19 novembro 2013

Celebrando Lucília do Carmo



«"A minha Mãe foi uma das fadistas mais importantes deste século [séc. XX]". A frase, de Carlos do Carmo, só peca por defeito: na verdade, não foi só deste mas será de todos os séculos, por muitos que passem e por muito bons fadistas que apareçam. Enquanto for possível preservar as memórias do Fado, o lugar de Lucília do Carmo como grande figura é inquestionável.
Nascida em Portalegre, nos finais de 1919 [4 de Novembro], aí ensaiou os primeiros voos, até sentir que os seus dotes seriam mais apreciados em Lisboa. Não se enganou. Deu nas vistas desde logo, estreando-se como profissional apenas com 17 anos e actuando nas melhores casas típicas de então. Casou com o empresário Alfredo de Almeida, homem cultivado e de apurado sentido artístico — era também actor amador — que seria determinante na modelação da excelente matéria-prima que era a voz de Lucília do Carmo, refinando-lhe as qualidades, cuidando das letras, instilando exigência. Em 1947, abriu uma casa de fados que se tornaria histórica, inicialmente chamada "Adega da Lucília", mais tarde "O Faia" [à rua da Barroca, no Bairro Alto]. A morte prematura do marido deixou, a Lucília do Carmo, uma viuvez assumida para sempre e um filho que assegurou a direcção da casa, antes e depois de se tornar, por mérito próprio, num consagrado intérprete.
No "Faia", Lucília do Carmo não temeu rodear-se (ao contrário de muitas "estrelas") de grandes vozes no elenco: Alfredo Marceneiro, Carlos Ramos, Tristão da Silva, Maria José da Guia, Beatriz da Conceição, entre muitos outros. A sua personalidade impunha-a, para além de artista, como anfitriã. Foi a penúltima grande dona de uma casa de fados (a última é Argentina Santos). Num contexto quase feudal, à moda antiga, tratada com reverência pelo pessoal, recebia como uma rainha, afável mas distante. Os grandes apreciadores não iam "aos fados", iam "à Lucília". Quando cantava, traçava o xaile de uma forma peculiar, emaranhava os dedos nos cadilhos, torcia-os levemente, semicerrava os olhos e dava primazia à voz, com a maior sobriedade, no que alguém definiu como "um porte de imperatriz".
Deixou uma discografia inversamente proporcional ao seu valor. Isto porque era avessa ao estúdio, ao ambiente das gravações, tanto quanto ao palco e às entrevistas. Quem a quisesse ouvir, em êxtase, era na sua casa. Aí, em duas ou três noites de privilégio, Maria Teresa de Noronha em visita e Alfredo Marceneiro deixavam-se ficar. Depois de sair o último cliente e todo o pessoal, apagavam-se as luzes e fechava-se a porta à chave, por dentro. Apenas com os guitarristas, num recanto da sala vazia, cada um dos três monstros sagrados pedia aos outros o que mais gostava de lhes ouvir. E era a magia de soberbas interpretações, na intimidade de grandes senhores de um género musical único, em partilha, na cumplicidade da ausência de testemunhas. Melhor dizendo, havia duas: José António Sabrosa, marido de Maria Teresa de Noronha, e o ainda adolescente Carlos do Carmo que aí decidiu pertencer também à raça dos eleitos.
Esta "biografia" permite acompanhar a evolução de Lucília do Carmo. As primeiras gravações patenteiam a voz muito clara e fresca da juventude, de tonalidades mais agudas do que mais tarde nos habituou, mas já com a dicção que lhe foi característica, matizando as vogais, arredondando-as, esculpindo-as a partir da vulgaridade de quem fala para as transformar em arte de quem canta. Os seus inconfundíveis "rr", rolados no ápex da língua — e não guturais, como é apanágio da pronúncia de Lisboa traziam a originalidade de se ouvirem pouco nos fadistas da capital. A maturidade trouxe segurança e cunho pessoal à interpretação. Deu-lhe uma voz mais volumosa e quente, até se apresentar ligeiramente velada com o tempo, o que no Fado é enriquecimento, mais uma cor a acrescentar à paleta que os grandes fadistas conseguem usar em plenitude até muito tarde, para regalo de quem os ouve. Constante foi a melhoria de sensibilidade fadista, o saber transmitir estados de alma enfatizando musicalmente a letra, daquela maneira que nem o poeta suspeita ao escrevê-la.
As duas faixas de abertura, "Recordações" e "Amor Desfeito", gravadas ainda em discos de 78 rotações, em 1958, são já um primor de qualidade, ainda sem grandes arrojos mas perfeitamente reveladoras de que uma voz nova e espectacular havia surgido no Fado de Lisboa. "Amor Desfeito" mostra uma curiosa transgressão ao Português, exigida pela métrica popular e condescendente, aquele "só tu fostes o culpado". Curiosa, por não ser fruto da ignorância nem do letrista nem da intérprete, logo adiante fiéis às regras em "foste mau, foste cruel". "Foi na Travessa da Palha" [1958], juntamente com "Olhos Garotos" [1958] e "Maria Madalena" [1968] são os primeiros êxitos da Artista. Neles Lucília do Carmo se evidencia por adequar as cambiantes melódicas às intenções dos versos, estes provenientes dos melhores letristas que, reparando no seu talento, lhe entregavam as produções, garantia de mútuo sucesso.
Teria sido erro não incluir a "Rapsódia de Fados" [1958] por excessivo escrúpulo dela conter imperfeições. Falamos do desrespeito pelo compasso patente no duplo remate do fado Sem Pernas e na entrada para o Mouraria, de resto soberbamente disfarçado pelos guitarristas. São faltas desculpáveis pelo arrebatamento da interpretação, em que o fadista muitas vezes não espera pelos guitarristas e deixa escapar os versos ou os prolonga um pouco mais porque a alma assim lho pede. Uma "biografia" é isso mesmo, o retrato tão fiel quanto possível de uma carreira. E esta rapsódia é, isso sim, uma portentosa manifestação do talento de Lucília do Carmo, a merecer análise mais detalhada. Para começar, é uma peça muito difícil, pois são vários fados num só, muito diferentes uns dos outros, havendo até mudanças de tom entre eles. A concentração para produzi-los tem de ser enorme e Lucília do Carmo consegue tratá-los, um por um, de uma forma superior. A letra muito castiça de Linhares Barbosa ajuda a identificá-los, pois menciona quase todos. Em contraste com o "triste Fado Menor" de abertura, o arranque vibrante e pleno de garra daquele "Guitarra toca o Corrido" é, só por si, um paradigma. Opõe-se-lhe a suavidade com que é abordado o Dois Tons. E que dizer do "Devagar, guitarra amiga..." que inicia o Sem Pernas? O Mouraria, arrastado como compete, é a prova de que se canta diferentemente do Corrido e não é só o desenho melódico da guitarra (aqui a fazer um Mouraria Antigo) que lhe determina a casta.
Fado raro, pouco ouvido, é o fado Macau, dando suporte à letra do "Manjerico" [1960] e mostrando-nos uma Lucília do Carmo tão à-vontade nos fados saltadinhos e vivos como nos fados lentos. Chegamos a "Não Voltes à Minha Porta" [1966], uma belíssima letra de Frederico de Brito, a surpreender pelo inesperado conceito com que termina cada sextilha. Pedra de toque para avaliar fadistas, a "Marcha do Marceneiro" tem nesta interpretação de Lucília do Carmo uma das suas mais elevadas expressões. A alternância entre os timbres doces e ásperos, o domínio da dinâmica vocal, das suspensões, podiam ser matéria de estudo, se a houvesse, para novos fadistas.
"Madragoa" [1966], outro ponto alto desta "biografia", da carreira da Artista e da História do Fado, é um monumento comovente a um bairro, àquilo que deve ser uma letra de fado, a uma voz que sabemos não ter substituta. Ouve-se com a certeza de que mais ninguém cantará este fado como ela cantou. O crescendo de qualidade que José Pracana teve o cuidado de garantir nesta compilação conduz-nos à talvez maior e mais emblemática criação de Lucília do Carmo: "Maria Madalena" [1968, com letra de Gabriel de Oliveira sobre uma quadra de Augusto Gil]. Num fado antigo e tradicional, o Mouraria, é inolvidável a impressão que nos causa e, por muitas vezes que se oiça, cada vez se gosta mais. "Tia Dolores" [1968] combina-se bem com a fase da vida em que Lucília do Carmo a cantou. Com a autoridade de mãe, com uma ou outra ruga na voz dos 48 anos, com todo o calor aveludado do seu timbre único, oferece-nos um Linhares Barbosa originalíssimo no tratamento do tema, por ela transformado em êxito. Melhor técnica de gravação, apuro de guitarristas da melhor craveira, "Leio em Teus Olhos" é de 1971: era um dos temas que Maria Teresa de Noronha e Alfredo Marceneiro sempre lhe pediam que cantasse, quando a iam ouvir. A despedida é feita com "Zé Maria" (faixa 20), um fado-marcha, popular, santantonino, de que Lucília do Carmo não foi cultora mas nos deixou como brinde.
Uma palavra para a poética escolhida por esta grande intérprete. À parte algumas letras dedicadas a Lisboa ("Madragoa", "Sete Colinas") e a um ou outro fado descritivo ("Naquela Azenha Velhinha", "Tia Dolores"), Lucília do Carmo cantou principalmente o Amor. Com toda a alma feminina, um amor-drama, contrariado, traído ou impossível, mas sempre intenso. Como em poucos vultos do Fado, o casticismo, a energia austera do seu "estilar" atenuou a fronteira entre fado tradicional e fado-canção. Cultivou os dois, com raro acerto e, sobretudo, com superior bom gosto.»

