21 março 2017

Camilo Pessanha: "Singra o navio", por Mário Viegas



No Dia Mundial da Poesia, e estando a comemorar-se o 150.º aniversário do nascimento de Camilo Pessanha, expoente maior do simbolismo português, o blogue "A Nossa Rádio" apresenta o belíssimo soneto "Singra o navio", magistralmente recitado por Mário Viegas.
Em que situação está actualmente a poesia nos três canais nacionais da rádio pública? Vejamos: na Antena 2, temos "A Vida Breve" [>> RTP-Play] e "O Som Que os Versos Fazem ao Abrir" [>> RTP-Play], ambos realizados por Luís Caetano (e aproveitamos para reconhecer a sua dedicação ao serviço público), mas não vislumbramos o quer que seja nas Antenas 1 e 3. Será normal? Não! É muito anormal, porque a poesia – uma das mais excelsas formas de expressão artística – tem obrigatoriamente de marcar presença em qualquer antena da estação pública, ainda que mais vocacionada para a informação e o entretenimento, pois o enriquecimento cultural do auditório é responsabilidade de todas (não é – e seria muito redutor se fosse – um exclusivo da Antena 2). Acresce que a rádio, sendo puro som, é o meio que por excelência serve a palavra dita no seu máximo potencial!
A Antena 1 teve durante alguns anos (de 1996 a 2003) uma rubrica diária de poesia a cargo de António Cardoso Pinto: primeiro, "À Esquina da Um"; depois, "À Esquina do Século"; e, por último, "À Esquina do Mundo". Após a aposentação daquele emérito profissional da nossa rádio, o programa "Lugar ao Sul" tornou-se o único reduto da Antena 1 onde era possível ouvir poesia, quer popular (dita pelos interlocutores de Rafael Correia), quer erudita (extraída de discos). Com o desaparecimento do "Lugar ao Sul" passou a imperar o vazio total.
Renovamos o pedido: se não se quiser contratar alguém com provas dadas na difícil arte de dizer poesia (por exemplo, Luís Lima Barreto e Luísa Cruz), ao menos que se faça uso do rico acervo existente no arquivo da RDP (registos na voz de Manuel Lereno, Humberto Botto, Carmen Dolores, Maria Germana Tânger, Rui Pedro, Maria Clara, Carlos Acheman, António Cardoso Pinto, Graça Vasconcelos, Paulo Rato, etc.) e, complementarmente, de edições discográficas!



Singra o navio



Poema de Camilo Pessanha (in "Clepsydra", Lisboa: Edições Lusitânia, 1920; "Clepsydra", ed. crítica de Paulo Franchetti, Lisboa: Relógio d'Água, 1995 – p. 111)
Recitado por Mário Viegas* (in LP/CD "Poemas de Bibe: Grande Poesia Portuguesa Escolhida para os Mais Pequenos", UPAV, 1990, reed. Público, 2006)


Singra o navio. Sob a água clara
Vê-se o fundo do mar, de areia fina...
— Impecável figura peregrina,
A distância sem fim que nos separa!

Seixinhos da mais alva porcelana,
Conchinhas tenuemente côr-de-rosa,
Na fria transparência luminosa
Repousam, fundos, sob a água plana.

E a vista sonda, reconstrói, compara.
Tantos naufrágios, perdições, destroços!
— Ó fúlgida visão, linda mentira!

Róseas unhinhas que a maré partira...
Dentinhos que o vaivém desengastara...
Conchas, pedrinhas, pedacinhos de ossos...


* Produção – José Mário Branco e António José Martins
Gravado no Angel Studio, Lisboa, em 2, 6, 7 e 8 de Outubro de 1990
Engenheiro de som – José Manuel Fortes



Capa do LP/CD "Poemas de Bibe: Grande Poesia Portuguesa Escolhida para os Mais Pequenos" (UPAV, 1990), de Mário Viegas e Manuela de Freitas

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