25 abril 2019

Carlos do Carmo: "O Madrugar de um Sonho"



Foi na madrugada de 25 de Abril de 1974, perfez na de hoje 45 anos, que uma bem-sucedida operação militar comandada por oficiais intermédios das Forças Armadas derrubou o já caquéctico Estado Novo e tornou em realidade o sonho de Liberdade que o Povo Português há muito almejava. Povo esse que logo nessa manhã foi para as ruas dar largas à alegria e ao júbilo que sentia pelo fim da repressão e da mordaça. Esse momento histórico de exaltação festiva está descrito, com grande eloquência, na canção "O Madrugar de um Sonho", concebida pelo poeta Frederico de Brito e magistralmente interpretada por Carlos do Carmo. É pois com este belo espécime poético-musical, que tão bem documenta a Revolução dos Cravos, que celebramos o Dia da Liberdade.
Quando se oferece a liberdade a um preso ou amordaçado é de todo improvável e inverosímil que ele a recuse. Porque é contranatura: a liberdade é, para o ser humano, (quase) tão essencial como o ar que respira. Esse é o motivo de estarem condenados a prazo os regimes que a coarctam. Ainda assim, nenhuma democracia tem garantida a vida eterna se perder a capacidade de se auto-regenerar e descurar o combate aos parasitas (leia-se 'os corruptos e certos interesses instalados') que lhe sugam a seiva vital.
Num país em cuja Constituição a liberdade de expressão está consagrada, era expectável que não houvesse Censura. Mas será que ela não existe mesmo, hoje em dia? Atente-se no caso concreto da música que passa na Antena 1 durante as larguíssimas horas da emissão de continuidade, e que é debita por um computador, a partir de um lote de canções previamente escolhidas e mediante um determinado padrão de repetição – lista de difusão essa vulgarmente denominada de 'playlist'. Pela miríade de artistas portugueses de mérito – desde os mais antigos aos mais recentes – que é deixada de fora, e pela desmesurada presença de produtos medíocres (endógenos e exógenos), salta aos olhos (ou aos ouvidos, melhor dizendo) que há ali uma atitude censória. Não assumida nem declarada, mas bem real. Não nos custa admitir que não exista uma determinação da tutela governamental – Ministério da Cultura – nesse sentido, mas jamais poderemos aceitar que quem tem competência e poderes para debelar o mal continue a 'assobiar para o lado', como se aquela aberrante situação fosse a mais normal de todas num Estado que se autoproclama de democrático e diz garantir a liberdade de expressão do pensamento e da criação artística (no caso, da musical).



O Madrugar de um Sonho



Letra e música: Frederico de Brito
Arranjo: Pedro Osório
Intérprete: Carlos do Carmo* (in LP "Álbum", Philips/Polygram, 1980, reed. Universal Music, 2003, Universal Music, Série '50 Anos', 2013)




[vozes de populares e Francisco Sousa Tavares / instrumental]

Sonhei... que já alta madrugada,
Viera a Razão armada
P'ra defender a Cidade;
Olhei... e vi que este nosso Povo
Levantara-se de novo
Aos vivas à Liberdade.

Depois..., e já de janela aberta,
Ouvi um bradar – "Alerta!" –
E o eco, p'la rua fora,
Gritou p'ra dizer com Razão pura
Que uma era de tortura
Terminava àquela hora!

Julguei ser um sonho,
Mas foi realidade;
E às vezes suponho
Que não foi verdade!

Mas se alguém disser
"Não há Liberdade!",
Eu posso morrer
Mas não é verdade!

Saí... e vi uns homens libertos,
Todos de braços abertos...
Todos a pedir justiça!
Alguns já de saúde perdida
E com metade da vida
Em prisões de luz mortiça.

Ouvi... milhões de palmas e brados;
Trabalhadores e soldados
Vivendo a mesma euforia;
Senti... que havia um Portugal novo;
Vi tão alegre o meu povo,
Que até chorei de alegria!

Julguei ser um sonho,
Mas foi realidade;
E às vezes suponho
Que não foi verdade!

Mas se alguém disser
"Não há Liberdade!",
Eu posso morrer
Mas não é verdade!

[instrumental]

Mas se alguém disser
"Não há Liberdade!",
Eu posso morrer
Mas não é verdade!


* Carlos do Carmo – voz
Direcção de orquestra – Pedro Osório
Gravação – José Manuel Fortes, nos Estúdios RPE, Lisboa



Capa do LP "Álbum", de Carlos do Carmo (Philips/Polygram, 1980)
Fotografia – Inácio Ludgero
Concepção – Joaquim de Brito

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