DANIEL GOUVEIA, Janeiro de 1998 (texto inserto no caderno do CD "Lucília do Carmo", col. Biografias do Fado, EMI-VC, 1998)


Nota: A citada antologia é hoje muito difícil de encontrar nas lojas de discos, mas há outra editada uma década mais tarde, pela Iplay, com o título "O Melhor de Lucília do Carmo" (a cuja capa pertence a imagem do topo), que tem dez temas em comum com aquela, se bem que em dois casos as gravações sejam diferentes.


Lucília do Carmo faleceu a 19 de Novembro de 1998, faz hoje quinze anos. Oportunidade para o blogue "A Nossa Rádio" a homenagear, apresentando uma mão-cheia dos mais belos espécimes do seu repertório.
Apesar de ser uma figura grada do Fado, e da Música Portuguesa globalmente considerada, Lucília do Carmo tem sido tremendamente negligenciada pela estatal Antena 1, a mesma que tem a obrigação, legalmente estabelecida, de divulgar o nosso património musical/fonográfico mais valioso e perene. Será aceitável e razoável que uma artista de tal dimensão esteja excluída da 'playlist' e que apenas um ou outro dos seus fados apareça de tempos a tempos (intervalos de meses) na rubrica "Alma Lusa"?



É Loucura



Letra: Júlio de Sousa
Música: Júlio de Sousa (Fado Loucura)
Intérprete: Lucília do Carmo* (in LP "Recordações", Decca/VC, 1972; 2LP/CD "O Melhor de Lucília do Carmo", EMI-VC, 1990; CD "O Melhor de Lucília do Carmo", Edições Valentim de Carvalho/Iplay, 2008)


[instrumental]

Sou do fado como sei,
Vivo um poema cantado
Dum fado que eu inventei.
A falar não posso dar-me,
Mas ponho a alma a cantar,
E as almas sabem escutar-me.

Chorai, chorai, poetas do meu país,
Troncos da mesma raiz
Da vida que nos juntou!
E se vocês não estivessem a meu lado,
Então não havia fado
Nem fadistas como eu sou.

Esta voz, tão dolorida,
É culpa de todos vós,
Poetas da minha vida.
"É loucura!", oiço dizer,
Mas bendita esta loucura
De cantar e de sofrer.

Chorai, chorai, poetas do meu país,
Troncos da mesma raiz
Da vida que nos juntou!
E se vocês não estivessem a meu lado,
Então não havia fado
Nem fadistas como eu sou.

[instrumental]

Então não havia fado
Nem fadistas como eu sou.


* Lucília do Carmo – voz
Fernando Freitas e António Chainho – guitarras portuguesas
José Maria Nóbrega e Orlando Silva – violas
Raul Silva – viola baixo
Gravado nos Estúdios Valentim de Carvalho, Paço d'Arcos
Técnico de som – Hugo Ribeiro



Naquela Azenha Velhinha



Letra e música: Frederico de Brito
Criação: Vítor Daniel (1930)
Intérprete: Lucília do Carmo* (in EP "Lucília do Carmo" ("Naquela Azenha Velhinha"), Decca/VC, 1960; 2LP/CD "O Melhor de Lucília do Carmo", EMI-VC, 1990; CD "Lucília do Carmo", col. Biografias do Fado, EMI-VC, 1998; CD "O Melhor de Lucília do Carmo", Edições Valentim de Carvalho/Iplay, 2008)




Aquela azenha velhinha,
Na margem da ribeirinha
Que por vales serpenteia,
Foi testemunha impassível
Da tragédia mais horrível
Que houvera na minha aldeia.

