09 agosto 2025

Pedra d'Hera: "Nagasaki, Hiroshima"


(in https://www.iwm.org.uk/)
Aspecto de Nagasaki alguns dias após a detonação da bomba atómica, a 9 de Agosto de 1945.
Às 11h:02 (hora local) daquele desditoso dia, uma segunda bomba atómica (de plutónio), apelidada de "Fat Man", foi lançada sobre outra cidade do Japão, Nagasaki. Embora aquela bomba fosse mais potente do que a "Little Boy" (de urânio-235), a destruição causada foi menor do que em Hiroxima devido à orografia acidentada (o alvo previsto era a cidade de Kokura, mas, ao deparar-se aí com um espesso manto de nuvens naquela manhã, o major Charles W. Sweeney, piloto do B-29 chamado Bockscar que transportava a bomba, resolveu rumar para Nagasaki, mais a sudoeste da ilha de Kyushu). Mesmo assim mais de 5 quilómetros quadrados da cidade foram pulverizados e cerca de 73 mil pessoas morreram.


Charanga, Construção e Pedra d'Hera são os nomes de três bons grupos que se estrearam, discograficamente, em 1982 e cujos trabalhos, parafraseando Mário Correia (in "Música Popular Portuguesa: Um Ponto de Partida", Centelha/Mundo da Canção, 1984, p. 301), se enquadram na via ampla que foi aberta pelas propostas de síntese elaboradas pelo Trovante, sobretudo patentes em "Baile no Bosque" (1981). «O ponto da partida permanece o mesmo: a música tradicional funciona como referência musical de base, a partir da qual se incorporam influências diversas, com maior ou menor incidência em termos de resultado final, sem que qualquer dos elementos integrados na síntese criativa surja com predomínio sobre os restantes em termos limitativos. O que, acentue-se uma vez mais, tem muito a ver com a riqueza e a variedade da música tradicional.» (ibidem)
À distância de mais de quatro décadas, podemos rotular tal abordagem estético-estilística de folk progressivo português. No álbum do grupo Pedra d'Hera, de título homónimo (nome tomado de um miradouro no monte de São Brás, a 760 metros de altitude, na vertente norte da serra da Gardunha), vem, a fechar o lado A do LP, uma canção primorosa e ao mesmo tempo inquietante: "Nagasaki, Hiroshima". E o dia de hoje em que se completam 80 anos sobre o lançamento da segunda bomba atómica sobre uma cidade populosa, reeditando-se (intencionalmente) o ainda bem recente holocausto de Hiroxima, afigura-se uma excelente ocasião para resgatarmos aquele tocante trecho poético-musical, com letra, música e voz de José Reis Fontão, cujo arranjo é de raro e superlativo encanto. Estamos muito em crer que aqueles que aqui vierem ouvi-lo (a maioria deles pela primeira vez, é de supor) comungarão de tal apreciação e alguns até não deixarão de inquirir os seus botões: «Porque é que nenhuma rádio me deu a conhecer antes esta preciosidade? Para que servem, afinal, as Antenas 1 e 3?».

Nota: O grupo Pedra d'Hera voltou a gravar "Nagasaki, Hiroshima" no seu terceiro álbum, "Ventos" (1996), com um arranjo consideravelmente diferente (mais americano e menos japonês) que é rematado com o estrondo ribombante do engenho atómico em explosão [>> YouTube].



(in https://commons.wikimedia.org/)
A nuvem em forma de cogumelo da bomba de plutónio lançada sobre Nagasaki.



Nagasaki, Hiroshima



Letra e música: José Reis Fontão
Intérprete: Pedra d'Hera* (in LP "Pedra d'Hera", Promusix, 1982)


[instrumental]

Há tanto tempo, sr. Presidente,
Que eu ouvira falar
A um "velho branco"
Que se punha a cantar
... Nagasaki, Hiroshima...

Uma canção, que não sabia
Onde ela iria começar
Como estas bombas
Que chovem sem parar
... Nagasaki, Hiroshima...

[instrumental]

Sei que a cantava
Olhando pr'além de tudo
Quanto o rodeava...
Ah! Velho louco que cantava e chorava
... Nagasaki, Hiroshima...

Diga-me, sr. General e Chefe,
Nosso "guia poderoso",
Se esse homem idoso
Soubera o que foi
... Nagasaki, Hiroshima...

[instrumental / vocalizos]


* Pedra d'Hera:
José R. Fontão – voz e guitarra solo (introdução)
José Emílio Martins – guitarra de 12 cordas solo, pratos e caixa
Carlos J. Branco – baixo e guitarra de 6 cordas
Músico convidado:
Dino – piano Fender

Gravado e misturado nos Estúdios Promusix, Algés, em 1982
Produção e supervisão de estúdio – Filú
Misturas – Filú e Pedra d'Hera
Texto sobre o disco em: Grandes discos da música portuguesa: efemérides em 2007
URL: https://www.sinfonias.org/mais/musica-portuguesa-anos-80/directorio/888-pedra-d-hera
https://www.youtube.com/@JRFontao/videos
https://www.youtube.com/@JORGESARH/videos?query=pedra+hera
https://music.youtube.com/channel/UCdrPZt-M4RhzSkU0ysgUMZQ



Capa do LP "Pedra d'Hera", do grupo Pedra d'Hera (Promusix, 1982)
Criação e execução – Miguel Monteiro



Capa do livro "Música Popular Portuguesa: Um Ponto de Partida", de Mário Correia (Col. Cantares de Amigo, N.º 1, Centelha/Mundo da Canção, Abr. 1984)
Concepção – Arlindo Fagundes.

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