06 janeiro 2025
Grupo de Cantares Alentejanos da Brigada Territorial N.º 3 da G.N.R.: "Quais São os Três Cavalheiros?"
Os Três Reis Magos (Baltasar, Melchior e Gaspar), c.565, mosaico bizantino (restaurado no século XIX), Basílica de Santo Apolinário Novo, Ravena, Itália.
A arte bizantina retrata geralmente os Magos trajando indumentária persa, que inclui calças, capas e barretes frígios.
[Para ver o mosaico em ecrã inteiro, noutra janela, clicar aqui]
«Quais são os três cavalheiros / Que fazem sombra no mar?»: com este curioso dístico em modo de interrogação começa um dos mais belos cantares alentejanos de Reis e também um dos mais gravados. Dos nove registos por grupos corais de cante a que tivemos acesso, o que mais nos cativou e empolgou foi o do Grupo de Cantares Alentejanos da Brigada Territorial N.º 3 da Guarda Nacional Republicana, constante no segundo disco do duplo CD "O 'Cante' Alentejano" (Public-Art, 1998), uma edição preciosa e obrigatória em qualquer discoteca onde haja lugar para o cante. Notabilíssima a interpretação, pela afinação, modulação e pujança vocal, daquele grupo de Évora, e soberba a captação de som feita pelo técnico alemão Heinz Frieden! Um portento! Esperamos que comunguem da mesma opinião os que aqui vieram ouvir esta fascinante gravação de "Quais São os Três Cavalheiros?". Boa escuta!
A talhe de foice, endereçamos uma pergunta à direcção de programas da Antena 1 e a quem tem por atribuição escrutinar e avaliar o serviço prestado (ou não prestado) pela rádio pública: não é realmente incompreensível e falho de razoabilidade que pérolas deste quilate da música tradicional portuguesa estejam a ser ocultadas aos ouvintes?
Quais São os Três Cavalheiros?
Letra e música: Popular (Baixo Alentejo)
Intérprete: Grupo de Cantares Alentejanos da Brigada Territorial N.º 3 da Guarda Nacional Republicana* (in 2CD "O 'Cante' Alentejano": CD 2, Public-Art, 1998)
Quais são os três cavalheiros
Que fazem sombra no mar?
São os três do Oriente
Que Jesus vêm buscar.
Não perguntam por pousada,
Nem aonde irão pousar;
Perguntam por Jesus Cristo:
Aonde o irão achar.
* Grupo de Cantares Alentejanos da Brigada Territorial N.º 3 da Guarda Nacional Republicana
Ensaiador – Pe. José de Alcobia
Gravado na Primavera de 1998
Engenheiro de som – Heinz Frieden
URL: https://www.facebook.com/media/set/?set=a.149621901896147.1073741862.126440127547658
https://music.youtube.com/playlist?list=OLAK5uy_l28KOccG4_n57eHO36Kp1t6vCZSuP7qSc
Capa do duplo CD "O 'Cante' Alentejano" (Public-Art, 1998)
Design – Incograf
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Outros artigos com repertório de Janeiras e/ou de Reis:
Música portuguesa de Natal
Celebrando a Ronda dos Quatro Caminhos
Catarina Moura, Ariel Ninas e César Prata: "Entrada de Aninovo"
Miguel Pimentel com Maria José Victória: "Bons Anos"
Rafael Carvalho: "Bons Anos e Anos Bons"
Terra a Terra: "Estas Casas São Mui Altas"
Grupo de Baile da Canção Regional Terceirense: "Cantar à Porta"
Grupo Coral e Etnográfico "As Camponesas de Castro Verde": "Os Bons Anos"
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Outros artigos com modas por grupos corais alentejanos:
Celebrando a Ronda dos Quatro Caminhos
O canto alentejano é património da Humanidade
Grupo Coral "Os Ganhões de Castro Verde": "Grândola, Vila Morena"
Grupo Coral "Os Ceifeiros de Cuba": "No Tempo da Primavera"
Grupo Coral da Casa do Povo de Santo Aleixo da Restauração: "É Lindo na Primavera"
Cantes ao Menino
Grupo Coral e Etnográfico "As Camponesas de Castro Verde": "Os Bons Anos"
02 janeiro 2025
A tristeza lusitana
"O Triste", escultura em granito (44 x 14 x 13 cm) da autoria de José Prior (Celorico da Beira).
