
© EFE/Arquivo Díaz Casariego (in https://efe.com/)
O poeta andaluz Antonio Machado durante a entrevista conduzida pelo jornalista Ángel Lázaro, em Madrid, Junho de 1927.
«Ontem, sacudindo a letargia de um outro apagão lento e longo, Joan Manuel Serrat soltou a mediterrânica voz com a qual honrada e garbosamente chegou a velho e com ela encheu o nobre salão da Real Academia Espanhola. Serrat cantou quatro canções de Machado, Antonio Machado, o poeta sevilhano de quem se celebram os 150 anos de nascimento. Serrat tem caminhado longa e fraternalmente com aquele cujos versos não param de caminhar em nós. Foi a voz de Serrat que deu mais vastidão, mais lonjura, aos versos do mais célebre poema de Machado, Cantares, que confrontam o suposto caminhante que levamos às costas. "Caminhante, não há caminho", avisa Machado pela voz do catalão. Há, no álbum Bienaventurados, de 1987, uma canção de Serrat que nos fala do velho que cada um de nós leva às costas e essa é, também, uma canção que fala de caminhos ("se fossem pondo luzes no caminho / à medida que o coração se acobarda / e os anjos da guarda / dessem sinais de vida")...
Ontem, Serrat cantou quatro poemas de Machado, acompanhado pelo pianista Ricardo Millares. E os que o escutaram no salão nobre da Real Academia Espahola ouviram ainda, lido pelo actor José Sacristán, o discurso de Machado, escrito para ser lido na cerimónia de entronização académica, mas até agora nunca proferido. Porque as circunstâncias ditaram que Machado se fizesse a outros caminhos, adiando o momento da honraria e do seu cerimonial.
Machado conheceu dois exílios. Um ditado pela morte de Leonor, sua amada, que o levou a despedir-se dos campos de Sória ("Adeus, campos de Sória / já não posso cantar-vos"). Outro que o levou, coração republicano em alvoroço, seis dias atravessando os Pirenéus, em fuga para França, no auge da Guerra Civil. Serrat haveria de cantar esse fim de caminho em Coulliure, numa canção inesquecível: "sopravam ventos do Sul / e o homem empreendeu viagem. / O seu orgulho, um pouco de fé e um gosto amargo / foram sua bagagem".
A cerimónia de ontem na Real Academia Espanhola revela-nos um discurso que nunca fora lido pelo seu autor, entretanto lançado ao caminho sem regresso.
O discurso de Machado perguntava, perguntava-nos: "O que é a poesia?". Essa é, também, uma pergunta que abre caminhos.
Como numa bela canção portuguesa, uma bela cantiga de um marginal do século XIX, ela mostra-nos, com a solenidade necessária, que "os caminhos nunca acabam".
Eis um formidável exercício para um dia como este, sacudindo a letargia de um apagão lento e longo, resgatando do vento onde nos perdemos deles, poemas e canções que falem de caminhos, porque "qualquer caminho leva a toda a parte".» [Fernando Alves, "Nos 150 anos de Machado", in "Os Dias que Correm", 30 Abr. 2025]
Qualquer uma das canções de Joan Manuel Serrat com versos do poeta Antonio Machado a que Fernando Alves faz alusão teria sido o remate perfeito à crónica de hoje aquando da transmissão pela Antena 1 no programa da manhã. "Teria" se quem manda no canal tivesse real empenho na prestação de bom serviço público...
Alguns ouvintes terão ficado com vontade de ouvir "Cantares" que inclui o verso "se hace camino al andar" ("faz-se caminho ao andar", segundo a tradução de José Bento), o mais conhecido de Antonio Machado, bastíssimas vezes citado, ainda que nem sempre devidamente compreendido no seu significado mais profundo e filosófico. A pensar especialmente nesses ouvintes desconsiderados pela rádio que pagam, aqui deixamos "Cantares", na interpretação de Joan Manuel Serrat com música da sua autoria sobre poema compósito de Antonio Machado (excertos de "Proverbios y Cantares", infra apresentados) e do próprio compositor. Boa escuta!
Cantares
Versos: Antonio Machado (de "Proverbios y Cantares" >> abaixo] e Joan Manuel Serrat
Música: Joan Manuel Serrat
Arranjo: Ricardo Miralles
Intérprete: Joan Manuel Serrat* (in LP "Dedicado a Antonio Machado, Poeta", Novola, 1969, reed. Zafiro, 1987)
Todo pasa y todo queda,
pero lo nuestro es pasar,
pasar haciendo caminos,
caminos sobre la mar.
Nunca perseguí la gloria,
ni dejar en la memoria
de los hombres mi canción;
yo amo los mundos sutiles,
ingrávidos y gentiles
como pompas de jabón.
Me gusta verlos pintarse
de sol y grana, volar
bajo el cielo azul, temblar
súbitamente y quebrarse.
Nunca perseguí la gloria...
Caminante, son tus huellas
el camino, y nada más;
caminante, no hay camino,
se hace camino al andar.
Al andar se hace camino,
y al volver la vista atrás
se ve la senda que nunca
se ha de volver a pisar.
Caminante, no hay camino,
sino estelas en la mar.
Hace algún tiempo, en ese lugar
donde hoy los bosques se visten de espinos,
se oyó la voz de un poeta gritar:
caminante, no hay camino,
se hace camino al andar,
golpe a golpe, verso a verso.
Murió el poeta lejos del hogar,
le cubre el polvo de un país vecino.
Al alejarse le vieron llorar,
caminante, no hay camino,
se hace camino al andar,
golpe a golpe, verso a verso.
Cuando el jilguero no puede cantar,
cuando el poeta es un peregrino,
cuando de nada nos sirve rezar,
caminante, no hay camino,
se hace camino al andar,
golpe a golpe, verso a verso. [3x]
* Joan Manuel Serrat – voz
Orquestra dirigida por Ricardo Miralles
URL: https://pt.wikipedia.org/wiki/Joan_Manuel_Serrat
https://jmserrat.com/
https://music.youtube.com/channel/UCrUiOJEGdgQEh6Ol4tPLJNg
PROVERBIOS Y CANTARES
(Antonio Machado, in "Campos de Castilla", Madrid: Renacimiento - Sociedad Anónima Editorial, 1912)
I
Nunca perseguí la gloria
ni dejar en la memoria
de los hombres mi canción;
yo amo los mundos sutiles
ingrávidos y gentiles
como pompas de jabón.
Me gusta verlos pintarse
de sol y grana, volar
bajo el cielo azul, temblar
súbitamente y quebrarse.
XXIX
Caminante, son tus huellas
el camino, y nada más;
caminante, no hay camino,
se hace camino al andar.
Al andar se hace camino,
y al volver la vista atrás
se ve la senda que nunca
se ha de volver a pisar.
Caminante, no hay camino,
sino estelas en la mar.
XLIV
Todo pasa y todo queda,
pero lo nuestro es pasar,
pasar haciendo caminos,
caminos sobre la mar.
[Texto integral em: https://poemas.uned.es/]
PROVÉRBIOS E CANTARES
(Antonio Machado / Tradução: José Bento, in "Antonio Machado: Antologia Poética", Lisboa: Edições Cotovia, 1989 – p. 143 e 147)
XXIX
Caminhante, são teus rastos
o caminho, e nada mais;
caminhante, não há caminho,
faz-se caminho ao andar.
Ao andar faz-se o caminho,
e ao olhar-se para trás
vê-se a senda que jamais
se há-de voltar a pisar.
Caminhante, não há caminho,
somente sulcos no mar.
XLIV
Tudo passa e tudo fica;
mas nossa vida é passar,
passar fazendo caminhos,
caminhos por sobre o mar.

