Não era só a voz o som a oitava
que ele queria sempre mais acima
nem sequer a palavra que nos dava
restituída ao tom de cada rima.
Era a tristeza dentro da alegria
era um fundo de festa na amargura
e a quase insuportável nostalgia
que trazia por dentro da ternura.
O corpo grande e a alma de menino
trazia no olhar aquele assombro
de quem queria caber e não cabia.
Os pés fora do berço e do destino
alguém o viu partir de viola ao ombro.
Era Outubro em Avintes. E chovia.
(Manuel Alegre)
ADRIANO Maria CORREIA Gomes DE OLIVEIRA nasceu no Porto, a 9 de Abril de 1942. Filho primogénito de Joaquim Gomes de Oliveira, agricultor, e de Laura Correia, doméstica, Adriano passa a infância na Quinta de Porcas, em Avintes (concelho de Vila Nova de Gaia). Em Avintes faz a instrução primária e, depois, no Porto, o curso dos liceus no Colégio Almeida Garrett e no Liceu Alexandre Herculano. É ainda em Avintes que se inicia no teatro amador e colabora na fundação da União Académica de Avintes. Inicia-se também na prática do voleibol – beneficiando dos seus dotes atléticos e da sua altura – vindo mais tarde, já em Coimbra, a ser campeão nacional da modalidade. Em Outubro de 1959, aos 17 anos de idade, matricula-se na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, mas nunca chegará a concluir o curso.
Passa a desenvolver grande actividade nos organismos estudantis da academia: canta e é solista no Orfeão Académico, fez parte do Grupo Universitário de Danças Regionais e integra o CITAC (Círculo de Iniciação Teatral da Academia de Coimbra) onde representa várias peças. A sua primeira ambição musical, ainda caloiro, é tocar viola eléctrica no Conjunto Ligeiro da Tuna Académica, do qual faziam parte José Niza, Daniel Proença de Carvalho, Rui Ressurreição, Joaquim Caixeiro, entre outros. Como José Niza já ocupava o lugar de guitarrista, Adriano abandona a ideia e dedica-se ao canto, iniciando-se naturalmente pelo fado de Coimbra. Nessa altura vivia-se em Coimbra uma das fases mais ricas da canção feita pelos estudantes. Depois da época áurea – anos 30 – protagonizada por nomes como António Menano, Francisco Menano, Edmundo Bettencourt e Artur Paredes, os anos 50 e 60 conduziram a canção coimbrã ao mais alto nível com vozes como Luiz Goes, Fernando Machado Soares e José Afonso e guitarristas como António Brojo, Eduardo Melo, Jorge Tuna, Jorge Godinho e António Portugal.
Adriano, embora não tendo sido contemporâneo, nos estudos, dos cantores referidos, conviveu com eles, sobretudo com José Afonso e Fernando Machado Soares, os quais, embora já fora de Coimbra, continuavam a manter uma ligação muito estreita com a vida académica e a influenciar os cantores estudantes dos anos
60, dos quais Adriano era companheiro: Barros Madeira, Lacerda e Megre, Sousa Pereira, Vítor Nunes, José Mesquita, José Miguel Baptista, António Bernardino e outros.
Sobre a Coimbra desses anos 60, escreve Manuel Alegre: «Vivia-se, então, quando ele [Adriano] chegou a Coimbra, um tempo de grande tensão histórica e de grande tensão interior, um tempo de impulso e de pulsão, de mudança e mutação. Algo mudara no nosso viver colectivo. Algo mudara dentro de cada um de nós. Era um tempo pejado de apelos e sinais, carregado de perigos e angústias, um tempo prenhe de coisas novas, por vezes indistintas e confusas, mas que buscavam o seu rosto e a sua forma. Ruíam tabus e mitos, levantavam-se barreiras, apertava-se a mordaça e reforçava-se a repressão, mas algo estava em marcha, algo que nenhuma censura e nenhuma polícia podiam travar: era uma nova consciência que despontava, uma energia que pulsava naquela geração sobre que se abatia, por um lado o endurecimento da ditadura salazarista, por outro o espectro cada vez mais próximo da guerra de África. Ao mesmo tempo chegavam a Coimbra ecos e notícias da luta libertadora de outros povos e também da tomada do paquete Santa Maria por Henrique Galvão, do ataque ao quartel de Beja, de manifestações e greves em Lisboa e Alentejo. E já por Coimbra tinha passado o vendaval da candidatura presidencial de Humberto Delgado, bem como a revolta da Academia contra o decreto 40.900 que visava a liquidação da tradicional autonomia das associações estudantis e, no caso particular de Coimbra, da Associação Académica. Tal como noutras épocas decisivas (recordo as gerações de Garrett e de Antero), o sopro do tempo, a corrente das ideias, o próprio fluir da História tinham chegado e provocavam um fervilhar de iniciativas, buscas, enfim, uma extrema tensão geradora duma nova mentalidade e duma nova maneira de ser. Foi nessa Coimbra que Adriano desembarcou. Trazia consigo uma grande generosidade e aquela dose de inocência que nunca haveria de perder. Não sei como, talvez por acaso, ou talvez não (não estará o Acaso, afinal, ma origem de tudo?), começou a aparecer por minha casa onde já se juntavam, entre outros, o António Portugal, o José Afonso, o Rui Pato. Descobrimos então o timbre inconfundível da voz de Adriano e também essa sua conhecida pretensão, que nunca perderia e haveria de provocar infindáveis discussões com o António Portugal, de cantar uma oitava acima de Edmundo de Bettencourt».
Com grande sensibilidade para a poesia e para a música popular, dotado de um timbre de voz único e de uma rara expressão em tudo o que interpretava, Adriano, em 1960 – um ano depois de chegar a Coimbra –, grava o seu primeiro disco, um EP com o título "Noite de Coimbra" para a editora Orfeu, de Arnaldo Trindade. O disco inclui quatro temas: "Fado da Mentira" (letra e música de António Menano), "Balada dos Sinos" (letra e música de Eduardo Melo), "Canta Coração" (letra de Eduardo Melo e música do próprio Adriano) e "Chula" (música de António Portugal). Os três primeiros temas tem acompanhamento de António Portugal e Eduardo Melo (guitarras), Durval Moreirinhas e Jorge Moutinho (violas), sendo o último um instrumental de António Portugal. Nos anos de 1961 e 1962 grava mais três EP com fados de Coimbra. Diz Paulo Sucena: «Foram os fados, na verdade, que ensinaram o jovem Adriano a colocar a voz, a respirar nos tempos certos, a atacar, a segurar ou a esvanecer as sílabas musicais, a valorizar fonológica e semanticamente os matizes das palavras, enfim, a dar aos receptores um canto limpo, verbal e musicalmente.»
Participando de corpo inteiro, e de alma e coração, na vida estudantil do início dos anos 60, e na contestação do regime político – que culminou com a greve de 1962 – Adriano cedo se apercebe que a canção era uma forma de intervenção política de grande eficácia. E foi assim que, em plena ditadura, teve a coragem de cantar textos que mais ninguém cantou e que – tal como os de José Afonso – contribuíram para corroer o regime salazarista/marcelista, o mesmo é dizer, para a criação das condições que levariam ao 25 de Abril de 1974. Em 1963, grava o EP "Trova do Vento Que Passa", que além do tema título inclui "Pensamento", "Capa Negra, Rosa Negra" e "Trova do Amor Lusíada" (poemas de Manuel Alegre e composições de António Portugal). António Portugal e Rui Pato são os acompanhantes à guitarra e à viola, respectivamente. A "Trova do Vento Que Passa" (Há sempre alguém que resiste / há sempre alguém que diz não) torna-se rapidamente um dos maiores hinos de resistência e de contestação ao regime ditatorial, a par de "Os Vampiros" de José Afonso, gravado no mesmo ano. Conta o próprio Manuel Alegre: «Por essa altura, andava eu a descobrir a poesia trovadoresca. Encantara-me precisamente o saber oficinal dos poetas-trovadores e a quase inigualável perfeição de algumas cantigas de amor e de amigo. Encantava-me a tal difícil simplicidade de algumas delas. Eram trovas e cantigas que tinham uma música lá dentro e quase se podiam assobiar. (...) E assim nasceram as Trovas. Nasceram por assim dizer quase naturalmente. Estavam na voz do Adriano, na guitarra do António Portugal, no ar novo que se respirava e vivia em Coimbra. Não mais a capa velhinha, feita mortalha para a sepultura. Havia que cantar a capa transformada em bandeira de luta e liberdade. Eram Trovas que os estudantes cantavam em coro. Trovas que já não eram apenas de Coimbra mas de todo o movimento estudantil português». A seguir, Adriano grava mais três EP: "Lira" (1964), "Menina dos Olhos Tristes" (1964) e "Elegia" (1967), marcados pelas duas vertentes que orientarão a sua obra: a canção popular portuguesa, por um lado, e a poesia criada pelos grandes poetas, por outro. Destes discos merecem destaque duas belas baladas em que se denuncia a guerra colonial: "Menina dos Olhos Tristes" (com poema de Reinaldo Ferreira - O soldadinho não volta / do outro lado do mar / O soldadinho já volta / está mesmo quase a chegar / Vem numa caixa de pinho / do outro lado do mar) e "Barcas Novas" (com poema de Fiama Hasse Pais Brandão - De Lisboa sobre o mar / Barcas novas são mandadas / Barcas novas levam guerra / Sobre o mar com suas armas).
Em 1964, Adriano viaja até Paris onde conhece Luís Cília, que permanecerá outra das suas grandes referências e que para ele compõe a música de três temas incluídos no LP "Margem Sul" (1967): "Canção Terceira" (com poema de Manuel Alegre), "Sou Barco" (com poema de Borges Coelho) e "Exílio" (com poema de Manuel Alegre). Deste belo álbum, que conta com as participações de António Portugal (guitarra) e Rui Pato (viola), merecem ainda destaque os temas "Rosa de Sangue" (com poema de António Ferreira Guedes e música de Adriano), "Margem Sul" (com poema de Urbano Tavares Rodrigues e música de Adriano), "Rosa dos Ventos Perdida", (com poema de António Ferreira Guedes e música de Adriano) e "Pedro Soldado" (com poema de Manuel Alegre e música de Adriano).
Sempre activo na vida académica, não tardará a trocar o desporto (sagrara-se campeão nacional de voleibol pela Académica) pelo crescimento envolvimento na luta política. A crise académica de 1969, porém já não o encontrará na cidade do Mondego. Quando lhe falta apenas uma cadeira para terminar o curso de Direito, em 1966, Adriano, já casado com Maria Matilde Leite (de quem terá dois filhos, Isabel e José Manuel), troca Coimbra por Lisboa, para onde pedira transferência de matrícula. Trabalha no gabinete de imprensa da FIL (Feira Internacional de Lisboa) e é produtor da editora onde sempre gravou, a Orfeu. Em 1967, é mobilizado para o serviço militar, sendo incorporado na Escola Prática de Infantaria de Mafra. Será depois transferido para Escola Prática de Cavalaria de Santarém e, por fim, para o Quartel da Ajuda, em Lisboa, de onde sai em 1970.
Em Julho de 1969, afirma à revista Flama: «O que eu pretendo fazer é, honestamente, tentar um caminho, que não seja o único, de renovar a música portuguesa, dando às pessoas algo mais que as "chachadas" alienatórias que por aí se cantam». E concretizando as suas palavras, no último dia do mesmo mês, Adriano tem a grande ousadia de gravar "O Canto e as Armas", um álbum quase integralmente dedicado à poesia de Manuel Alegre, que se encontrava exilado em Argel e quando o próprio Adriano cumpria o serviço militar. Todos os temas, à excepção de "Canto da Nossa Tristeza" (música de Luís Filipe Colaço), foram compostos pelo próprio Adriano e têm acompanhamento à viola de Rui Pato, que também assina alguns arranjos. Baladas como "Raiz", "E a Carne se Fez Verbo", "Peregrinação", "Trova do Vento Que Passa n.º 2" e "As Mãos" rapidamente se tornam hinos de resistência ao Estado Novo. "O Canto e as Armas" é assim uma premonição do que viria a passar-se cinco anos depois na madrugada de 25 de Abril: o canto de Adriano e as armas de Salgueiro Maia, ambos com raízes na Escola Prática de Cavalaria de Santarém, seriam decisivos para a restauração da democracia e da liberdade em Portugal. Ainda em 1969, Adriano é distinguido com o Prémio Pozal Domingues.