(in https://www.maolusitana.com/)
A tristeza lusitana
Por: Aquilino Ribeiro
Triste o português e dum modo geral não creio que o seja. Eu sei, a tristeza é uma emoção cómoda para cantar em verso e os poetas tornaram-na em lugar-comum, que, se não passou para lá dos Pirenéus, onde les portugais sont toujours gais, corre na praça como propriedade só nossa.
Tristeza é uma degeneração do temperamento, moléstia de natureza física ou vento infausto da fortuna. Embora as influências de meio e das raças que pisaram o território pretendam convencer-nos da melancolia do alentejano, como invocar as mesmas causas quanto ao homem do Norte? Esse homem criado num meio, por via de regra, ridente e embalado por atavismos onde é difícil descortinar a tristeza? O minhoto é uma cigarra a cantar; o trasmontano activo e impaciente; o beirão vivaz e maleável; entre estas virtudes poder-se-ia aninhar a molície, o enfado, a descrença de que a tristeza é mortalha?
Um pouco de superstição, mediocridade, vida dura, a mesma eterna perspectiva podem favorecer mas não determinar um estado comatoso como esse que vozes aziagas se aprazem em ver no português. Mas em todos os tempos, em todas as latitudes, o homem oscila entre o fatal dilema da dor e da alegria. Não é condição nossa; é a condição de todos os humanos. A poesia que em Portugal teve os foros de ars prima, fixou de preferência os estados de alma, bem demarcados, porque é essa a tendência do espírito artístico, sempre que a matéria é mais dúctil, mais rica, e mais colorida. O Dante do Inferno e o Dante do Paraíso documentam este meu asserto. O negrume do inferno é cheio de fulgor; as claridades do paraíso um reverbero mortiço, sem graça.
Creio, assim, que a tristeza portuguesa é acima de tudo literária.
Em verdade, o português tem contra si, como geradores da «apagada e vil tristeza» a sensualidade e o impaludismo. Pragas contraídas por esses mundos que correu e varejou e lhe deixaram o rescaldo no sangue. Mas tudo leva a crer que essa morbidez não tenha ultrapassado as fronteiras das cidades, sobretudo desta Lisboa onde nasceu, raiou e se obscureceu o grande sonho dos conquistadores.
Por extensão desta pecha, acrescida da insatisfação moral do homem culto que sente ante o círculo de potenciais que oferecem os grandes centros, o retrécissement da sua personalidade, creio o homem culto, o português de gravata, mais triste que jovial. Mas daí até o chorão derretido dos poetas, a distância é grande.
As formas que a tristeza reveste, como cepticismo, descrença, pessimismo, mordacidade, eu as creio mais defeitos da educação que dotes intrínsecos à índole.
Como na literatura o gosto sápido do nostálgico, do funéreo, do sombrio, do desesperado, nos centros de cavaco, na boca dos homens de escol, tornou-se elegante, ganhou foros de moda dizer mal de tudo e de todos.
A primeira reacção a tentar deve ser contra o profissional de mal dizer.
Depoimento recolhido oralmente de
Aquilino Ribeiro
[in "Diário de Lisboa", 27 Dez. 1924 – p. 1]
A tristeza lusitana
Por: Teixeira de Pascoaes
O meu ilustre confrade e amigo, dr. Joaquim Manso, deseja saber a minha opinião acerca da tristeza lusitana.
Esta frase pode exprimir, sobretudo, a feição sentimental dos nossos grandes elegíacos, desde Bernardim a António Nobre e a Correia d'Oliveira. Trata-se então da tristeza da saudade, que é uma luz divina, conforme cantou Frei Agostinho da Cruz:
Ah, saudade minha! Luz divina!
A lembrança é uma fonte de actividade. Só procuramos aquilo de que nos lembramos com amor: Deus, Pátria, Família, Justiça, Liberdade, etc...
Esta lembrança, que é triste por incluir a ausência da causa desejada, é heróica e forte porque nos leva a conquistá-la. Não é, de modo algum, um sentimento depressivo. A saudade, síntese da lembrança e da esperança, é uma força divina da alma portuguesa; tornou-a mística e aventurosa. Devemos-lhe o Brasil e a Elegia Pastoril, a mais delicada flôr de poesia europeia. Sim, a tristeza da saudade é uma força divina da alma portuguesa, porque a alma portuguesa é a alma dos seus grandes poetas representativos: D. Diniz, Bernardim, Camões, Frei Agostinho.
De resto, a tristeza da saudade aparece, com o mesmo relevo, nas cantigas populares:
Chamaste-me tua vida;
Tua alma quero ser.
A vida acaba com a morte,
A alma não pode morrer.
Há um acordo absoluto entre o povo e os poetas.
