21 dezembro 2024

Carlos do Carmo: "Gaivota" (Alexandre O'Neill)


© Câmara Municipal de Lisboa


O fado "Gaivota", cujos versos Alexandre O'Neill escreveu expressamente para Amália cantar, com música de Alain Oulman, no filme "Fado Corrido" (1964), de Jorge Brum do Canto, tornou-se, sobretudo a partir da publicação da regravação presente no álbum "Com Que Voz" (1970), uma das mais brilhantes pérolas amalianas. Inumeráveis fadistas, e não só, gravaram-no ao longo das seis décadas já decorridas, mas nenhum(a) o fez, a nosso ouvir, tão primorosamente quanto Carlos do Carmo na versão, com orquestração de Jorge Costa Pinto, incluída no álbum sem título editado em 1969. Foi precisamente esse maravilhoso registo que achámos por bem realçar nesta data em que o criador de "Lisboa, Menina e Moça" faria 85 anos de idade, dois escassos dias após o centenário do nascimento de Alexandre O'Neill. Boa escuta!

É extenso o rol dos artistas portugueses (vivos ou mortos) de mérito amplamente reconhecido sobre os quais foi estampado o ferrete de "intocável!" por quem manda na 'playlist' da Antena 1. Em Carlos do Carmo tal ferrete de proscrição é particularmente chocante e revoltante atendendo à dimensão e à importância do magistral intérprete na História da Música Portuguesa. E aqui uma pergunta se impõe formular: valerá realmente a pena os pagantes da contribuição do audiovisual continuarem a suportar uma rádio que despreza os nossos valores musicais mais elevados ao mesmo tempo que se empenha a promover a mediocridade?



Gaivota



Poema: Alexandre O'Neill (De "Dispersos: 1942-1985", in "Poesias Completas & Dispersos", Org. Maria Antónia Oliveira, Lisboa: Assírio & Alvim, 1917 – p. 584-585)
Música: Alain Oulman
Orquestração: Jorge Costa Pinto
Intérprete: Carlos do Carmo* (in LP "Carlos do Carmo", Tecla, 1969, reed. Edisom, 1984, Movieplay, 2003, Série "Carlos do Carmo 50 Anos", Vol. 01, Universal Music, 2013)
Criação: Amália Rodrigues (in EP "Trechos do Filme Fado Corrido", Columbia/VC, 1964; LP "Fado Português", Columbia/VC, 1965, reed. EMI-VC, 1992, Edições Valentim de Carvalho/Som Livre, 2007, Edições Valentim de Carvalho, 2015)




[instrumental]

Se uma gaivota viesse
trazer-me o céu de Lisboa
no desenho que fizesse,
nesse céu onde o olhar
é uma asa que não voa,
esmorece e cai no mar.

Que perfeito coração
no meu peito bateria,
meu amor, na tua mão,
nessa mão onde cabia
perfeito o meu coração.

Se um português marinheiro
dos sete mares andarilho
fosse, quem sabe, o primeiro
a contar-me o que inventasse,
se um olhar de novo brilho
ao meu olhar se enlaçasse.

Que perfeito coração
no meu peito bateria,
meu amor, na tua mão,
nessa mão onde cabia
perfeito o meu coração.

Se ao dizer adeus à vida
as aves todas do céu
me dessem na despedida
o teu olhar derradeiro,
esse olhar que era só teu,
amor que foste o primeiro.

Que perfeito coração
morreria no meu peito,
meu amor, na tua mão,
nessa mão onde perfeito
bateu o meu coração.


* Carlos do Carmo – voz
Orquestra de Jorge Costa Pinto
José Fontes Rocha – guitarra portuguesa

Gravado nos Estúdios Valentim de Carvalho, Paço d'Arcos
Técnico de som – Hugo Ribeiro
Remasterização – Fernando Nunes (edição de 2013)
URL: https://pt.wikipedia.org/wiki/Carlos_do_Carmo
https://www.museudofado.pt/fado/personalidade/carlos-do-carmo
https://music.youtube.com/channel/UCXqGi0cZitdJx1_A8s-NR6w



Capa do LP "Carlos do Carmo" (Tecla, 1969)
Fotografia – Augusto Cabrita



Capa do EP "Gaivota", de Carlos do Carmo (Tecla, 1970)



Capa da mais recente reedição em CD do álbum "Carlos do Carmo", Vol. 01 da Série "Carlos do Carmo: 50 Anos" (Universal Music, 2013)
Design – adaptação por Bloodymary, Braun & Caeser da capa do EP "An Evening at Faia (A Rua do Desencanto)" (Philips 430.822 PE, 1969)

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