Em 1970, grava o LP "Cantaremos", outro dos álbuns fundamentais da sua discografia, no qual inicia a colaboração com José Niza de que resultarão alguns dos mais belos temas do seu repertório. Este disco inclui temas tão emblemáticos como "Cantar de Emigração" (com poema da galega Rosalía de Castro e música de José Niza), "Fala do Homem Nascido" (com poema de António Gedeão e música de José Niza), "Lágrima de Preta" (com poema de António Gedeão e música de José Niza), "Canção com Lágrimas" (com poema de Manuel Alegre e música de Adriano) e "Como Hei-de Amar Serenamente" (com poema de Fernando Assis Pacheco e música de Adriano). Os instrumentistas foram Rui Pato (viola, viola baixo e viola de 12 cordas) e Tiago Velez (flauta, em "Cantar de Emigração" e "Lágrima de Preta"). Contou ainda com a colaboração de Carlos Alberto Moniz nos arranjos dos temas populares açorianos ("O Sol Perguntou à Lua" e "Sapateia") e de "Canção Para o Meu Amor Não se Perder no Mercado da Concorrência" (poema de Manuel Alegre e música de Adriano).
Em Outubro de 1971, edita o LP "Gente de Aqui e de Agora", sendo a totalidade das músicas da autoria de José Niza, que as compôs no norte de Angola, durante a Guerra Colonial, onde cumpria o serviço militar como alferes-médico. O álbum, gravado nos Estúdios Polysom, sob a supervisão técnica de Moreno Pinto, inclui um poema de Fernando Assis Pacheco na contracapa e 10 canções no alinhamento, entre as quais "Emigração" (com poema do galego Manuel Curro Enríquez), "E Alegre se Fez Triste" (com poema de Manuel Alegre), "O Senhor Morgado" (com poema de Conde de Monsaraz), "Cana Verde" (com poema de Fernando Miguel Bernardes), "A Vila de Alvito" (com poema de Raul de Carvalho), "Canção Tão Simples" (com poema de Manuel Alegre), "Roseira Brava" (com poema de António Ferreira Guedes) e "História do Quadrilheiro Manuel Domingos Louzeiro" (com poema de António Aleixo). Este álbum representa ainda o início de uma nova fase na obra de Adriano, caracterizada por maiores exigências de natureza estético-musical, por um tratamento mais apurado dos acompanhamentos e arranjos e por uma pesquisa e escolha poética mais exaustiva e diversificada. É o próprio Adriano que, em entrevista a Vieira da Silva (Mundo da Canção, 1971), explicita: «Este disco é um passo enorme em frente. Em todos os aspectos: instrumentação, construção musical (que pertence a José Niza), vocalização (onde houve um trabalho muito mais cuidado do que anteriormente na técnica de cantar). Demorou mais tempo a realizar do que normalmente, porque valia a pena, porque eu sabia que estávamos a trabalhar no caminho certo e com segurança. Com segurança graças exactamente à direcção do José Niza que me podia apontar quando as coisas estavam certas ou não». Neste álbum, Adriano canta pela primeira vez com acompanhamento de orquestras, dirigidas por José Calvário (em "E Alegre se Fez Triste", o primeiro arranjo do maestro, então com vinte anos) e por Thilo Krassman (em "Cantiga de Amigo"), e por pequenos conjuntos instrumentais: viola (José Niza), piano e acordeão (Rui Ressurreição), baixo e harmónica (Thilo Krassman), bateria (José Eduardo L. Cardoso).
Até à queda da ditadura, Adriano não gravará mais discos porque se recusa a enviar os textos à Comissão de Censura. Nesse período saem alguns EP com temas dos álbuns anteriores e um LP intitulado "Fados de Coimbra" (1973) que reúne os fados dos três primeiros EP (editados em 1960 e 1961).
Em 1975, em pleno PREC, Adriano edita o LP "Que Nunca Mais", no qual musica e interpreta nove poemas de Manuel da Fonseca, corolário do trabalho que desenvolvera durante os últimos anos da ditadura. O álbum, gravado nos estúdios da Rádio Triunfo, por José Manuel Fortes, tem a direcção musical e arranjos de Fausto Bordalo Dias e conta com participação musical do próprio Fausto (guitarra acústica, percussão, kazu, coros), Júlio Pereira (guitarra solo, baixo, piano, órgão, bandolim, buzuki, cadeira, coros), Zau e Pantera (percussões), José Luís Simões (trombones de varas), Vitorino Salomé (acordeão) e Carlos Paredes (guitarra portuguesa). O alinhamento começa com "Tejo Que Levas as Águas", cuja letra (vide abaixo), passadas mais de três décadas sobre a Revolução dos Cravos, readquiriu uma surpreendente e preocupante actualidade. O álbum vale a Adriano Correia de Oliveira o Prémio de Melhor Artista do Ano atribuído pela revista britânica "Music Week".
A partir de 1975, Adriano não pára de cantar, quer em Portugal, quer no estrangeiro o que, naturalmente, lhe retira tempo para preparar novas gravações. Quer antes, quer depois do 25 de Abril, pode dizer-se que não existe sítio em Portugal onde Adriano não tenha cantado, a maioria das vezes sem as mínimas condições logísticas e técnicas e sem qualquer compensação monetária. E, por isso, morreu pobre, conta José Niza. Gravará apenas mais dois discos: em 1978, um single intitulado "Notícias d’Abril", com duas composições suas sobre poemas de Alfredo Vieira de Sousa ("Se Vossa Excelência... " e "Em Trás-os-Montes à Tarde"); e em 1980, um álbum de título genérico "Cantigas Portuguesas", em que Adriano retoma e aprofunda a exploração do nosso riquíssimo cancioneiro tradicional que havia iniciado nos anos 60. Os arranjos e a direcção musical são mais uma vez de Fausto Bordalo Dias e entre os instrumentistas contam-se o próprio Fausto e Pedro Caldeira Cabral.
Fiel ao espírito de grupo que sempre o animou, Adriano Correia de Oliveira é, em 1979, um dos fundadores da CantarAbril, cooperativa de músicos ligada ao Partido Comunista Português. Decorridos dois anos, será alvo de um processo pouco digno para a direcção da cooperativa que, pura e simplesmente, decide expulsá-lo. Motivo invocado: uma alegada dívida de 40 contos e a «inadaptação de Adriano à perspectiva mercantilista de mercado». Alguns dos seus colegas de ofício como Luís Cília, Fausto e José Afonso solidarizam-se com ele. A saúde do cantor já está consideravelmente degradada devido ao consumo imoderado de álcool. As suas actuações no último ano de vida, nomeadamente num concerto de apoio aos jornalistas da ANOP, ameaçados de desemprego, são fortemente afectadas por esse problema. A cooperativa ia endossando os convites dirigidos a Adriano para outros cantores da casa. Na altura em que mais precisava de apoio e de ajuda, Adriano vê-se abandonado e atraiçoado por muitos dos seus antigos companheiros de luta. Dois anos mais tarde, numa sessão assinalando o primeiro ano sobre a morte de Adriano Correia de Oliveira, na presença de vários membros da Cantarabril, o jornalista Júlio Pinto, também ex-militante do PCP, acusa de assassinos os que o expulsaram da cooperativa. Adriano seria depois recebido na cooperativa Era Nova, ligada a cantores próximos da extrema-esquerda, como Fausto e José Mário Branco. Mas já de pouco lhe serviu. Morre a 16 de Outubro de 1982, em Avintes, nos braços da mãe, vítima de uma hemorragia no esófago. Tinha 40 anos de idade e deixa vários projectos por realizar, designadamente uma regravação dos seus temas mais antigos.
No ano seguinte, a Orfeu lança um LP duplo contendo 22 temas intitulada "Memória de Adriano" (reeditado em CD pela Movieplay, em 1992). Em 1994, a Movieplay publica a sua "Obra Completa", numa caixa com 7 CDs (organizados tematicamente por José Niza) acompanhados de um livrinho com textos de Manuel Alegre, Paulo Sucena e José Niza. Ainda em 1994, a mesma editora lança uma compilação de 18 temas do cantor, na série "O Melhor dos Melhores". Posteriormente, alguns dos álbuns originais como "O Canto e as armas", "Cantaremos", "Gente de Aqui e de Agora" e "Que Nunca Mais" são também editados em CD.
«A voz do Adriano era uma voz alegre e triste. Solidária e solitária, havia nela ternura e mágoa, esperança e desesperança, amparo e desamparo, festa e luta. E também saudade e fraternidade. Nenhuma outra voz portuguesa, com excepção das de Amália Rodrigues e José Afonso, está tão carregada desse não sei quê antigo que trazemos no sangue, como o apelo do mar e o amor da terra, como a toada e o tom do nosso próprio ser, do seu ritmo secreto, da sua música primordial. Voz de Fado e de destino, herança talvez do mouro e do celta que nos habitam, a voz de Adriano tinha também o masculino apelo do rebate e do combate. Era uma voz que precisava de poesia e de que a poesia precisava», escreve Manuel Alegre. E acrescenta: «Sem a voz de Adriano, muitos dos poemas que os poetas escreveram não teriam chegado onde chegaram. Foi pela sua voz que eles chegaram ao povo e ao país inteiro, a tal ponto que alguns desses poemas deixaram de ter autor para passarem a fazer parte da nossa memória comum e do nosso canto colectivo».
Contudo, os media portuguesas, sobretudo a rádio, muito pouco têm feito em prol da memória de Adriano Correia de Oliveira. Apesar de estar totalmente publicada em CD, a sua riquíssima obra tem sido alvo de um silenciamento, a todos os títulos criminoso, principalmente por estar a ser negada aos mais jovens a oportunidade de tomarem conhecimento do legado de um dos compositores / intérpretes superlativos da música portuguesa de sempre. Em Maio de 2006, lavrei o meu protesto pelo que se estava a passar na rádio pública, designadamente na Antena 1 mas, infelizmente, e apesar de ter enviado uma cópia do texto aos altos responsáveis da estação pública, constato com mágoa e revolta que o grande cantor continua arredado dos alinhamentos de continuidade ("playlists"). Espero que no ano em que se comemoram os 65 anos do seu nascimento e se assinalam os 25 anos da morte, a direcção da RDP encabeçada por Rui Pêgo tenha a lucidez e a sapiência de corrigir a vergonhosa situação, mais própria de um país obscurantista e culturalmente atrasado. Foi também a pensar nisso que tomei a iniciativa de elaborar este texto.