Quanto à apagada e vil tristeza que choraminga em certos fados e em certos poetas inferiores, lastimo-a, como lastimo a alegria, quando ela foge do coração e se converte em palavras falsas, como lastimo as almas depenadas que não podem voar e odeiam as almas que têm asas.
A tristeza lusitana é, portanto, a maior virtude da nossa raça. Foi ela que lhe deu alma e beleza; suavizou-lhe os aspectos broncos e duros, como as sombras de crepúsculo enternecem os fraguedos dos montes e a ramagem esquelética das árvores.
É uma auréola espiritual nimbando uma cabeça de granito.
Teixeira de Pascoaes
[in "Diário de Lisboa", 2 Jan. 1925 – p. 1]
ALEGRIA E TRISTEZA
Por: José de Almada Negreiros
Ao meu ilustre amigo sr. Joaquim Manso
com muita admiração pelo seu belo e jovem
entusiasmo, cheio de alegria e confiança
O Homem é variável como o próprio Tempo, o Grande Mestre. Pessoas tristes ou alegres não as há. E o que se refere a indivíduos também diz respeito às raças: alegres ou tristes são os dias e as horas e não as raças nem as pessoas.
Há tanta diferença entre o riso e a alegria, como entre a alegria e a tristeza. De uma maneira geral a diferença está em que o que é alegre não faz rir, nem entristece: faz bem!
Por mais espontânea que pareça a alegria é sempre uma claridade que surge em compensação do tempo injusto. Os dias terríveis são afinal as vésperas dos dias admiráveis. Mas também é certo que acabada a festa volta de novo cada um a sua casa.
A alegria é o prémio dos longos dias sem fim: é aquela hora propícia aos que a souberam esperar.
A tristeza é o modo debilitado daqueles que indiscretamente se mostram afastados da hora feliz. E não será talvez porque a tivessem querido por mais tempo do que ela era durável?
Para nós, Portugueses, o único caminho que vai desde a tristeza até à alegria chama-se a Saudade: a Saudade do que já passou e a Saudade do que há-de vir!
Se não houver esperança nem fé que nos entretenha, a vida escurece, torna-se tédio e desperta a dor; mas com a luz da fé e a côr da esperança, a tristeza parece indispensável para que seja bem recebida a alegria.
Sempre que vejo a «Melancolia» de Dürer fico, como ele, com a convicção de que «intenta de medir mal sem medida»; todavia a esperança não nos larga apesar de tudo, nem se nos acaba a fé diante de nós!
Por minha parte não enjeito tristeza nem alegria, e ambas me servem como venham, para me ensinarem a viver. Se estou triste, digo logo: Mea culpa! Se estou alegre, era esse o meu desejo.
Porém, se a alguém compete inventar alegria para aqueles que a não sabem procurar, confesso que era com o maior prazer que ia oferecer-me para ser esse invejável intermediário!
Não quer isto dizer que ela me sobeje, mas é tão caprichosa e condicional a alegria que parece dar-se melhor no meio de muitos do que com uma pessoa só:
— A alegria é de toda a gente, só a tristeza é nossa!
Não há dúvida que a Humanidade é por agora, evidentemente, pouco alegre, e como acontece quando alguém está enfraquecido, é necessário reanimá-lo com bons remédios e melhores palavras que lhe restituam o natural, e, por isso, deve-se, excepcionalmente, hoje em dia, forçar a nota do agradável e do risonho, em franco optimismo artificial, para tuer le cafard e os inimigos pessoais da Alegria, Irmã Querida da Lua e Amante do Sol!
Para começar um ano em
Lisboa 1 de Jan. de 1925
José Almada Negreiros
[in "Diário de Lisboa", 6 Jan. 1925 – p. 1]
«Passam hoje, precisamente, cem anos, Teixeira de Pascoaes escreveu, na primeira página do Diário de Lisboa, a convite do seu director, Joaquim Manso, um texto sobre "a tristeza lusitana".
Já Aquilino respondera, uns dias antes, ao desafio do Diário de Lisboa, sustentando que a tristeza portuguesa seria, "acima de tudo, literária". Mas Aquilino é, neste olhar de há cem anos, o autor de uma prosa da semana passada, mesmo se aos olhos de muitos de nós o seu olhar transporta mais futuro que o do poeta do Marão. Dispensemos etiquetas apressadas.
No texto com que saúda um novo ano na primeira página de um jornal de Lisboa, o autor de "A Arte de Ser Português" não está com floreados, estilísticos ou filosóficos. Vai ao ponto preciso, ao mesmo preciso ponto que irmana, num poema das "Elegias", os olhos "em lágrimas, beijando a terra" ao seu "espírito a sorrir".
