quer pré-existente, que se adequa perfeitamente a um canal com o figurino editorial da Antena 2. Dois exemplos que nos vêm de repente à tona da memória: a música que Bernardo Sassetti compôs e tocou para o filme "Alice", de Marco Martins, e as "Claire de Lune", de Fauré e de Debussy, bem como outras peças tocadas ao piano por Nuno Vieira de Almeida, que Manoel de Oliveira incluiu na banda sonora do seu aclamadíssimo "Vale Abraão".



Quando a Noite Vem



Poema: David Mourão-Ferreira
Música: Charlie Chaplin ["Terry's Theme", do filme "Luzes da Ribalta" ("Limelight", 1952)]
Intérprete: Amália Rodrigues* (in disco 78 r.p.m. "Alamares / Quando a Noite Vem", Columbia/VC, 1954; CD "Amália canta David", Edições Valentim de Carvalho/iPlay, 2011; 2CD "Amália no Chiado": CD 2, Edições Valentim de Carvalho, 2014)




[instrumental]

O mar se desfaz em sonho e fumo
quando a noite sobe ao alto céu.
Também a minh'alma, triste mar,
oh, céu!, também
se evola em fumo
e segue um rumo
que se perdeu.

Vibram minhas mãos por entre o vento,
nem o vento vê quem me perdeu.
Mas nele o meu corpo só, no vento,
oh, céu!, no vento,
tem por sustento
o esquecimento
dum outro céu.

[instrumental]

Quando a noite vem nem só no céu
os anjos se cansam de nos ver.
E sobre os meus sonhos, noite negra,
oh, céu!, também
um espesso véu
se desprendeu.
Já nem sequer
sou eu.


* Amália Rodrigues – voz
Mário Simões e Seu Conjunto:
Mário Simões – piano
Jaime Nascimento – guitarra

Gravado nos Estúdios Valentim de Carvalho, Lisboa (Rua Nova do Almada), em 1953
Técnico de som – Hugo Ribeiro

Coordenação de edição ("Amália canta David") – David Ferreira, com Frederico Santiago
Remasterizações – Joel Conde, nos Estúdios Tcha Tcha Tcha, Miraflores (Oeiras), com Frederico Santiago
URL: https://amaliarodrigues.pt/pt/amalia/
https://www.museudofado.pt/index.php/fado/personalidade/amalia-rodrigues
https://centenarioamaliarodrigues.pt/
https://www.youtube.com/c/amaliarodriguesofficial
https://music.youtube.com/channel/UCF_E888KGi1ko8nk9Pus_2g



Capa da compilação em CD "Amália canta David" (Edições Valentim de Carvalho/iPlay, 2011)
Design gráfico – Roda Dentada
Pós-produção de imagem – Mackintóxico



Capa da compilação em duplo CD "Amália no Chiado" (Edições Valentim de Carvalho, 2014)
Design gráfico – José Dias
Ideia original, pesquisa e coordenação da edição – Frederico Santiago

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Outros artigos com repertório interpretado por Amália ou da sua autoria:
Ser Poeta
Celebrando Vinicius de Moraes
Camões recitado e cantado (II)
Amália Rodrigues: "Primavera" (David Mourão-Ferreira)
Amália Rodrigues: "Abril" (Manuel Alegre)
Poesia trovadoresca adaptada por Natália Correia
Luís de Camões: "Perdigão perdeu a pena"
Amália Rodrigues: "Naufrágio" (Cecília Meireles)
Amélia Muge: "A Lua" (Amália Rodrigues)
Amália Rodrigues: "Que Deus me Perdoe" (Silva Tavares)
Linhares Barbosa por Amália

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Outro artigo com poesia de David Mourão-Ferreira:
Amália Rodrigues: "Primavera" (David Mourão-Ferreira)

21 outubro 2025

António Borges Coelho: "Paisagem"


(in https://hojemacau.com.mo/)


            O trabalho intelectual, enquanto é possível,
            é a forma mais perfeita de estar ligado à vida.


                ANTÓNIO BORGES COELHO (1928-2025)


Mais conhecido e reconhecido como historiador, mister em que produziu significativa obra bibliográfica [>> DGLAB / >> catálogo da exposição "Procurar a luz para ver as sombras", 2010], António Borges Coelho iniciou-se a publicar poesia. Aconteceu com o livro "Roseira Verde", em 1962, pouco depois de ter saído, em regime de liberdade condicional, do Forte-Prisão de Peniche, onde estivera encarcerado, por motivos políticos, durante 4 anos e quase oito meses (de 1 de Outubro de 1957 a 21 de Maio de 1962). Desse volume inaugural, dois poemas tiveram o bendito condão de serem musicados e gravados por Luís Cília, no período do exílio em Paris: "Sou Barco", nos álbuns "Portugal-Angola: Chants de Lutte" (Le Chant du Monde, 1964) e "Meu País" (Le Chant du Monde, 1973); e "Paisagem", no álbum "La Poésie Portugaise de Nos Jours et de Toujours – 1" (Moshé-Naïm, 1967). Em Outubro do ano passado, dando concretização à sugestão poético-musical feita por Fernando Alves numa das suas admiráveis crónicas, tivemos o ensejo de destacar "Sou Barco", apresentando a gravação original de Luís Cília e a versão de Adriano Correia de Oliveira [cf. António Borges Coelho: "Sou Barco"], pelo que desta vez, em singela homenagem ao autor do poema que partiu no passado dia 17, vitimado por COVID-19, direccionamos o nosso foco para "Paisagem". E, de igual modo, trazemos dois registos: o original por Luís Cília, obviamente, e a versão cantada por Manuel Freire para o álbum "Devolta" (Diapasão/Lamiré, 1978), trabalho em que todas composições são de Luís Cília, que também assegurou os arranjos e a direcção musical. A paisagem descrita por António Borges Coelho no seu soneto é, evidentemente, a que lhe era possível avistar a partir do interior do forte-prisão, "na gávea da velha Fortaleza" onde ficava "a seguir o rumo dos navios / num choro de asas de gaivota presa..." e Luís Cília entendeu perfeitamente o espírito das palavras ao compor, para vesti-las, uma melodia plangente que lhes realça o sentido. Soberbo!