Discografia:
- Noite de Coimbra (EP, Orfeu, 1960)
- Balada do Estudante (EP, Orfeu, 1961)
- Fados de Coimbra (EP, Orfeu, 1961)
- Fados de Coimbra (EP, Orfeu, 1962)
- Trova do Vento Que Passa (EP, Orfeu, 1963)
- Lira (EP, Orfeu, 1964)
- Menina dos Olhos Tristes (EP, Orfeu, 1964)
- Elegia (EP, Orfeu, 1967)
- Adriano Correia de Oliveira (LP, Orfeu, 1967)
- Margem Sul (LP, Orfeu, 1967)
- Adriano Correia de Oliveira (EP, Orfeu, 1968)
- Rosa de Sangue (EP, Orfeu, 1968)
- O Canto e as Armas (LP, Orfeu, 1969; CD, Movieplay, 1997)
- Cantaremos (LP, Orfeu, 1970; CD, Movieplay, 1999)
- Trova do Vento Que Passa nº. 2 (EP, Orfeu, 1971)
- Cantar de Emigração (EP, Orfeu, 1971)
- Gente de Aqui e de Agora (LP, Orfeu, 1971; CD, Movieplay, 1999)
- Batalha de Alcácer Quibir (EP, Orfeu, 1972)
- Lágrima de Preta (EP, Orfeu, 1972)
- O Senhor Morgado (EP, Orfeu, 1973)
- Fados de Coimbra (LP, Orfeu, 1973)
- A Vila de Alvito (EP, Orfeu, 1974)
- Que Nunca Mais (LP, Orfeu, 1975; CD, Movieplay, 1997)
- Para Rosalía (EP, Orfeu, 1976)
- Notícias d’Abril (Single, Orfeu, 1978)
- Cantigas Portuguesas (LP, Orfeu, 1980)
- Memória de Adriano (2LP, Orfeu, 1983; CD, Movieplay, 1992)
- Adriano Correia de Oliveira: O Melhor dos Melhores, vol. 40 (CD, Movieplay, 1994)
- Obra Completa (7CD, Movieplay, 1994)
1. Fados e Baladas de Coimbra
2. Cantigas Portuguesas
3. Trova do Vento Que Passa: Adriano Canta Manuel Alegre (I)
4. O Canto e as Armas: Adriano Canta Manuel Alegre (II)
5. Gente de Aqui e de Agora e Outras Canções: Adriano Canta José Niza
6. Que Nunca Mais: Adriano Canta Manuel da Fonseca
7. A Noite dos Poetas
- Adriano Correia de Oliveira: Clássicos da Renascença, vol. 28 (CD, Movieplay, 2000)
- Vinte Anos de Canções (CD, Movieplay, 2001)
Fontes:
- Literatura inclusa na discografia de Adriano Correia de Oliveira
- Enciclopédia da Música Ligeira Portuguesa, dir. Luís Pinheiro de Almeida e João Pinheiro de Almeida, Círculo de Leitores, 1998
- Página http://adriano.esenviseu.net/index.asp
Propostas para a 'playlist' da RDP-Antena 1 (e Antena 3):
(por ordem alfabética)
- A Batalha de Alcácer Quibir
- As Balas
- As Mãos
- Balada do Estudante
- Barcas Novas
- Cana Verde
- Canção da Beira Baixa
- Canção com Lágrimas
- Canção Para o Meu Amor Não se Perder no Mercado da Concorrência
- Canção Tão Simples
- Canção Terceira
- Cantar de Emigração
- Cantar Para Um Pastor
- Charama
- Deus te Salve, Rosa
- E o Bosque se Fez Barco
- Emigração
- Exílio
- Fala do Homem Nascido
- História do Quadrilheiro Manuel Domingos Louzeiro
- Lágrima de Preta
- Margem Sul
- Menina dos Olhos Tristes
- No Vale Escuro
- Pedro Soldado
- Pensamento - Peregrinação
- Pescador do Rio Triste
- Raiz
- Regresso
- Rosa dos Ventos Perdida
- Roseira Brava
- Rosinha
- Sapateia
- Sou Barco
- Tejo Que Levas as Águas
- Trova do Amor Lusíada
- Trova do Vento Que Passa
- Trova do Vento Que Passa n.º 2
- Tu e Eu Meu Amor
- Vira Velho
(todos os temas in "Obra Completa")
Tejo Que Levas as Águas
Poema: Manuel da Fonseca
Música e voz: Adriano Correia de Oliveira
Tejo que levas as águas
correndo de par em par
lava a cidade de mágoas
leva as mágoas para o mar
Lava-a de crimes espantos
de roubos, fomes, terrores,
lava a cidade de quantos
do ódio fingem amores
Leva nas águas as grades
de aço e silêncio forjadas
deixa soltar-se a verdade
das bocas amordaçadas
Lava bancos e empresas
dos comedores de dinheiro
que dos salários de tristeza
arrecadam lucro inteiro
Lava palácios, vivendas
casebres, bairros da lata
leva negócios e rendas
que a uns farta e a outros mata
Tejo que levas as águas
correndo de par em par
lava a cidade de mágoas
leva as mágoas para o mar
Lava avenidas de vícios
vielas de amores venais
lava albergues e hospícios
cadeias e hospitais
Afoga empenhos favores
vãs glórias, ocas palmas
leva o poder de uns senhores
que compram corpos e almas
Leva nas águas as grades
de aço e silêncio forjadas
deixa soltar-se a verdade
das bocas amordaçadas
Das camas de amor comprado
desata abraços de lodo
rostos, corpos destroçados
lava-os com sal e iodo
Tejo que levas as águas
correndo de par em par
lava a cidade de mágoas
leva as mágoas para o mar
O programa da RTP-1 "Grande Entrevista", da autoria de Judite de Sousa, geralmente emitido às quintas-feiras, logo após o Telejornal, é tido com um espaço sério e de referência na televisão pública. As figuras da política são a presença mais assídua, mas também têm sido contempladas – e muito bem – outras áreas da vida nacional, designadamente da economia, da ciência e da cultura. Manuel Sobrinho Simões, José Saramago e António Lobo Antunes contam-se as personalidades que já passaram pelo programa. Com figuras deste quilate, seria difícil de imaginar que no rol de entrevistados viesse a constar um tal Tony Carreira, um dos representantes da música ‘pimba’. O que é que terá levado a jornalista Judite de Sousa a convidar Tony Carreira? Não acredito que tenha sido por falta de gente digna de ser entrevistada e com interesse para os telespectadores, porque em Portugal (e não apenas em Lisboa e Porto) há muitas pessoas de mérito que teriam todo o cabimento no espaço de Judite de Sousa. Então como se explica a presença de um cantor ‘pimba’ num espaço com a dignidade da "Grande Entrevista"? Terá sido a popularidade do referido cantor junto de uma parte do público português? Se foi efectivamente esse o motivo, cumpre-me contestar a validade do critério e, ainda mais, num canal de serviço público. Isto porque a suposta popularidade ou visibilidade pública de uma determinada figura (e sem mais) jamais poderá ser aceite como um critério jornalístico suficientemente válido. Apesar de popular, será a música de Tony Carreira assim tão significativa para a cultura portuguesa que justifique uma entrevista de grande fôlego no serviço público de televisão, e ainda por cima num espaço da área da informação? Num programa de entretenimento, e embora não seja apreciador do género ‘pimba’, ainda estaria disposto a compreender a presença de Tony Carreira (ou de outros da mesma área musical). Nunca num espaço com o cariz da "Grande Entrevista", em que se que se esperaria que houvesse uma atitude mais rigorosa na ponderação do que possui um real e indiscutível valor informativo. E já agora, por que razão a jornalista Judite de Sousa (ou a direcção de informação) não convida também outros compositores/intérpretes como Luiz Goes, Fausto Bordalo Dias, Amélia Muge, Pedro Barroso ou Janita Salomé? Serão estes nomes menos importantes para o património musical português que o de Tony Carreira? Algo vai mal no serviço público de televisão!
É de murta e de mar a tua voz
Com algas de canção estrangulada.
Aberta a concha da trova malsofrida
Saíste como sai a madrugada
Da noite, virginal e humedecida.
É de vinho e de pinho a tua voz
Com pranto de insofríveis flores banidas.
Mas é pela tua garganta que soltamos
As eriçadas aves proibidas
Que no muro do medo desenhamos.
(Natália Correia – voz de Afonso Dias)
JOSÉ AFONSO, de nome completo José Manuel Cerqueira Afonso dos Santos, nasceu em Aveiro, a 2 de Agosto de 1929, filho de José Nepomuceno Afonso dos Santos, magistrado, e de Maria das Dores Dantas Cerqueira, professora primária. Em 1930 os pais vão para Novo Redondo (actual Sumbe), Angola, onde o pai havia sido colocado como Delegado do Ministério Público. Por razões de saúde, José Afonso permanece em Aveiro, na casa do Largo das Cinco Bicas, confiado à tia Gigé e ao tio Chico, um "republicano anticlerical e anti-sidonista". Por insistência da mãe, em 1932, e já com três anos e meio de idade, segue para Angola, no vapor Mouzinho, acompanhado por um tio advogado que ia em lua-de-mel, e que o deixa ao abandono vindo a agarrar-se a um sacerdote, a única pessoa que lhe presta atenção. Permanece três anos na antiga colónia portuguesa, e aí inicia a instrução primária. José Afonso diz que esta permanência em África deixou uma marca profunda na sua vida: «a África era uma coisa imensa, uma natureza inacessível que não tinha fim, contactos com fenómenos da natureza extremamente prepotentes como eram as grandes trovoadas, os gafanhotos, florestas, travessias de rios em barcaças, etc., etc. (...) A África como entidade física é uma coisa que pesou muito na minha vida e nas minhas recordações». Em 1936 regressa a Aveiro, passando a viver na casa de uma tia materna. No ano seguinte, com 8 anos de idade, vai de novo ao encontro dos pais e dos irmãos, agora em Moçambique, mais concretamente na cidade de Lourenço Marques (actual Maputo). Os irmãos serão uma presença forte na vida de José Afonso: João, mais velho, é uma figura próxima da estrutura do clã, que o apoiará em ocasiões difíceis um pouco ao longo de toda a sua vida; Mariazinha, mais nova, concitará os seus afectos, bem patentes nas cartas que lhe escreve. Regressa a Portugal, passados dois anos, desta vez para casa do tio Filomeno, presidente da Câmara Municipal de Belmonte. É nesta vila da Beira Baixa que Zeca conclui a quarta classe e prepara o exame de admissão ao liceu. O tio, salazarista convicto e comandante da Legião Portuguesa, fá-lo envergar a farda da Mocidade Portuguesa. «Foi o ano mais desgraçado da minha vida», confessaria Zeca mais tarde. Não obstante, é neste período que José Afonso toma contacto com as canções tradicionais que virão a ter uma grande importância na sua obra.Em 1940, com 11 anos de idade, vai para Coimbra para prosseguir os estudos ficando instalado em casa da tia Avrilete. É matriculado no Liceu D. João III (hoje Escola Secundária José Falcão) e aí conhece António Portugal e Luiz Goes, ambos mais novos do que ele. A família deixa Moçambique e parte para Timor, onde o pai vai exercer as funções de juiz. A irmã Mariazinha vai com os pais, enquanto seu irmão João vem para Portugal. Com a ocupação de Timor pelos Japoneses, no âmbito da Segunda Guerra Mundial, José Afonso fica sem notícias dos pais durante três anos, até ao final da guerra, em 1945.Nesse mesmo ano (andava no 6.º ano do liceu) começa a cantar serenatas, o que lhe dá não só estatuto mas também privilégios praxistas. José Afonso, a quem chamavam "bicho-cantor" ("bicho" era a designação praxística para os estudantes liceais), gozava, por exemplo, do privilégio de não ser "rapado" pelas trupes que, depois do pôr-do-sol, saíam para as ruas da cidade à procura de "bichos" e caloiros. Em acumulação, Zeca beneficiava também desse tratamento especial, por jogar futebol nos juniores da Académica. O cantor recorda essa fase da sua vida: «As minhas primeiras veleidades de cantor surgiram quando andava no 6º ano do liceu. As noites passava-as em deambulações secretas pela cidade, acompanhado de meia-dúzia de meliantes da minha idade, amantes inconsequentes da noite. Com uma guitarra e uma viola fazíamos a festa. Estávamos ainda longe do hieratismo triunfal das serenatas na Sé Velha diante de multidões atentas e respeitosas.» (Autobiografia, 1967)
Em 1948, após dois chumbos, completa o curso dos liceus. Conhece Maria Amália de Oliveira, uma costureira de origem humilde, com quem vem a casar em segredo, por oposição dos pais, e para grande escândalo das tias. Faz viagens com o Orfeão e com a Tuna Académica. Em 1949 inscreve-se no curso de Ciências Histórico-Filosóficas, da Faculdade de Letras. Viaja até Angola e Moçambique integrado numa comitiva do Orfeão Académico da Universidade de Coimbra. Em Janeiro de 1953 nasce-lhe o primeiro filho, José Manuel. Dá explicações e trabalha como revisor no Diário de Coimbra. A condição de estudante e de trabalhador fá-lo tomar consciência dos problemas sociais que o marcariam de forma decisiva: «Havia uma sociedade de indivíduos que viviam na Alta ou na Baixa economicamente depauperados: barbeiros, merceeiros, profissões dependentes do estudante. Recordo-me que as criadas viviam num estado de fome permanente nas férias grandes e começavam a comer quando os estudantes regressavam. (...) Lembro-me do estatuto de estudante que era, apesar de tudo, compatível com uma certa compreensão humana da situação dessa gente. Esta visão sentimental do que eram as desigualdades sociais motivou uma certa transformação em mim. A visão poético-estudantil em que eu me considerava um herói de capa e batina, um cavaleiro andante, desapareceu ou foi desaparecendo com o tempo e à medida que fui vivendo numa situação económica extremamente difícil com os meus dois filhos no Beco da Carqueja». Em 1953 são editados os seus primeiros trabalhos discográficos – dois discos de 78 rotações com fados de Coimbra, com chancela da Alvorada, gravados na delegação regional de Coimbra da Emissora Nacional, no ano anterior. Cada disco inclui dois fados, sendo "Fado das Águias", com letra e música de José Afonso, a sua primeira composição gravada.Também em 1953, é mobilizado para o serviço militar obrigatório sendo colocado em Mafra. E desde logo o jovem José Afonso revela a sua postura antimilitarista, em carta dirigida ao pai: «A espingarda que me foi confiada e que tenho de tratar como se tratam os cavalos de corrida é, para mim, um mistério intrincado, com culatra, cursores, percutores, cavilhas de segurança e o diabo a sete. E isto que tanto repugna à minha natureza pacífica e contemplativa!» Depois da recruta recebe guia de marcha para Macau, mas não chega a ser mobilizado por motivos de saúde, vindo a ser colocado num quartel de Coimbra. Da sua vida militar, recordará: «Eu fui o menos classificado de todo o curso por falta de aprumo militar». No ano lectivo 1955/56, e para assegurar o sustento da família, e embora não tendo ainda concluído o curso, começa a dar aulas num colégio privado em Mangualde. Inicia-se o processo de separação e posterior divórcio de Amália (formalizado a 1 de Junho de 1963). José Afonso manterá uma névoa de silêncio em redor desta sua experiência conjugal.Em 1956 é editado, pela Alvorada, o seu primeiro EP intitulado "Fados de Coimbra", em que tem como acompanhadores António Portugal e Jorge Godinho (guitarras) e Manuel Pepe e Levy Baptista (violas). José Afonso canta "Incerteza" (Tavares de Melo), "Mar Largo" (Paulo de Sá), "Aquela Moça da Aldeia" (António Menano) e "Balada" (Popular açoriana/José Afonso).
