02 agosto 2024

Luís de Camões: "Endechas a Bárbara Escrava"


© Lyra Aoko
[in https://lyraoko.com/portfolio/afropointilism/]


Entre as transposições mais bem conseguidas e inspiradas de poesia camoniana para canção, independentemente do compositor ter ou não formação musical académica, conta-se, sem a mais pequena sombra de dúvida, "Endechas a Bárbara Escrava", de José Afonso, integrante do primoroso álbum "Cantares do Andarilho" (Orfeu, 1968), o segundo disco de longa duração do genial cantautor e o primeiro que gravou após o regresso de Moçambique. Não sabemos se a circunstância de ter observado, in loco, naquela «província ultramarina portuguesa» (como eufemisticamente a ditadura salazarista/marcelista designava as colónias), atitudes de racismo e de menorização por parte da administração oficial e dos colonos relativamente aos indígenas, reduzidos que estavam, na sua esmagadora maioria, à condição de serviçais (embora não fossem formalmente escravos), animou José Afonso a musicar as endechas camonianas que são, além de um belíssimo poema de amor, um dos mais admiráveis libelos anti-racistas alguma vez escritos sob a forma de poema, mas gostamos de acreditar que sim. Camões viu na negritude da mulher amada um valor estético supremo (ele que, segundo as crónicas, era ruivo, logo situando-se racialmente nos antípodas), jamais uma característica fenotípica desfavorável, e José Afonso, estamos em crer, terá tido isso em alta conta ao tomar a iniciativa de musicar o poema e, gravando-o, transformá-lo numa vigorosa farpa contra o atávico preconceito racista prevalecente nos caucasianos em relação aos negróides. Estranhamente (ou talvez não), este sublime espécime do repertório de José Afonso foi, até à data, um dos menos versionados: a menos que estejamos deficientemente informados, apenas foram publicadas duas versões: uma por Sérgio Godinho (no álbum "Aos Amores", 1989) e outra por José Pedro Gil & Mónica Salmaso (no LP e álbum digital "Estrada Branca: Vinicius de Moraes e José Afonso", 2019). Embora escassas são muitíssimo boas, pelo que também as incluímos nesta celebração conjunta de José Afonso (a pretexto do 95.º aniversário do seu nascimento) e de Luís de Camões (no âmbito do quinquicentenário da sua nascença). Fechamos a sequência com a interpretação do mesmo poema pelo Coro de Câmara de Lisboa, com música de Maria de Lourdes Martins. À guisa de intróito, fica a versão recitada pelo actor Carlos Wallenstein.
Votos de aprazível fruição sob a benéfica égide camoniana!

A canção "Endechas a Bárbara Escrava", com música de José Afonso, além da desdita de ter sido objecto de tão poucas versões, é das mais injustiçadas pela rádio portuguesa. Na 'playlist' da Antena 1 não temos memória de alguma vez a haver ouvido, e em espaços de autor registamos apenas os assinados por Armando Carvalhêda e David Ferreira, respectivamente, "Cantos da Casa" [18 Abr. 2013 >> RTP-Play], "David Ferreira a Contar" [13 Nov. 2012 >> RTP-Play / 26 Abr. 2024 >> RTP-Play] e "A Cena do Ódio" [2 Jun. 2013 >> RTP-Play]. É miserabilismo demasiado, ademais estando a decorrer as comemorações camonianas. Sem prejuízo da realização de programas especiais em torno da obra do vulto maior da Literatura Portuguesa (que também devem ter lugar no canal generalista), o mínimo dos mínimos a fazer é transmitir todos os dias, até 10 de Junho de 2025, pelo menos um poema (ou excerto de poema) de Camões, na forma cantada ou recitada. Fica apresentada a ideia (construtiva) e não há razão para que não seja posta em prática pois é substancial o acervo de gravações disponível, quer em edições discográficas quer no arquivo histórico da RDP.



Endechas a Bárbara Escrava



Poema (endechas em redondilha menor) de Luís de Camões (in "Rimas", org. Fernão Rodrigues Lobo Soropita, Lisboa, 1595; "Obras de Luís de Camões", Porto: Lello & Irmão Editores, 1970 – p. 770-771)
Recitado por Carlos Wallenstein* (in LP "Camões: Antologia", Série 'Disco Falado', Guilda da Música/Sassetti, 1973; CD "Camões: Antologia", Série 'Palavras', Strauss, 2002)




                        Endechas a ũa cativa
                        com quem andava d'amores na Índia,
                        chamada Bárbara.