Na rádio pública, mais concretamente na Antena 2, damos boa nota da edição de sábado passado do programa "A Força das Coisas", na qual Luís Caetano repôs a entrevista que fizera ao distinto historiador, em Janeiro de 2012, por ocasião do lançamento do 3.º volume – "Largada das Naus" – da sua obra (em 7 tomos) "História de Portugal", entrevista essa que foi emoldurada por dois temas de Fausto Bordalo Dias extraídos do álbum "Por Este Rio Acima" (1982) – "A Ilha" e "Como Um Sonho Acordado" –, após o que se seguiu a leitura de um excerto do livro "Crónicas e Discursos" (Editorial Caminho, 2024) e a transmissão da gravação original ciliana de "Sou Barco". Abaixo, deixamos os links dessas duas edições, bem como os de outros programas da rádio e da televisão públicas sobre ou com António Borges Coelho. Boa escuta!



Capa da 1.ª edição do livro "Largada das Naus (1385-1500)", Volume III da "História de Portugal", de António Borges Coelho (Alfragide: Editorial Caminho, 2011)
Concepção – P06-Atelier



Capa da 2.ª edição do livro "Largada das Naus (1385-1500)", Volume III da "História de Portugal", de António Borges Coelho (Alfragide: Editorial Caminho, 2017)



Capa do livro "Crónicas e Discursos", de António Borges Coelho (Alfragide: Editorial Caminho, Mai. 2024)
Concepção – Rui Garrido


LUGAR À HISTÓRIA | 11 Jan. 1993 [>> RTP-Arquivos]
António Borges Coelho entrevistado por Eugénio Alves, sobre o seu livro "Tudo É Mercadoria", em que aborda a vida e obra de João de Barros (1496-1570).

POR OUTRO LADO | 25 Set. 2007 [>> RTP-Arquivos]
António Borges Coelho entrevistado por Ana Sousa Dias.

ENTREVISTA ANTENA 1 | 10 Out. 2008 [>> RTP-Arquivos]
António Borges Coelho entrevistado por Maria Flor Pedroso.

GUARDA LIVROS | 6 Dez. 2008 [>> RTP-Arquivos]
António Borges Coelho entrevistado por Francisco José Viegas, sobre os livros da sua biblioteca particular.

QUINTA ESSÊNCIA | 13 Mai. 2010 [>> RTP-Arquivos]
António Borges Coelho entrevistado por João Almeida.

A FORÇA DAS COISAS | 28 Jan. 2012 [>> RTP-Arquivos] | 18 Out. 2025 [>> RTP-Play]
António Borges Coelho entrevistado por Luís Caetano, sobre o livro "A Largada das Naus", Volume III da sua obra "História de Portugal", publicada pela Editorial Caminho.

VIDAS QUE CONTAM | 28 Mai. 2013 [>> RTP-Play]
Documentário sobre a vida e obra de António Borges Coelho, da autoria de Ana Aranha.



Paisagem



Poema: António Borges Coelho (in "Roseira Verde", Lisboa: Edição do autor, 1962; "Poemas", Alfragide: Editorial Caminho, 2025 – p. 19)
Música: Luís Cília
Intérprete: Luís Cília* (in LP "La Poésie Portugaise de Nos Jours et de Toujours – 1", Moshé-Naïm, 1967; livro/11CD "Luís Cília": CD 2, Tradisom, 2024)




As traineiras abrigam-se na barra,
os mastros em fantástico arvoredo.
São peixes coloridos de brinquedo
e eu o triste rapaz que solta a amarra.

Os telhados reúnem-se no largo,
assembleia de pobres e crianças.
Em falas cantos cobram-se esperanças.
Homens chegam do mar com rosto amargo.

Lá em baixo a vaga escreve na muralha
a história destes muros. Toda em brios
salta adiante o Baleal e falha.

E, na gávea da velha Fortaleza,
fico a seguir o rumo dos navios,
num choro de asas de gaivota presa...


* Luís Cília – voz e guitarra
Marc Vic – guitarra
François Rabbath – contrabaixo

Produção – Moshé Naïm
Gravado nos Studios Europa-Sonor, Paris
URL: http://www.luiscilia.com/
https://www.youtube.com/user/LeoMOV/videos
https://music.youtube.com/channel/UCqL_T8TPQ2ffVAKn-v4kN_A



Paisagem



Poema: António Borges Coelho (in "Roseira Verde", Lisboa: Edição do autor, 1962; "Poemas", Alfragide: Editorial Caminho, 2025 – p. 19)
Música: Luís Cília
Intérprete: Manuel Freire* (in LP "Devolta", Diapasão/Lamiré, 1978; reed. digital: World Music Records, 2021)




As traineiras abrigam-se na barra,
os mastros em fantástico arvoredo.
São peixes coloridos de brinquedo
e eu o triste rapaz que solta a amarra.

Os telhados reúnem-se no largo,
assembleia de pobres e crianças.
Em falas cantos cobram-se esperanças.
Homens chegam do mar com rosto amargo.

