
(in https://radio.hypotheses.org/4138)
Os actores Carmen Dolores e Jaime Santos numa sessão de gravação de teatro radiofónico – fotografia publicada na revista "Flama", 16 Mai. 1958.
A 4 de Agosto de 1935 foi inaugurada oficialmente, com a presença do presidente da República de então, Óscar Carmona, a Emissora Nacional de Radiodifusão. Porém, não foi naquela data que se deu a primeira emissão. Em regime experimental, é certo, as emissões em onda média haviam começado na Primavera de 1932 e em onda curta no ano de 1934. A inauguração da rádio do Estado (que já vinha tarde, ante a pujança de várias emissoras privadas que emitiam desde o início da década de 1920 – em 1923 fora criada a Sociedade Portuguesa de Amadores de Telefonia sem Fio) chegou a estar prevista para 28 de Maio de 1934, dia que era obviamente caro ao regime ditatorial, conforme se pode ler na notícia da publicação "Rádio-Ciência", de Maio de 1934, dirigida pelo conceituado jornalista Álvaro Contreiras [cf. artigo "Manual de aceitação da Emissora Nacional em 1934", do Prof. Rogério Santos]. Foi nesse período experimental que começou a produção e emissão em directo de teatro radiofónico na rádio oficial (nas privadas Rádio Graça, Rádio Luso e Rádio Clube Português essa nobre arte já tivera lugar). Segundo refere Eduardo Street, no seu livro "O Teatro Invisível: História do Teatro Radiofónico" (Página 4, 2006, p. 34), foi com "A Ceia dos Cardeais", peça em 1 acto da autoria de Júlio Dantas, que a Emissora Nacional deu início, a 28 de Agosto de 1934, à transmissão de teatro concebido expressamente para a rádio. O elenco era o seguinte: Alexandre de Azevedo (Cardeal Gonzaga), Henrique de Albuquerque (Cardeal Ruffo) e Samwel Diniz (Cardeal Montmorency). E os ouvintes gostaram tanto que muitos deles se deram ao cuidado de escrever e telefonar para a Emissora Nacional a pedir a reposição da mais conhecida obra dramática de Júlio Dantas. E foram atendidos: aconteceu a 18 de Setembro de 1934, dessa vez com António Sacramento no papel do cardeal francês [cf. artigo "Emissora Nacional: 1934? 1935?", de Rogério Santos]. Esse mês de Setembro de 1934 ficou também assinalado pelo início das emissões regulares da Emissora Nacional, sob a presidência do capitão Henrique Galvão em regime de comissão instaladora, por nomeação do ministro das Obras Públicas e Comunicações, Duarte Pacheco. E o teatro invisível, como o denominou Eduardo Street, logo conquistou os favores do público-ouvinte, tornando-se, nas décadas subsequentes, sob a avalizada direcção de Virgínia Victorino (usando o pseudónimo de Maria João do Valle), de Alice Ogando, de Samwel Diniz, de Álvaro Benamor, de Edgar Marques, de António Manuel Couto Viana, de Raul de Carvalho, de Fernando Gusmão, de Norberto Barroca, de Rogério Paulo, de Carlos Avilez, de Fernando Curado Ribeiro, de Filipe La Féria, de Eduardo Street, e de outros, a mais relevante modalidade de divulgação cultural da rádio pública, ao facultar inumeráveis textos de teatro (e também obras romanescas adaptadas) a tantos ouvintes residentes em lugares onde o teatro convencional não chegava, muitos deles analfabetos ou semi-analfabetos.
Neste dia em que se comemora o 90.º aniversário da inauguração oficial da rádio pública, fazemos questão de render homenagem a todos os homens e mulheres que estiveram ligados ao teatro do imaginário – autores, adaptadores, actores e seus directores/ensaiadores, locutores/narradores, técnicos de gravação, sonorização e montagem, produtores, realizadores – e aproveitamos o ensejo para deixar expresso o pedido à administração da empresa Rádio e Televisão de Portugal para que empenhe seriamente na disponibilização online do muito que ainda falta do acervo radiofónico da arte de Talma. Pedido que é extensivo aos espólios integrais de outros dois programas de absoluta referência na História da Rádio Portuguesa e detentores de valor cultural/documental perene e elevado: "Lugar ao Sul", de Rafael Correia, e "Questões de Moral", de Joel Costa.

Capa da 1.ª edição do livro "O Teatro Invisível: História do Teatro Radiofónico", de Eduardo Street, pref. Ruy de Carvalho (Col. Antestreia, vol. 7, Lisboa: Página 4, 2006)

Capa da 2.ª edição do livro "O Teatro Invisível: História do Teatro Radiofónico", de Eduardo Street, pref. Ruy de Carvalho (Lisboa: Glaciar, 2023)
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Outros artigos alusivos ao teatro radiofónico:
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