Era uma tarde de inverno
O céu parecia um inferno,
Estavam os astros em guerra;
A ribeira mal sustinha
A grande cheia que vinha
Pelas vertentes da serra.

Vendo a ribeira a subir,
O moleiro quis fugir
Levando o filho nos braços
Pela ponte carcomida
Já velhinha e ressequida
A desfazer-se em pedaços.

Mas ai, a ponte quebrou-se
E o moleiro, como fosse
Na cheia da ribeirinha,
Levou o filho consigo;
E nunca mais moeu trigo
Aquela azenha velhinha.


* Lucília do Carmo – voz
Jaime Santos – guitarra portuguesa
Martinho d'Assunção – viola
Gravado no Teatro Taborda, Costa do Castelo (Lisboa), em Maio de 1960
Técnico de som – Hugo Ribeiro



Bons Dias, Menino



Letra: Júlio de Sousa
Música: Mário Moniz Pereira
Intérprete: Lucília do Carmo* (in LP "Lucília do Carmo", Trova, 1978, reed. Fatum/UPAV, 1992, Universal, 2003)


[instrumental]

Menino, menino!
Tens olhos de sono,
Menino tão fino,
Cãozinho sem dono.

Bons dias, menino!
Aceita, são meus!
Àquele menino
Ninguém diz adeus,
Ninguém diz adeus.

De manhã, muito cedinho,
Do outro lado da estrada
Anda um menino magrinho
De mala gorda e pesada.

Nervoso, triste e alheio,
Vai e vem sem descansar;
Dá pontapés no passeio,
Na bola do seu pensar.

Menino, menino!
Tens olhos de sono,
Menino tão fino,
Cãozinho sem dono.

Bons dias, menino!
Aceita, são meus!
Àquele menino
Ninguém diz adeus,
Ninguém diz adeus.

Lá vem o carro atrasado
P'ra o colégio onde o meteram;
Querem vê-lo bem formado
Nas formas que não lhe deram.

Olho as janelas em frente,
Não vejo os braços da mãe:
Dorme regaladamente
Nos braços não sei de quem.

Menino, menino!
Tens olhos de sono,
Menino tão fino,
Cãozinho sem dono.

Bons dias, menino!
Aceita, são meus!
Àquele menino
Ninguém diz adeus,
Ninguém diz adeus.

[instrumental]

Bons dias, menino!
Aceita, são meus!
Àquele menino
Ninguém diz adeus.
Àquele menino
Só eu digo adeus.


* Lucília do Carmo – voz
António Chainho – 1.ª e 2.ª guitarras portuguesas
Martinho d'Assunção – viola
José Maria Nóbrega – viola baixo
Técnico de som – José Manuel Fortes
Mistura – Luís Alcobia



Olhos Garotos



Letra: João Linhares Barbosa
Música: Jaime Santos
Intérprete: Lucília do Carmo* (in EP "Olhos Garotos", Decca/VC, 1958; 2LP/CD "O Melhor de Lucília do Carmo", EMI-VC, 1990; CD "Lucília do Carmo", col. Biografias do Fado, EMI-VC, 1998; CD "O Melhor de Lucília do Carmo", Edições Valentim de Carvalho/Iplay, 2008)




Diz aos teus olhos garotos,
Vivos, marotos,
Pretos, rasgados,
Que não andem p'las esquinas
Feitos traquinas
E malcriados.

Que não sigam as meninas
Simples, ladinas
Dos olhos meus;
De tudo acho capazes
Os maus rapazes
Dos olhos teus.

Teus olhos amendoados
São comparados
A dois cachopos
Que quando topam meninas
P'las esquinas
Dizem piropos.

É preciso que lhes digas
Que as raparigas
Nem todas são
Como as pedras que há nas ruas,
Gastas e nuas,
Sem coração.

Diz-lhes tudo sem ralhar,
Sem te zangar,
Tem mil cuidados;
Sim, que para entristecê-los
Prefiro vê-los
Nos seus pecados.

Não quero os teus lindos olhos
Correndo abrolhos;
Livre-nos Deus
Que causassem tais ruínas
Estas meninas
Dos olhos meus.


* Lucília do Carmo – voz
Francisco Carvalhinho – guitarra portuguesa
Martinho d'Assunção – viola
Gravado no Teatro Taborda, Costa do Castelo (Lisboa), em Junho de 1958
Técnico de som – Hugo Ribeiro



Contentamento



Letra e música: Mário Moniz Pereira
Intérprete: Lucília do Carmo* (in LP "Recordações", Decca/VC, 1972; CD "Maria Madalena", col. Caravela, EMI-VC, 1997)


[instrumental]

Nem tu podes saber, sou tão diferente
Nos minutos que estou ao pé de ti:
Todo o meu ser desperta e me sorri,
Sinto a vida a correr tão docemente.

E sou feliz,
Sorridente, apaixonada,
Porque te quis,
Porque te quero e mais nada.

Só peço a Deus
Que te conserve a meu lado,
Porque assim este meu fado
Nunca terá um adeus.

E não quero mais nada, estou contente;
Esqueço tudo aquilo que perdi
E fico à tua beira sempre ali
Enquanto a minha sina me consente.

E sou feliz,
Sorridente, apaixonada,
Porque te quis,
Porque me queres e mais nada.

Só peço a Deus
Que te conserve a meu lado,
Porque assim este meu fado
Nunca terá um adeus.

[instrumental]

Só peço que a Deus
Que te conserve a meu lado,
Porque assim este meu fado
Nunca terá um adeus.


* Lucília do Carmo – voz
Conjunto de Guitarras de Raul Nery
Gravado nos Estúdios Valentim de Carvalho, Paço d'Arcos, em Novembro de 1971
Técnico de som – Hugo Ribeiro



Pequenas Felicidades



Letra e música: Mário Moniz Pereira
Intérprete: Lucília do Carmo* (in LP "Recordações", Decca/VC, 1972; 2LP/CD "O Melhor de Lucília do Carmo", EMI-VC, 1990; CD "Fado em Tom Maior", EMI-VC, 1995; CD "O Melhor de Lucília do Carmo", Edições Valentim de Carvalho/Iplay, 2008)




O nosso amor são pequenas felicidades,
São sorrisos, são tristezas,
Algumas leviandades
E também muitas certezas;
Cresce sempre, nunca cansa,
Tudo nele são verdades:
É certeza, não é esperança,
Não tem lugar p'ra maldades.

O nosso amor são pequenas felicidades,
São sorrisos, são tristezas,
Algumas leviandades
E também muitas certezas;
Aumenta todos os dias
Desde manhã ao sol-pôr,
Aquece as noites mais frias:
Enfim, é o nosso amor.