Lá em baixo a vaga escreve na muralha
a história destes muros. Toda em brios
salta adiante o Baleal e falha.

E, na gávea da velha Fortaleza,
fico a seguir o rumo dos navios,
num choro de asas de gaivota presa...


* [Créditos gerais do disco:]
Manuel Freire – voz
Luís Cília – guitarra, coros
Pedro Caldeira Cabral – guitarra portuguesa
Celso de Carvalho – viola baixo
Vasco Pimentel – sintetizador ARP Omni, piano

Arranjos e direcção musical – Luís Cília
Produção – Lamiré
Gravado nos Estúdios Musicorde, Lisboa
Técnicos de som – Rui Remígio e Luís Flor
Texto sobre o disco em: Grandes discos da música portuguesa: efemérides em 2008
URL: https://www.facebook.com/ManuelFreireOficial/
https://www.youtube.com/channel/UC-z8xqfA49yS1tAXIBTvQig
https://www.youtube.com/user/DoTempoDosSonhos/videos?query=manuel+freire



Capa do livro "Roseira Verde", de António Borges Coelho (Lisboa: Edição do autor, 1962)



Capa do livro "Poemas", de António Borges Coelho (Alfragide: Editorial Caminho, Set. 2025)
Concepção – Rui Garrido



Capa do LP "La Poésie Portugaise de Nos Jours et de Toujours – 1", de Luís Cília (Moshé-Naïm, 1967)
Fotografia – Ludwik Lewin
Concepção – Henri Matchavariani



Capa do livro (com 11 CD) "Luís Cília" (Tradisom, 2024)
Concepção – Judite Cília
Texto – Octávio Fonseca



Capa do LP "Devolta", de Manuel Freire (Diapasão/Lamiré, 1978)
Fotografias e arranjo gráfico – Maria Judith Cília.

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Outros artigos com poesia de António Borges Coelho ou por si traduzida:
Al-Mu'tamid: "Evocação de Silves"
António Borges Coelho: "Sou Barco"

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Outros artigos com repertório interpretado por Luís Cília ou da sua autoria:
A infância e a música portuguesa
Em memória de Urbano Tavares Rodrigues (1923-2013)
Celebrando Eugénio de Andrade
Camões recitado e cantado (V)
José Saramago: "Dia Não"
Adriano Correia de Oliveira: "Exílio" (Manuel Alegre)
Luís Cília: "Tango Poluído"
Luís Cília: "O Cavador" (Guerra Junqueiro)
Poesia trovadoresca adaptada por Natália Correia
Luís Cília: "Se me Levam Águas" (Luís de Camões)
António Borges Coelho: "Sou Barco"

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Outros artigos com canções interpretadas por Manuel Freire:
A infância e a música portuguesa
Em memória de Fernando Alvim (1934-2015)
José Saramago: "Dia Não"
Manuel Freire: "O Zeca"
Manuel Freire: "Livre" (Carlos de Oliveira)
Manuel Freire: "Fala do Velho do Restelo ao Astronauta" (José Saramago)

16 outubro 2025

Rão Kyao: "Balada do Pão"


Evgeniya Hristova, "...preso un pane, lo spezzò e...", 2025, Aguarela e tinta sobre papel, 100 x 150 cm.
Esta pintura da artista búlgara (radicada em Itália) Evgeniya Hristova, aqui em fotografia tirada por Martim Baleiras, integra a exposição "O Pão como Desenho", hoje inaugurada no Museu do Pão, em Seia.


Mundo Pão

«O pão constitui um dos mais antigos alimentos manipulados e um dos principais alimentos da Humanidade. Farinha, água, fermento e sal são os ingredientes, que, depois de amassados e levedados, são levados ao forno. A farinha é obtida através da moagem de cereais, como o trigo, o milho, o centeio, a aveia e a cevada. Quando o cereal é aproveitado na totalidade, o pão tem a designação de pão integral e é um pão mais rico em nutrientes. A farinha, ao ser peneirada, fica privada do farelo. Quanto mais fina for a peneira, mais branco será o pão. Ao pão que resulta da cozedura da massa antes de levedar, chama-se pão ázimo. No caso do pão levedado, a massa fermenta antes da cozedura, aumenta de volume e resulta num pão mais leve e macio, com alvéolos no interior, como sucede com os pães de padaria mais comuns.
Heinrich Eduard Jacob escreve sobre a importância do pão, ao longo da História da Humanidade. Em Histoire du pain depuis 6000 ans, o autor considera que o pão tem origem no Antigo Egipto, por volta de 4000 a. C., a partir do uso de fornos de barro e da descoberta da fermentação do trigo. Os agricultores começaram a cultivar o trigo regularmente nas margens do Nilo e a dominar, a pouco e pouco, a técnica de fabrico do pão. Os egípcios aperceberam-se da necessidade de deixar a massa "descansar", antes da cozedura, permitindo assim que crescesse. Verificaram também que se acrescentassem uma parte da massa a outra massa, esta cresceria mais. A partir daí, o pão passou a incorporar frutos, como figos e tâmaras; mais tarde, por influência dos gregos, acrescentaram novos ingredientes, sobretudo azeite e azeitonas. Jacob refere que não foi preciso esperar muito para que houvesse cinquenta variedades de pão.
Através dos comerciantes fenícios, os egípcios conseguiram fazer chegar os excedentes de produção aos outros povos do Mediterrâneo. O livro de H. E. Jacob descreve a importância do pão nas civilizações do Ocidente, principalmente o pão de trigo, "alimento calórico e essencial para a subsistência e o progresso das sociedades". O autor destaca alguns eventos históricos relevantes, nomeadamente: a Revolução Francesa, a fome e o "pão da igualdade"; a Guerra Civil Americana e o pão como alimento principal de cada soldado; as campanhas napoleónicas e as tropas alimentadas com pão de trigo e centeio, enquanto a população civil comia farelo de trigo.
O sentido do pão não se esgota na definição do alimento que tem sido fonte essencial de nutrientes para a vida. O valor simbólico do pão contempla a partilha, a solidariedade, a dignidade, o conhecimento – o pão que nos liberta da ignorância – o Pão da Sabedoria.
"Desde que me conheço sei o pão / E o corto em companhia" é o ponto de partida do poema O Pão e a Culpa, de Vitorino Nemésio. Em 1959, na primeira versão (em 1964, na versão remontada), Manoel de Oliveira realiza um filme sobre o "ciclo do pão", comparando o pão à "corrente de um rio que passa por vários lugares, passa por diferentes mãos, por diferentes hábitos ou fardas (é melhor chamar-lhes fardas para facilitar)".
O ciclo do pão é o ciclo da semente que, numa primeira fase, compreende a fecundação, nascimento, recolha e transporte do grão, moagem industrial, panificação moderna; posteriormente, distribuição e consumo do pão; finalmente, regresso da semente à terra e início de um novo ciclo.»
[...]

