
Gravura de Gustave Doré, c.1880, para uma edição oitocentista da "Divina Comédia", de Dante Alighieri – Canto II do "Purgatório".
A Charlie Chaplin, o criador do imortal vagabundo Charlot (Carlitos, no Brasil), se devem algumas das mais belas e inspiradas melodias da sétima arte, concebidas, como é fácil de intuir, para os seus próprios filmes. Uma delas é o "Terry's Theme", do filme "Luzes da Ribalta" ("Limelight", 1952), que sendo originalmente apenas instrumental [>> YouTube] não tardou a ser guarnecida de palavras, pelos britânicos Geoff Parsons e John Turner, a fim de que, feita canção, sob o título "Eternally", pudesse ser cantada e assim tornar mais facilmente apreensível o significado expresso. A primeira intérprete a fazê-lo, em 1953, foi a norte-americana Dinah Shore [>> YouTube], logo seguida, no mesmo ano, pelo compatriota Vic Damone [>> YouTube], pelos britânicos Ray Burns [>> YouTube] e Jimmy Young [>> YouTube], e pela brasileira Nora Ney, esta com letra de Antônio Almeida & João de Barro (Braguinha) [>> YouTube]. Também a nossa grande Amália se deixou seduzir por aquela tocante e cativante melodia chapliniana, gravando a sua versão, em 1953, para a Valentim de Carvalho, com versos da autoria de David Mourão-Ferreira, tendo sido acompanhada por Mário Simões e Seu Conjunto. Essa preciosa e sublime gravação amaliana, a única que se conhece no seu extenso acervo fonográfico, foi primeiramente publicada em 1954 sob o selo Columbia, na face B no disco de 78 r.p.m. "Alamares / Quando a Noite Vem", e já neste século incluída nas compilações "Amália canta David" (2011) e "Amália no Chiado" (2014). É pois dando destaque a esta pérola, tão insuficientemente divulgada e desconhecida de muitos, que nos associamos à celebração do presente Dia Mundial do Cinema. Boa escuta!
Na rádio, a melhor maneira de celebrar o cinema, mais do que transmitir falas de actores e os sons da envolvência, é mesmo transmitir música composta expressamente para filmes ou que por eles tenha sido apropriada. E ao longo do dia de hoje, a Antena 2 celebrou amplamente a sétima arte dessa maneira, iniciativa que aplaudimos. Contudo, houve duas coisas menos positivas que nos cumpre reportar: a primeira diz respeito ao modo algo caótico como foi transmitida música relacionada com a sétima arte fora dos programas de autor; a segunda prende-se com a fraquíssima atenção que foi dada ao cinema português e à música que o serviu. Que nos tenhamos dado conta, apenas foi trazido à liça o filme "Verdes Anos", de Paulo Rocha, e dada a ouvir a música de Carlos Paredes e a poesia de Pedro Tamen que para ele foi composta e escrita, respectivamente. Esperamos que as deficiências apontadas sejam debeladas no próximo ano, pois não falta excelente material musical usado no cinema nacional, quer feito de raiz quer pré-existente, que se adequa perfeitamente a um canal com o figurino editorial da Antena 2. Dois exemplos que nos vêm de repente à tona da memória: a música que Bernardo Sassetti compôs e tocou para o filme "Alice", de Marco Martins, e as "Claire de Lune", de Fauré e de Debussy, bem como outras peças tocadas ao piano por Nuno Vieira de Almeida, que Manoel de Oliveira incluiu na banda sonora do seu aclamado "Vale Abraão".
Quando a Noite Vem
Poema: David Mourão-Ferreira
Música: Charlie Chaplin ["Terry's Theme", do filme "Luzes da Ribalta" ("Limelight", 1952)]
Intérprete: Amália Rodrigues* (in disco 78 r.p.m. "Alamares / Quando a Noite Vem", Columbia/VC, 1954; CD "Amália canta David", Edições Valentim de Carvalho/iPlay, 2011; 2CD "Amália no Chiado": CD 2, Edições Valentim de Carvalho, 2014)
[instrumental]
O mar se desfaz em sonho e fumo
quando a noite sobe ao alto céu.
Também a minh'alma, triste mar,
ao céu também
se evola em fumo
e segue um rumo
que se perdeu.
Vibram minhas mãos por entre o vento,
nem o vento vê quem me perdeu.
Mas nele o meu corpo só, no vento,
oh, céu!, no vento,
tem por sustento
o esquecimento
dum outro céu.
[instrumental]
Quando a noite vem nem só no céu
os anjos se cansam de nos ver.
E sobre os seus sonhos, noite negra,
oh, céu!, também
um espesso véu
se desprendeu.
Já nem sequer
sou eu.
* Amália Rodrigues – voz
Mário Simões e Seu Conjunto
Gravado nos Estúdios Valentim de Carvalho, Lisboa (Rua Nova do Almada), em 1953
Técnico de som – Hugo Ribeiro
Coordenação de edição ("Amália canta David") – David Ferreira, com Frederico Santiago
Remasterizações – Joel Conde, nos Estúdios Tcha Tcha Tcha, Miraflores (Oeiras), com Frederico Santiago
URL: https://amaliarodrigues.pt/pt/amalia/
https://www.museudofado.pt/index.php/fado/personalidade/amalia-rodrigues
https://centenarioamaliarodrigues.pt/
https://www.youtube.com/c/amaliarodriguesofficial
https://music.youtube.com/channel/UCF_E888KGi1ko8nk9Pus_2g

Capa da compilação em CD "Amália canta David" (Edições Valentim de Carvalho/iPlay, 2011)
Design gráfico – Roda Dentada
Pós-produção de imagem – Mackintóxico

Capa da compilação em duplo CD "Amália no Chiado" (Edições Valentim de Carvalho, 2014)
Design gráfico – José Dias
Ideia original, pesquisa e coordenação da edição – Frederico Santiago
___________________________________________
Outros artigos com repertório interpretado por Amália ou da sua autoria:
Ser Poeta
Celebrando Vinicius de Moraes
Camões recitado e cantado (II)
Amália Rodrigues: "Primavera" (David Mourão-Ferreira)
Amália Rodrigues: "Abril" (Manuel Alegre)
Poesia trovadoresca adaptada por Natália Correia
Luís de Camões: "Perdigão perdeu a pena"
Amália Rodrigues: "Naufrágio" (Cecília Meireles)
Amélia Muge: "A Lua" (Amália Rodrigues)
Amália Rodrigues: "Que Deus me Perdoe" (Silva Tavares)
___________________________________________
Outro artigo com poesia de David Mourão-Ferreira:
Amália Rodrigues: "Primavera" (David Mourão-Ferreira)






