14 fevereiro 2011

"Lugar ao Sul" mutilado, não! (II)

Como não estou disposto a sacrificar o meu merecido descanso na madrugada de sábado por causa dos caprichos do sr. Rui Pêgo, a forma que arranjei de ouvir o "Lugar ao Sul" a horas decentes foi a gravação pré-programada. Assim, fico com o programa imediatamente disponível para audição sem necessidade de estar à espera que seja colocado online. Com tal expediente, posso dar-me ao luxo de começar o meu sábado às 09:00 com o "Lugar ao Sul", continuando a cumprir um ritual salutar (para a mente e para o corpo) de há muitos anos, mau grado os cortes das secções musicais e das conversas que vem sendo praticadas e contra as quais já tive oportunidade de me insurgir. A edição de sábado passado começou com uma interessantíssima conversa com o apicultor António Garrido (nas imediações da Barragem do Roxo, concelho de Aljustrel). Terminada a conversa que durou 27 minutos (quero acreditar que desta vez não mexeram na recolha e apenas suprimiram as secções de música de disco anteriores e posteriores àquela), surge em antena a sra. Cláudia Almeida a introduzir a gravação que se seguiria, dizendo que iríamos rumar até ao Museu de Silves, que se encontra instalado na alcáçova do castelo mouro. Após a observação parola e perfeitamente dispensável proferida pela citada Cláudia Almeida («Não desligue o rádio! É tudo o "Lugar ao Sul", de Rafael Correia...»), começa a ser transmitida uma das tais secções de música de disco com que o emérito realizador obsequiava o seu auditório em jeito de ilustração das conversas de campo. Amélia Muge, Brigada Victor Jara, GNR, Mler Ife Dada, Trovante e Luís Cília foram os artistas que desfilaram interpretando temas em que se alude a castelos velhos, a mouros (mouras) e a cerveja. Não é imediatamente apreensível a que propósito vem a cerveja, no contexto, sabendo-se que aquela bebida, tão apreciada por germânicos e anglo-saxões, não faz parte da tradição gastronómica mediterrânica e – não menos importante – que o Corão proíbe a ingestão de bebidas alcoólicas. A hipótese que me surgiu foi a de que a cerveja terá vindo à baila, na conversa que Rafael Correia manteve com o seu interlocutor, por qualquer outra razão totalmente alheia aos mouros que, há mais de sete séculos, residiram no castelo de Silves: talvez a realização, nos inícios dos anos 90 do séc. XX, de algum festival de cerveja no monumento. Bem, estava eu todo contente por desta vez não terem suprimido as músicas de disco e com o apetite aguçado para a conversa que se seguiria, que me daria a resposta para o repertório alusivo à cerveja, quando, logo depois do romance "D. Sancho", cantado por Luís Cília, surge novamente em antena a sra. Cláudia Almeida, com estas palavras: «"Lugar ao Sul", de Rafael Correia, de novo no ar com histórias de outros tempos e de um outro país. Mas, acima de tudo, a alma de um Senhor que constrói, com a conversa e o som em volta, a identidade de um povo. Daqui a uma semana, mais histórias do "Lugar ao Sul"». E o programa acabou. Eu nem queria acreditar no que estava a ouvir. Quer dizer: até agora apresentavam duas conversas (ainda que uma delas ou as duas sujeitas a amputações) e hoje, depois de uma conversa totalmente despida das músicas de disco que a envolviam, resolvem preencher o tempo que faltava para completar a emissão com o preâmbulo musical de uma outra conversa, mas sem a própria conversa!? É de bradar aos céus! É assim, com procedimentos mais próprios de curiosos e de amadores, que agora se trabalha na estação de rádio que devia ser uma referência e um exemplo de profissionalismo? A sra. Cláudia Almeida não tem, com certeza, a mais pequena noção das barbaridades que anda a fazer com o fabuloso acervo fonográfico de Rafael Correia. Por conseguinte, não será a ela que teremos de pedir as maiores responsabilidades, mas a quem tomou a decisão, leviana e irresponsável, de lhe atribuir uma função para a qual não está definitivamente talhada.
Os admiradores de Rafael Correia e todas as pessoas dotadas de sensibilidade para apreciar a sua arte de fazer rádio com os sons da terra voltam a clamar a quem de direito: «"Lugar ao Sul" mutilado, não!»


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