                  ANTÓNIO PEDRO MARQUES
                  [Texto integrante do catálogo da
                  exposição "O Pão como Desenho",
                  Seia: Museu do Pão, Out. 2025 – p. 9-10]



Capa do catálogo acima referenciado [>> versão em PDF]
Pormenor da obra "Mains sur" (Colagem e serigrafia com gesso acrílico sobre papel, 100 x 140 cm), da autoria do artista português Paulo Lourenço, 2025.


Não sabemos se a exposição "O Pão como Desenho", patente a partir de hoje no Museu do Pão, tem banda sonora... Se quisermos imaginá-la, um registo musical que nela terá obrigatoriamente de estar incluído é a bela e aconchegante "Balada do Pão", composta por Rão Kyao e executada pelo próprio (em flauta de bambu) e por António Pinto (em guitarra acústica). Aqui vo-la deixamos, à laia de ilustração musical do presente Dia Mundial do Pão e da Alimentação. Boa escuta!

Vem a talhe de foice voltarmos a apontar o dedo acusador à direcção de programas da Antena 1 pelo soez boicote à vasta discografia de Rão Kyao, músico e compositor de altíssimo gabarito a quem Portugal muito deve em razão do relevante contributo que deu (e continua a dar) para o enriquecimento do nosso património musical/fonográfico. Uma 'playlist' de uma rádio generalista, ademais pública, que não inclua, pelo menos, um registo tocado por Rão Kyao (somente instrumental ou com a participação de um intérprete vocal), peca flagrantemente por omissão, e isso dá aos ouvintes/contribuintes mais conscientes inteira legitimidade para se insurgirem contra tão aberrante anormalidade...



Balada do Pão



Música: Rão Kyao
Intérprete: Rão Kyao* (in CD "Porto Alto", Farol Música, 2004)




(instrumental)


* Rão Kyao – flauta de bambu
António Pinto – guitarra acústica

Produção musical – Luís Pedro Fonseca
Produção executiva – António Cunha (Uguru) & Luís Pedro Fonseca
Gravado por Pedro Rego e Jorge Barata, nos Estúdios Xangrilá, Lisboa, em Dezembro de 2003 e Janeiro de 2004
Misturado e masterizado por Jorge Barata, nos Estúdios Xangrilá, Lisboa
URL: https://www.facebook.com/officialraokyao/
https://music.youtube.com/channel/UCBmfzPfU1WrOCjmXI8KxGHQ



Capa do CD "Porto Alto", de Rão Kyao (Farol Música, 2004)
Design gráfico – Susana Chasse.

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Outros artigos com repertório alusivo à alimentação:
A infância e a música portuguesa
A vitória do azeite
Afonso Dias: "Dieta Algarvia"
Pablo Neruda: "Ode ao Pão", por Mário Viegas

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Outros artigos com repertório interpretado por Rão Kyao:
A infância e a música portuguesa
A vitória do azeite
"Quando os Lobos Uivam"
Em memória de Fernando Alvim (1934-2015)
Rão Kyao & Lu Yanan: Primavera

15 outubro 2025

Álvaro de Campos: "Aniversário", por Germana Tânger


© Américo Meira (in https://aopedaraia.blogspot.com/)
Álvaro de Campos segundo o traço de Almada Negreiros – pormenor das gravuras incisas no pórtico da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, em 1961.


Álvaro de Campos nasceu em Tavira, a 15 de Outubro de 1890, à uma e meia da tarde. Frequentou o liceu em Portugal e teve um tio padre [beirão] que lhe ensinou latim. Foi mandado para Glasgow, na Escócia, para estudar Engenharia, primeiro Mecânica e depois Naval. Foi aí que se formou. Viajou muito pela Europa e numa viagem ao Oriente colheu inspiração para «Opiário», um poema irónico sobre temas decadentes: o transatlântico, o ópio, o exotismo.
Viveu em Lisboa sem exercer nenhuma profissão, dedicando-se completamente à literatura e às polémicas modernistas, intervindo também nos jornais a propósito de actualidades da vida política portuguesa, o que lhe atraiu algumas antipatias.
Foi o único dos heterónimos a frequentar Fernando Pessoa, segundo uma confidência do próprio Pessoa:

«A mim, pessoalmente, nenhum me conheceu, excepto Álvaro de Campos.»

