01 junho 2022

Vitorino: "O Capitão dos Tanques"


Retrato de Salgueiro Maia: parte central do mural pintado nos inícios de Abril de 2014 na parede da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, fronteira à Avenida de Berna, em Lisboa, por Frederico Campos ('DRAW'), Gonçalo Ribeiro ('MAR'), Diogo Machado ('ADD FUEL') e Miguel Januário ('CAOS'), da Underdogs Gallery. O retrato do capitão foi concebido por Frederico Campos ('DRAW'), tendo como modelo uma icónica fotografia tirada, no Largo do Carmo, pelo fotojornalista Alfredo Cunha, no dia 25 de Abril de 1974 [cf. artigo do "Público", 12.04.2014].
Fonte da fotografia: Wikimedia Commons


Entre as dezenas de oficiais que integraram o movimento militar que pôs fim ao caquéctico Estado Novo duas figuras sobressaíram: o major Otelo Saraiva de Carvalho, que planeou e coordenou as operações militares, e o capitão Fernando Salgueiro Maia, que as executou no terreno e cuja missão principal era capturar Marcelo Caetano que se refugiara no Quartel do Carmo, sede do comando-geral da Guarda Nacional Republicana. Em termos metafóricos, o primeiro foi o 'cérebro' e o segundo a 'mão' do 25 de Abril de 1974. Tendo sempre recusado os cargos políticos e as honrarias que lhe ofereceram, Salgueiro Maia ficou, por assim dizer, impoluto das manchas que a acção política inevitavelmente acarreta aos seus agentes, tornando-se com o passar do tempo e, sobretudo, após a morte precoce, ocorrida a 3 de Abril de 1992, o herói romântico por excelência da Revolução dos Cravos. À parte a mitificação, é historicamente incontestável o papel determinante que o intrépido capitão da Escola Prática de Cavalaria de Santarém teve no desfecho bem-sucedido das operações militares naquele «dia inicial inteiro e limpo/ onde emergimos da noite e do silêncio» (cit. Sophia de Mello Breyner Andresen). Em sinal de reconhecimento e gratidão a Salgueiro Maia, por ter sido um dos mais proeminentes obreiros da reconquista da liberdade em Portugal, criadores de várias artes têm-no homenageado, entre os quais José Jorge Letria e Vitorino Salomé que conceberam a canção "O Capitão dos Tanques" para o magnífico álbum "Abril, Abrilzinho" (2006), feito a pensar nos mais novos, se bem que não faça mal algum aos menos jovens de idade ouvirem-no também, atendendo à qualidade que apresenta. E, na parte que nos toca, não podíamos deixar de aproveitar este Dia Mundial da Criança, trinta anos volvidos sem a presença física de Salgueiro Maia, para prestarmos (singelo) tributo à sua memória resgatando a bela canção "O Capitão dos Tanques", esplendidamente interpretada por Vitorino sobre um primoroso arranjo de Sérgio Costa.

Não sabemos se este espécime, bem como qualquer um dos outros dez presentes no CD "Abril, Abrilzinho", alguma vez marcou presença na Rádio ZigZag, quanto mais não seja nos dias 25 de Abril desde que existe aquele canal destinado ao público infantil, mas queremos acreditar que sim. E uma vez que entre o auditório das Antenas 1 e 3 também se contam crianças, mormente quando são transportadas pelos pais para a escola e de regresso a casa, não seria despropositado que, ao menos nas horas de ponta, de vez em quando, aparecesse na emissão uma canção do "Abril, Abrilzinho". Sem prejuízo, obviamente, de outro bom repertório – canções, instrumentais, poemas, lengalengas, etc. – criado em língua portuguesa expressamente para os petizes. Fica a sugestão, na esperança de que não caia em saco roto!



O Capitão dos Tanques



Letra: José Jorge Letria
Música: Vitorino Salomé
Intérprete: Vitorino* (in Livro/CD "Abril, Abrilzinho", Praça das Flores e Público, 2006)




[instrumental]

Era uma vez um homem
que andou a fazer a guerra,
mas só quis foi plantar cravos
nos jardins da nossa terra.

Militar de poucas falas
sabia bem o que queria,
cansado de tantas mortes
na guerra que então havia.

Era capitão dos tanques
que o inimigo temia,
mas nos seus canos pôs cravos
com pétalas de poesia.

Um dia de madrugada
bateu forte o coração,
porque era chegada a hora
de destronar o Papão.

[instrumental]

P'ra trás ficou Santarém
na noite fresca de Abril
e os homens que o seguiam
valiam por mais de mil.

E foi no Largo do Carmo
que, valente, ergueu a voz
para dizer ao Papão:
«Agora mandamos nós!».

E nunca pediu em troca
dessa linda valentia
um título ou um posto,
pois lhe bastava a alegria.

Foi-se embora antes de tempo,
quando a doença o levou,
regando só com as lágrimas
os cravos que então plantou.

[instrumental]

Era o Salgueiro Maia,
capitão do nosso Abril,
pondo fim a velhos medos
numa noite primaveril.

Se um menino perguntar
«Este soldado quem foi?»
respondemos-lhe a cantar:
Maia foi o nosso herói.

[instrumental]


* [Créditos gerais do disco:]
Tomás Pimentel – fliscorne e trompete
Daniel Salomé – clarinete e saxofone alto
José Miguel Nogueira – guitarra
Rui Alves – percussões
Edgar Caramelo – saxofone tenor
Sérgio Costa – piano, teclados, acordeão, flautas, baixo e guitarra eléctrica
Coro – Andreia Brás, Carla Picanço, Catarina Melgão, Cátia Roque, Inês Peniche, Inês Soares, Joana Frade, Patrícia Escudeiro, Susana Parreira e Vanda Catarino
Direcção do coro – Maria do Amparo

Direcção musical, arranjos e orquestrações – Sérgio Costa
Produção – Vitorino Salomé
Gravação e masterização – Artur David e Luís Delgado, no Estúdio Praça das Flores, Lisboa
URL: https://guedelhudos.blogspot.com/2009/04/25-abril-abril-abrilzinho.html
http://www.casadaleitura.org/portalbeta/bo/portal.pl/outros_materiais/documentos/files/portal.pl?pag=sol_la_fichaLivro&id=689
https://www.youtube.com/playlist?list=OLAK5uy_ktvzLMi2fFJq8UJz3J6VYtnVn3GAX-Nxs



Capa do livro/CD "Abril, Abrilzinho", de Manuel Freire, Vitorino e José Jorge Letria (Praça das Flores e Público, 2006)
Design gráfico – José Maria Nolasco
Ilustrações (cabeças dos artistas) – André Letria

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