O nosso amor são pequenas felicidades
São sorrisos, são tristezas,
Algumas leviandades
E também muitas certezas;
Um dia tem de morrer
E muitos virão depois:
Quando isto suceder
Já cá não estamos os dois.

[instrumental]

Quando isto suceder
Já cá não estamos os dois.


* Lucília do Carmo – voz
Conjunto de Guitarras de Raul Nery
Gravado nos Estúdios Valentim de Carvalho, Paço d'Arcos, em Novembro de 1971
Técnico de som – Hugo Ribeiro



Leio em Teus Olhos



Letra e música: Mário Moniz Pereira
Criação: Carlos Ramos (in EP "As Duas Faces do Amor", Columbia/VC, 1967)
Intérprete: Lucília do Carmo* (in LP "Recordações", Decca/VC, 1972; 2LP/CD "O Melhor de Lucília do Carmo", EMI-VC, 1990; CD "Fado em Tom Maior", EMI-VC, 1995; CD "Lucília do Carmo", col. Biografias do Fado, EMI-VC, 1998; CD "O Melhor de Lucília do Carmo", Edições Valentim de Carvalho/Iplay, 2008)




[instrumental]

Leio em teus olhos
Que o nosso amor está cansado
Leio em teu olhos
Recordações do passado
Leio em teus olhos
Que já não sou nesta hora
O que fui p'ra ti outrora
Leio em teus olhos

O amor de alguém
É inconstante
Logo que ele vem
Vai num instante
Vê lá se o teu
Não está já muito diferente
Continua igual ao meu
Como ele era antigamente

Leio em teus olhos
Que o nosso amor está cansado
Leio em teus olhos
Recordações do passado
Leio em teus olhos
Que já não sou nesta hora
O que fui p'ra ti outrora
Leio em teus olhos

[instrumental]

Leio em teus olhos
Que já não sou nesta hora
O que fui p'ra ti outrora
Leio em teus olhos


* Lucília do Carmo – voz
Conjunto de Guitarras de Raul Nery
Gravado nos Estúdios Valentim de Carvalho, Paço d'Arcos, em Novembro de 1971
Técnico de som – Hugo Ribeiro



Quem Pode Viver Contente?



Letra: Gabriel de Oliveira
Música: Francisco Viana (Fado Vianinha)
Intérprete: Lucília do Carmo* (in EP "Foi na Travessa da Palha", Decca/VC, 1958; 2LP/CD "O Melhor de Lucília do Carmo", EMI-VC, 1990)


[instrumental]

De noite e dia a penar
Quem pode viver contente?
Não sabes o que é gostar
De quem não gosta da gente.

Não sabes, tenho a certeza,
Mal de amores avaliar,
Nem vês a minha tristeza
De noite e dia a penar.

Mal pensava que vivia
Conjugando o verbo amar
Quando a brincar te dizia:
"Não sabes o que é gostar."

Na vida por Deus imposta
Há tortura transcendente:
É sofrer porque se gosta
De quem não gosta da gente.


* Lucília do Carmo – voz
Francisco Carvalhinho – guitarra portuguesa
Martinho d'Assunção – viola
Gravado no Teatro Taborda, Costa do Castelo (Lisboa), em Junho de 1958
Técnico de som – Hugo Ribeiro



Não me Conformo



Letra e música: Mário Moniz Pereira
Intérprete: Lucília do Carmo* (in LP "Recordações", Decca/VC, 1972; 2LP/CD "O Melhor de Lucília do Carmo", EMI-VC, 1990; CD "O Melhor de Lucília do Carmo", Edições Valentim de Carvalho/Iplay, 2008)


[instrumental]

Não sei como pudeste descansar
Noutros braços, sabendo que estou triste;
Nem um remorso só te faz lembrar
O que te dei e tu retribuíste.

Mas como, santo Deus, tudo apagado
Nesse teu coração descontrolado,
Sabendo tu que o meu se queimaria
Numa saudade viva dia-a-dia?!

Bem sei que todo o bem tem sempre um fim...
Mas não, não me conformo assim!

Entre nós dois estão sempre de permeio
Doces recordações a que me agarro,
Na estante o livro que deixaste em meio,
No meu cinzeiro o último cigarro,

O lenço que me deste nos meus anos,
Mortalha doutros tantos desenganos,
Onde guardo o que resta desse adeus
Que os teus olhos trocaram com os meus.

Bem sei que todo o bem tem sempre um fim...
Mas não, não me conformo assim!

[instrumental]

Bem sei que todo o bem tem sempre um fim...
Mas não, não me conformo assim!


* Lucília do Carmo – voz
Conjunto de Guitarras de Raul Nery
Gravado nos Estúdios Valentim de Carvalho, Paço d'Arcos, em Novembro de 1971
Técnico de som – Hugo Ribeiro



Preciso de te Ver



Letra: Vasco de Lima Couto
Música: José Joaquim Cavalheiro Júnior (Fado Menor do Porto)
Intérprete: Lucília do Carmo* (in LP "Recordações", Decca/VC, 1972; CD "Maria Madalena", col. Caravela, EMI-VC, 1997)




Eu preciso de te ver,
Ausente amor sem razão,
Para te mostrar as sombras
Do quarto da solidão.

Eu preciso de te ver
Para fugir deste frio
Que voa dentro de mim
Como as gaivotas no rio.

Eu preciso de te ver
Para afastar esta saudade
Que já começa a vestir
O tempo da minha idade.

Como ganhei a coragem
Da areia a beber a espuma,
Eu preciso de te ver
Mais uma vez, só mais uma.


* Lucília do Carmo – voz
Fernando Freitas e António Chainho – guitarras portuguesas
José Maria Nóbrega e Orlando Silva – violas
Raul Silva – viola baixo
Gravado nos Estúdios Valentim de Carvalho, Paço d'Arcos
Técnico de som – Hugo Ribeiro



Vou Lá Ter



Letra e música: Mário Moniz Pereira
Intérprete: Lucília do Carmo* (in LP "Lucília do Carmo", Trova, 1978, reed. Fatum/UPAV, 1992, Universal, 2003)


Partiste, tudo na vida tem fim
Sempre disse cá p'ra mim
Que isto iria acontecer
Partiste, mas a culpa não foi minha
Foi da vida que caminha
Muito depressa a correr
Partiste, foi-se o amor, veio a amizade
Esta nova realidade
Não quiseste compreender

Agora, prefiro ser a ternura
Que estando só é mais pura
Que estando triste não chora
Sem ti, é mais fácil eu saber
Que a vida está por viver
E que ainda não morri

Partiste p'ra longe da minha vista
Pode ser que assim resista
À tentação de te ver
Partiste, continua sempre em frente
E não voltes de repente
Que te vais arrepender
Partiste, por favor não voltes mais
Mas não digas p'ra onde vais
Se não queres que eu vá lá ter