Era um homem alto, de cabelo preto e liso, risca ao lado, monóculo. A sua figura lembra, não só nas atitudes como no porte, um certo tipo de dandy entediado e blasé.
Fernando Pessoa constrói com Álvaro de Campos a figura do perfeito vanguardista do século XX. Quando nasce, esta figura já se encontra na sua plena maturidade criativa de vanguardista e manifesta-se com uma arrebatada ode de sabor futurista e whitmaniano intitulada «Ode Triunfal». Aí se cantam ruidosamente os mitos e os gostos típicos do início do século passado: a máquina, a velocidade, a metrópole, a electricidade...
Álvaro de Campos manifesta uma modernolatria que é o carácter mais vistoso da sua personagem. Modernolatria que se traduz muitas vezes numa forte polémica ou agressividade em relação à tradição literária vigente, ao statu quo cultural, ao conformismo. É sem dúvida esta atitude que inspira o «Ultimatum», um violento manifesto literário de ruptura com a tradição e que Pessoa publicará, em 1917, na revista «Portugal Futurista».
O facto de utilizar um instrumento expressivo como o manifesto é já em si sintomático na caracterização de uma personagem como Álvaro de Campos. O manifesto é o instrumento privilegiado de declaração poética para as mais importantes vanguardas do século XX e Campos sigla pertencer à vanguarda mais ruidosa precisamente com o seu «Ultimatum».
Esta chave vanguardista pode ler-se também na maior composição de Campos, a «Ode Marítima», na qual se revisitam, em termos novecentescos, os grandes temas e os grandes motivos da história e do imaginário colectivo português.
Ora Fernando Pessoa querendo construir uma personagem mais completa e auto-suficiente cogita um antes para Álvaro de Campos. Com o poema «Opiário» que publica retrodatado, Pessoa inventa para Campos um passado de irónico decadente, de tardo-simbolista blasé, de burguês culto e entediado.
Tem-se todavia a impressão de que na sucessiva evolução da figura de Campos, a vontade de pessoana fique mais na sombra e as mudanças sejam intrínsecas à própria figura da personagem — a qual parece ter adquirido total autonomia. Não nos podemos esquecer que Campos foi o único heterónimo que misturou a sua vida à vida de Pessoa e que se permitiu até a intrusões na esfera privada do seu criador.
O exemplo mais desconcertante ocorre durante a história afectiva que Pessoa viveu com Ophélia Queiroz e durante a qual Campos pôs em prática interferências que são evidentes na correspondência trocada com Ophélia.

«Ex.ma Senhora D. Ophélia Queiroz:

Um abjecto e miserável indivíduo chamado Fernando Pessoa, meu particular e querido amigo, encarregou-me de comunicar a V. Ex.ª — considerando que o estado mental dele o impede de comunicar qualquer coisa, mesmo a uma ervilha seca — que V. Ex.ª está proibida de: pesar menos gramas, comer pouco, não dormir nada, ter febre, pensar no indivíduo em questão.
Pela minha parte, e como íntimo e sincero amigo que sou do meliante de cuja comunicação (com sacrifício) me encarrego, aconselho V. Ex.ª a pegar na imagem mental, que acaso tenha formado do indivíduo cuja citação está estragando este papel razoavelmente branco, e deitar essa imagem mental na pia, por ser materialmente impossível dar esse justo Destino à entidade fingidamente humana a quem ele competiria, se houvesse justiça no mundo.
Cumprimenta V. Ex.ª

Álvaro de Campos, Engenheiro Naval»

É evidente que esta intrusão se verifica no plano de uma ironia paradoxal, mas mesmo assim a coisa não deixa de nos espantar devido à sua ambiguidade.
Quanto à escrita, propriamente dita, de Álvaro de Campos é o heterónimo Ricardo Reis que a caracteriza:

«O que verdadeiramente Campos faz, quando escreve em verso, é escrever prosa ritmada com pausas maiores marcadas em certos pontos, para fins rítmicos, e esses pontos de pausa maior determina-os ele pelos fins dos versos.
Campos é um grande prosador, um prosador com uma grande ciência do ritmo; mas o ritmo de que tem ciência é o ritmo da prosa, e a prosa de que se serve é aquela em que se introduziu, além dos vulgares sinais de pontuação, uma pausa maior e especial, que Campos, como os seus pares anteriores e semelhantes, determinou representar graficamente pela linha quebrada no fim, pela linha disposta como o que se chama um verso.
Se Campos, em vez de fazer tal, inventasse um sinal novo de pontuação — digamos o traço vertical — para determinar esta ordem de pausa, ficando nós sabendo que ali se pausava com o mesmo género de pausa com que se pausa no fim de um verso, não faria obra diferente, nem estabeleceria a confusão que estabeleceu.
Nenhum homem foi alguma vez poeta assim. A disciplina do ritmo é aprendida até ficar sendo uma parte da alma: o verso que a emoção produz nasce já subordinado a essa disciplina. Uma emoção naturalmente harmónica é uma emoção naturalmente ordenada; uma emoção naturalmente ordenada é uma emoção naturalmente traduzida num ritmo ordenado, pois a emoção dá o ritmo e a ordem que há nela a ordem que no ritmo há.»

