08 março 2019

João Lóio: "Cicatriz de Ser Mulher"



Neste Dia Internacional da Mulher, e estando no topo da agenda mediática, em razão da vergonhosa escalada de uxoricídios em Portugal, a violência exercida por muitos indivíduos do sexo masculino sobre as cônjuges ou ex-cônjuges, apresentamos uma canção que aborda precisamente esse flagelo: "Cicatriz de Ser Mulher", de João Lóio.
O presente espécime, desconhecido do grande público porque João Jóio tem sido alvo de um atroz e criminoso silenciamento na rádio portuguesa, está longe de ser um caso isolado em termos de repertório autóctone alusivo à mulher maltratada ou encarada como simples serviçal. Listamos alguns exemplos (por ordem cronológica de gravação/edição): "Rosa Enjeitada", de Maria Teresa de Noronha; "Boneca de Trapo", de Luiz Goes; "Vai, Maria, Vai", de José Afonso; "Casa Comigo, Marta", de José Mário Branco; "Maria, Vida Fria", de Paulo de Carvalho; "Calçada de Carriche", de Carlos Mendes; "Esquina de Rua", de Rodrigo; "Balada para uma Mulher" e "Amélia dos Olhos Doces", de Carlos Mendes; "Balada da Rita", de Sérgio Godinho; "Mariana das Sete Saias", de Fausto Bordalo Dias; "Ai, Maria", de Amália Rodrigues; "Mulher-Mágoa", de Maria Armanda; "O Lado Errado da Noite", de Jorge Palma; "Prelúdio (Mãe Negra)", de Paulo de Carvalho; "Branca de Neve 1993", de Três Tristes Tigres; "Criada para Todo o Serviço", de João Lóio; e "Bela Adormecida", de Jorge Fernando.
Havendo repertório tão bom, era de toda a pertinência que a Antena 1 o passasse, se não na totalidade ao menos em parte, ao longo da semana. Mas não. Nada!
Resta saber se tal omissão se deve a eventual marialvismo de quem tem responsabilidades na 'playlist' – Rui Pêgo e Ricardo Soares – ou se resulta de mera incúria.



Cicatriz de Ser Mulher



Letra e música: João Lóio
Intérprete: João Lóio* (in CD "Canções de Amor e Guerra", João Lóio, 2002)


Olha, não chores, maninha,
que eu não sei se vai passar...
essa tristeza tão funda
não sei se passa a chorar!

Olha, que pena, maninha,
essa flor de malmequer,
essa tristeza tão funda,
cicatriz de ser mulher!

Lembras? Que lindo o teu homem
e que meigo o seu olhar
e como ardia o teu corpo
ao seu mais leve tocar?

Foi de repente, maninha,
como tudo se mudou:
o amante foi senhor,
o senhor tudo esmagou!

Sei que é tão frágil a flor
que brotou do coração
e dói ver um corpo bandido
desfolhá-la pelo chão!

Olha, que os homens, maninha,
andam tontos pelo mundo:
pisam com fúria tamanha
o seu berço mais profundo!

E já não falo da guerra
com soldados frente a frente:
deixam a saia sangrando,
deixam pegadas no ventre!

Dizem "quem cala consente!",
mas custa tanto falar:
o medo dentro da gente
ficou mudo de gritar!

Olha, não chores, maninha,
que eu apago, se puder,
essa tristeza tão funda,
cicatriz de ser mulher!


* [Créditos gerais do disco]:
Carlos Rocha – guitarras acústica e eléctrica
João Lóio – voz e guitarra acústica
Firmino Neiva – baixo eléctrico
Arnaldo Fonseca – acordeão
Mário Teixeira – caixa de rufo
Regina Castro e Guilhermino Monteiro – coros

Arranjos e direcção musical – Carlos Rocha, Firmino Neiva e João Lóio
Gravado por Fernando Rangel, nos Estúdios Fortes & Rangel, Porto, em Abril de 2002
Mistura – Fernando Rangel, Carlos Rocha, Firmino Neiva e João Lóio
Masterização – Fernando Rangel
URL: https://www.joaoloio.com/



Capa do CD "Canções de Amor e Guerra", de João Lóio (2002).
Fotografia – Renato Roque.

1 comentário:

SOL da Esteva disse...

Um trabalho excelente e apropriado. Música e Poesia lindas.

Abraço
SOL da Esteva