15 setembro 2025

Bocage: "Epigrama"


(in https://almanaquesilva.wordpress.com/)
Ilustração de Julião Machado para o "Epigrama Imitado", incipit "Levando um velho avarento", primeiramente publicada no livro "Fábulas de Bocage" (Lisboa: Imp. de Libanio da Silva, 1905).


Fez hoje 260 anos que nasceu um dos maiores e também um dos mais desventurados poetas portugueses: Manuel Maria Barbosa l'Hedois du Bocage. Evocamos o grande Elmano Sadino dando destaque a um poema de feição moralista: o "Epigrama Imitado", incipit "Levando um velho avarento". E fazemo-lo com dois registos, um recitado e um cantado: o primeiro por Manuela de Freitas e Mário Viegas, que faz parte do álbum "Poemas de Bibe: Grande Poesia Portuguesa Escolhida para os Mais Pequenos" (UPAV, 1990); e o segundo pelo grupo de rock progressivo Petrus Castrus, integrante do álbum "Mestre" (Guilda da Música/Sassetti, 1973).
O poema é, evidentemente, alegórico e pode, presentemente, aplicar-se com toda a propriedade a uns quantos indivíduos (os multimilionários) que, a cada dia que passa, concentram nas suas mãos mais e mais riqueza à custa do empobrecimento da maioria da população mundial, a do Primeiro Mundo incluída, e acarretando, simultaneamente, a destruição das condições de habitabilidade no planeta para o homo sapiens e para uma imensidade de outras espécies animais e vegetais, o que pode levar à extinção da própria Humanidade dentro de escassos séculos. Tal acontece porque a política que tem sido (cegamente) seguida em muitos países o permite e até incentiva, não sendo de admirar que as chamadas democracias liberais estejam a definhar ao mesmo tempo que medram os movimentos e as forças político-partidárias extremistas, mormente as de pendor fascista/fascizante. Nada que os governantes e os chefes de Estado desses países em crescente crise social não pudessem antever e evitar se fossem menos (voluntariamente) inconscientes da História e lessem mais textos de qualidade, como, por exemplo, a seguinte passagem de Almeida Garrett, em "Viagens na Minha Terra": «E eu pergunto aos economistas-políticos, aos moralistas, se já calcularam o número de indivíduos que é forçoso condenar à miséria, ao trabalho desproporcionado, à desmoralização, à infâmia, à ignorância crapulosa, à desgraça invencível, à penúria absoluta, para produzir um rico.»
Boa escuta!

Quem ouviu a emissão de hoje do programa "A Ronda da Noite" teve a oportunidade de ouvir três poemas de Bocage: dois ditos por Luís Caetano e um pelo seu convidado, o Prof. Daniel Pires, reputado estudioso bocageano e autor do livro "Bocage: A Imagem e o Verbo" [>> RTP-Play]. Cumpre-nos enaltecer Luís Caetano pelo cuidado que teve em assinalar a efeméride resgatando esta saborosa conversa originalmente emitida no seu sabatino "A Força das Coisas", de 12 Dez. 2015, no âmbito das comemorações do 250.º aniversário do nascimento do poeta [>> RTP-Play]. Contudo, fora de efemérides ou de outras ocasiões muito esporádicas é virtualmente impossível ouvir-se algo, por mais curto que seja, da abundante e valorosa poesia de Bocage na Antena 2, visto o apontamento "A Vida Breve" ter como objecto a poesia dita pelos próprios autores. E nas outras antenas de cobertura nacional da rádio pública a situação é ainda pior, uma vez que nas respectivas grelhas nada existe no que concerne a poesia dita/recitada...
Importa, pois, que sem prejuízo de manutenção do figurino que Luís Caetano gizou para o espaço vem mantendo com assinalável diligência (nunca é de mais reconhecê-lo), haja também lugar, e não somente no canal mais cultural da estação pública de rádio, para a poesia de autores que viveram antes da invenção da fonografia ou que tendo já nela vivido não deixaram registos de poemas seus em voz própria, como foi o caso de Fernando Pessoa (apenas para citar o maior poeta português do século XX). E para esse efeito nem é preciso gastar um chavo a contratar actores/dizedores: basta fazer o uso do arquivo histórico da rádio pública, bem como de edições discográficas. No caso concreto de Bocage, não é nada escasso o acervo de poesia registada em disco por reputados recitadores: além de gravações avulsas, como a de Manuela de Freitas e Mário Viegas ora apresentada, temos conhecimento de quatro discos integralmente bocageanos: um por Andrade e Silva ("Sonetos Eróticos de Bocage", Estúdio/Mundisom, 1974); outro por José Carlos Ary dos Santos ("Bocage: Líricas e Sátiras", Guilda da Música/Sassetti, 1975, reed. CNM, 2004, 2011); outro por Carlos César e Célia David, com música de Rui Serôdio ("Sonetos de Bocage", Som da Cultura/Ruquisom, 1996); e outro ainda por José Luís Nobre, com música de Rui Serôdio ("Perscrutando a Inquietude: 40 Poemas de Bocage", Centro de Estudos Bocageanos/JGC, 2007).