Agora, prefiro ser a ternura
Que estando só é mais pura
Que estando triste não chora
Sem ti é mais fácil eu saber
Que a vida está por viver
E que ainda não morri

[instrumental]

Partiste, por favor não voltes mais
Mas não digas p'ra onde vais
Se não queres que eu vá lá ter


* Lucília do Carmo – voz
António Chainho – 1.ª e 2.ª guitarras portuguesas
Martinho d'Assunção – viola
José Maria Nóbrega – viola baixo
Técnico de som – José Manuel Fortes
Mistura – Luís Alcobia



Verdades Que a Noite Encobre



Letra: Matos Maia
Música: Armando Augusto Freire, vulgo Armandinho
Intérprete: Lucília do Carmo* (in EP "Verdades Que a Noite Encobre", Decca/VC, 1968; 2LP/CD "O Melhor de Lucília do Carmo", EMI-VC, 1990; CD "O Melhor de Lucília do Carmo", Edições Valentim de Carvalho/Iplay, 2008)


Madrugada sem luar
Onde o meu pobre cantar
É uma estrela escondida;
Noites perdidas de fado
Onde canto o meu passado,
Onde me sinto perdida.

Ando assim em penitência
Recordando a tua ausência,
Sofrendo a cada momento;
Ando morrendo na vida,
Pois a tua imagem querida
É o meu maior tormento.

Verdades que a noite encobre
Neste soluço tão pobre
Que finge toda uma vida:
Riso, pranto, agonia,
Pois é assim o meu dia
Depois da tua partida.


* Lucília do Carmo – voz
Francisco Carvalhinho e Ilídio dos Santos – guitarras portuguesas
Orlando Silva – viola
Liberto Conde – viola baixo
Gravado nos Estúdios Valentim de Carvalho, Paço d'Arcos, em Junho de 1968
Técnico de som – Hugo Ribeiro



Amor Desfeito



Letra: D.R. (Direitos Reservados)
Música: Jaime Santos (Fado da Bica)
Intérprete: Lucília do Carmo* (in single 78 rpm "Recordações / Amor Desfeito", His Mater's Voice/VC, 1958; CD "Lucília do Carmo", col. Biografias do Fado, EMI-VC, 1998)


[instrumental]

Se o nosso amor se desfez
Só tu foste o culpado;
Porque sofres quando vês
Outro homem a meu fado?

Foste mau, foste cruel,
Não me queixei a ninguém;
Bebi lágrimas de fel
Suportando o teu desdém.

Dizes que não descansas
E que me vês em teus sonhos;
Ai a dor são as lembranças
Dos teus remorsos medonhos.

É Deus que te faz sofrer,
Vê lá bem o teu castigo:
Dormes com outra mulher
E sonhas sempre comigo.

Minhas mãos já não te afagam,
O meu desprezo é enorme;
Cá se fazem, cá se pagam,
Bem sabes que Deus não dorme.

[instrumental]


* Lucília do Carmo – voz
Jaime Santos – guitarra portuguesa
Alfredo Mendes – viola
Gravado no Teatro Taborda, Costa do Castelo (Lisboa), em 1958
Técnico de som – Hugo Ribeiro



Não Gosto de Ti!



Letra: Alberto Barbosa, José Galhardo e Vasco Santana
Música: Raul Ferrão
Criação: Mirita Casimiro (na opereta "Noite de S. João", Teatro Apolo, 1943)
Intérprete: Lucília do Carmo* (in EP "Verdades Que a Noite Encobre", Decca/VC, 1968; 2LP/CD "O Melhor de Lucília do Carmo", EMI-VC, 1990; CD "O Melhor de Lucília do Carmo", Edições Valentim de Carvalho/Iplay, 2008)


Já vivi por te amar
Por te amar, já vivi;
Chego mesmo a pasmar
Desse amor que eu senti.

Nem consigo encontrar
A paixão que voou:
Talvez ande pelo ar
Porque o vento a levou.

Eu dantes cantava
Da aurora ao sol-pôr;
Confesso que amava,
Gostava, gostava,
Gostava do teu amor.

Mais tarde o teu rosto
P'ra sempre esqueci;
Agora não gosto,
Não gosto, não gosto,
Não gosto de ti!

Este ideal, todo ideal,
Esta dor que faz dor
Só é mal que faz mal
Quando o amor é amor.

Diz que dói, já não dói,
Tinha fé, foi-se a fé;
Como foi que isto foi?
É que o amor é como é!

Eu dantes cantava
Da aurora ao sol-pôr;
Confesso que amava,
Gostava, gostava,
Gostava do teu amor.

Mais tarde o teu rosto
P'ra sempre esqueci;
Agora não gosto,
Não gosto, não gosto,
Não gosto de ti!


* Lucília do Carmo – voz
Francisco Carvalhinho e Ilídio dos Santos – guitarras portuguesas
Orlando Silva – viola
Liberto Conde – viola baixo
Gravado nos Estúdios Valentim de Carvalho, Paço d'Arcos, em Junho de 1968
Técnico de som – Hugo Ribeiro



Desespero



Letra: João Linhares Barbosa
Música: Jaime Santos (Fado Alfacinha)
Intérprete: Lucília do Carmo* (in EP "Lucília do Carmo" ("Naquela Azenha Velhinha"), Decca/VC, 1960; CD "Lucília do Carmo", col. Biografias do Fado, EMI-VC, 1998)


[instrumental]

Amei-te com desespero,
Mais do que eu ninguém te quis;
Agora que te não quero
Vejo as figuras que fiz.

Vibrava o teu coração,
Logo o meu também vibrava;
A tua respiração
Era o ar que eu respirava.

Se me oferecessem um trono,
Um palácio ou um altar,
Votava a tudo abandono
Em troca dum teu olhar.

O vento/ódio quebrou os ramos,
Da nossa ilusão florida;
Quando nos habituamos
Sofre-se menos na vida.

Se me perguntam por ti,
Pois que nada padeço,
Respondo: "Não conheci,
Não conheci nem conheço."


* Lucília do Carmo – voz
Jaime Santos – guitarra portuguesa
Martinho d'Assunção – viola
Gravado no Teatro Taborda, Costa do Castelo (Lisboa), em Maio de 1960
Técnico de som – Hugo Ribeiro



Podemos Ser Amigos



Letra: João da Mata
Música: Miguel Ramos (Fado Alberto)
Intérprete: Lucília do Carmo* (in EP "Olhos Garotos", Decca/VC, 1958; CD "Lucília do Carmo", col. Biografias do Fado, EMI-VC, 1998)


Agora que entre nós tudo acabou,
Depois de tantas zangas e castigos,
Agora que és livre e eu também estou
Podemos, afinal, ser bons amigos.

