22 março 2024

Luís Cília: "Se me Levam Águas" (Luís de Camões)


Fraga da Pena, na Mata da Margaraça, Serra do Açor
Fotografia extraída do site "Alma de Aventureiros"


Em maré de celebração camoniana neste quinquicentenário do nascimento do nosso Poeta-Maior (considerando que veio ao mundo em 1524, provavelmente a 23 de Janeiro), assinalamos este Dia Mundial da Água com um dos mais belos poemas já escritos em língua portuguesa tendo como motivo o precioso líquido: o vilancete em redondilha menor "Se me levam águas", na encantadora versão cantada por Luís Cília com música da sua autoria. Serve também para homenagear, ainda que muito singelamente, o categorizado compositor/intérprete neste ano que é o 60.º da edição do seu primeiro álbum, "Portugal-Angola: Chants de Lutte", que aconteceu em França, pela editora Le Chant du Monde, em finais de 1964. Boa escuta!

A propósito de Luís Cília, é oportuno referir que continua a ser criminosamente boicotado por quem gere a 'playlist' da Antena 1 (ou superintende a sua gestão, leia-se Nuno Galopim de Carvalho). A exclusão de nomes grandes da música portuguesa da referida lista nem seria especialmente grave se ela tivesse um peso residual no cômputo geral da programação musical, mas como acontece precisamente o inverso (não andaremos longe da verdade se apontarmos a cifra de 85 %) eles terão de estar lá representados. Caso contrário, torna-se legítimo questionar o financiamento público, seja pela contribuição do audiovisual seja por dotações do Orçamento do Estado. Mas gostaríamos de não ter de chegar aí porque preconizamos a existência de uma estação pública de rádio. Agora não pode (nem deve) é atraiçoar a sua nobre missão maltratando os valores maiores da nossa música (cantada na língua de Camões ou instrumental).



Se me Levam Águas



Poema (vilancete em redondilha menor): Luís de Camões (in "Rimas", org. Fernão Rodrigues Lobo Soropita, Lisboa, 1595; "Obras de Luís de Camões", Porto: Lello & Irmão Editores, 1970 – p. 772-773)
Música: Luís Cília
Intérprete: Luís Cília* (in LP "La Poésie Portugaise de Nos Jours et de Toujours – 1", Moshé-Naïm, 1967; CD "La Poésie Portugaise de Nos Jours et de Toujours", Moshé-Naïm/EMEN, 1996)


          MOTE ALHEIO

Se me levam águas,
nos olhos as levo.

          VOLTAS

Se de saudade
morrerei ou não,
meus olhos dirão
de mim a verdade.
Por eles me atrevo
a lançar as águas
que mostrem as mágoas
que nesta alma levo.

As águas que em vão
me fazem chorar,
se elas são do mar
estas de amor são.
Por elas relevo
todas minhas mágoas;
que, se força de águas
me leva, eu as levo.

Todas me entristecem,
todas são salgadas;
porém as choradas
doces me parecem.
Correi, doces águas,
que, se em vós me enlevo,
não doem as mágoas
que no peito levo.


Nota:
a lançar as águas – alcançar as águas

* Luís Cília – voz e guitarra
Marc Vic – guitarra
François Rabbath – contrabaixo
Produção – Moshé Naïm
Gravado nos Studios Europa-Sonor, Paris
URL: http://www.luiscilia.com/
https://www.youtube.com/user/LeoMOV/videos
https://music.youtube.com/channel/UCqL_T8TPQ2ffVAKn-v4kN_A



Frontispício da 1.ª edição das "Rimas", de Luís de Camões, org. Fernão Rodrigues Lobo Soropita (Lisboa, 1595).



Capa do LP "La Poésie Portugaise de Nos Jours et de Toujours – 1", de Luís Cília (Moshé-Naïm, 1967).
Fotografia – Ludwik Lewin.
Concepção – Henri Matchavariani.



Capa da antologia em CD "La Poésie Portugaise de Nos Jours et de Toujours", de Luís Cília (Moshé-Naïm/EMEN, 1996).
Pintura (à esquerda) – Maria Helena Vieira da Silva.
Fotografia (à direita) – Alain Appéré.

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