Capa da 1.ª edição do livro "Campos de Castilla", de Antonio Machado (Madrid: Renacimiento - Sociedad Anónima Editorial, 1912)

Capa do LP "Dedicado a Antonio Machado, Poeta", de Joan Manuel Serrat (Novola, 1969).

Capa do livro "Antonio Machado: Antologia Poética", Selecção, tradução, prólogo e notas de José Bento (Lisboa: Edições Cotovia, 1989)
Concepção gráfica – João Botelho
___________________________________________
Outros artigos relacionados com a crónica de Fernando Alves na Antena 1:
Galandum Galundaina: "Chin Glin Din"
"Sons d'Outrora" em viola da terra, por Miguel Pimentel
Vitorino: "Moças de Bencatel" (Conde de Monsaraz)
Teresa Silva Carvalho: "Barca Bela" (Almeida Garrett)
António Borges Coelho: "Sou Barco"
Celeste Rodrigues: "Chapéu Preto"
Sérgio Godinho: "Tem Ratos"
Ruy Belo: "E Tudo Era Possível", por Nicolau Santos
Jacques Brel: "J'Arrive"
A tristeza lusitana
Segréis de Lisboa: "Ay flores do verde pino" (D. Dinis)
Manuel D'Oliveira: "O Momento Azul"
Aldina Duarte: "Flor do Cardo" (João Monge)
José Mário Branco: "Inquietação"
Chico Buarque: "Bom Conselho"
Teresa Paula Brito: "Meu Aceso Lume - Meu Amor" (Maria Teresa Horta)
Adriano Correia de Oliveira: "Pensamento" (Manuel Alegre)
Fausto Bordalo Dias: "Comboio Malandro" (António Jacinto)
Grupo Coral "Os Ganhões de Castro Verde" com Luiz Avellar: "As Nuvens Que Andam no Ar"
Amélia Muge: "Ai, Flores"
Afonso Dias: "Os Amigos" (Camilo Castelo Branco)
Pedro Barroso: "Barca em Chão de Lama"
António Gedeão: "Poema do Coração"
Reinaldo Ferreira: "Quero um cavalo de várias cores"
Chico Buarque: "Construção"
João Afonso: "Tangerina dos Algarves"
1 comentário:
OUVIR Serrat e Machado, em «Caminante, no hay camino / se hace camino al andar», que momento sublime! Com imensa gratidão! Maria do Carmo Vieira
Enviar um comentário