A vida insuportável que levámos,
As privações imensas que sofremos,
As discussões inúteis que travámos
Serviram só pelo muito que aprendemos.

Eu aprendi verdades que ignorava,
Tu leste o que a minh'alma continha:
Nem tu eras o homem que eu sonhava,
Nem eu era a mulher que te convinha.

Agora apenas somos bons amigos
Porque entre nós não pode haver mais nada:
Vale mais a amizade sem castigos
Do que o prazer da carne torturada.

E como tu és livre e eu sou também,
Podemos ser felizes e risonhos:
Já eu sou a mulher que te convém
E já tu és o homem dos meus sonhos.


* Lucília do Carmo – voz
Francisco Carvalhinho – guitarra portuguesa
Martinho d'Assunção – viola
Gravado no Teatro Taborda, Costa do Castelo (Lisboa), em Junho de 1958
Técnico de som – Hugo Ribeiro



Maria Madalena



Letra: Augusto Gil (1.ª quadra) e Gabriel de Oliveira
Música: Popular (Fado Mouraria); arr. Lucília do Carmo
Intérprete: Lucília do Carmo* (in EP "Verdades Que a Noite Encobre", Decca/VC, 1968; 2LP/CD "O Melhor de Lucília do Carmo", EMI-VC, 1990; CD "Lucília do Carmo", col. Biografias do Fado, EMI-VC, 1998; CD "O Melhor de Lucília do Carmo", Edições Valentim de Carvalho/Iplay, 2008)


[instrumental]

Quem por amor se perdeu
Não chore, não tenha pena!
Uma das santas do céu
Foi Maria Madalena.

Desse amor que nos encanta
Até Cristo padeceu
Para poder tornar santa
Quem por amor se perdeu.

Jesus só nos quis mostrar
Que o amor não se condena;
Por isso quem sabe amar
Não chore, não tenha pena!

A Virgem Nossa Senhora,
Quando o amor conheceu,
Fez da maior pecadora
Uma das santas do céu.

E de tanta que pecou,
Da maior à mais pequena,
Aquela que mais amou
Foi Maria Madalena.


* Lucília do Carmo – voz
Francisco Carvalhinho e Ilídio dos Santos – guitarras portuguesas
Orlando Silva – viola
Liberto Conde – viola baixo
Gravado nos Estúdios Valentim de Carvalho, Paço d'Arcos, em Junho de 1968
Técnico de som – Hugo Ribeiro



Não Vou, Não Vou



Letra: Júlio de Sousa
Música: Mário Moniz Pereira
Intérprete: Lucília do Carmo* (in LP "Lucília do Carmo", Trova, 1978, reed. Fatum/UPAV, 1992, Universal, 2003)


Eu tinha as chaves da vida e não abri
As portas onde morava a felicidade;
Eu tinha as chaves da vida e não vivi:
A minha vida foi toda uma saudade.

E tanta ilusão que tive e foi perdida,
E tanta esperança no amor foi destroçada;
Não sei porque me queixo desta vida
Se não quero outra vida para nada.

Se foi p'ra isto que nasci,
Se foi p'ra isto que hoje sou,
Se foi só isto que mereci,
Não vou, não vou.
Podem passar bocas pedindo,
Olhos em fogo, tudo acabou;
Pode passar o amor mais lindo,
Não vou, não vou.

Eu tinha as chaves da vida e fui roubada,
Mataram dentro de mim toda a poesia:
Deixaram só tristeza sem mais nada
E a fonte dos meus olhos que eu não queria.

Se foi p'ra isto que nasci,
Se foi p'ra isto que hoje sou,
Se foi só isto que mereci,
Não vou, não vou.
Podem passar bocas pedindo,
Olhos em fogo, tudo acabou;
Pode passar o amor mais lindo,
Não vou, não vou.

[instrumental]

Podem passar bocas pedindo,
Olhos em fogo, tudo acabou;
Pode passar o amor mais lindo,
Não vou, não vou.


* Lucília do Carmo – voz
António Chainho – 1.ª e 2.ª guitarras portuguesas
Martinho d'Assunção – viola
José Maria Nóbrega – viola baixo
Técnico de som – José Manuel Fortes
Mistura – Luís Alcobia



A Cor da Mágoa



Letra: Mário Martins
Música: Popular (Fado Corrido)
Intérprete: Lucília do Carmo* (in EP "A Cor da Mágoa", Decca/VC, 1968; 2LP/CD "O Melhor de Lucília do Carmo", EMI-VC, 1990; CD "Fado em Tom Maior", EMI-VC, 1995)




[instrumental]

Por razões desconhecidas,
Vesti os meus sentimentos
De seda da cor das mágoas
E à moda dos desalentos.

Quis fazer do sonho a vida,
E como compensação
A vida fez do meu sonho
Uma enorme decepção.

O sonho é pena que voa
Ao sabor da viração:
Dá-lhe a chuva, cai molhado,
Agarra-se ao coração.

Sentir pecado maior
Que roubar o que é de alguém:
Sentir a ambição estranha
De querer mais do que se tem.


* Lucília do Carmo – voz
Francisco Carvalhinho e Ilídio dos Santos – guitarras portuguesas
Orlando Silva – viola
Liberto Conde – viola baixo
Gravado nos Estúdios Valentim de Carvalho, Paço d'Arcos, em Junho de 1968
Técnico de som – Hugo Ribeiro



Antes Nada Saber



Letra e música: Júlio de Sousa
Intérprete: Lucília do Carmo* (in LP "Lucília do Carmo", Trova, 1978, reed. Fatum/UPAV, 1992, Universal, 2003)


[instrumental]

Senhor, perdoai, perdoai!...
Eu não sabia
Que a vida não era somente
O que eu queria.

Crianças tão lindas chorando
E homens armados rezando
Pelos seus irmãos de crenças iguais, magoadas;
E mães que embalavam de amor os filhos mortos
E flores nos jardins da cidade, pisadas.

E jovens que queriam cantar
A velhice inconsciente que ria.
Senhor, perdoai meu desabafar!
Eu não sabia...

Eu não sabia, eu não pensava
Que a vida estava onde ela estava.
A minha dor não existia.
Tudo era belo e me sorria;
Deixei de vê-la e tudo vi...
Antes nada saber do que aprendi.

[instrumental]

Deixei de vê-la e tudo vi...
Antes nada saber do que aprendi.