Aquela cativa,
que me tem cativo,
porque nela vivo
já não quer que viva.
Eu nunca vi rosa
em suaves molhos,
que para meus olhos
fosse mais formosa.

Nem no campo flores,
nem no céu estrelas
me parecem belas
como os meus amores.
Rosto singular,
olhos sossegados,
pretos e cansados,
mas não de matar.

Uma graça viva,
que neles lhe mora,
para ser senhora
de quem é cativa.
Pretos os cabelos,
onde o povo vão
perde opinião
que os louros são belos.

Pretidão de Amor,
tão doce a figura,
que a neve lhe jura
que trocara a cor.
Leda mansidão,
que o siso acompanha;
bem parece estranha,
mas bárbara não.

Presença serena
que a tormenta amansa;
nela, enfim, descansa
toda a minha pena.
Esta é a cativa
que me tem cativo;
e, pois nela vivo,
é força que viva.


* Carlos Wallenstein – voz

Selecção de textos/poemas – Carlos Wallenstein
Direcção literária – Alberto Ferreira
Assistente de produção – Carmen Santos
Produção – Sassetti
Gravado nos Estúdios Polysom, Lisboa
Captação de som e montagem – Moreno Pinto
Remasterização – Jorge d'Avillez (Strauss Studio, Lisboa)
URL: http://www.cinept.ubi.pt/pt/pessoa/2143690279/Carlos+Wallenstein
https://arquivos.rtp.pt/conteudos/perfil-carlos-wallenstein/
https://music.youtube.com/channel/UCAB5mYWk4Z9tVkwp-RrXdgQ



Endechas a Bárbara Escrava



Poema (endechas em redondilha menor): Luís de Camões (ligeiramente adaptado) [texto original >> acima]
Música: José Afonso
Intérprete: José Afonso* (in LP "Cantares do Andarilho", Orfeu, 1968, reed. Movieplay, 1987, 1996, Art'Orfeu Media, 2012, Mais Cinco, 2021)




Aquela cativa,
que me tem cativo,
porque nela vivo
já não quer que viva.
Eu nunca vi rosa
em suaves molhos,
que para meus olhos
fosse mais formosa.

Nem no campo flores,
nem no céu estrelas
me parecem belas
como os meus amores.
Rosto singular,
olhos sossegados,
pretos e cansados,
mas não de matar.

Uma graça viva,
que neles lhe mora,
para ser senhora
de quem é cativa.
Pretos os cabelos,
onde o povo vão
perde opinião
que os louros são belos.

Pretidão de Amor,
tão doce a figura,
que a neve lhe jura
que trocara a cor.
Leda mansidão,
que o siso acompanha;
bem parece estranha,
mas bárbara não.

Presença serena
que a tormenta amansa;
nela, enfim, descansa
toda a minha pena.
Esta é a cativa
que me tem cativo;
e, pois nela vivo,
é força que viva.

Nem no campo flores,
nem no céu estrelas
me parecem belas
como os meus amores.
Rosto singular,
olhos sossegados,
pretos e cansados,
mas não de matar.


* José Afonso – voz
Rui Pato – viola

Gravado nos Estúdios Polysom, Lisboa, em 1968
Técnico de som – Moreno Pinto
Remasterização (edição de 2012) – António Pinheiro da Silva
Texto sobre o disco em: Grandes discos da música portuguesa: efemérides em 2008
Biografia e discografia em: A Nossa Rádio
URL: https://aja.pt/
https://joseafonso.net/
https://pt.wikipedia.org/wiki/Jos%C3%A9_Afonso
https://www.infopedia.pt/$jose-afonso
https://www.arlindo-correia.com/080401.html
https://www.youtube.com/@AssociacaoJoseAfonso/videos
https://www.youtube.com/@DoTempoDosSonhos/videos?query=jose+afonso
https://music.youtube.com/channel/UC3ibjT8j2cysFnZ2dVB76yg



Endechas a Bárbara Escrava



Poema (endechas em redondilha menor): Luís de Camões (ligeiramente adaptado [texto original >> no topo]
Música: José Afonso
Intérprete: Sérgio Godinho* (in LP/CD "Aos Amores", EMI-VC, 1989, Parlophone/Warner Music, 2014; CD "Poesia EnCantada", vol. 1, EMI-VC, 2002)




[instrumental]

Aquela cativa,
que me tem cativo,
porque nela vivo
já não quer que viva.
Eu nunca vi rosa
em suaves molhos,
que para meus olhos
fosse mais formosa.

Nem no campo flores,
nem no céu estrelas
me parecem belas
como os meus amores.
Rosto singular,
olhos sossegados,
pretos e cansados,
mas não de matar.