Em 1956/57 é professor em Aljustrel, seguindo-se nos anos subsequentes Lagos, Faro, Alcobaça e de novo Faro. José Afonso fala assim da sua experiência enquanto docente: «A minha acção como professor era mais de carácter existencial, na medida em que queria pôr os alunos a funcionar como pessoas, incutir-lhes um espírito crítico, fazer com que exercitassem a sua imaginação à margem dos programas oficiais». Por dificuldades económicas, em 1958 envia os dois filhos (José Manuel e Helena) para Moçambique, para junto dos avós. Nesse ano fica impressionado com a campanha eleitoral de Humberto Delgado. Durante um mês integra a digressão da Tuna Académica em Angola, mas não canta apenas fados de Coimbra. «O Zeca era um dos vocalistas do Conjunto Ligeiro da Tuna e cantava canções como "Adeus Mouraria", o seu maior sucesso, acompanhado ao piano, baixo, bateria, acordeão e guitarra eléctrica. Actuávamos vestidos com umas largas blusas de cetim, cada uma de sua cor, imitando a orquestra de mambos de Perez Prado, o máximo da altura. Acabada esta cena de 'show-biz', vestíamos rapidamente a capa e batina e íamos para a serenata, mutantes do sol para a lua» conta José Niza. Na viagem de regresso, no Paquete Pátria, convive com a poetisa Natália Correia, que mais tarde lhe dedicará um poema (transcrito em epígrafe). «Sob o luar quente dos trópicos, íamos à noite para a ré do navio, com violas, vinho e poesia: o Zeca cantava; e a Natália – cabelos ao vento, deusa grega, nessa altura e sem exagero, uma das mulheres mais belas do planeta – dizia poemas», recorda José Niza.Em 1959 começa a frequentar colectividades e a cantar regularmente em meios populares. Em 1960, e depois de quatro anos sem gravar, lança o EP "Balada do Outono", com chancela da Rapsódia, tendo sido acompanhado pelas guitarras de António Portugal e Eduardo Melo e as violas de Manuel Pepe e Paulo Alão. Além da balada que dá título ao disco, com letra e música de José Afonso, o EP inclui os temas populares "Vira de Coimbra" e "Amor de Estudante" e ainda um instrumental, "Morena".
O disco inaugura o movimento da balada coimbrã e é um marco na História da música portuguesa. A propósito da "Balada do Outono" (Águas das fontes calai / Ó ribeiras chorai / Que eu não volto a cantar) escreve Manuel Alegre: «A canção de Coimbra não voltaria a ser a mesma, a música ligeira portuguesa também não. Aquela balada era nova e ao mesmo tempo muito antiga. Tudo estava nela: a tradição trovadoresca, os cantares de amigo, os romances populares. E também o espírito de um tempo de mudança». Faz nova digressão a Angola, com o Orfeão Académico, durante a qual toma verdadeira consciência da realidade colonial. José Niza recorda: «Fomos encontrar uma Angola diferente. Tinha-se dado a independência do Congo Belga e todo o território estava cheio de retornados belgas. A PIDE tinha-se instalado em Luanda e noutras cidades. E sentiam-se no ar, nas entrelinhas das conversas, nos olhares, os sinais de que alguma coisa iria acontecer». No ano seguinte rebentava a Guerra Colonial.José Afonso segue atentamente a crise estudantil de 1962. Em Faro convive com Luiza Neto Jorge, António Barahona, António Ramos Rosa e Manuel Pité, e namora com Zélia, natural da Fuzeta, que será a sua segunda mulher e com quem terá mais dois filhos, Joana e Pedro. É José Afonso quem nos diz: «O conhecimento da Zélia, num lugar do Algarve, reconciliou-me com a água fresca e com os tons maiores. Passei a fazer canções maiores». Para o álbum colectivo "Coimbra Orfeon of Portugal", editado pela Monitor (dos Estados Unidos), José Afonso grava dois temas – "Minha Mãe" e "Balada Aleixo" – em que rompe definitivamente com o acompanhamento das guitarras. Nestas duas baladas é acompanhado exclusivamente à viola por José Niza e Durval Moreirinhas.
Realiza digressões pela Suíça, Alemanha e Suécia, integrado num grupo de fados e guitarras, na companhia de Adriano Correia de Oliveira, José Niza, Jorge Godinho, Durval Moreirinhas e ainda da fadista lisboeta Esmeralda Amoedo. Em 1963, conclui a licenciatura na Faculdade de Letras de Coimbra com uma tese sobre Jean-Paul Sartre: "Implicações Substancialistas na Filosofia Sartriana". Em 1962 e 1963 são editados dois EP intitulados "Baladas de Coimbra", com Rui Pato à viola, dos quais fazem parte as belíssimas "Menino d'Oiro", "No Lago do Breu", "Canção do Vai... e Vem" e "Menino do Bairro Negro", esta última inspirada nos meios sociais miseráveis do Bairro do Barredo, no Porto. A balada "Os Vampiros", incluída no EP de 1963, tornar-se-á, juntamente com a "Trova do Vento que Passa" (gravada no mesmo ano por Adriano Correia de Oliveira), um dos símbolos maiores da resistência antifascista até ao advento da liberdade. Em Maio de 1964, José Afonso actua na Sociedade Musical Fraternidade Operária Grandolense, onde se inspira para fazer a canção "Grândola, Vila Morena", que viria a ser no dia 25 de Abril de 1974 a segunda senha do Movimento das Forças Armadas (MFA) para o arranque da operação militar que derrubaria o regime ditatorial. É editado o EP "Cantares de José Afonso", o único para a Valentim de Carvalho, que inclui "Coro dos Caídos", "Canção do Mar", "Maria" (dedicada a Zélia) e "Ó Vila de Olhão", sempre com Rui Pato à viola. A acutilância da letra de "Ó Vila de Olhão" faz com que o disco seja proibido pela Censura. Na reedição desse EP, a faixa em causa é substituída por uma versão instrumental executada pelo Conjunto de Guitarras de Jorge Fontes. As três primeiras baladas viriam a ser também incluídas numa compilação colectiva com Carlos Paredes e Luiz Goes (editada em 1973 e reeditada em CD pela EMI-VC, em 1992). A Discoteca Santo António, através da etiqueta Ofir, publica o LP "Baladas e Canções", gravado nos Estúdios da RTP em Vila Nova de Gaia (reeditado em CD pela EMI-VC em 1997). É o primeiro álbum a sério de José Afonso, com 12 temas, entre os quais "Canção Longe", "Os Bravos", "Balada Aleixo", "Balada do Outono" (em versão instrumental), "Na Fonte Está Lianor" (com poema de Luís de Camões), "Minha Mãe", "Altos Castelos", "O Pastor de Bensafrim" e "A Ronda dos Paisanos". No final do Verão de 1964, muda-se com Zélia para Lourenço Marques, onde reencontra os seus filhos e os pais. Durante dois anos dá aulas na cidade da Beira. Em Moçambique desenvolve intensa actividade anticolonialista e relaciona-se, entre outros, com os pintores Malangatana e António Quadros (poeta João Pedro Grabato Dias), vindo este a contribuir com algumas letras para o repertório do cantor. Aí compõe a música para a peça de Bertolt Brecht "A Excepção e a Regra", traduzida e encenada por Luiz Francisco Rebello, cujas canções virá posteriormente a gravar. Em 1966, é publicado pela Nova Realidade, de Tomar, o livro "José Afonso: Cantares", organizado por Manuel Simões, reunindo as letras das baladas de José Afonso, com notas do próprio autor sobre a génese de cada uma delas. Em 1967, esgotado pelo sistema colonial, regressa a Lisboa, deixando o filho mais velho, José Manuel, confiado aos avós. José Afonso recorda assim a sua última fase africana: «Se houve alguma coisa em África que me marcou definitivamente foi a realidade colonial. Quando eu parti ia preparado para enfrentá-la: sabia quais os seus contornos e o papel que me cabia como professor, quais os alunos que ia ensinar. Sabia também que ia ser um veículo de transmissão ideológica de uma classe dominante. [...] Fiquei terrivelmente ligado àquela realidade física que é a África, aquilo tem de facto qualquer coisa de estranho, uma força muito grande que nos seduz. O meu baptismo político começa em África. Estava a dois passos do oprimido». É colocado como professor em Setúbal, e a par das funções lectivas começa a aceitar convites para cantar em colectividades da Margem Sul. Fica sob a mira da PIDE que o passa a chamar com relativa assiduidade para prestar declarações no posto de Setúbal. Entretanto, sofre uma grave depressão que o leva a ser internado durante 20 dias na Casa de Saúde de Belas. Quando sai da clínica, recebe a notícia de que tinha sido demitido do ensino oficial. O PCP convida-o a aderir ao partido, mas José Afonso recusa invocando a sua condição de classe. «Nunca fui um indivíduo com certezas dogmáticas acerca de grupos ou partidos preferenciais. Comecei por me relacionar, sobretudo na Margem Sul, a associações de estudantes fortemente politizadas, por um lado, e a determinadas organizações políticas, como por exemplo os Católicos Progressistas, por outro. Achava que todos aqueles grupos eram necessários para formar um movimento que conduzisse ao derrube do poder. Qual seria depois o partido ou organização que surgiria após o derrube do poder, não sabia.» Mais uma vez confrontado com necessidades de subsistência, é obrigado a dar explicações e a encarar mais seriamente a carreira musical, designadamente através da gravação de discos. Cientes da situação, Rui Pato e António Portugal contactam várias editoras, incluindo aquelas para as quais Zeca já gravara antes, mas todas lhes fecham as portas, com medo da PIDE. Então, em desespero de causa, vão ao Porto falar com Arnaldo Trindade, da etiqueta Orfeu, para a qual Adriano Correia de Oliveira, já gravava há anos. A proposta era nem mais nem menos que a gravação de "Cantares do Andarilho". Arnaldo Trindade aceita a ideia, assume os riscos e propõe um contrato sui generis: José Afonso comprometia-se a gravar um álbum por ano e em troca passaria a receber, mensalmente, 15 mil escudos (uma quantia nada desprezível, na altura). E foi através deste vínculo à Orfeu, para a qual gravou mais de 70 por cento da sua obra, que Zeca alcançou a estabilidade económica que nunca tivera, e de que tanto precisava em face dos seus encargos familiares. No Natal de 1968, é lançado o sugestivamente intitulado "Cantares do Andarilho", com Rui Pato à viola, sem dúvida alguma, um dos melhores álbuns da sua discografia. Deste disco fazem parte, entre outros, temas como "Natal dos Simples", "Balada do Sino", "Canção de Embalar", "Endechas a Bárbara Escrava (com poema de Luís de Camões), "Chamaram-me Cigano" e "Vejam Bem". Em 1969, a Primavera marcelista abre perspectivas de organização ao movimento sindical. José Afonso participa activamente neste movimento, assim como nas acções dos estudantes em Coimbra. Em 1969, participa no 1.º Encontro da "Chanson Portugaise de Combat", em Paris. Publica o álbum "Contos Velhos, Rumos Novos" e o single "Menina dos Olhos Tristes" que contém a canção popular "Canta Camarada". Em "Contos Velhos, Rumos Novos", e fazendo jus ao título, José Afonso continua e aprofunda a exploração do repertório da tradição popular ("Oh! Que Calma Vai Caindo", "S. Macaio", "Deus Te Salve, Rosa", "Lá Vai Jeremias"), ao mesmo tempo que põe em música uma plêiade de escritores eruditos: Airas Nunes ("Bailia"), Fernando Miguel Bernardes ("Qualquer Dia"), Lope de Vega ("No Vale de Fuenteovejuna"), Luís Andrade Pignatelli ("Era de Noite e Levaram") e Ary dos Santos ("A Cidade"). Além de Rui Pato (viola, marimbas, harmónica), o álbum tem as participações de Sousa Colaço (2.ª viola), José Fortunato (cavaquinho), Adácio Pestana (trompa) e Teresa Paula Brito (voz). Pela primeira vez num disco de José Afonso, aparecem outros instrumentos que não a viola ou a guitarra. O cantor recebe o prémio da Casa da Imprensa para o melhor disco, distinção que repete em 1970 e 1971.Em 1970 é editado o LP "Traz Outro Amigo Também", gravado em Londres, nos estúdios da Pye Records, o primeiro sem Rui Pato, impedido pela PIDE de viajar, por causa do seu envolvimento na crise académica de 1969. Será substituído por Carlos Correia (Bóris), antigo músico de rock, dos Álamos e do Conjunto Universitário Hi-Fi. No acompanhamento, participa também Filipe Colaço, na 2.ª viola. Além do tema-título, o alinhamento inclui temas como "Maria Faia", "Canto Moço", "Epígrafe para a Arte de Furtar" (com poema de Jorge de Sena), "Moda do Entrudo", "Canção do Desterro" e "Verdes São os Campos" (com poema de Luís de Camões). Num texto apenso ao álbum, o dramaturgo Bernardo Santareno escreve: «A arte de José Afonso é um jorro de água clara, puríssima, portuguesa sem mácula. Realmente é a "pureza" a nota maior desta arte: pureza de voz, pureza de poema, pureza de música. Neste disco, um dos mais ricos quanto a valores poéticos, é ela que domina: trova antiga purificada, folclore limpo de excrescências, balada de combate em que a justiça vai de bandeira. [...] Ele [José Afonso] é hoje o mais autêntico trovador do povo português, nesta hora que todos vivemos. Ninguém melhor que ele transmite os seus desesperos e raivas, as suas aspirações de amor, de paz, de justiça, de verdade.»