* Lucília do Carmo – voz
António Chainho – 1.ª e 2.ª guitarras portuguesas
Martinho d'Assunção – viola
José Maria Nóbrega – viola baixo
Técnico de som – José Manuel Fortes
Mistura – Luís Alcobia



Tudo Isto É Fado



Letra: Aníbal Nazaré
Música: Fernando Carvalho
Criação: Fernanda Baptista (num espectáculo realizado no Éden Teatro, patrocinado pela APA - Agência de Publicidade Artística, em 1949)
Recriação (com a presente letra): Irene Isidro (na revista "Feira da Avenida", Teatro Variedades, 1949)
Intérprete: Lucília do Carmo* (in LP "Recordações", Decca/VC, 1972; 2LP/CD "O Melhor de Lucília do Carmo", EMI-VC, 1990; CD "O Melhor de Lucília do Carmo", Edições Valentim de Carvalho/Iplay, 2008)




[instrumental]

Perguntaste-me outro dia
Se eu sabia o que era o fado;
Eu disse que não sabia,
Tu ficaste admirado.

Sem saber o que dizia,
Eu menti naquela hora
E disse que não sabia,
Mas vou-te dizer agora:

Almas vencidas,
Noites perdidas,
Sombras bizarras;
Na Mouraria
Cantam rufias,
Choram guitarras.

Amor, ciúme,
Cinzas e lume,
Dor e pecado:
Tudo isto existe,
Tudo isto é triste,
Tudo isto é fado.

Se queres ser o meu senhor
E teres-me sempre a teu lado,
Não me fales só de amor:
Fala-me também do fado.

É canção que é meu castigo,
Só nasceu p'ra me prender:
O fado é tudo o que eu digo
Mais o que eu não sei dizer.

Almas vencidas,
Noites perdidas,
Sombras bizarras;
Na Mouraria
Cantam rufias,
Choram guitarras.

Amor, ciúme,
Cinzas e lume,
Dor e pecado:
Tudo isto existe,
Tudo isto é triste,
Tudo isto é fado.

[instrumental]

Amor, ciúme,
Cinzas e lume,
Dor e pecado:
Tudo isto existe,
Tudo isto é triste,
Tudo isto é fado.


* Lucília do Carmo – voz
Fernando Freitas e António Chainho – guitarras portuguesas
José Maria Nóbrega e Orlando Silva – violas
Raul Silva – viola baixo
Gravado nos Estúdios Valentim de Carvalho, Paço d'Arcos
Técnico de som – Hugo Ribeiro



Rapsódia de Fados



Letra: João Linhares Barbosa
Música: Popular (Fado Menor, Fado Corrido, Fado Dois Tons, Fado sem Pernas e Fado Mouraria)
Intérprete: Lucília do Carmo* (in EP "Olhos Garotos", Decca/VC, 1958; CD "Lucília do Carmo", col. Biografias do Fado, EMI-VC, 1998)


O triste Fado Menor
Fez-me soltar mil queixumes:
Queixumes do meu amor
Que me mata de ciúmes.

O meu amor desprezou-me,
Trocou-me a outra mulher;
Mas o que mais me consome
É o que ele anda a dizer.

Guitarra, toca o Corrido!
Quero deixar de ser triste,
Fazer de conta que ele
Já para mim não existe.

Dá mais valor aos teus dons!
Deixa-me cantar contigo
No Corrido ou no Dois Tons
Já que ele correu comigo!

Devagar, guitarra amiga,
Que o meu peito já cansou!
Esqueceu-me uma cantiga
Que o meu amor me ensinou.

Mudaste p'ra o Mouraria,
Triste fado da Severa;
Não posso ter alegria,
Meu coração ainda o espera.


* Lucília do Carmo – voz
Francisco Carvalhinho – guitarra portuguesa
Martinho d'Assunção – viola
Gravado no Teatro Taborda, Costa do Castelo (Lisboa), em Junho de 1958
Técnico de som – Hugo Ribeiro



Desgarrada



Letra: João Linhares Barbosa e Guilherme Pereira da Rosa
Música: Popular (Fado Menor)
Intérpretes: Lucília do Carmo* e Carlos do Carmo (in EP "Lucília do Carmo" ("Sete Colinas"), Philips, 1966; LP "Fado Lisboa: An Evening at the 'Faia'", Philips, 1966, reed. Universal, 2003, 2013)


[instrumental]

A guitarra é toda oca,
Roubaram-lhe o coração;
Por isso anda como louca
A chorar de mão em mão.

Toda a folha que foi verde
Se arrasta nos vendavais:
O vento a leva e a perde,
Ao tronco não volta mais.

Aos bocadinhos sofrendo
Ponho de parte as tristezas,
E assim cá vou vivendo
Nesta vida de incertezas.

Às vezes é um disfarce
O ódio que a gente sente:
É a saudade a lembrar-se
De quem se esquece da gente.

O fado tenho cantado
Por esta Lisboa à toa:
Não há Lisboa sem fado,
Não há fado sem Lisboa.


* Lucília do Carmo – voz
Jaime Santos e Ilídio dos Santos – guitarras portuguesas
Orlando Silva – viola
José Maria Nóbrega – viola baixo
Técnico de som – Henk Jansen



Antigamente



Letra: Frederico de Brito
Música: Júlio Proença (Fado Modesto)
Criação: Amália Rodrigues (1955)
Intérprete: Lucília do Carmo* (in LP "Recordações", Decca/VC, 1972; 2LP/CD "O Melhor de Lucília do Carmo", EMI-VC, 1990; CD "Fado em Tom Maior", EMI-VC, 1995; CD "O Melhor de Lucília do Carmo", Edições Valentim de Carvalho/Iplay, 2008)


[instrumental]

Antigamente era couto a Mouraria
Daquela gente condenada à revelia;
O fado ameno, canção das mais portuguesas,
Era o veneno p'ra lhes matar as tristezas.

A Mouraria, mãe do fado doutras eras,
Que foi ninho de Severas,
Que foi bairro turbulento,
Perdeu agora todo o aspecto de galdéria:
Está mais limpa, está mais séria,
Mais fadista cem por cento.

Adeus tipóias com pilecas e guizeiras,
Adeus rambóias e cafés de camareiras;
Nada mais resta da moirama que deu brado
Do que a funesta lembrança dum passado.

A Mouraria, que perdeu em tempos idos
A nobreza dos sentidos
E o poder de uma virtude,
Salvou ainda toda a graça que ela tinha
Agarrada à capelinha
Da Senhora da Saúde.

[instrumental]

Salvou ainda toda a graça que ela tinha
Agarrada à capelinha
Da Senhora da Saúde.