Uma graça viva,
que neles lhe mora,
para ser senhora
de quem é cativa.
Pretos os cabelos,
onde o povo vão
perde opinião
que os louros são belos.

Pretidão de Amor,
tão doce a figura,
que a neve lhe jura
que trocara a cor.
Leda mansidão,
que o siso acompanha;
bem parece estranha,
mas bárbara não.

[instrumental]

Presença serena
que a tormenta amansa;
nela, enfim, descansa
toda a minha pena.
Esta é a cativa
que me tem cativo;
e, pois nela vivo,
é força que viva.

Nem no campo flores,
nem no céu estrelas
me parecem belas
como os meus amores.
Rosto singular,
olhos sossegados,
pretos e cansados,
mas não de matar.

[instrumental]


* Sérgio Godinho – voz
João Lucas – piano e sintetizadores
Eduardo Abreu – flauta e programação de computador

Arranjos e direcção musical – João Lucas
Assistência de produção musical – Eduardo Abreu
Produção – Sérgio Godinho e João Lucas
Produção executiva – Paulo Pulido Valente
Gravado nos Estúdios Valentim de Carvalho, Paço d'Arcos, em Abril e Maio de 1989
Gravação e mistura – Amândio Bastos, assistido por Fernando Rascão
URL: https://www.facebook.com/Sergio.Godinho.Oficial/
https://vachier.pt/sergio-godinho/
https://pt.wikipedia.org/wiki/S%C3%A9rgio_Godinho
https://altamont.pt/sergio-godinho-aos-amores/
https://www.youtube.com/@SergioGodinhoTV
https://www.youtube.com/channel/UCCUWcMFHuwlLu7y8cX1LyJg
https://www.youtube.com/@DoTempoDosSonhos/videos?query=sergio+godinho
https://music.youtube.com/channel/UC6NItFDCOUpxXVmOfvAD3Rg



Endechas a Bárbara Escrava



Poema (endechas em redondilha menor): Luís de Camões (ligeiramente adaptado) [texto original >> no topo]
Música: José Afonso
Intérprete: José Pedro Gil & Mónica Salmaso (in LP "Estrada Branca: Vinicius de Moraes e José Afonso", Três Agá, 2019)




[instrumental]

Aquela cativa,
que me tem cativo,
porque nela vivo
já não quer que viva.
Eu nunca vi rosa
em suaves molhos,
que para meus olhos
fosse mais formosa.

Nem no campo flores,
nem no céu estrelas
me parecem belas
como os meus amores.
Rosto singular,
olhos sossegados,
pretos e cansados,
mas não de matar.

[instrumental / vocalizos]

Uma graça viva,
que neles lhe mora,
para ser senhora
de quem é cativa.
Pretos os cabelos,
onde o povo vão
perde opinião
que os louros são belos.

Pretidão de Amor,
tão doce a figura,
que a neve lhe jura
que trocara a cor.
Leda mansidão,
que o siso acompanha;
bem parece estranha,
mas bárbara não.

Presença serena
que a tormenta amansa;
nela, enfim, descansa
toda a minha pena.
Esta é a cativa
que me tem cativo;
e, pois nela vivo,
é força que viva.

Nem no campo flores,
nem no céu estrelas
me parecem belas
como os meus amores.
Rosto singular,
olhos sossegados,
pretos e cansados,
mas não de matar.


* José Pedro Gil – voz e piano
Mónica Salmaso – voz
Emanuel de Andrade – piano

Arranjos – Emanuel de Andrade
Produção – Três Agá
Gravado por Nelson Carvalho, ao vivo, no Mosteiro de São Bento da Vitória, Porto, e no Centro Cultural Olga Cadaval, Sintra, de 26 a 30 de Maio de 2017
Misturado por Homero Lotito e Teco Cardoso (Reference Mastering Studio, São Paulo, Brasil)
Masterizado por Homero Lotito (Reference Mastering Studio, São Paulo, Brasil)
URL: https://monicasalmaso.com/albuns/estrada-branca/
https://music.youtube.com/channel/UCTJHLVV0T4_WSPssVblZqfw



Endechas a Bárbara



Poema (endechas em redondilha menor): Luís de Camões (in "Rimas", org. Fernão Rodrigues Lobo Soropita, Lisboa, 1595; "Obras de Luís de Camões", Porto: Lello & Irmão Editores, 1970 – p. 770-771)
Música: Maria de Lourdes Martins
Intérprete: Coro de Câmara de Lisboa* (in CD "Música Coral Portuguesa do Século XX", Numérica, 1999)


Aquela cativa,
que me tem cativo,
porque nela vivo
já não quer que viva.
Eu nunca vi rosa
em suaves molhos,
que para meus olhos
fosse mais formosa.