Assim o imaginamos na solidão contemplativa do Marão, por mais que ilustres amigos o visitem.
No artigo de há cem anos, Pascoaes faz a vénia a Bernardim e ao Nobre e logo nos confronta com um conceito chave, o da tristeza da saudade, lembrando que a isso chamava Frei Agostinho da Cruz "luz divina". Ora esse não seria, longe disso, para Pascoaes, um "sentimento depressivo". No artigo breve do Diário de Lisboa, o poeta usa um traço grosso: "A saudade, síntese da lembrança e da esperança, é uma força divina da alma portuguesa; tornou-a mística e aventurosa. Devemos-lhe o Brasil e a Elegia Pastoril, a mais delicada flor da poesia europeia".
Pascoaes pretende sublinhar, nesses dias de mudança de página sugeridos pelo calendário, que "a alma portuguesa é a alma dos seus grandes poetas representativos, D. Diniz, Bernardim, Camões, Frei Agostinho", do mesmo passo lembrando que a tristeza da saudade aparece, com assinalável relevo, nas cantigas populares. Ora, isso há-de ser lido com subtil sagacidade, se tomarmos como pressuposto, e Teixeira de Pascoaes toma, o "acordo absoluto" que, a seus olhos, existe entre o povo e os poetas.
São estas as premissas para o remate do texto com que Teixeira de Pascoes se dirige aos leitores do Diário de Lisboa: "A tristeza lusitana é, portanto, a maior virtude da nossa raça. Foi ela que lhe deu alma e beleza; suavizou-lhe os aspectos broncos e duros, como as sombras do crepúsculo enternecem os fraguedos dos montes e a ramagem esquelética das árvores".
Um texto desta natureza pede tudo menos a resposta a perguntas de almanaque, cuidando de saber se o ano que termina deixou saudades. Saudemos o que lá venha, com céptico desvelo. Quase adivinhando o que um tal José de Almada Negreiros há-de escrever, no mesmo jornal, daqui a quatro dias de há cem anos, sobre o mesmo tema: "Para nós, Portugueses, o único caminho que vai desde a tristeza até à alegria chama-se Saudade: a Saudade do que já passou e a Saudade do que há-de vir".
Entretanto, regressemos, em havendo tempo, e não havendo façamos com que haja, à alegria, triste que seja, da obra de Pascoaes, e no fio que puxarmos, possam vir Bernardim, Camões, Frei Agostinho, Almada. E Aquilino, claro.»
Fernando Alves ["A tristeza lusitana", in "Os Dias que Correm", 2 Jan. 2025]
Na sua crónica de hoje, Fernando Alves não menciona nem sugere um poema ou uma canção concreta. Porém, nomeia autores dos quais (se não todos a maioria) há poesia dita e também cantada publicada em fonograma. Por outro lado, o tema abordado – a saudade – é imensamente pródigo no cancioneiro português gravado em disco, quer de origem popular (lisboeta e açoriana, sobretudo), quer de extracção mais erudita. Logo, não havia desculpa para a ausência do desejado remate poético ou poético-musical à crónica na emissão da Antena 1. E um desses inumeráveis registos bem poderia ser o que tem como título "Fado da Saudade", primorosamente cantado por Carlos do Carmo, com música do Fado Menor com versículo de Alfredo Duarte "Marceneiro" sobre versos inspirados do poeta Fernando Pinto do Amaral. Seria também uma maneira de evocar o distintíssimo intérprete, completados que foram ontem quatro anos sobre o seu desaparecimento...
Das duas gravações de estúdio que Carlos do Carmo nos legou – a primeira feita para a banda sonora do filme "Fados", de Carlos Saura, e publicada no CD "Fados by Carlos Saura" (2007); e a segunda, incluída na 2.ª edição do álbum "À Noite" (2008) – escolhemos a última para aqui destacar e ficar como exemplo do que a Antena 1 podia (e devia) fazer mas não fez, desconsiderando torpe e tristemente aqueles que a pagam e têm a legítima expectativa de receber em troca um serviço modelar e irrepreensível.