* Lucília do Carmo – voz
Fernando Freitas e António Chainho – guitarras portuguesas
José Maria Nóbrega e Orlando Silva – violas
Raul Silva – viola baixo
Gravado nos Estúdios Valentim de Carvalho, Paço d'Arcos
Técnico de som – Hugo Ribeiro



Madragoa



Letra: José Galhardo
Música: Raul Ferrão
Criação: Mirita Casimiro (na opereta "Senhora da Atalaia", Teatro Maria Vitória, 1937)
Intérprete: Lucília do Carmo* (in EP "Lucília do Carmo" ("Sete Colinas"), Philips, 1966; LP "Fado Lisboa: An Evening at the 'Faia'", Philips, 1966, reed. Universal, 2003, 2013; CD "Lucília do Carmo", col. Biografias do Fado, EMI-VC, 1998)


Ó Madragoa
Das Bernardas e das Trinas,
Dos padeiros, das varinas,
Da tradição;
És a Lisboa
Que nos fala doutra idade,
Doutros tempos da cidade
Que já lá vão.

Bairro cercado
Por igrejas e conventos,
Com tão santos monumentos
Na vizinhança;
Meu bairro amado,
Vem mostrar que é bem verdade
Que entre a fé e a caridade
Pôs Deus a Esperança.

Ó Madragoa,
Que és a mãe da minha mãe!
Ó gente boa
Do meu bairro, escutem bem:
És a Lisboa
Do progresso e da vaidade;
É ali na Madragoa
Que mora a saudade.

És Madragoa,
Mais cristã que a Mouraria,
Mais alegre que a Alegria,
E até mais bela;
Doa a quem doa,
Não há bairro com mais raça,
Com mais graça até que a Graça,
Mais luz que a Estrela.

Ali viveram
Esses bravos mareantes,
Foi ali que os navegantes
Fizeram ninho;
Muitos morreram,
Mas há um que o povo adora,
Esse herói que o povo chora:
Gago Coutinho.

Ó Madragoa,
Que és a mãe da minha mãe!
Ó gente boa
Do meu bairro, escutem bem:
És a Lisboa
Do progresso e da vaidade;
É ali na Madragoa
Que mora a saudade.

[instrumental]

És a Lisboa
Do progresso e da vaidade;
É ali na Madragoa
Que mora a saudade.


* Lucília do Carmo – voz
Jaime Santos e Ilídio dos Santos – guitarras portuguesas
Orlando Silva – viola
José Maria Nóbrega – viola baixo
Técnico de som – Henk Jansen



Anda a Saudade Bem Alta



Letra: Gabriel de Oliveira
Música: Alberto Costa
Intérprete: Lucília do Carmo* (in LP "Recordações", Decca/VC, 1972; 2LP/CD "O Melhor de Lucília do Carmo", EMI-VC, 1990; CD "Fado em Tom Maior", EMI-VC, 1995; CD "O Melhor de Lucília do Carmo", Edições Valentim de Carvalho/Iplay, 2008)




[instrumental]

Bairro Alto, que alto estás
No coração da cidade;
O teu próprio nome traz
Bem alta a minha saudade.

Parece que o fado falta
No Bairro Alto, talvez;
Anda a saudade bem alta
No coração português.

Quando canto o Mouraria
Com todo o meu coração,
Sinto em mim a nostalgia
Dos tempos que já lá vão.

Deus me dê, sem fantasias,
A graça que eu mais exalto:
De vir acabar meus dias
No seio do Bairro Alto.

Digam de mim, quando eu
Deixar de ser quem sou:
No Bairro Alto viveu,
Cantou, sofreu e amou.


* Lucília do Carmo – voz
Fernando Freitas e António Chainho – guitarras portuguesas
José Maria Nóbrega e Orlando Silva – violas
Raul Silva – viola baixo
Gravado nos Estúdios Valentim de Carvalho, Paço d'Arcos
Técnico de som – Hugo Ribeiro



Incerteza



Letra: João Linhares Barbosa
Música: Armando Augusto Freire, vulgo Armandinho (Fado da Adiça)
Intérprete: Lucília do Carmo* (in EP "Uma Noite no 'Faia'" ("Loucura"), Decca/VC, 1960; CD "Lucília do Carmo", col. Biografias do Fado, EMI-VC, 1998)


Aos bocadinhos sofrendo,
Ponho de parte as tristezas
E assim cá vou vivendo
Nesta vida de incertezas.

P'la sorte não fui fadada,
Mas vou andando, ai de mim,
Espero estar preparada
Quando chegar o meu fim.

Quando esse dia chegar,
Que o dia já está marcado,
Se acaso sabem rezar,
Fadistas, rezai pelo fado!

Não esqueçam rogos meus
Quando chegar o meu fim:
Vão pedir por mim a Deus,
Fadistas, chorai por mim!


* Lucília do Carmo – voz
Jaime Santos – guitarra portuguesa
Martinho d'Assunção – viola
Gravado no Teatro Taborda, Costa do Castelo (Lisboa), em Maio de 1960
Técnico de som – Hugo Ribeiro
URL: http://www.museudofado.pt/personalidades/detalhes.php?id=381
http://www.portaldofado.net/content/view/246/280/
http://pt.wikipedia.org/wiki/Luc%C3%ADlia_do_Carmo
http://www.infopedia.pt/$lucilia-do-carmo
http://www.macua.org/biografias/luciliadocarmo.html
http://lisboanoguiness.blogs.sapo.pt/43146.html
http://jorgesilva.bloguedemusica.com/r265/Lucilia-do-Carmo/
http://cotonete.iol.pt/artistas/home.aspx?id=1573
http://www.last.fm/pt/music/Luc%C3%ADlia+do+Carmo



Capa do EP "Lucília do Carmo" ("Naquela Azenha Velhinha") (Decca/VC, 1960).



Capa do EP "Uma Noite no 'Faia'" ("Loucura") (Decca/VC, 1960).



Capa do EP "Lucília do Carmo" ("Sete Colinas") (Philips, 1966)
Desenho da autoria de Pedro Leitão (1964).



Capa do LP "Fado Lisboa: An Evening at the 'Faia'" (Philips, 1966).
Lucília do Carmo canta quatro dos doze temas do alinhamento: três a solo e um em parceria com Carlos do Carmo ("Desgarrada").



Capa do EP "A Cor da Mágoa" (Decca/VC, 1968).



Capa do EP "Verdades Que a Noite Encobre" (Decca/VC, 1968).



Capa do LP "Recordações" (Decca/VC, 1972).



Capa do LP "Lucília do Carmo" (Trova, 1978).



Lucília do Carmo numa das suas actuações no "Faia", acompanhada por Ilídio dos Santos (guitarra portuguesa) e Orlando Silva (viola).



Painel azulejar de homenagem a Lucília do Carmo no "Faia" (1992), concebido a partir de um desenho da autoria de Pedro Leitão (1964).

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