Na capital britânica, José Afonso conhece os brasileiros Gilberto Gil e Caetano Veloso, que aí se encontravam exilados por motivos políticos. Em Março de 1970, a Casa de Imprensa atribui a José Afonso, por unanimidade, o Prémio de Honra pela «alta qualidade da sua obra artística como autor e intérprete e pela decisiva influência que exerce em todo o movimento de renovação da música ligeira portuguesa». Participa em Cuba num Festival Internacional de Música Popular. No Natal de 1971, é lançado o LP "Cantigas do Maio", gravado em Herouville (perto de Paris), no Strawberry Studio, um dos mais caros e afamados da Europa. Com arranjos e direcção musical de José Mário Branco, o álbum conta com a participação de Carlos Correia (Bóris) (viola, coros e passos), Michel Delaporte (darbuka, bongo berbere, tumbas, tamborim brasileiro e adufe), Christian Padovan (baixo eléctrico), Tony Branis (trompete), Jacques Granier (flauta), Francisco Fanhais (coros, passos, apitos de fole e guimbarda (tipo de berimbau)) e José Mário Branco (coros, passos, acordeão, órgão Hammond, piano Ferder). Além de "Grândola, Vila Morena", o disco inclui temas tão emblemáticos como "Cantigas do Maio", "Cantar Alentejano" (em homenagem a Catarina Eufémia, assassinada pela GNR), "Maio, Maduro Maio" e "Mulher da Erva". É geralmente considerado o melhor álbum de José Afonso e representa o momento de viragem para formas de acompanhamento instrumental mais enriquecidas e elaboradas. A editora Nova Realidade publica o livro "Cantar de Novo". No final de 1972, sai o LP "Eu Vou Ser Como a Toupeira", gravado em Madrid, nos Estúdios Cellada, sob a direcção musical de José Niza e com a participação de Carlos Alberto Moniz, Maria do Amparo, José Jorge Letria, Teresa Silva Carvalho, Benedicto, um cantor galego amigo de Zeca, e do grupo Aguaviva, de Manolo Diaz. Deste álbum fazem parte, entre outros, os temas "A Morte Saiu à Rua" (em homenagem ao escultor e pintor José Dias Coelho, assassinado pela PIDE numa rua de Alcântara), "Ó Minha Amora Madura", "No Comboio Descendente" (com poema de Fernando Pessoa) e o belíssimo "Fui à Beira do Mar" (vide letra abaixo). Em 1973, José Afonso continua a sua "peregrinação", cantando um pouco por todo o lado. Muitas sessões foram proibidas pela PIDE/DGS. Em Abril é preso e fica 20 dias em Caxias até finais de Maio. Na prisão política, escreve o poema "Era Um Redondo Vocábulo", um dos temas mais belos do álbum seguinte, "Venham Mais Cinco". Gravado em Paris, no Studio Aquarium, em Outubro de 1973, o disco é constituído integralmente por temas da autoria de José Afonso (letra e música) e conta de novo com arranjos e direcção musical de José Mário Branco e na participação musical figuram o próprio José Mário Branco (fole do João, percussões, piano, voz do alto, coros, pandeireta, órgão Hammond, piano Pipper, efeitos de sopro), Yório Gonçalves (viola) e ainda uma miríade de músicos estrangeiros, sendo de destacar Michel Delaporte nas percussões. O tema-título tem a participação vocal de Janine de Waleyne, solista dos Swingle Singers, o melhor grupo vocal de jazz cantado da altura, na opinião de José Niza. Além do conhecido tema que dá nome ao álbum, merecem destaque três outros temas, autênticas pérolas do repertório de José Afonso: o citado "Era Um Redondo Vocábulo", "Adeus ó Serra da Lapa" e "Que Amor Não me Engana".
A 29 de Março de 1974, o Coliseu de Lisboa enche-se para ouvir José Afonso, Adriano Correia de Oliveira, José Jorge Letria, Manuel Freire, José Barata Moura, Fernando Tordo e outros, que terminam a sessão com "Grândola, Vila Morena". Militares do MFA estão entre a assistência e escolhem "Grândola" para senha do golpe militar que está em congeminação e que se concretizará, daí a menos de um mês, na madrugada de 25 de Abril. No dia do espectáculo, a censura avisara a Casa de Imprensa, organizadora do evento, de que eram proibidas as representações dos temas "Venham Mais Cinco", "Menina dos Olhos Tristes", "A Morte Saiu à Rua" e "Gastão Era Perfeito". Curiosamente, a "Grândola, Vila Morena" era autorizada.
No final de 1974, é editado o álbum "Coro dos Tribunais", gravado em Londres, novamente na Pye Records, com arranjos e direcção musical, pela primeira vez, de Fausto Bordalo Dias e com a participação musical do próprio Fausto (guitarra acústica, coros) e ainda de Michel Delaporte (percussões), Vitorino (teclados, 2.ª voz solo, coros), Carlos Alberto Moniz (2.ª viola, coros), Yório Gonçalves (2.ª viola), Adriano Correia de Oliveira (coros) e José Niza (coros). São incluídas no disco duas canções brechtianas (da peça "A Excepção e a Regra") que José Afonso musicou em Moçambique no período entre 1964 e 1967: "Coro dos Tribunais" e "Eu Marchava de Dia e de Noite (Canta o Comerciante)".
Em 1974/75, Zeca Afonso envolve-se directamente nos movimentos populares e no PREC (Processo Revolucionário Em Curso), mas faz questão de não se filiar em qualquer dos sectarismos partidários existentes. Canta no dia 11 de Março de 1975 no RALIS para os soldados e estabelece uma colaboração estreita com a LUAR (Liga de Unidade e Acção Revolucionária), através do seu amigo Camilo Mortágua, dirigente da organização. A LUAR edita o single "Viva o Poder Popular", com "Foi na Cidade do Sado" no lado B. Em Itália, as organizações revolucionárias Lotta Continua, Il Manifesto e Vanguardia Operaria editam o álbum "República", gravado em Roma nos dias 30 de Setembro e 1 de Outubro de 1975, nos estúdios das Santini Edizioni. As receitas do disco destinavam-se a apoiar a Comissão de Trabalhadores do jornal "República" ou, caso o jornal fosse extinto, como foi, o Secretariado Provisório das Cooperativas Agrícolas de Alcoentre. Desconhecido em Portugal, este álbum inclui "Para Não Dizer Que Não Falei de Flores" (versão de Francisco Fanhais da célebre canção de Geraldo Vandré), "Se os Teus Olhos se Vendessem", "Foi no Sábado Passado", "Canta Camarada", "Eu Hei-de Ir Colher Macela", "O Pão Que Sobra à Riqueza", "Os Vampiros", "Senhora do Almortão", "Letra para Um Hino" e "Ladainha do Arcebispo". Além de Francisco Fanhais, este disco teve o contributo de diversos músicos italianos. Em 1976, Zeca apoia a candidatura presidencial de Otelo Saraiva de Carvalho, estratega do 25 de Abril e ex-comandante do COPCON (Comando Operacional do Continente), apoio que reedita em 1980. Ainda em 1976, grava o álbum "Com as Minhas Tamanquinhas", sendo as letras e as composições todas da sua autoria. Conta com a colaboração de Cecília Barreira, Fausto Bordalo Dias, Fernando Gonzalez, José Luís Iglésias, José Niza, Júlio Pereira, Luís Duarte, Michel Delaporte, Ramon Galarza, Vitorino e ainda de Quim Barreiros, nos temas de inspiração folclórica. Este álbum é, na opinião de José Niza, «um disco de combate e de denúncia, um grito de alma, um murro na mesa, sincero e exaltado, talvez exagerado se ouvido e lido ao fim de 30 anos, isto é, hoje». É a "ressaca" do PREC. O próprio José Afonso dirá mais tarde: «Eu sempre disse que a música é comprometida quando o músico, como cidadão é um homem comprometido. Não é o produto saído desse cantor que define o compromisso mas o conjunto de circunstâncias que o envolve com o momento histórico e político que se vive e as pessoas com quem ele priva e com quem ele canta». E acrescenta: «Admito que a revolução seja uma utopia, mas no meu dia-a-dia procuro comportar-me como se ela fosse tangível. Continuo a pensar que devemos lutar onde exista opressão, seja a que nível for».
O álbum "Enquanto Há Força", gravado em 1978, com o apoio de Fausto Bordalo Dias nos arranjos e direcção musical, representa mais um exemplo da fase cronista e panfletária do cantor, ligada às suas preocupações anti-colonialistas e anti-imperialistas, a que não escapa uma crítica mordaz à Igreja Católica (no tema "Arcebispíada"). Participam no disco excelentes músicos e cantores: Michel Delaporte (percussões), Fausto (guitarra eléctrica, guitarra acústica, coros), José Luís Iglésias (guitarra acústica), Carlos Zíngaro (violino), Pedro Caldeira Cabral (guitarra portuguesa, sistre, viola e alaúde), Rão Kyao (flautas), Luís Duarte (baixo), Dimas Pereira (acordeão), Yório Gonçalves (coros), Adriano Correia de Oliveira (coros) e Sérgio Godinho (coros), entre outros; e ainda o Grupo de Cantigas do Centro Cultural da Anadia.
Em 1979 é lançado o álbum "Fura Fura", gravado em Setembro e Outubro do ano anterior, em que José Afonso contou com a colaboração de Júlio Pereira nos arranjos e direcção musical e dos Trovante nos arranjos de três temas ("As Sete Mulheres do Minho", "O Cabral Fugiu para Espanha" e "De Quem Foi a Traição"). A execução instrumental é de Júlio Pereira (cavaquinho, guitarras acústicas, violas, baixo, reco-reco, chocalho, timbalões) e de elementos do grupo Trovante – Luís Represas (bandolim, cavaquinho, 2.ª voz, coros), João Gil (viola, viola braguesa), Artur Costa (baixo, palheta, adufe, flautas de bisel) e Manuel Faria (acordeão). Nota ainda para a participação de António Chaínho (guitarra portuguesa), José Maria Nóbrega (viola), Naomi Anner e Carlos Zíngaro (violinos), Guilherme Vicente (flauta de amolador), Tomás Pimentel (trompete), Rui Cardoso (flauta transversal), Guilherme Inês (tumbadoras, ferrinhos) e Celso de Carvalho (violoncelo). Dos doze temas do alinhamento, oito são de música para teatro, compostos para as peças "Zé do Telhado" e "Guerras de Alecrim e Manjerona", levadas à cena na Barraca e na Comuna, respectivamente. José Afonso actua em Bruxelas no Festival da Contra-Eurovisão.