Nem no campo flores,
nem no céu estrelas
me parecem belas
como os meus amores.
Rosto singular,
olhos sossegados,
pretos e cansados,
mas não de matar.

Uma graça viva,
que neles lhe mora,
para ser senhora
de quem é cativa.
Pretos os cabelos,
onde o povo vão
perde opinião
que os louros são belos.

Pretidão de Amor,
tão doce a figura,
que a neve lhe jura
que trocara a cor.
Leda mansidão,
que o siso acompanha;
bem parece estranha,
mas bárbara não.

Presença serena
que a tormenta amansa;
nela, enfim, descansa
toda a minha pena.
Esta é a cativa
que me tem cativo;
e, pois nela vivo,
é força que viva.


* Coro de Câmara de Lisboa:
Sopranos – Jael Martins, Lucina Silva, Mafalda Nascimento, Matilde de Castro, Susana de Oliveira, Teresa Cordeiro
Contraltos – Ana Ferro, Isabel Torres, Luzia Rocha, Marta Gregório, Sílvia Fontão
Tenores – Aníbal Coutinho, Carlos Quintelas, José Pereira, Pedro Marques, Sérgio Fontão, Vítor Gonçalves
Baixos – António Marques, João Camacho, Jorge Leal, Marcelo Tusto, Pedro Figueira, Pedro Pires
Direcção – Teresita Gutierrez Marques

Produção – Teresita Gutierrez Marques, António Marques, Jorge Leal, Sérgio Fontão
Gravado na Igreja Anglicana de S. Jorge, Lisboa, em 1998
URL: https://corodecamaradelisboa.com/
https://www.meloteca.com/portfolio-item/coro-de-camara-de-lisboa/
https://www.facebook.com/corodecamaradelisboa/
https://www.youtube.com/@corodecamaradelisboa
https://www.youtube.com/@DoTempoDosSonhos/videos?query=coro+camara+lisboa



Frontispício da 1.ª edição das "Rimas", de Luís de Camões, org. Fernão Rodrigues Lobo Soropita (Lisboa, 1595)



Capa da 1.ª edição do LP "Cantares do Andarilho", de José Afonso (Orfeu, 1968)
Concepção – Fernando Aroso



Capa da 2.ª edição do LP "Cantares do Andarilho" (Orfeu, 1982)
Concepção – José Santa-Bárbara
Esta foi a capa adoptada nas posteriores edições, em vinil e em CD.



Capa do LP "Camões: Antologia", de Carlos Wallenstein (Série "Disco Falado", Guilda da Música/Sassetti, 1973)
Concepção – Soares Rocha




Capa da reedição em CD do álbum "Camões: Antologia", de Carlos Wallenstein (Col. Palavras, Strauss, 2002)
Retrato de Camões – Soares Rocha
Grafismo – João P. Cachenha



Capa do LP "Aos Amores", de Sérgio Godinho (EMI-VC, 1989)
Concepção – Jorge Colombo
Fotografia – Francisco Almeida Dias
Fotocomposição – José Manuel Serrano



Capa do LP "Estrada Branca: Vinicius de Moraes e José Afonso", de Mónica Salmaso & José Pedro Gil (Três Agá, 2019)
Concepção – Três Agá e Studio Dobra



Capa do CD "Música Coral Portuguesa do Século XX", do Coro de Câmara de Lisboa (Numérica, 1999)

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Outros artigos com poesia e/ou teatro de Luís de Camões:
Camões recitado e cantado
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Em memória de Manoel de Oliveira (1908-2015)
Camões recitado e cantado (III)
Camões recitado e cantado (IV)
Camões recitado e cantado (V)
Camões recitado e cantado (VI)
Camões recitado e cantado (VII)
Camões recitado e cantado (VIII)
Camões recitado e cantado (IX)
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Luís Cília: "Se me Levam Águas" (Luís de Camões)
Teatro camoniano em versão radiofónica
Camões por Carmen Dolores
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Camões recitado e cantado (X)
Camões evocado por Sophia

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Outros artigos com canções de José Afonso ou em sua homenagem:
Galeria da Música Portuguesa: José Afonso
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Camões recitado e cantado
Celebrando Luís Pignatelli
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Camões recitado e cantado (III)
Dulce Pontes: "O Primeiro Canto" (dedicado a José Afonso)
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