Epigrama



Poema de Bocage ("Epigrama Imitado", in "Rimas de Manoel Maria de Barbosa du Bocage, Dedicadas à Amizade", Tomo II, Lisboa: Na Officina de Simão Thaddeo Ferreira, 1802 – p. 244; "Fábulas de Bocage", Ilustrações de Julião Machado, Lisboa: Imp. de Libanio da Silva, 1905, 4.ª edição, Setúbal: Centro de Estudos Bocageanos, 2000; "Obras Completas de Bocage: Sonetos, Sátiras, Odes, Epístolas, Idílios, Apólogos, Cantatas e Elegias", Tomo I, Organização, fixação do texto e notas de Daniel Pires, Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2018 – p. 494)
Recitado por Manuela de Freitas e Mário Viegas* (in LP/CD "Poemas de Bibe: Grande Poesia Portuguesa Escolhida para os Mais Pequenos", UPAV, 1990, reed. Público, 2006)


Levando um velho avarento
Uma pedrada n'um olho,
Pôs-se-lhe no mesmo instante
Tamanho como um repolho.

Certo doutor, não das dúzias,
Mas sim médico perfeito,
Dez moedas lhe pedia
Para o livrar do defeito.

«Dez moedas! (Diz o avaro)
Meu sangue não desperdiço:
Dez moedas por um olho!
O outro dou eu por isso.»


Nota: «Baseado no poema de Beaugeard «Un harpagon, en courant par la ville» (Daniel Pires).

* Manuela de Freitas e Mário Viegas – vozes

Produção – José Mário Branco e António José Martins
Gravado no Angel Studio, Lisboa, em 2, 6, 7 e 8 de Outubro de 1990
Engenheiro de som – José Manuel Fortes
Remasterização – José António Regada
URL: https://pt.wikipedia.org/wiki/Manuela_de_Freitas
https://cinemaportuguesmemoriale.pt/Pessoas/id/8933/t/manuela-de-freitas
https://www.museudofado.pt/fado/personalidade/manuela-de-freitas
https://www.youtube.com/@DoTempoDosSonhos/videos?query=manuela+freitas

https://pt.wikipedia.org/wiki/M%C3%A1rio_Viegas
https://www.infopedia.pt/$mario-viegas
https://cinemaportuguesmemoriale.pt/Pessoas/id/10013/t/mario-viegas
https://www.youtube.com/@DoTempoDosSonhos/videos?query=mario+viegas



Velho Avarento



Poema: Bocage ("Epigrama Imitado", in "Rimas de Manoel Maria de Barbosa du Bocage, Dedicadas à Amizade", Tomo II, Lisboa: Na Officina de Simão Thaddeo Ferreira, 1802 – p. 244; "Fábulas de Bocage", Ilustrações de Julião Machado, Lisboa: Imp. de Libanio da Silva, 1905, 4.ª edição, Setúbal: Centro de Estudos Bocageanos, 2000; "Obras Completas de Bocage: Sonetos, Sátiras, Odes, Epístolas, Idílios, Apólogos, Cantatas e Elegias", Tomo I, Organização, fixação do texto e notas de Daniel Pires, Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2018 – p. 494)
Música: José Castro e Pedro Castro
Intérprete: Petrus Castrus* (in LP "Mestre", Guilda da Música/Sassetti, 1973, reed. CNM, 2007)



Levando um velho avarento
Uma pedrada n'um olho,
Pôs-se-lhe no mesmo instante
Tamanho como um repolho.