Em 1981, e após dois anos sem discos, reconcilia-se com a canção de Coimbra e com a guitarra ao gravar "Fados de Coimbra e Outras Canções", álbum composto maioritariamente por clássicos de Edmundo Bettencourt e no qual reinterpreta também três temas já anteriormente gravados: "Senhora do Almortão", "Balada do Outono" e "Vira de Coimbra". Com acompanhamento de Octávio Sérgio (guitarra) e Durval Moreirinhas (viola) em todos os temas, no "Vira de Coimbra" participam também Júlio Pereira (cavaquinho) e Janita Salomé (viola). Trata-se da mais bela versão do fado de Coimbra, interpretada por Zeca Afonso em homenagem a seu pai e a Edmundo Bettencourt, dedicatários do álbum. Actua em Paris, no Théatre de la Ville. Em 1982 começam a conhecer-se os primeiros sintomas de esclerose lateral amiotrófica, doença que se caracteriza por uma progressiva atrofia muscular de que resulta geralmente a morte, por asfixia. Actua em Bourges, França, no Festival de Printemps. A 29 de Janeiro de 1983 realiza-se o espectáculo no Coliseu dos Recreios, em Lisboa, com José Afonso já em dificuldades. Participam Octávio Sérgio, António Sérgio, Lopes de Almeida, Durval Moreirinhas, Rui Pato, Fausto Bordalo Dias, Júlio Pereira, Guilherme Inês, Rui Castro, Rui Júnior, Sérgio Mestre, Janita Salomé e Francisco Fanhais. É publicado o duplo álbum "Ao Vivo no Coliseu". A convite de Avelino Tavares, editor da revista "Mundo da Canção", José Afonso dá no Coliseu do Porto, a 25 de Maio, aquele que viria a ser o seu derradeiro concerto. No dia seguinte, é homenageado em Coimbra, no Parque de Santa Cruz (Jardim da Sereia), sendo-lhe atribuída a Medalha de Ouro da cidade, sob proposta do guitarrista António Portugal. «Obrigado Zeca, volta sempre, a casa é tua», disse-lhe o presidente da Câmara Municipal, Fernando Mendes Silva. «Não quero converter-me numa instituição, embora me sinta muito comovido e grato pela homenagem», respondeu José Afonso. Aí ainda canta, mas sem chegar ao fim, por estar muito fragilizado, "Saudades de Coimbra". À sua revelia, é publicado pela Foto Sonoro um máxi-single, "Zeca em Coimbra", com material desse espectáculo de homenagem ao cantautor, em que participaram os cantores António Bernardino ("Tenho Barcos, Tenho Remos") e Luís Marinho ("Traz Outro Amigo Também") e os instrumentistas António Portugal, António Brojo (guitarras), Aurélio Reis, Luís Filipe e Rui Pato (violas). De notar que a única faixa presente no disco com a voz de José Afonso, "Saudades de Coimbra", nem sequer é autêntica, pois foi forjada a partir da gravação presente no álbum "Fados de Coimbra e Outras Canções". No mesmo ano, é publicado o livro "Textos e Canções", com a chancela da Assírio & Alvim, que inclui muitos poemas que José Afonso não chegou a musicar. E em vésperas do Natal sai "Como se Fora Seu Filho", álbum que constitui o seu testemunho estético-político e revela em definitivo o rosto humano da Utopia ("Cidade sem muros nem ameias / gente igual por dentro / gente igual por fora"). Com arranjos e direcção musical de Júlio Pereira, José Mário Branco, Fausto Bordalo Dias e de José Afonso, no trabalho colaboram Júlio Pereira (guitarra eléctrica, guitarra acústica, polymoog, baixo, reco-reco, tamborete, viola braguesa), Fausto (guitarra eléctrica, guitarra acústica, percussões, 2.ª voz), Sérgio Mestre (guitarra acústica, flauta), Carlos Zíngaro (violino), Pedro Caldeira Cabral (guitarra portuguesa), Janita Salomé (polymoog, 2.ª voz, coros), José Mário Branco (flauta vietnamita, pífaro, flautas de bisel, piano, percussões), Rui Cardoso (saxofones, clarinete baixo), Rui Júnior (percussões), Francisco Fanhais (coros), entre outros. Algumas das canções do alinhamento haviam sido escritas para a peça "Fernão Mentes?" do grupo de teatro A Barraca.
O Presidente da República, general António Ramalho Eanes, decide atribuir a José Afonso a Ordem da Liberdade, mas o cantor recusa-se a preencher o formulário. Mário Soares tentará de novo condecorá-lo, a título póstumo, em 1994, com a Ordem da Liberdade, mas a mulher, Zélia, recusa, alegando que se José Afonso não desejou a distinção em vida, também não seria após a sua morte que seria condecorado. Em 1983 José Afonso é reintegrado no ensino oficial (fora expulso em 1968), tendo sido destacado para dar aulas de História e de Português na Escola Preparatória de Azeitão. Em 1985 é gravado aquele que viria a ser seu último álbum, "Galinhas do Mato", com arranjos, direcção musical e produção de Júlio Pereira e José Mário Branco. Zeca já não consegue cantar todos os temas, sendo substituído por Luís Represas ("Agora"), Helena Vieira ("Tu Gitana"), Janita Salomé ("Moda do Entrudo", "Tarkovsky" e "Alegria da Criação"), José Mário Branco ("Década de Salomé", em dueto com Zeca), Né Ladeiras ("Benditos") e Catarina e Marta Salomé ("Galinhas do Mato"). No elenco instrumental contam-se: Júlio Pereira (violas acústicas e eléctricas, banjo, baixo, adufe, sintetizador, computador de ritmo), José Mário Branco (adufe, guizos almofadados, latas), Janita Salomé (darbuka, adufe), Carlos Zíngaro (violino), Fernando Ribeiro (acordeão), António Emiliano (piano), Sérgio Mestre (flauta transversal), Paulo Curado (flauta transversal), José Pedro Caiado (flautas doces), Adácio Pestana (trompa), Tomás Pimentel (trompete), José Oliveira (trombone), Carlos Martins (saxofone alto), Rui Cardoso (saxofone tenor), Sílvio Pleno (clarinete), David Gausden (baixo), João Nuno Represas (tumbadoras, darbuka, latas) João Seixas (adufe) e Guilherme Inês (bateria). Nos coros, participam ainda Cramol (Coro da Biblioteca Operária Oeirense) e Tóinas. Apesar de ser o derradeiro, "Galinhas do Mato" revela-se um dos discos mais efusivos e extrovertidos de José Afonso, o que para tal muito contribui o protagonismo que é dado às percussões e aos sopros.
Em 1986, apoia a candidatura presidencial de Maria de Lurdes Pintassilgo, católica progressista. José Afonso vem a falecer no dia 23 de Fevereiro de 1987, no Hospital de Setúbal, às 3 horas da madrugada, vítima de esclerose lateral amiotrófica, com 57 anos de idade. O funeral realiza-se no dia seguinte, com mais de 30 mil pessoas, da Escola Secundária de S. Julião para o Cemitério da Senhora da Piedade, em Setúbal. O funeral demorou duas horas a percorrer 1300 metros. Envolvida por um pano vermelho sem qualquer símbolo, como pedira, a urna foi transportada, entre outros, por Sérgio Godinho, Júlio Pereira, José Mário Branco, Luís Cília e Francisco Fanhais.A 18 de Novembro é criada, por iniciativa de Alípio de Freitas (homenageado no tema homónimo do álbum "Com as Minhas Tamanquinhas"), a Associação José Afonso com o objectivo de ajudar a realizar as ideias do compositor e intérprete no campo das Artes. No ano seguinte a Câmara Municipal da Amadora institui o Prémio José Afonso destinado a galardoar um álbum inédito de música portuguesa, cujos temas tenham como referência a cultura e História portuguesas, tal como a obra do patrono. Fausto Bordalo Dias, Vitorino, Sérgio Godinho, Júlio Pereira, José Mário Branco, Né ladeiras, Amélia Muge, João Afonso, Vai de Roda, Gaiteiros de Lisboa, Dulce Pontes, Vozes do Sul/Janita Salomé, Jorge Palma, Carlos do Carmo, Filipa Pais, José Medeiros e Brigada Victor Jara, contam-se entre os já contemplados.Duas semanas depois da morte do cantor, a Transmédia edita "Agora e Sempre", o primeiro triplo álbum da história discográfica portuguesa. A edição é constituída pelos álbuns "Como Se Fora Seu Filho" (1983), "Galinhas do Mato" (1985) e "Ao Vivo no Coliseu" (1983), este com um alinhamento diferente. Nesse mesmo ano, a Movieplay lança em CD os 11 álbuns gravados para a Orfeu (até 1981), tendo também sido editado pela Edisco o CD "Os Vampiros", com as baladas dos três EP da Rapsódia (1960-63), tais como "Os Vampiros", "Menino d'Oiro", "Canção do Vai... e Vem", "Senhor Poeta", "Tenho Barcos, Tenho Remos", "Menino do Bairro Negro", "No Largo do Breu" e "Balada do Outono". Em 1996, a Movieplay reúne finalmente em CD sob o título "De Capa e Batina", os fados de Coimbra dos três primeiros discos (1953-56) e ainda os temas "Menina dos Olhos Tristes" e "Canta Camarada", do single editado pela Orfeu em 1969. Em 1997, assinalando os dez anos sobre a morte de José Afonso, a EMI-VC lança em CD o álbum "Baladas e Canções", originalmente editado pela Ofir em 1967.José Afonso, como pioneiro de uma estética musical alternativa ao "nacional cançonetismo" (como lhe chamou João Paulo Guerra) e pelo contributo inovador que deu na redescoberta e valorização da música de raiz tradicional, será sempre recordado como um dos nomes maiores da História da música portuguesa. Testemunham-no as homenagens e tributos de quem sido alvo ao longo dos anos, com novas versões de temas seus, sendo de referir os seguintes álbuns: "Ó Rama, Ó Que Linda Rama" (1977 – Teresa Silva Carvalho), "Ousadias" (1986 – Naná Sousa Dias), "Filhos da Madrugada Cantam José Afonso" (1994 – Madredeus, Frei Fado d’El Rei, Brigada Victor Jara, Opus Ensemble, Diva, Delfins, Sétima Legião, Resistência, UHF, Tubarões, etc.), "Maio Maduro Maio" (1995 – José Mário Branco, Amélia Muge e João Afonso, gravado no S. Luiz em 1994), "Utopia" (2004 – Vitorino e Janita Salomé, gravado no CCB em 1998), "A Jazzar no Zeca" (2004 – Zé Eduardo Unit), "Que Viva o Zeca" (2007 – Erva de Cheiro), "A Terra do Zeca" (2007 – Terra d’Água / Davide Zaccaria, com Maria Anadon, Lúcia Moniz, Filipa Pais, Dulce Pontes e Uxía), "Co’as Tamanquinhas do Zeca" (2007 – Couple Coffee), "Senhor Poeta" (2007 – Frei Fado d’El Rei), "Com Zeca no Coração" (2007 - Banda Futrica), "Convexo" (2007 – Jacinta) e "Abril" (2007 – Cristina Branco).
