05 julho 2025

Travadinha: "Toi"


Travadinha, em finais de 1984, tocando a sua rabeca durante um evento comemorativo do 10.º aniversário da tomada da Rádio Barlavento (ex-Rádio Clube do Mindelo), episódio histórico que ocorreu a 9 de Dezembro de 1974.
© "Voz di Povo" (in https://www.caboverdeamusica.online/travadinha/)


«TRAVADINHA, de seu nome de registo António Vicente Lopes, tocador de rabeca, é um dos artistas mais consagrados na música de Cabo Verde.
Nascido na Ilha de Santo Antão, berço também de outros bons violinistas, em criança teve como brinquedos os instrumentos musicais que encontrava em casa, onde desde o pai ao irmão mais novo — eram sete — todos tocavam. Ele, porém, foi o único da família que se dedicou à rabeca e aos nove anos já tocava em festas e bailes.
Jovem ainda, mudou-se para a ilha vizinha de São Vicente, mais cosmopolita, onde se fixou e vive até hoje.
Embora alguns amigos e até músicos de fama, como Luís de Morais e Manuel de Novas, sempre lhe tenham reconhecido o talento, foi só a partir de 1981, depois de uma pequena tournée em Portugal, que o seu nome se popularizou e hoje pode dizer-se que Travadinha é já uma legenda e uma referência obrigatória.
As interpretações que faz dos temas populares, sendo profundamente enraizadas na tradição, têm um cunho pessoalíssimo de onde se destaca uma contínua reinvenção da linha melódica e um grande poder de improvisação, que são notáveis, ainda mais se considerarmos que para Travadinha a música é apenas um passatempo, pois não existe a profissão de músico no meio social que é o seu.
A expressividade com que toca a sua música é altamente contagiante: não é preciso saber crioulo para entendermos o que ele diz. António Travadinha é, por tudo isto, um artista que merece ser ouvido, não só pelo prazer que propicia, mas também pelo muito que nos ensina.

A edição deste disco de António Travadinha insere-se, com toda a simplicidade de um gesto natural, na actividade da Associação de Amizade Portugal/Cabo Verde.
Cada país, cada povo, tem as manifestações que lhe são próprias, que melhor o caracterizam, e Cabo Verde, os cabo-verdianos têm na música um sinal da sua indelével personalidade colectiva.
Arquipélago na encruzilhada de quatro continentes, ponto de rota, local de fuga e de encontro, o povo foi-se construindo na mistura que identifica, na miscigenação que caracteriza. Com a música sempre presente a apôr como que um selo de garantia... nacional.
Assim sentimos, sem veleidades de investigação aprofundada, assim vivemos na calorosa experiência de conviver com os cabo-verdianos no seu quotidiano, na sua terra, na luta/labuta em que se afirmam e são.
E como o que queremos é fortalecer os laços de amizade entre os nossos povos, pela via do conhecimento mútuo, da compreensão fraterna do que somos e como somos, a divulgação da música cabo-verdiana tem de ser um gesto natural. Assim tem sido, e assim o é nesta procura de contribuir para o registo e a divulgação do que Travadinha faz com a sua rabeca.
António Travadinha é, na sua maneira de estar na vida, no seu modo de ser vida, uma ilustração de Cabo Verde. Queremos contribuir para gravar essa maneira, esse modo, em documento. O documento aqui está: é este disco; a nossa tarefa de dar a conhecer Cabo Verde vai-se cumprindo: na continuidade de outras acções, exigindo continuidade.»

O Conselho Directivo da Associação de Amizade Portugal/Cabo Verde
[textos publicados na contracapa do LP "Feiticeira de Cor Morena", ed. Associação de Amizade Portugal-Cabo Verde e Associação Cabo-Verdiana/distr. Dargil, 1986]


«O violino de Travadinha é como a guitarra de Paredes. Coisas belas, misteriosas, insondáveis, que retratam os povos sem necessitarem de palavras», assim escrevia o crítico musical António Duarte, na página 14 do semanário "O Jornal" de 14 de Agosto de 1987, no obituário do malogrado rabequista cabo-verdiano, sob o título "Travadinha: só a morte não foi improvisada". O músico falecera a 8 de Agosto, vitimado por doença oncológica, e foi numa das estadias em Lisboa, para tratamento, menos de um ano antes, que gravou o seu segundo e último álbum em nome próprio, "Feiticeira de Cor Morena" (1986). Na posição terceira do alinhamento figura a mazurca "Toi", nome que parece ser um diminutivo popular de António, um outro António do arquipélago de Cabo Verde certamente, mas que não obstava Travadinha de tocá-la como se fosse ele o autor ou o dedicatário, conferindo-lhe um fascínio a que não é indiferente ouvido algum, mesmo que não familiarizado com as cativantes sonoridades da música popular cabo-verdiana. E o 50.º aniversário da independência do país de Travadinha afigura-se um excelente pretexto para resgatarmos tão brilhante pérola e assim homenagearmos aquele que foi um dos maiores músicos cabo-verdianos de sempre, mas – e infelizmente – hoje bastante ignorado em Portugal, pelo menos por quem escolhe a música que passa nas principais rádios, a pública Antena 1 incluída. Boa escuta!



Toi



Música: Popular (mazurca)
Intérprete: Travadinha* (in LP "Feiticeira de Cor Morena", Associação de Amizade Portugal-Cabo Verde e Associação Cabo-Verdiana/distr. Dargil, 1986, reed. CD "Travadinha: Le Violon du Cap Vert", Buda Records, 1993)




(instrumental)


* [Créditos gerais do disco:]
Antoninho Travadinha – violino, viola de dez cordas, cavaquinho
Armando Tito – violão solo, viola de dez cordas, cavaquinho, baixo eléctrico, chocalho, reco-reco, voz
Ildo Ramos – violão
Micau – bongós, reco-reco, chocalho
Ana Firmino – voz

Produção – João Freire
Gravado no estúdio Jorsom, Lisboa, em Novembro de 1986
URL: https://www.caboverdeamusica.online/travadinha/
https://www.youtube.com/playlist?list=PL089E689B31DDDB56



Capa do LP "Feiticeira de Cor Morena", de Travadinha (Associação de Amizade Portugal-Cabo Verde e Associação Cabo-Verdiana/distr. Dargil, 1986)
Travadinha no Centro Cultural São Lourenço, Almancil, Loulé
Escultura de João Cutileiro [uma fotografia da obra integral in situ >> abaixo]
Fotografia – João Freire
Arranjo gráfico – José Santa-Bárbara



© James Spinks, 16 Set. 2005
(in https://www.flickr.com/)



Capa do CD "Travadinha: Le Violon du Cap Vert", de Travadinha (Buda Records, 1993)
Reedição francesa do álbum anterior.