08 março 2024

Margarida Bessa: "Fala da Mulher Sozinha"



Algumas partes da letra da canção "Fala da Mulher Sozinha" sugerem que o seu autor, o poeta Eduardo Olímpio, tinha no pensamento uma prostituta de rua sofrendo quase até à loucura de solidão, porém animada pela esperança e pela vontade indómita de rasgar essa solidão e «chegar ao cume, ao cimo, ao alto» do lugar de bem-estar e felicidade a que todo o ser humano tem direito. Nesse desiderato muitas outras mulheres (a solidão não escolhe género mas segundo estudos efectuados afecta mais as mulheres) se sentem irmanadas, de tal sorte que esta canção pode ser considerada o seu "grito do Ipiranga" de libertação da solidão. Aliás, as múltiplas versões que já teve, depois da gravação original por Paco Bandeira, publicada em 1976 (pela Valentim de Carvalho, sob o selo Decca, no LP "Cara ou Coroa"), todas cantadas por intérpretes femininas, maioritariamente fadistas, são um bom sinal do quanto a mensagem nela expressa significa para as mulheres livres e emancipadas do nosso tempo. E sendo a interpretação de Margarida Bessa a melhor, a nosso ouvir, escolhemo-la para assinalar poético-musicalmente o presente Dia Internacional da Mulher. Boa escuta!

E de que modo a estação pública de rádio homenageou a Mulher neste dia que lhe é dedicado?
Começamos por dar boa nota da rubrica "Vamos Todos Morrer" (Antena 3), na qual o seu autor, Hugo van der Ding, continuando a boa tradição de homenagear figuras femininas no dia 8 de Março, escolheu para hoje a primeira rainha reinante da Europa, Urraca I e Leão (1080-1126), cognominada 'A Temerária' e tia do nosso D. Afonso Henriques [>> RTP-Play].
Na Antena 2, e porque é sexta-feira, tivemos, por volta das 10h:45, com repetição cerca das 15h:45, mais uma edição da rubrica semanal "Virtuosas: as Mulheres na História da Música", hoje consagrada à compositora irlandesa Ina Boyle (1889-1967) [>> RTP-Play]. Fazemos questão de exprimir, uma vez mais, o nosso apreço e o nosso louvor ao seu autor, João Rodrigues Pedro, pelo trabalho sério e diligente com que vem mantendo aquele apontamento que representa verdadeiro serviço público na nossa rádio. Relativamente ao mesmo profissional, apraz-nos enaltecer o cuidado que teve, a exemplo do que fez nos anos anteriores, de levar ao seu espaço vespertino "Baile de Máscaras" somente música de compositoras, no caso da francesa Louise Farrenc (1804-1875) e da inglesa Ethel Smyth (1858-1944).
E que mais? Nas incursões que andámos a fazer às emissões das três antenas nacionais, mau grado o incómodo, nada mais apanhámos digno de nota na programação. Nem sequer houve a preocupação de mexer na oferta musical, de maneira que fosse inteiramente de autoras e intérpretes femininas ou que, o não sendo, tivesse como temática o eterno feminino e as múltiplas questões e problemáticas relacionadas com a mulher na sociedade moderna. Seria de bom-tom e não daria assim tanto trabalho pois é abundante o repertório de qualidade (endógeno e exógeno) a que se podia deitar mão. O facto dos directores de programação das Antenas 1, 2 e 3 serem homens não é certamente alheio à clamorosa inacção. Só resta saber se se tratou de puro desleixo (o que não deixa de ser grave) ou se a causa radica em machismo/misoginia (o que é ainda mais grave e absolutamente intolerável na rádio estatal portuguesa, ademais no ano do 50.º aniversário da Revolução dos Cravos que tornou possível o reconhecimento à mulher de muitos direitos que lhe estavam coarctados).



Fala da Mulher Sozinha



Letra: Eduardo Olímpio
Música: Paco Bandeira
Intérprete: Margarida Bessa* (in CD "Fado", Movieplay, 1995)


[instrumental]

Já estou louca de estar só,
Acompanhada de nada;
Já estou cheia de ser rua
Tão corrida, tão pisada;
Já estou prenhe de amizades,
Tão barriga de saudades...

Ai eu ainda um dia irei rasgar a solidão
E nela entrelaçar o olhar duma canção:
Chegar ao cume, ao cimo, ao alto,
Mais longe e mais além,
Mas a saber que sou alguém!

Na cidade sou loucura,
Sou begónia, sou ciúme...
E eu que sonhava ser lume,
Caminho, atalho e lonjura,
Não tenho assento na festa,
Sou a migalha que resta...

Ai eu ainda um dia irei rasgar a solidão
E nela entrelaçar o olhar duma canção:
Chegar ao cume, ao cimo, ao alto,
Mais longe e mais além,
Mas a saber que sou alguém!

[instrumental]

Chegar ao cume, ao cimo, ao alto,
Mais longe e mais além,
Mas a saber que sou alguém!


* Margarida Bessa – voz
António Parreira e Paulo Parreira – guitarras portuguesas
Francisco Gonçalves – viola
Joel Pina – viola baixo

Produção – Paco Bandeira
Gravado no Estúdio Profissom, Massamá-Queluz
Técnicos de som – António Cordeiro e José Marinho
URL: https://www.facebook.com/margarida.bessa.50
https://lisboanoguiness.blogs.sapo.pt/240794.html
https://www.youtube.com/user/4FadoLisbon/videos?query=margarida+bessa



Capa do CD "Fado", de Margarida Bessa (Movieplay, 1995)
Fotografia – Mário Cabrita Gil
Design gráfico – Dupla

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Outros artigos de homenagem à mulher:
João Lóio: "Cicatriz de Ser Mulher"
Carlos Mendes: "Calçada de Carriche" (António Gedeão)
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João Lóio com Regina Castro: "Uma Criada para Todo o Serviço"
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