Fado da Saudade
Letra: Fernando Pinto do Amaral
Música: Popular e Alfredo Duarte "Marceneiro" (Fado Menor com versículo)
Intérprete: Carlos do Carmo* (in CD "À Noite", 2.ª edição, Universal Music Portugal, 2008)
[instrumental]
Cai a noite na cidade, / que me encanta,
Na minha velha Lisboa, / de outra vida;
E com um nó de saudade, / na garganta, | bis
Escuto um fado que se entoa, / à despedida. |
Foi nas tabernas de Alfama, / em hora triste,
Que nasceu esta canção, / o seu lamento;
Na memória dos que vão, / tal como o vento, | bis
No olhar de quem se ama, / e não desiste. |
Quando brilha a antiga chama, / ou sentimento,
Oiço este mar que ressoa, / enquanto canta;
E da Bica à Madragoa, / num momento,
Volta sempre esta ansiedade, / da partida;
Cai a noite na cidade, / que me encanta,
Na minha velha Lisboa, / de outra vida.
Quem vive só do passado, / sem motivo,
Fica preso a um destino, / que o invade;
Mas na alma deste fado, / sempre vivo, | bis
Cresce um canto cristalino, / sem idade. |
É por isso que imagino, / em liberdade,
Uma gaivota que voa, / renascida;
E já nada me magoa, / ou desencanta,
Nas ruas desta cidade, / amanhecida;
Mas com um nó de saudade, / na garganta,
Escuto um fado que se entoa, / à despedida.
[instrumental]
* Carlos do Carmo – voz
José Manuel Neto – guitarra portuguesa
Carlos Manuel Proença – viola de fado
José Marino Freitas – baixo acústico
Produção – Carlos do Carmo
Gravação, mistura e masterização – Fernando Nunes, no Estúdio Pé-de-Vento, Salvaterra de Magos
URL: https://pt.wikipedia.org/wiki/Carlos_do_Carmo
https://www.museudofado.pt/fado/personalidade/carlos-do-carmo
https://music.youtube.com/channel/UCXqGi0cZitdJx1_A8s-NR6w
Capa do livro/CD "À Noite", de Carlos do Carmo (Universal Music Portugal/Tugaland, 2007, 2.ª edição, Universal Music Portugal, 2008)
Reprodução de um retrato do cantor pintado por Júlio Pomar, em 2007 (acrílico e carvão sobre tela).
Fotografia – Joaquim Justo.
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Outros artigos com repertório de Carlos do Carmo:
A infância e a música portuguesa
Em memória de Bernardo Sassetti (1970-2012)
Ser Poeta
Em memória de Urbano Tavares Rodrigues (1923-2013)
Celebrando Lucília do Carmo
Em memória de Vasco Graça Moura (1942-2014)
Celebrando Carlos Paredes
Em memória de Fernando Alvim (1934-2015)
Em memória de Júlio Pomar (1926-2018)
António Botto: "Homem que vens de humanas desventuras"
Carlos do Carmo: "O Madrugar de um Sonho"
Carlos do Carmo: "A Voz Que Eu Tenho"
Carlos do Carmo: "Fado Varina" (Ary dos Santos)
Carlos do Carmo: "Gaivota" (Alexandre O'Neill)
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Outros artigos relacionados com a crónica de Fernando Alves na Antena 1:
Galandum Galundaina: "Chin Glin Din"
"Sons d'Outrora" em viola da terra, por Miguel Pimentel
Vitorino: "Moças de Bencatel" (Conde de Monsaraz)
Teresa Silva Carvalho: "Barca Bela" (Almeida Garrett)
António Borges Coelho: "Sou Barco"
Celeste Rodrigues: "Chapéu Preto"
Sérgio Godinho: "Tem Ratos"
Ruy Belo: "E Tudo Era Possível", por Nicolau Santos
Jacques Brel: "J'Arrive"
01 janeiro 2025
José Gomes Ferreira: "O general entrou na cidade", por Carmen Dolores
Pablo Picasso, "Guernica", 1937, óleo sobre tela, 349 x 776 cm, Museu Nacional Centro de Arte Reina Sofía, Madrid.
A obra retrata o sofrimento e a agonia dos habitantes da vila basca de Guernica após o violento bombardeamento por uma esquadrilha de 40 aviões nazis da Legião Condor, a 26 de Abril de 1937, em apoio dos franquistas, no âmbito da Guerra Civil Espanhola, e é um magistral manifesto artístico contra a guerra.