Certo doutor, não das dúzias,
Mas sim médico perfeito,
Dez moedas lhe pedia
Para o livrar do defeito.

«Dez moedas!
Meu sangue não desperdiço.
Dez moedas por um olho!
O outro dou eu por isso.»


* [Créditos gerais do disco:]
Petrus Castrus:
Pedro Castro – viola baixo, guitarras acústicas, voz, kazoo
José Castro – piano, xilofone, voz
Rui Reis – piano, órgão, cravo
Júlio Pereira – viola solo, baixo
João Seixas – bateria, percussão

Gravado no Strawberry Studio, Chateau d'Hérouville (perto de Paris), em Novembro de 1972
Técnico de som – Gilles Sallé
Texto sobre o disco em: Grandes discos da música portuguesa: efemérides em 2008 e O Barrete
URL: https://pt.wikipedia.org/wiki/Petrus_Castrus
https://www.facebook.com/PetrusCastrus/
https://www.youtube.com/PetrusCastrus
https://music.youtube.com/channel/UCT7RU0zrVMWwzIq7N9qpf3Q



Frontispício do livro "Rimas de Manoel Maria de Barbosa du Bocage, Dedicadas à Amizade", Tomo II (Lisboa: Na Officina de Simão Thaddeo Ferreira, 1802)



Capa da 1.ª edição do livro "Fábulas de Bocage", ilustrações de Julião Machado (Lisboa: Imp. de Libanio da Silva, 1905)



Capa da 4.ª edição do livro "Fábulas de Bocage", ilustrações de Julião Machado, introdução e actualização de texto: Daniel Pires (Setúbal: Centro de Estudos Bocageanos, 2000)



Capa do livro "Obras Completas de Bocage: Sonetos, Sátiras, Odes, Epístolas, Idílios, Apólogos, Cantatas e Elegias", Tomo I, Organização, fixação do texto e notas de Daniel Pires (Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, Dez. 2018)



Capa do LP/CD "Poemas de Bibe: Grande Poesia Portuguesa Escolhida para os Mais Pequenos", de Mário Viegas e Manuela de Freitas (UPAV, 1990)
Fotografia – Rui Cunha



Capa do livro (com CD) "Poemas de Bibe", vol. 10 da "Discografia Completa" de Mário Viegas ("Público", 2006)
Fotografia – Rui Cunha
Design gráfico – José Santa-Bárbara



Capa do LP "Mestre", do grupo Petrus Castrus (Guilda da Música/Sassetti, 1973)
Fotografia – Armando Vidal (alto-relevo representando um Tritão mitológico sobre a Porta dos Corais, no Palácio da Pena, Sintra) [mais informação em: https://www.parquesdesintra.pt]
Concepção/grafismo – José Soares.

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Outro artigo com poesia recitada por Manuela de Freitas:
A infância e a música portuguesa

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Outros artigos com poesia recitada por Mário Viegas:
Mário Viegas: 10 anos de saudade
A infância e a música portuguesa
Jorge de Sena: "Carta a Meus Filhos sobre os Fuzilamentos de Goya", por Mário Viegas
Ser Poeta
Em memória de António Ramos Rosa (1924-2013)
Celebrando Vinicius de Moraes
Em memória de Herberto Helder (1930-2015)
Celebrando Eugénio de Andrade
Fernando Pessoa/Álvaro de Campos: "Dois Excertos de Odes", por Mário Viegas
Cesário Verde: "De Tarde"
Cesário Verde por Mário Viegas
Camilo Pessanha: "Singra o navio", por Mário Viegas
Manuel Alegre: "País de Abril", por Mário Viegas
Pablo Neruda: "Ode ao Pão", por Mário Viegas
Alexandre O'Neill: "Periclitam os grilos", por Mário Viegas