Discografia:
- Fados de Coimbra - 2 vols. (78 rpm, Alvorada, 1953)
- Fados de Coimbra (EP-45 rpm, Alvorada, 1956)
- Balada do Outono (EP-45 rpm, Rapsódia, 1960)
- Coimbra Orfeon of Portugal (LP-33 rpm, Monitor, 1962) [colectivo]
- Baladas de Coimbra (EP-45 rpm, Rapsódia, 1962)
- Baladas de Coimbra (EP-45 rpm, Rapsódia, 1963)
- Cantares de José Afonso (EP-45 rpm, Columbia/Valentim de Carvalho, 1964)
- Baladas e Canções (LP-33 rpm, Ofir, 1967; CD, EMI-VC, 1997)
- Cantares de Andarilho (LP-33 rpm, Orfeu, 1968; CD, Movieplay, 1987)
- Contos Velhos, Rumos Novos (LP-33 rpm, Orfeu, 1969; CD, Movieplay, 1987)
- Menina dos Olhos Tristes (Single-45-rpm, Orfeu, 1969)
- Traz Outro Amigo Também (LP-33 rpm, Orfeu, 1970; CD, Movieplay, 1987)
- Cantigas do Maio (LP-33 rpm, Orfeu, 1971; CD, Movieplay, 1987)
- Eu Vou Ser Como a Toupeira (LP-33 rpm, Orfeu, 1972; CD, Movieplay, 1987)
- Carlos Paredes/José Afonso/Luiz Goes (LP, Columbia/Valentim de Carvalho, 1973; CD, EMI-VC, 1992 [compilação colectiva]
- Venham Mais Cinco (LP-33 rpm, Orfeu, 1973; CD, Movieplay, 1987)
- Coro dos Tribunais (LP-33 rpm, Orfeu, 1974; CD, Movieplay, 1987)
- Viva o Poder Popular (Single-45 rpm, LUAR, 1975)
- República [LP-33 rpm, Lotta Continua/Il Manifesto/Vanguardia Operaria (Itália), 1975; LP "Per Le Cooperative Agricole Portoghesi", La Cooperazione Italiana, 1976]
- Com as Minhas Tamanquinhas (LP-33 rpm, Orfeu, 1976; CD, Movieplay, 1987)
- José Afonso in Hamburg (LP-33 rpm, Portugal Solidaritat (Alemanha), 1976 [gravado ao vivo]
- Enquanto Há Força (LP-33 rpm, Orfeu, 1978; CD, Movieplay, 1987)
- Fura Fura (LP-33 rpm, Orfeu, 1979; CD, Movieplay, 1987)
- Fados de Coimbra e Outras Canções (LP-33 rpm, Orfeu, 1981; CD, Movieplay, 1987)
- Baladas e Fados de Coimbra (LP-33 rpm, Edisco, 1982); Os Vampiros (CD, Edisco, 1987)
- José Afonso (2LP, Orfeu, 1983; 2CD, Movieplay, 2001; Farol, 2007) [compilação]
- Ao Vivo no Coliseu (2LP-33 rpm, Sasseti, 1983) [gravado a 29 de Janeiro de 1983]
- Como Se Fora Seu Filho (LP-33 rpm, Sasseti, 1983; CD, Strauss, 1994)
- Zeca em Coimbra (EP-45-rpm, Foto Sonoro, 1983)
- Galinhas do Mato (LP-33 rpm, Transmédia, 1985; CD, CNM, 1994)
- Agora e Sempre (3LP-33 rpm, Transmédia, 1985 [inclui os álbuns: Como Se Fora Seu Filho / Galinhas do Mato / Ao Vivo no Coliseu]
- Zeca Afonso no Coliseu (2CD, Strauss, 1993) [concerto quase integral]
- De Capa e Batina (CD, Movieplay, 1996)
Fontes:
- Site da Associação José Afonso (http://www.aja.pt/)
- Literatura inclusa na discografia de José Afonso
- Enciclopédia da Música Ligeira Portuguesa, dir. Luís Pinheiro de Almeida e João Pinheiro de Almeida, Círculo de Leitores, 1998
Propostas para a 'playlist' da RDP-Antena 1 (e Antena 3):
(por ordem alfabética)
- A Cidade (in "Contos Velhos, Rumos Novos")
- A Formiga no Carreiro (in "Venham Mais Cinco")
- Adeus ó Serra da Lapa (in "Venham Mais Cinco")
- Bailia (in "Contos Velhos, Rumos Novos")
- Balada do Outono (in "Fados de Coimbra e Outras Canções")
- Balada do Sino (in "Cantares do Andarilho")
- Canção de Embalar (in "Cantares do Andarilho")
- Canção do Mar (in "Carlos Paredes/José Afonso/Luiz Goes")
- Canção do Vai... e Vem (in "Os Vampiros")
- Canção Longe (in "Baladas e Canções")
- Cantigas do Maio (in "Cantigas do Maio")
- Canto Moço (in "Traz Outro Amigo Também")
- Chamaram-me Cigano (in "Cantares do Andarilho")
- Endechas a Bárbara Escrava (in "Cantares do Andarilho")
- Era um Redondo Vocábulo (in "Venham Mais Cinco")
- Escandinávia Bar-Fuzeta (in "Galinhas do Mato")
- Fui à Beira do Mar (in "Eu Vou Ser Como a Toupeira")
- Fura Fura (in "Fura Fura")
- Já o Tempo se Habitua (in "Contos Velhos, Rumos Novos")
- Maio, Maduro Maio (in "Cantigas do Maio")
- Maria (in "Carlos Paredes/José Afonso/Luiz Goes")
- Menino d'Oiro (in "Os Vampiros")
- Menino do Bairro Negro (in "Os Vampiros")
- Mulher da Erva (in "Cantigas do Maio")
- No Comboio Descendente (in "Eu Vou Ser Como a Toupeira")
- No Largo do Breu (in "Os Vampiros")
- Ó Minha Amora Madura (in "Eu Vou Ser Como a Toupeira")
- O Pastor de Bensafrim (in "Baladas e Canções")
- Os Bravos (in "Baladas e Canções")
- Os Vampiros (in "Os Vampiros")
- Quanto é Doce (in "Fura Fura")
- Que Amor Não me Engana (in "Venham Mais Cinco")
- Saudades de Coimbra (in "Fados de Coimbra e Outras Canções")
- Traz Outro Amigo Também (in "Traz Outro Amigo Também")
- Tu Gitana (in "Galinhas do Mato")
- Vejam Bem (in "Cantares do Andarilho")
- Venham Mais Cinco (in "Venham Mais Cinco")
- Verdes São os Campos (in "Traz Outro Amigo Também")
- Vira de Coimbra (in "Fados de Coimbra e Outras Canções")
Fui à Beira do Mar
Letra, música e voz: José Afonso
Fui à beira do mar
Ver o que lá havia;
Ouvi uma voz cantar
Que ao longe me dizia:
"Ó cantador alegre,
Que é da tua alegria?
Tens tanto para andar
E a noite está tão fria!"
Desde então a lavrar
No meu peito a Alegria;
Ouço alguém a bradar:
"Aproveita que é dia!"
Sentei-me a descansar
Enquanto amanhecia;
Entre o céu e o mar
Uma proa rompia.
Desde então a bater
No meu peito, em segredo,
Sinto uma voz dizer:
"Teima, teima sem medo!"
Desde então a lavrar
No meu peito a Alegria;
Ouço alguém a bradar:
"Aproveita que é dia!"
Antes de mais, devo confessar que nem tudo o que tenho ouvido da boca do Sr. Rui Pêgo em resposta às questões formuladas pelo Sr. Provedor me têm agradado, mas registo com satisfação o anúncio de uma maior atenção na Antena 2 para o teatro radiofónico e para outros conteúdos no campo das artes e do conhecimento. Estaremos cá para ver! Agora fico bastante apreensivo quando Rui Pêgo vem falar em "radio art", a propósito de teatro e de arte, porque não vejo qualquer relação entre a arte em geral e as colagens caóticas e assaz enfadonhas de excertos de programas em várias línguas, que passaram a pontuar as madrugadas de fim-de-semana da rádio clássica. Não sei de quem partiu a ideia de chamar "radio art" a esses produtos intragáveis, mas quem quer que seja devia ter uma noção bastante bizarra do conceito de arte. Indo agora ao assunto que me impeliu a escrever, e dado que o Sr. Rui Pêgo não se tem dignado responder às cartas que lhe tenho endereçado, peço ao Sr. Provedor o especial favor de o questionar sobre os pequenos e grandes formatos musicais da Antena 1. Gostava que o director de programas do principal canal generalista da rádio pública portuguesa me desse uma razão plausível e admissível para o facto da música anglo-americana, além de um pequeno formato – "Outras Histórias da Música" (Pop/Rock) –, ter também um grande formato – "Ondas Luisianas" – de duas horas semanais e em dose dupla (depois da meia-noite de sexta-feira e sábado à tarde) e isso não acontecer relativamente às músicas da portugalidade (fado e música de matriz tradicional) e da latinidade, sintomaticamente restringidas a mini-formatos, quais ilhotas perdidas no largo oceano. Sendo a Antena 1 uma rádio portuguesa, e ainda por cima pública, não consigo entender esta estranha situação. Será que na britânica BBC Radio e na americana National Public Radio as músicas matriciais anglo-saxónicas estão também reduzidas a formatos de cinco minutos de duração diária e os grandes formatos são reservados à música portuguesa e lusófona? Quero que fique bem claro que não estou a pôr em causa o programa "Ondas Luisianas" e o seu autor, Luís Filipe Barros. Digo isto perfeitamente à vontade porque até gosto do programa, sobretudo da segunda hora. Só não consigo entender, nem aceitar, que não haja programas similares na Antena 1 dedicados às músicas mais autênticas do mundo lusófono e latino que, como todos sabemos, são deliberadamente excluídas da 'playlist'. Os mini-formatos "Cantos da Casa" (música tradicional), "Alma Lusa" (fado) e "Júlio Isidro" (música latina) têm mostrado que não é por falta de material que não existem grandes formatos nessas áreas musicais. E também não é certamente por questões orçamentais porque nas antenas internacionais da RDP há bons programas que podiam ser aproveitados para a grelha da Antena 1, e para grande proveito dos ouvintes residentes em Portugal continental e insular. Então, qual será a razão? Com os melhores cumprimentos,
No início do ano, a grelha da Antena 2 voltou a ter novas mexidas que me merecem alguns comentários. Em primeiro lugar, começo por me congratular com a mudança de "Questões de Moral" e de outros programas de autor para as 23:05 horas (em vez da meia-noite como acontecia até agora) sendo repetidos às 12:00 no dia homónimo da semana seguinte. Positivo é também os programas que tinham periodicidade quinzenal passarem a ter periodicidade semanal e alguns programas do fim-de-semana como "Em Sintonia com António Cartaxo" ou "Um Certo Olhar" que, até agora, eram emitidos uma única vez, passarem a ter outra transmissão (às 16 horas, durante a semana), o que dá mais possibilidades de audição a ouvintes com hábitos de escuta e disponibilidades de tempo diferentes. Outra alteração que considero positiva, foi a criação de mais um espaço para a transmissão de concertos – "Salão Nobre" (de segunda a sexta-feira, 14:00) – que conjuntamente com o "Grande Auditório" (de segunda a sexta-feira, 21:00), dá aos melómanos uma oferta muito razoável da música que se vai tocando nos principais festivais e recitais, quer estrangeiros quer nacionais. Saúdo também o regresso de um programa de ciência – "Laboratório" (domingo, 13:30) – e também de uma nova rubrica de poesia – "Voz Alta" (de segunda a sexta-feira, 23:00) – na qual os nossos poetas dizem poemas da sua lavra. Já tinha chamado a atenção para o facto da única rubrica de poesia até agora existente na rádio pública – "Os Sons Férteis" – passar apenas uma vez por dia (às 11:00) e não ser repetida (sobretudo a pensar nos ouvintes não informatizados) e, nessa medida, é de saudar que a poesia recitada tenha agora mais um cantinho na Antena 2 (na Antena 1 é que continua a faltar!). Ainda em maré de coisas positivas, devo confessar a minha satisfação pelo surgimento de um novo programa de evocações – "Além Tempo", de Luís Ramos (sábados, 12:30) –, que vem colmatar a lacuna que se fazia sentir desde meados de 2005, quando foi inexplicavelmente extinto o programa "Evocações". E pelo que me foi dado ouvir até agora, também me agradaram os novos programas de autor de temática musical: "Caleidoscópio", de Luís Ribeiro (sábados, 21:00; segundas, 16:00); "Memória do Som", de Piñeiro Nagy (domingos, 21:00; quartas, 16:00); "Cosmorama", de Alexandre Branco e Ana Telles (terças, 12:00, 23:05). Já não posso dizer o mesmo de "Fuga da Arte" (sábados, 24:00) e de "Vias de Facto" (domingos, 24:00), dois programas que, pelos tipos de música neles contemplados, estão totalmente deslocados na Antena 2 constituindo autênticas aberrações na grelha. Aliás, existe uma clara dualidade de critérios quando se extingue o "Café Plaza", por alegadamente passar música não adequada à Antena 2 e se mantém programas com músicas que, além de destoarem na rádio clássica, ferem a sensibilidade e o gosto de boa parte dos ouvintes. Também não gostei que o programa "Páginas de Português" que era transmitida à hora de almoço de domingo (13:30) tenha sido catapultado para as 17:00, um horário muito mais ingrato. E lamento também – e profundamente – a não continuação de "Páginas Esquecidas", de Ana Paula Ferreira, que para mim era a rubrica mais interessante da Antena 2, logo a seguir ao apontamento de poesia e música de Paulo Rato. A este propósito, não posso deixar de manifestar o meu descontentamento pela desvalorização / marginalização que a cultura humanística fora do universo musical vem sofrendo na Antena 2. Vejamos: além das duas rubricas de poesia e dos programas "Questões de Moral" (reflexão), "Páginas de Português" (língua portuguesa) e "Lugar ao Sul" (cultura tradicional) e, em parte, "A Força das Coisas" (magazine de Luís Caetano), tudo o mais são espaços de entrevista (ou de comentário) e pequenos formatos sobre a actualidade cultural (novidades discográficas, novidades literárias, filmes em estreia, peças em cena, exposições, concertos). É importante que haja entrevistas e espaços sobre os eventos culturais que vão acontecendo no país, mas o serviço público de rádio pressupõe algo mais: aproveitar as potencialidades e peculiaridades da rádio para a produção / divulgação de conteúdos nos vários campos do Saber e das Artes. Neste contexto, é pertinente referir a História, a Literatura e o Teatro, áreas em que rádio podia desempenhar um importante papel e nalgumas situações até insubstituível. E tudo isso podia ser feito a custo zero pois bastaria fazer uso do riquíssimo arquivo histórico, um acervo imenso mas quase totalmente inexplorado. Convém lembrar que nesse arquivo, quer a História, quer a Literatura, quer o Teatro, têm uma larga e profusa representatividade. Começando