[Para ver o quadro em ecrã inteiro, noutra janela, clicar aqui]
Quando o papa Francisco e o secretário-geral da Organização das Nações Unidas, o nosso compatrício António Guterres, apregoam aos sete ventos a importância de se pugnar pela Paz e a urgência de se calarem as armas na Ucrânia, na Palestina, no Sudão, em Myanmar (antiga Birmânia) e noutras partes do mundo, sabe-se de antemão que lhes vão fazer orelhas moucas os dirigentes dos países/das facções beligerantes e, claro está, todos aqueles que lucram com o fabrico e o mui rendoso comércio/tráfico de armamento. E as populações dos países não (directamente) envolvidos em guerras, como encaram elas as palavras sensatas e avisadas das duas personalidades acima mencionadas? Há, sem dúvida, gente que as toma em muito boa conta e adopta comportamentos pró-activos a favor da Paz, mas na maioria das pessoas, sobretudo naquelas que nunca sofreram na pele os horrores da guerra, a mensagem arrisca-se a não ser (devidamente) apreendida. E a sua repetição também não ajuda porque dá-se o efeito perverso da banalização e aí a mensagem não é mesmo escutada: entra por um ouvido e sai logo pelo outro a 340,5 m/s (a velocidade do som no ar a 15 ºC). As palavras que falam da Paz tornam-se, assim, inócuas e estéreis. Mas se em vez dessas palavras já gastas se optar pelas que são a sua antítese, isto é, as que exprimem, cruamente e sem eufemismos, aquilo em que consiste a ausência da Paz, a repercussão no espírito das pessoas comuns poderá ser diferente. Ora no que respeita a palavras, quaisquer que elas sejam (e ainda mais aquelas que nos interpelam com a irracionalidade da devastação e dos morticínios que o monstro acéfalo da guerra deixa como rasto onde passa), as dos poetas são sempre as que melhor transmitem a mensagem e surtem o efeito desejado que é, neste caso, o repúdio veemente e absoluto da guerra. "O general entrou na cidade" é o título de um desses poemas e foi escrito por José Gomes Ferreira em 1940-41, quando a águia hitleriana tinhas as garras engalfinhadas em quase toda a Europa. Sessenta anos mais tarde, no rescaldo da Guerra da ex-Jugoslávia e quando em algum lugar à face da Terra as metralhadoras não paravam de cantar (parafraseando livremente um verso de Manuel Alegre), Carmen Dolores achou por bem dar voz àquele impressivo/expressivo texto para ficar fixado em fonograma, concretamente no CD "Felizmente as Palavras: Poemas de José Gomes Ferreira", e assim, depois de envolvido por apropriada sonoplastia da responsabilidade de Luís Machado, facilitar a sua divulgação a um público mais vasto. Irmanado no mesmo propósito, o blogue "A Nossa Rádio" dá-lhe destaque neste Dia Mundial da Paz, na esperança de que, se não todas, algumas das pessoas que o ouvirem e lerem assimilem e retenham perpetuamente a mensagem, de tal sorte que jamais se deixem seduzir pelo canto das sereias do belicismo (arautos disfarçados da destruição e da morte) e nunca abdiquem do supremo valor da Paz e da Vida. Boa escuta pró-activa!
O registo áudio do poema aqui e agora apresentado poderia chegar aos ouvidos de muitas mais pessoas se na Antena 1 existisse um apontamento diário (ou, pelo menos, durante os dias úteis da semana) de poesia dita/recitada que divulgasse o precioso património de gravações disponíveis, seja as publicadas em disco, seja as existentes no arquivo histórico da estação pública de radiodifusão. Tendo o canal generalista da rádio do Estado tantos pergaminhos nessa área cultural, é confrangedor assistirmos ao árido e inóspito deserto de poesia que hoje é! Ninguém se dá ao incómodo de fazer algo para que um pequeno oásis seja possível?
O general entrou na cidade
Poema de José Gomes Ferreira [poema XVII de "Invasão" (1940-1941), in "Poesia II", Coimbra: Casa Minerva, 1950, 2.ª edição, Col. Poetas de Hoje, vol. 6, Lisboa: Portugália Editora, 1962 – p. 113-114, 3.ª edição, Lisboa: Portugália Editora, 1968; "Poeta Militante: Obra Poética Completa", Vol. I, Col. Círculo de Poesia, Lisboa: Moraes Editores, 1977, 4.ª edição, Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1990 – p. 264-265]
Recitado por Carmen Dolores* (in livro/CD "Felizmente as Palavras: Poemas de José Gomes Ferreira", Associação Portuguesa de Escritores/Dito e Feito, 2001)
Sonoplastia: Luís Machado
(«Depois de fortemente bombardeada,
a cidade X foi ocupada pelas nossas tropas.»)
O general entrou na cidade
ao som de cornetas e tambores ...
Mas por que não há «vivas»
nem flores?
Onde está a multidão
para o aplaudir,
em filas na rua?
E este silêncio?
Caiu de alguma cidade da Lua?