Esta biografia teve por base o livro O Essencial sobre Fernando Pessoa, da autoria de Maria José de Lancastre.
(in https://imprensanacional.pt/alvaro-de-campos/)



Capa da 1.ª edição do livro "O Essencial sobre Fernando Pessoa", de Maria José de Lancastre (Col. Essencial, Vol. 9, Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1985)



Capa da 2.ª edição do livro "O Essencial sobre Fernando Pessoa", de Maria José de Lancastre (Col. Essencial, Vol. 9, Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1998)


Assinalamos o 135.º aniversário natalício de Álvaro de Campos, dando destaque a um seu poema que não podia vir mais a propósito, embora a escolha seja a mais óbvia: "Aniversário". A 13 de Junho de 2018, por ocasião do 130.º aniversário do nascimento de Fernando Pessoa, apresentámos o poema dito por Luís Lima Barreto [cf. Fernando Pessoa/Álvaro de Campos: "Aniversário", por Luís Lima Barreto], pelo que hoje, resgatamos a gravação mais antiga das duas de Germana Tânger que integram o audiolivro "Poemas de Almada Negreiros, Mário de Sá-Carneiro, Fernando Pessoa ditos por Germana Tânger", publicado em 2004, com chancela da Assírio & Alvim. O poema "Aniversário", de Álvaro de Campos, era dos mais queridos da distinta dizedora [é disso prova tê-lo escolhido para dizer no programa "Câmara Clara", de Paula Moura Pinheiro, emitido a 15 Jun. 2008 >> YouTube], o que nos permite imaginar que lá no assento etéreo onde repousa esboce um sorriso ao nosso gesto de trazer à tona, neste ano em que se comemora o seu 105.º aniversário (nasceu em 1920, a 16 de Janeiro), o registo de um momento feliz e jubiloso do recital que deu no Teatro de São Luiz, no limiar da década de 1970. Boa escuta!

Germana Tânger também disse muita e boa poesia de língua portuguesa na rádio pública, designadamente nos programas "Tempo de Poesia" e "Poesia de um Só Poeta" (1973) [>> RTP-Arquivos]. Seria bom que a nova direcção de programas das Antenas 1 e 3 não deixasse terminar o ano sem emitir um ciclo de homenagem à saudosa dizedora com registos extraídos daqueles programas, o qual poderia muito bem começar pela poesia pessoana, tendo em conta a efeméride que se aproxima do noventenário da morte do genial poeta dos heterónimos.



ANIVERSÁRIO



Poema de Álvaro de Campos (in "Presença: Folha de Arte e Crítica", N.º 27, Coimbra, Jun.-Jul. 1930 – p. 2; "Poesias de Álvaro de Campos", Col. Poesia, Série 'Obras Completas de Fernando Pessoa', Vol. II, Lisboa: Edições Ática, 1944, 1993 – p. 284-286; "Álvaro de Campos: Vida e Obras do Engenheiro", Introdução, organização, transcrição e notas de Teresa Rita Lopes, Lisboa: Editorial Estampa, 1990; "Álvaro de Campos: Livro de Versos", Introdução, transcrição, organização e notas de Teresa Rita Lopes, Lisboa: Editorial Estampa, 1993; "Poesia de Álvaro de Campos", Org. Teresa Rita Lopes, Col. Obras de Fernando Pessoa, Vol. 16, Lisboa: Assírio & Alvim, 2002, 2013, 2019 – p. 403-405)
Recitado por Germana Tânger* (in livro/CD "Poemas de Almada Negreiros, Mário de Sá-Carneiro, Fernando Pessoa ditos por Germana Tânger", Col. Sons, Lisboa: Assírio & Alvim, 2004)


No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu era feliz e ninguém estava morto.
Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos,
E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer.

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma,
De ser inteligente para entre a família,
E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim.
Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças.
Quando vim a olhar para a vida, perdera o sentido da vida.

Sim, o que fui de suposto a mim mesmo,
O que fui de coração e parentesco,
O que fui de serões de meia-província,
O que fui de amarem-me e eu ser menino.
O que fui — ai, meu Deus!, o que só hoje sei que fui...
A que distância!...
(Nem o acho...)
O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!

O que eu sou hoje é como a humidade no corredor do fim da casa,
Pondo grelado nas paredes...
O que eu sou hoje (e a casa dos que me amaram treme através das minhas lágrimas),
O que eu sou hoje é terem vendido a casa.
É terem morrido todos,
É estar eu sobrevivente a mim-mesmo como um fósforo frio...

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...
Que meu amor, como uma pessoa, esse tempo!
Desejo físico da alma de se encontrar ali outra vez,
Por uma viagem metafísica e carnal,
Com uma dualidade de eu para mim...
Comer o passado como pão de fome, sem tempo de manteiga nos dentes!

Vejo tudo outra vez com uma nitidez que me cega para o que há aqui...
A mesa posta com mais lugares, com melhores desenhos na loiça, com mais copos,
O aparador com muitas coisas — doces, frutas, o resto na sombra debaixo do alçado —,
As tias velhas, os primos diferentes, e tudo era por minha causa,
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...

Pára, meu coração!
Não penses! Deixa o pensar na cabeça!
Ó meu Deus, meu Deus, meu Deus!
Hoje já não faço anos.
Duro.
Somam-se-me dias.
Serei velho quando o for.
Mais nada.
Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira!...

O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!...

