12 julho 2025

Sum Alvarinho: "Cacau"


(in https://viagemasaotome.com/)


Cacau: o ouro de São Tomé e Príncipe

O cacau é obtido a partir das sementes de uma árvore perenifólia de pequeno porte (4 a 8 metros de altura) – o cacaueiro –, nativa da América Central e da zona setentrional da América do Sul.
O nome científico (Theobroma cacao) foi-lhe atribuído pelo famoso naturalista sueco Lineu (1707-1778) na obra em dois volumes "Species Plantarum" (1753), que fundou e estabeleceu a taxonomia botânica moderna. Lineu utilizou parte do nome que outros autores haviam atribuído a esta planta (cacao) e criou um novo género (Theobroma) que significa alimento divino (do grego: theós = deus; broma = alimento).
O cacaueiro apresenta um tipo de floração e frutificação pouco comum, ou seja, as flores (e os subsequentes frutos) nascem no tronco principal e nas pernadas. Este tipo de floração (cauliflora) também ocorre nas olaias (Cercis siliquastrum). Após a colheita dos frutos, as sementes são submetidas a um processo de fermentação e oxidação para desenvolverem o aroma característico do cacau. Segue-se a secagem, que tem como objectivo reduzir o teor de água, sendo depois processadas industrialmente (em geral, nos países consumidores).
O cacau foi levado para São Tomé na década de 1850 por João Mário de Sousa e Almeida, vindo de uma família da Bahia com raízes na ilha do Príncipe, que começou a sua plantação na roça Água Izé de que era proprietário. E foi assim que começou o ciclo do cacau no arquipélago, sendo sucessivamente fundadas mais roças, entre as quais Monte Café, Rio do Ouro (hoje Agostinho Neto), Diogo Vaz, Bela Vista, São João dos Angolares, São Nicolau, Boa Entrada, Java, Saudade, e Sundy. Muitas dessas roças tinham uma envergadura colossal e funcionavam como uma comunidade autónoma: tinham capela, escola, creche e hospital – regalias conquistadas após críticas estrangeiras, mormente britânicas, às condições de trabalho escravo ou semi-escravo no arquipélago. Estima-se que em 1898 as roças ocupassem 90% do território de São Tomé e Príncipe. Em 1895, a roça de Água Izé, que nessa altura já pertencia ao Banco Nacional Ultramarino (BNU), ocupava uma área de 8000 hectares, com mais de metade dessa terra a ser reservada ao cultivo de cacau (a outra cultura era a do café). Tinha ainda 50 quilómetros de caminhos-de-ferro e contava com 50 empregados europeus e forros nos escritórios e 2500 contratados, oriundos maioritariamente de Angola, Moçambique e Cabo Verde, no trabalho das plantações.
Graças à Natureza fértil das ilhas e à estrutura de exploração de mão-de-obra implantada nessas antigas roças coloniais, São Tomé e Príncipe tornou-se, em 1909, o maior produtor mundial de cacau, com uma produção anual de 30 300 toneladas. A independência ditou a nacionalização das roças, mas a gestão estatal não foi bem-sucedida, levando à degradação do património edificado e ao acentuado declínio da actividade económica, acabando várias dessas roças por ser convertidas em empreendimentos turísticos de luxo [cf. https://turismodesaotomeeprincipe.com/]
Hoje, a produção de cacau em São Tomé e Príncipe faz-se em pequena escala, no âmbito de cooperativas de produção biológica, rondando as 10 toneladas por ano. [principais fontes: https://viagemasaotome.com/ e https://www.rfi.fr/pt/]



(in https://viagemasaotome.com/)


Cinquenta anos volvidos sobre a proclamação solene da independência, São Tomé e Príncipe não logrou atingir os padrões de desenvolvimento desejados e merecidos pelo seu afável povo. O país ainda é um dos mais pobres de África e o facto de ser um micro-estado insular não explica tudo. A população santomense viveria hoje bem melhor e sem necessidade de emigrar se os dirigentes políticos, no último meio século, tivessem valorizado e fomentado convenientemente a cultura do cacau, a exemplo do que fizeram (sem sair do Golfo da Guiné) a Costa do Marfim e o Gana que são, à data, os dois maiores produtores do mundo. Uma das pessoas que tinha perfeita consciência da importância da produção de cacau para a economia e a tão necessária prosperidade de São Tomé e Príncipe era o cantautor Sum Alvarinho (1940-2022), que deixou isso bem e claramente expresso na canção "Cacau" (Cacau é ouro, é prata / É nosso diamante também...) que gravou para o álbum homónimo, com direcção musical e arranjos seus e do reputado músico cabo-verdiano Paulino Vieira, que foi editado em 1982. Aqui vo-la deixamos em (singela) homenagem ao distinto artista santomense nesta dia do cinquentenário da independência do seu país, que ele muito amava apesar de desgostoso e desiludido (afirmou-o em Julho de 2019, numa entrevista) com os governantes que não souberam ou não foram capazes de desenvolver cabalmente São Tomé e Príncipe. Boa escuta!

