No texto anterior referi o procedimento incorrecto e indesejável que é a supressão da música de disco na reposição, recentemente iniciada, do programa "Lugar ao Sul". A audição da segunda emissão deu para perceber que a mutilação são se fica por aí: afecta também as gravações de campo. Achando a conversa com o frade António Maria, da Cartuxa de Évora, extremamente curta, disse para os meus botões: «Já?! Nunca uma conversa de Rafael Correia com os seus interlocutores durou tão pouco tempo.» Dei-me então ao cuidado de ir fazer a contagem do tempo e deu uns escassos 12 minutos. Não é possível! A minha experiência como ouvinte do programa diz-me que a conversas duravam, em média, 35 minutos. Nunca 12 minutos. Houve ali claramente uma amputação. Vendo bem as coisas, meter duas recolhas, com cerca de 35 minutos cada, num período de 50 minutos, só seria possível com cortes, se não em ambas as recolhas, pelo menos numa delas. Desta vez, a sacrificada foi a conversa na Cartuxa de Évora. E outras se seguirão inevitavelmente se se quiser continuar com a ideia peregrina de enfiar duas edições no tempo de uma só. Ora isto é totalmente inaceitável. Quem me garante a mim que a parte da conversa que foi suprimida não é tão ou mais importante que a que foi transmitida? Eu tenho a ideia de ouvir a referida emissão nos anos 90 e, se a memória me não atraiçoa, creio que se falou a dado passo de Aristóteles. Havia ali, portanto, matéria de relevante interesse que foi barbaramente sonegada ao auditório. Eu falo enquanto ouvinte, mas há que não esquecer a posição do autor. Será que Rafael Correia deu autorização para que os seus registos fossem mutilados, a bel-prazer de uma qualquer funcionária da RDP, que muito provavelmente não percebe patavina de antropologia ou de etnologia? Não acredito, sinceramente. Por conseguinte, estamos em presença de um acto flagrante de vandalismo cultural à obra de um autor. Algum pintor aceitaria que um conservador de museu pegasse num dos seus quadros e o recortasse, passando a expor apenas o bocado alegadamente mais agradável à vista e escondendo nas reservas a parte considerada menos interessante? Não! A obra vale como um todo e é assim que deve ser fruída pelo público. O criador é a única pessoa que tem legitimidade para retocar ou modificar a sua obra de arte. E digo "obra de arte" de propósito porque é efectivamente disso que se trata quando falamos do programa de Rafael Correia. Obra de arte radiofónica, bem entendido.
Posto isto, apelo a quem de direito no sentido do "Lugar ao Sul" deixar de ser mutilado. Os fiéis ouvintes do programa fazem questão de o saborear na íntegra (conversas e músicas) e não em forma condensada à maneira das Selecções do Reader's Digest. Apetece parafrasear Ary dos Santos: "Lugar ao Sul" castrado, não!
P.S.: Embora não sendo latinista, julgo que a expressão "Scala Coeli" ("Escada do Céu" ou "Escada Celeste") se pronuncia "Scala Celi" e não "Scala Coeli", como foi dito na nota introdutória pela sra. Cláudia Almeida. Enfim, mais um exemplo (a somar a tantos outros) da deficiente preparação cultural de parte do pessoal da R.T.P. (rádio e televisão) e da falta de rigor das cúpulas na sua admissão.
Já agora, uma pergunta: na empresa que todos financiamos para supostamente prestar serviço público não há controlo de qualidade dos programas pré-gravados? Pois é! Se houvesse, aquela calinada teria sido certamente detectada.
31 janeiro 2011
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