                                   15 de Outubro de 1929


* Germana Tânger – voz

Gravado ao vivo no Teatro São Luiz, no início da década de 1970, por ocasião de um recital de poesia e piano por Germana Tânger e Adriano Jordão
URL: https://www.facebook.com/100066840612877/posts/2826185817445900/
https://pt.wikipedia.org/wiki/Germana_T%C3%A2nger
https://expresso.pt/cultura/2018-01-23-Morreu-a-declamadora-Germana-Tanger-a-voz-de-Alvaro-de-Campos
https://www.publico.pt/2018/01/23/culturaipsilon/noticia/morreu-a-actriz-e-declamadora-germana-tanger-a-voz-de-alvaro-de-campos-1800391
https://www.e-cultura.pt/artigo/22789
http://www.voxmedia.uc.pt/index.php/2018/01/29/germana-tanger-e-os-poetas-dizer-poesia/



Capa do N.º 27 da revista "Presença: Folha de Arte e Crítica" (Coimbra, Jun.-Jul. 1930)
Desenho – Olavo d'Eça Leal (com dedicatória ao escultor Diogo de Macedo)



Página 2 da publicação anterior onde consta o poema "Aniversário", de Álvaro de Campos



Capa da 1.ª edição do livro "Poesias de Álvaro de Campos" (Col. Poesia, Série 'Obras Completas de Fernando Pessoa', Vol. II, Lisboa: Edições Ática, 1944)
Desenho – José de Almada Negreiros




Capa do livro "Álvaro de Campos: Vida e Obras do Engenheiro", Introdução, organização, transcrição e notas de Teresa Rita Lopes (Lisboa: Editorial Estampa, 1990)



Capa do livro "Álvaro de Campos: Livro de Versos", Edição crítica. Introdução, transcrição, organização e notas de Teresa Rita Lopes; colaboração de Manuela Parreira da Silva e de Luísa Medeiros (Lisboa: Editorial Estampa, 1993)



Capa da 3.ª edição do livro anterior (Lisboa: Editorial Estampa, 1997)



Capa da 1.ª edição do livro "Poesia de Álvaro de Campos", Org. Teresa Rita Lopes (Col. Obras de Fernando Pessoa, Vol. 16, Lisboa: Assírio & Alvim, 2002)



Capa da 2.ª edição do livro "Poesia de Álvaro de Campos", Org. Teresa Rita Lopes (Col. Obras de Fernando Pessoa, Vol. 16, Lisboa: Assírio & Alvim, 2013)



Capa da 3.ª edição do livro "Poesia de Álvaro de Campos", Org. Teresa Rita Lopes (Col. Obras de Fernando Pessoa, Vol. 16, Porto: Assírio & Alvim, 2019)



Capa da do livro "Fernando Pessoa: Vida e Obras do Engenheiro Álvaro de Campos", Org. Teresa Rita Lopes (São Paulo: Global Editora, 2019)



Capa do livro/CD "Poemas de Almada Negreiros, Mário de Sá-Carneiro, Fernando Pessoa ditos por Germana Tânger" (Col. Sons, Lisboa: Assírio & Alvim, Set. 2004)
Fotografia – Inês Gonçalves (2004).

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Outros artigos com poesia de Fernando Pessoa (ortónimo e heterónimos):
João Villaret: centenário do nascimento
Ser Poeta
Fernando Pessoa por João Villaret
Fernando Pessoa/Álvaro de Campos: "Dois Excertos de Odes", por Mário Viegas
Fernando Pessoa/Álvaro de Campos: "Aniversário", por Luís Lima Barreto
Em memória de Tereza Tarouca (1942-2019)
Cantos de Natal da Galiza e de Portugal
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Fernando Pessoa: "Tenho dó das estrelas"
Álvaro de Campos: "Soneto Já Antigo", por Luís Lucas
Ricardo Reis: "Quando, Lídia, vier o nosso outono", por Luís Lucas

10 outubro 2025

Rodrigo: "Última Porta" (Frederico de Brito)


(in https://x.com/fbenfica/)


Os seres vivos são, na sua generalidade, dotados do instinto de autopreservação, que se traduz em evitar situações/procedimentos que possam fazer perigar a sua integridade física e, no extremo, porem em risco a vida. O ser humano não é, naturalmente, excepção e quando adopta comportamentos autodestrutivos – mutilações e tentativas de suicídio – tal significa que algo do foro psíquico/mental não está bem. O escrevente destas linhas ficou a saber, ouvindo a edição do programa da Antena 1 "Consulta Pública", de 10 de Setembro passado [>> RTP-Play], que são mais as mulheres que ligam para a Linha SOS Voz Amiga (https://www.sosvozamiga.org/contactos), mas que é no sexo masculino que se regista a maioria dos suicídios consumados (cerca de 3/4 do total), dado que mostra, por um lado, serem os homens menos propensos a solicitar ajuda e, por outro lado, mais eficazes nos actos praticados com o propósito de pôr termo à vida. E segundo o testemunho de uma participante naquela mesa-redonda, que esteve em vias de suicidar-se, o que impele alguém a tentar matar-se não é propriamente a vontade de morrer mas o desejo de acabar com o sofrimento – que é, quase sempre, de ordem psíquica/mental e que mesmo sendo intenso pode, na maioria dos casos, ser debelado ou fortemente atenuado se o paciente pedir ajuda, ou alguém das suas relações proceder nessa conformidade. A família tem um papel fundamental nesse processo terapêutico e, obviamente, na criação/manutenção de um ambiente profiláctico a ideias autodestrutivas/suicidas, mas o papel da comunidade/sociedade não é de somenos importância, mormente na esfera laboral e escolar. O sentimento de exaustão profissional e estudantil, vulgo 'burnout', afecta cada vez mais pessoas e não será exagero considerá-lo já um problema de saúde pública. Concomitantemente, surgiu a dependência patológica dos 'smartphones' e a manipulação de que muitos (muitíssimos) dos seus portadores são objecto, mais ou menos inconscientemente, por parte dos algoritmos, que mais não são do que instrumentos concebidos para dar lucro aos accionistas das empresas proprietárias das redes (ditas) sociais. Bem cientes de todos esses fenómenos devem estar as maiores sumidades do mundo da psicologia, da psiquiatria e de outras áreas científicas co-relacionadas ao escolherem subordinar ao tópico "Saúde Mental e Sustentabilidade Social: Uma Abordagem Baseada na Sociedade e na Comunidade" o Congresso Mundial da Saúde Mental que nos próximos dias 30 de Outubro a 1 de Novembro vai decorrer na cidade de Barcelos [vide o cartaz infra].
Fazendo votos que do evento saiam conclusões tanto quanto possível consensuais e que – imensamente importante! – elas sejam tidas em devida conta pelos governos dos países representados, assim como pelos dos restantes, assinalamos o presente Dia Mundial da Saúde Mental destacando o tocante fado "Última Porta", da autoria (letra e música) de Frederico de Brito, na irrepreensível interpretação que Rodrigo gravou para o seu álbum "Eu Sou Povo e Canto Esperança" (1974). Altamente gratificados ficaremos se este nosso singelo e humilde gesto for válido no âmbito dos esforços, que nunca serão bastantes, visando evitar que o maior número possível de pessoas caia na tentação de transpor, antes de tempo, o umbral da última porta!