O escrevente destas linhas não é ouvinte da RDP-África mas quer acreditar que repertório de Sum Alvarinho faça parte da respectiva 'playlist' (seria assaz anormal se tal não acontecesse, considerando que se trata de uma das figuras gradas da música santomense e da África lusófona). Na Antena 1, durante os larguíssimos períodos em que reina a 'playlist', nada da sua discografia alguma vez apanhámos. Mas era bom que o canal generalista da rádio do Estado desse mais atenção e divulgação ao património musical/fonográfico dos países africanos de língua oficial portuguesa. O fortalecimento dos laços culturais entre Portugal e os países que com ele partilham um passado comum também passa por aí...



Cacau



Letra e música: Sum Alvarinho (Álvaro Victor de Menezes Trigueiros)
Intérprete: Sum Alvarinho* (in LP "Cacau", IEFE Discos/Intercontinental Fonográfica, 1982, Vidisco, 1989, reed. Sonovox, 1994)




[instrumental]

Escutem o que eu digo
Não pretendo engraxar
É um conselho de amigo
Para salvaguardar
Não os oportunistas
Que agora estão-se a rir
Mas sim o povo, povo e
Gerações que hão-de vir

Cacau é ouro, é prata
É nosso diamante também
Ele é que a tudo movimenta
Quando o contravalor vem
Por isso, na apanha, na quebra
E no secador também
Não deite fora um bago
Porque isso não convém

Desperdícios à toa
Beneficia ninguém
É prejuízo, é ruína
Se a nossa bolsa nada tem
Produzamos para ter
Pois se malta não produz
Não saímos da miséria
Com tanta gente xem-xém

Cacau é ouro, é prata
É nosso diamante também
Ele é que a tudo movimenta
Quando o contravalor vem
Por isso, na apanha, na quebra
E no secador também
Não deite fora um bago
Porque isso não convém

Desperdícios à toa
Beneficia ninguém
É prejuízo, é ruína
Se a nossa bolsa nada tem
Introduzir alternativas
É reforçar a produção
São novas fontes de divisas
Que farão face à flutuação

Cacau é ouro, é prata
É nosso diamante também
Ele é que a tudo movimenta
Quando o contravalor vem
Por isso, na apanha, na quebra
E no secador também
Não deite fora um bago
Porque isso não convém

[instrumental]

Desperdícios à toa
Beneficia ninguém
É prejuízo, é ruína
Se a nossa bolsa nada tem
Produzamos muito para ter
Pois se malta não produz
Não saímos da miséria
Com tanta gente xem-xém

Cacau é ouro, é prata
É nosso diamante também
Ele é que a tudo movimenta
Quando o contravalor vem
Por isso, na apanha, na quebra
E no secador também
Não deite fora um bago
Porque isso não convém


* [Créditos gerais do disco:]
Sum Alvarinho – voz, timbales, percussão, coros
Paulino Vieira – viola solo, piano, órgão Solina, bongós e coros
Adler Ramos – viola ritmo, percussão e coros
Bebet (Humberto Lopes Almeida) – viola baixo
Eduardo Vaz – bateria

Direcção musical e arranjos – Sum Alvarinho e Paulino Vieira
Produção – José Augusto
Gravado nos Estúdios Musicorde, Lisboa
Engenheiros de som – Fernando Santos e Rui Remígio
URL: https://www.telanon.info/cultura/2022/10/14/38839/rip-sun-alvarinho/
https://soundcloud.com/sumalvarinho
https://music.youtube.com/channel/UCqkSEmomske8EGoghX_Ce9Q



Capa da edição original do LP "Cacau", de Sum Alvarinho (IEFE Discos/Intercontinental Fonográfica, 1982)
Fotografia e maquete – Jorge Jacinto



Capa da reedição portuguesa do LP "Cacau", de Sum Alvarinho (Vidisco, 1989)
Fotografia e maquete – Jorge Jacinto



Capa da reedição holandesa do LP "Cacau", de Sum Alvarinho (José Manuel Mestre, 1989?)
Fotografia – Jorge Jacinto
Maquete – Manuel Mestre



Capa da reedição em CD do álbum "Cacau", de Sum Alvarinho (Sonovox, 1994)
Fotografia e maquete – Jorge Jacinto

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