Só mortos por toda a parte.
Mortos nas árvores e nas telhas,
nas pedras e nas grades,
nos muros e nos canos...
Mortos a enfeitarem as varandas
de colchas sangrentas
com franjas de mãos...
Mortos nas goteiras.
Mortos nas nuvens.
Mortos no Sol.
E prédios cobertos de mortos.
E o céu forrado de pele de mortos.
E o universo todo a desabar cadáveres.
Mortos, mortos, mortos, mortos...
Eh! levantai-vos das sarjetas
e vinde aplaudir o general
que entrou agora mesmo na cidade,
ao som de tambores e de cornetas!
Levantai-vos!
É preciso continuar a fingir vida.
E para multidão, para dar palmas,
até os mortos servem,
sem o peso de almas.
* Carmen Dolores – voz
Coordenador – José Manuel Mendes / Associação Portuguesa de Escritores
Produtor – Luís Machado
Gravado nos Estúdios Goya e Xangrilá, Lisboa, em Dezembro de 2000 e Janeiro/Fevereiro de 2001
Gravação e mistura de som – Nuno João Bastos (assistência de estúdio), Carlos Gonçalves Cruz, Nuno Pimentel (técnicos de som), Nuno Rebocho (pré-mastering)
Sonoplastia – Luís Machado
URL: http://cvc.instituto-camoes.pt/teatro-em-portugal-pessoas/carmen-dolores-dp6.html
https://visao.pt/jornaldeletras/2021-02-19-a-autobiografia-de-carmen-dolores/
https://espalhafactos.com/2014/12/30/boca-de-cena-4-carmen-dolores/
https://revistas.rcaap.pt/sdc/article/view/12691/9790
https://www.dn.pt/cultura/gostava-de-ter-feito-revista-mas-nunca-me-convidaram-8707527.html/
https://antena2.rtp.pt/em-antena/cultura/carmen-dolores/
https://arquivos.rtp.pt/conteudos/entrevista-a-carmen-dolores-3/
https://arquivos.rtp.pt/conteudos/entrevista-a-carmen-dolores/
https://www.youtube.com/user/DoTempoDosSonhos/search?query=carmen+dolores
Capa da 1.ª edição do livro "Poesia II", de José Gomes Ferreira (Coimbra: Casa Minerva, 1950)
Capa da 2.ª edição do livro "Poesia II", de José Gomes Ferreira (Col. Poetas de Hoje, vol. 6, Lisboa: Portugália Editora, 1962)
Capa da 3.ª edição do livro "Poesia II", de José Gomes Ferreira (Lisboa: Portugália Editora, 1968)
Capa da 1.ª edição do livro "Poeta Militante: Obra Poética Completa", Vol. I, de José Gomes Ferreira (Col. Círculo de Poesia, Lisboa: Moraes Editores, 1977)
Capa da 4.ª edição do livro "Poeta Militante: Obra Poética Completa", Vol. I, de José Gomes Ferreira (Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1990)
Capa do livro/CD "Felizmente as Palavras: Poemas de José Gomes Ferreira" (Associação Portuguesa de Escritores/Dito e Feito, 2001)
Concepção e direcção gráfica – João Nuno Represas
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Outros artigos com poemas apologéticos da Paz ou em repúdio da guerra:
Jorge de Sena: "Carta a Meus Filhos sobre os Fuzilamentos de Goya", por Mário Viegas
Abolição da pena de morte: um imperativo da Humanidade
Fernando Pessoa por João Villaret
Celebrando Sophia de Mello Breyner Andresen
Primeira Grande Guerra: centenário do armistício
Natália Correia: "Ode à Paz", por Afonso Dias
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Outros artigos com registos na voz de Carmen Dolores (poesia e/ou teatro radiofónico):
Galeria da Música Portuguesa: Carlos Paredes
Sebastião da Gama: "Poesia", por Carmen Dolores
Celebrando Sophia de Mello Breyner Andresen
"Ecos da Ribalta": homenagem a Carmen Dolores
Mário Dionísio: "Solidariedade", por Carmen Dolores
Luiza Todi por Carmen Dolores segundo Margarida Lisboa
"Ecos da Ribalta": homenagem a Eunice Muñoz
Teatro camoniano em versão radiofónica
Camões por Carmen Dolores
Sophia de Mello Breyner Andresen: "A Fada Oriana" (em versão radiofónica)
Grupo Coral e Etnográfico "As Camponesas de Castro Verde": "Os Bons Anos"
© Vecteezy (https://www.vecteezy.com/)
O blogue "A Nossa Rádio" formaliza os votos de Bom Ano Novo aos seus leitores/visitantes, frequentes ou ocasionais, com um belo cantar de janeiras alentejano que tomamos de empréstimo ao Grupo Coral e Etnográfico "As Camponesas de Castro Verde", o segundo mais antigo dos grupos femininos de cante, fundado em Março de 1984 (o primeiro a surgir, em 1979, foi o Grupo Coral Feminino "Flores da Primavera" de Ervidel).