Sendo Rodrigo um artista proscrito por quem administra a 'playlist' da Antena 1, é de crer que o fado "Última Porta" seja desconhecido da grande maioria dos ouvintes, sobretudo dos mais fidelizados ao canal e pouco dados a explorarem repertório de fado nas plataformas de 'streaming'. Em troca do dinheiro que eles desembolsam, em sede de contribuição do audiovisual, já não seria mau de todo se ao menos nos dias mundiais, internacionais ou nacionais de cada temática houvesse a preocupação de dar a ouvir repertório condizente. O impressivo registo poético-musical ora em realce seria um dos mais apropriados a figurar nesse cardápio musical, quer a 10 de Setembro, quer a 10 de Outubro, Dias Mundiais, respectivamente, da Prevenção do Suicídio e da Saúde Mental.



(in https://www.facebook.com/wfmhofficial)



Última Porta



Letra e música: Frederico de Brito
Intérprete: Rodrigo* (in EP "O Cantar da Minha Gente", EMI/VC, 1974; LP "Eu Sou Povo e Canto Esperança", EMI/VC, 1974; 2LP/CD "O Melhor de Rodrigo", EMI-VC, 1990; CD "O Melhor de Rodrigo", Edições Valentim de Carvalho/iPlay, 2008; CD "Rodrigo: Essencial", Edições Valentim de Carvalho/CNM, 2014)




Abandonou-se ao desespero,
Foi como um náufrago sem rumo:
Nunca na vida foi sincero;
Por fim, perdeu todo o aprumo.

Falto de amparo, andou fugido;
Não viu na vida um mau prenúncio,
Até que ao fim, desiludido,
Pôs nos jornais mais este anúncio:

Resto de esperança perdeu-se
Do largo da ilusão
À rua do esquecimento:
Tem manchas de ingratidão
E sinais de sofrimento;
Quem a achou, se não se importa,
Entregue-a mesmo à saída
Do beco do fim da vida,
Última porta.


Vida que eu sei que anda ao acaso,
Que não se inveja nem se gaba:
Uma licença a curto prazo
Que ninguém sabe quando acaba.

Não a ganhou, era uma herança,
Foi dissipada aí a rodos;
Como perdeu também a esperança,
Vem amanhã nos jornais todos:

Resto de esperança perdeu-se
Do largo da ilusão
À rua do esquecimento:
Tem manchas de ingratidão
E sinais de sofrimento;
Quem a achou, se não se importa,
Entregue-a mesmo à saída
Do beco do fim da vida,
Última porta.


[instrumental]

Quem a achou, se não se importa,
Entregue-a mesmo à saída
Do beco do fim da vida,
Última porta.



* Rodrigo – voz
António Chainho – 1.ª guitarra portuguesa
José Luís Nobre Costa – 2.ª guitarra portuguesa
José Maria Nóbrega – viola
Raul Silva – viola baixo

Gravado nos Estúdios Valentim de Carvalho, Paço d'Arcos
Técnico de som – Hugo Ribeiro
URL: https://www.facebook.com/rodrigofadista/
https://pt.wikipedia.org/wiki/Rodrigo_Ferreira_In%C3%A1cio
https://www.museudofado.pt/pt/fado/personalidade/rodrigo
https://music.youtube.com/channel/UCoSx1eGOpg683cGeJNVJ4Zg



Capa do EP "O Cantar da Minha Gente", de Rodrigo (EMI/VC, 1974)



Capa do LP "Eu Sou Povo e Canto Esperança", de Rodrigo (EMI/VC, 1974)
Fotografia – Henrique Fiúza



Capa da compilação em duplo LP/CD "O Melhor de Rodrigo" (EMI-VC, 1990)



Capa da compilação em CD "O Melhor de Rodrigo" (Edições Valentim de Carvalho/iPlay, 2008)
Design gráfico – Celina Botelho



Capa da compilação em CD "Rodrigo: Essencial" (Edições Valentim de Carvalho/CNM, 2014)

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Outros artigos com repertório de Rodrigo:
A infância e a música portuguesa
Em memória de Fernando Alvim (1934-2015)

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Outros artigos com poesia e/ou música de Frederico de Brito:
Celebrando Maria Teresa de Noronha
Celebrando Lucília do Carmo
Carlos do Carmo: "O Madrugar de um Sonho"