Esta magnífica gravação, que saiu primeiramente no CD "Cante de Natal e de Ano Novo" (Imenso Sul, 1995), foi-nos dada a conhecer por Mestre Rafael das Neves Correia no seu memorável "Lugar ao Sul" e nunca mais lográmos escutá-la na rádio – não só esta como tantas outras excelentes recriações de cantares e tocares da tradição oral portuguesa que o mais eminente andarilho da rádio portuguesa passava, e com muito apreço dos seus fiéis ouvintes, antes e depois das saborosas e nutritivas conversas previamente colhidas no Portugal profundo ainda detentor de uma rica cultura ancestral, desde a ilha da Culatra até Rio de Onor, incluindo Açores e Madeira, se bem que com maior incidência no seu Algarve e no Alentejo.
Vem a propósito voltarmos a chamar a atenção de quem de direito para a gritante lacuna que existe na grelha da Antena 1 de um programa de autor em que se explore precisamente o nosso extenso e heterogéneo património fonográfico de música tradicional e também de música de autor que seja estética e estilisticamente devedora àquela. Um programa que não se restrinja a novas edições, como acontece no dominical e bem matinal "A Árvore da Música", e que pode muito bem ser complementado com uma rubrica diária (ou de segunda a sexta-feira), transmitida em vários quadrantes horários, em moldes idênticos à que era exemplarmente feita pelo Sr. Armando Carvalhêda e se chamava "Cantos da Casa".
Os Bons Anos
Letra e música: Popular (Baixo Alentejo)
Intérprete: Grupo Coral e Etnográfico "As Camponesas de Castro Verde"* (in CD "Cante de Natal e de Ano Novo", Imenso Sul, 1995; CD "Cantes ao Menino: Corais Polifónicos Alentejanos", Imagem Imenso, 1999)
Venho-lhe dar os Bons Anos
Que as Boas-Festas não pude;
Venho a fim de saber
Novas da sua saúde.
Novas da sua saúde...
Venho-lhe dar os Bons Anos,
Venho-lhe dar os Bons Anos
Que as Boas-Festas não pude.
Esta casa cheira a rosas,
Bem perto está a roseira;
Viva o dono desta casa
Mais a sua companheira!
Mais a sua companheira...
Esta casa cheira a rosas,
Esta casa cheira a rosas,
Bem perto está a roseira.
Lá vai uma, lá vão duas
Por cima do seu telhado;
Deus lhe dê muita saúde
Ao que lá tem semeado.
Ao que lá tem semeado...
Lá vai uma, lá vão duas,
Lá vai uma, lá vão duas
Por cima do seu telhado.
Daqui donde eu estou bem vejo
O canivete a bailar,
Para cortar a chouriça
Que a senhora me há-de dar.
Que a senhora me há-de dar...
Daqui donde eu estou bem vejo,
Daqui donde eu estou bem vejo
O canivete a bailar.
Toda esta noite aqui ando
Com os pés pela geada;
A barriga vem vazia
E a taleiga não traz nada.
E a taleiga não traz nada...
Toda esta noite aqui ando,
Toda esta noite aqui ando
Com os pés pela geada.
Já que Deus me fez tão pobre,
Venho esta noite a pedir
Em casa de gente nobre:
Sem esmola não hei-de ir.
Sem esmola não hei-de ir...
Já que Deus me fez tão pobre,
Já que Deus me fez tão pobre
Venho esta noite a pedir.
* Grupo Coral e Etnográfico "As Camponesas de Castro Verde"
Ponto – Ana Custódio
Alto – Idalina Custódio
URL: https://beja.blogs.sapo.pt/18765.html
https://www.facebook.com/groups/cantalentejano/
Capa do CD "Cante de Natal e de Ano Novo" (Imenso Sul, 1995)
Capa do CD "Cantes ao Menino: Corais Polifónicos Alentejanos" (Imagem Imenso, 1999)
Reedição do disco anterior com o acrescento de dois cantes interpretados pelo Grupo de Cantares Alentejanos da Brigada Territorial N.º 3 da Guarda Nacional Republicana, de Évora.
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