pela História, faço uma referência muito especial a uma extraordinária série de programas da autoria de Maria João Martins intitulada "Na Máquina do Tempo" que, de uma forma muito aliciante, nos mostrava o lado menos institucional e escolástico de vários temas da História de Portugal. Ainda guardo uma gratíssima memória, pelo encantamento que me causou e pelo muito que aprendi, de um programa dedicado à evolução histórica daquele que é talvez o maior mito português – o sebastianismo. Ainda neste âmbito, tenho também de referir os ciclos temáticos que se fizeram sobre acontecimentos marcantes e figuras de relevo da História da Humanidade – escritores, poetas, dramaturgos, artistas, pensadores, cientistas, exploradores, estadistas, filantropos. Depois do ciclo que em 2005 foi dedicado a Bocage, a propósito dos 200 anos da morte do poeta, e com excepção de um programa sobre Rembrandt em meados de 2006, nada mais existiu, o que constitui uma grave omissão do serviço público. Por que motivo não se resgatam do arquivo esses conteúdos, a exemplo do que tem sido feito com as gravações musicais? E isto aplica-se, com igual propriedade, ao teatro radiofónico e a programas de divulgação / fruição literária. Já tratei do teatro no texto em que prestei o meu modesto tributo a Eduardo Street e, por isso, cumpre-me mencionar agora a leitura de livros. Por que razão não se dá a ouvir o que de melhor se fez neste campo? Por exemplo: "A Pequena Crónica de Anna Magdalena Bach" lida por Carmen Dolores; as "Viagens na Minha Terra", lida por Carlos Acheman; a "Peregrinação" (de Fernão Mendes Pinto), esta com uma soberba leitura de José Mário Branco numa magnífica realização de Margarida Lisboa). Eu iria até mais longe: a RDP prestaria um relevante serviço cultural ao país se procedesse à edição de audiolivros, que até poderia ser feita em parceria com um jornal de circulação nacional e/ou em protocolo com o Instituto do Livro e das Bibliotecas e com o Ministério da Educação, com vista à sua distribuição pela rede de bibliotecas públicas e pelas escolas do ensino básico. E se isto é verdade para a ficção, não deixa de o ser também para a poesia recitada e para o teatro radiofónico, um património de uma extraordinária riqueza no arquivo histórico e de uma valia inestimável mas escandalosamente desaproveitado. Numa altura em que se fala tanto de conteúdos áudio e vídeo, de que é que a rádio pública está à espera quando tem à sua disposição o maior e mais rico acervo fonográfico existente em Portugal? É altura do arquivo da RDP deixar de ser encarado como um cemitério – como apropriadamente lhe chamou Adelino Gomes – e que as preciosidades que lá existem sejam resgatadas para a luz do dia, quer através de edições discográficas, quer com a colocação na internet. No tocante a edições discográficas, já se começou a fazer alguma coisa (a caixa com obras de Fernando Lopes Graça é uma iniciativa muito louvável), mas na área dos registos não musicais ainda nada foi feito. Para mim, constitui um crime contra a memória e contra a cultura deixar o valiosíssimo arquivo histórico da RDP a apodrecer sob o pó do esquecimento, sem que ninguém dele possa tirar proveito. Porque só se ama o que se conhece e um arquivo fonográfico que não é dado a conhecer e não é fruído é como um livro que permanece fechado e não é lido. É como se não existisse, só que no caso do arquivo sonoro houve um investimento de dinheiros públicos em suportes de gravação e respectiva conservação que importaria fazer render (em todos os sentidos). E depois há a questão dos cidadãos cegos ou com deficiência visual de quem a rádio pública se parece ter esquecido. Volto a lembrar que tanto o teatro radiofónico como a leitura de livros são duas modalidades especialmente úteis aos invisuais que não podendo usufruir dos meios visuais (livros, televisão, artes cénicas, etc.) e ou não tendo acesso a literatura em Braille ou audiolivros (ainda há muitas bibliotecas públicas que os não disponibilizam) é legítimo que possam encontrar na rádio resposta às suas necessidades culturais.
Antes de mais, começo por me solidarizar com Jorge Rodrigues, o autor e apresentador do programa "Ritornello" pois tenho o grande prazer e proveito de pertencer ao vasto auditório que costuma ouvi-lo ao fim da tarde, na Antena 2. Além de ser um profissional de alto gabarito e um grande conhecedor do repertório erudito e respectivos intérpretes, Jorge Rodrigues possui também uma das melhores vozes da Antena 2, coisa nada despicienda numa rádio onde o serviço de locução sofreu nos últimos tempos uma acentuada degradação. A somar a isso, os convidados que criteriosamente escolhe para levar ao estúdio representam um motivo de acrescido interesse para o ouvinte por lhe permitir desvendar o lado menos institucional e menos cinzento das figuras públicas, designadamente através das suas escolhas musicais. Foi através do "Ritornello" que fiquei a conhecer os gostos musicais de figuras tão importantes como Eugénio de Andrade, Mário Cláudio ou José Saramago, entre outras. E jamais esquecerei a emissão em que participou, via telefone, de D. Mécia de Sena, viúva de Jorge de Sena, emissão essa especialmente dedicada aos magníficos poemas alusivos a obras-primas da música erudita ("Variações Goldberg" de Bach, "Requiem" de Mozart, etc.) que o grande poeta escreveu no livro "Arte de Música". Por tudo isto, não posso compreender, e ainda menos aceitar, a proibição imposta a Jorge Rodrigues de fazer entrevistas no seu programa, restringindo-o à função de tocador de CDs. Em primeiro lugar, e sem pôr em causa a autoridade da direcção na definição das linhas orientadoras da programação, compete à mesma direcção respeitar a liberdade e a autonomia dos realizadores no exercício do seu métier. Ora o "Ritornello" é um programa de autor e ainda por cima em directo e, como tal, faz todo o sentido que o realizador tenha a liberdade de poder contar com a participação, presencial ou à distância, de pessoas que, a seu ver, possam dar um contributo válido para a valorização do serviço público. Neste sentido, a limitação imposta pela direcção, além de descabida, parece-me abusiva e, indubitavelmente, lesiva da dignidade e do brio profissional do autor do programa. Em segundo lugar, estamos a falar, nem mais nem menos, do programa de maior audiência da Antena 2, facto que deve ser salientado e enaltecido porque conseguido por mérito do autor e sem descer na fasquia de qualidade e sem cedências à mediocridade. E se o programa regista tão altas audiências é porque os exigentes ouvintes da Antena 2, a par da música, também apreciam as conversas que Jorge Rodrigues entabula com os seus convidados, pormenor que a direcção devia ter em conta. A menos que Rui Pêgo queira ter a pretensão paternalista e arrogante de achar que os ouvintes estão errados e que ele, na sua superior infalibilidade, é que sabe o que é bom para eles. Em terceiro lugar, não consigo entender a razão para, de um momento para o outro, não poder haver entrevistas no "Ritornello" quando elas existem no programa congénere do período da manhã, o "Império dos Sentidos". Com que critério e fundamento é que Rui Pêgo quer banir as entrevistas na viagem de regresso do emprego e as mantém na viagem de ida para o mesmo? A meu ver, a audição de uma entrevista faz muito mais sentido na viagem de regresso porque, em princípio, o ouvinte já não tem a pressa e a azáfama de chegar a tempo ao emprego e, como tal, pode dispensar outro tempo e atenção à audição de uma conversa. Como tal, o argumento apresentado por Rui Pêgo ao Correio da Manhã de um alegado servilismo não tem a mínima consistência e razoabilidade porque se Jorge Rodrigues dá voz a pessoas que criticam o Governo e as suas opções para a Cultura não seria eticamente aceitável que não desse oportunidade a representantes do Governo para exporem também as suas razões. É assim que as coisas funcionam em democracia, mas Rui Pêgo (e a administração que o mandatou) parece não perceberem essa coisa elementar. Ou será que a direcção da RDP para não ser acusada de alinhamento com o Governo (a exemplo do que tem acontecido com a televisão pública), se apressou a aproveitar este caso para fazer um frete encapotado ao Governo, calando na rádio pública as vozes incómodas? Em qualquer dos casos, estamos em presença de uma atitude claramente censória, que jamais se poderá aceitar num regime em que a liberdade de expressão está constitucionalmente consagrada e, ainda por cima, tratando-se de um órgão de comunicação social público. Não obstante, não descarto a hipótese deste caso ser um pretexto com outros fins pérfidos que publicamente não se quer assumir. Quer me parecer que o condicionamento imposto a Jorge Rodrigues e o ataque à sua dignidade profissional, tenha o propósito velado e não assumido de o irradiar de antena, o que aliás não seria caso inédito (veja-se o que aconteceu a Rui Dias José, Graça Vasconcelos, António Cardoso Pinto e Francisco Sena Santos). E não digo isto por mera especulação, já que a amputação da segunda hora do "Ritornello", em Setembro passado, representa por si só um desinvestimento no programa por parte da direcção e uma clara afronta ao seu autor, o qual já fora desconsiderado – é bom não esquecer – quando extinguiram o seu "Operamania" e não lhe entregaram o programa substituto, o "Cantabile". Estou em crer que o que se está a passar com o "Ritornello" se insere na estratégia da terra queimada, que passou a vigorar na Antena 2, com a extinção de programas modelares e a irradiação dos melhores profissionais para dar lugar aos tais mancebos 'imberbes' e a alguns colaboradores externos perfeitamente dispensáveis e supérfluos. Por tudo isto, enquanto cidadão e ouvinte da Antena 2, não posso deixar de repudiar o ataque ao grande profissional que é Jorge Rodrigues e ao seu (e nosso) "Ritornello".
É hábito as televisões portuguesas, na quadra natalícia, melhorarem a grelha sobretudo com a exibição de filmes e a transmissão concertos de música. A RTP-1 também cumpriu a tradição, mas no caso da música portuguesa fê-lo da pior maneira. Começo pelos horários: Marco Paulo, Tony Carreira e Anjos passaram em horário nobre, enquanto que José Mário Branco, João Braga e Camané foram atirados para a madrugada. Por exemplo, o concerto de José Mário Branco que teve como convidados nomes tão importantes como Fausto Bordalo Dias, Júlio Pereira, Filipa Pais e José Peixoto passou – pasme-se! – depois das 2h:30 da madrugada. Desconheço qual o critério usado pela direcção de programas da RTP-1 para a desigualdade de tratamento dada aos vários artistas da nossa praça, mas partindo do pressuposto que pesou uma suposta maior popularidade de uns em relação a outros, então a televisão pública prestou um péssimo serviço público. A televisão pública não pode nem deve andar atrás de audiências mas tão-somente procurar apresentar o melhor serviço que está ao seu alcance. Nem vou ao ponto de dizer que nomes como Marco Paulo, Tony Carreira e Anjos (incluindo todos os 'Pimbas' que costumam marcar presença nos programas da manhã e da tarde) não devem ter lugar na televisão pública mas já não posso aceitar, de forma alguma, a marginalização de que cantores/intérpretes de créditos firmados e de qualidade incontestada vêm sendo alvo. E digo isto não tanto pela consideração de que tais artistas são credores, mas apenas pelo respeito que a direcção de programas da RTP-1 devia ter pelos telespectadores seus apreciadores. Assim fica-se com a ideia que de que para a televisão estatal só interessam os apreciadores de Marco Paulo, Tony Carreira, Anjos e afins enquanto que os demais telespectadores não contam para nada. Ou servirão apenas para pagar a taxa do audiovisual?
E como se isto não bastasse, constata-se ainda que muitos artistas de qualidade reconhecida (entre os quais algumas figuras de referência da música portuguesa) nem sequer têm acesso à televisão do Estado, mesmo em horários esconsos, o que considero muito grave. Por que motivo os telespectadores da televisão pública não podem ver/ouvir uma Mísia, uma Aldina Duarte, uma Ana Laíns, uma Amélia Muge, um Pedro Barroso, um Vitorino, um Janita Salomé, um Eduardo Ramos, um Rão Kyao, um Júlio Pereira, um Pedro Caldeira Cabral, um José Peixoto, um Pedro Jóia, uns Frei Fado d'El Rei, isto para já não falar em tantos e bons agrupamentos de música folk/tradicional – Aqua d'Iris, At-Tambur, Belaurora, Brigada Victor Jara, Canto da Terra, Charanga, Chuchurumel, Contrabando, Danças Ocultas, Dar de Vaia, Dazkarieh, Gaiteiros de Lisboa, Galandum Galundaina, Lúmen, Maio Moço, Mandrágora, Marenostrum, Melodias do Vento, Moçoilas, Modas ao Luar, Mu, José Barros e Navegante, Nem Truz Nem Muz, Ódagaita, Pedra d'Hera, Popularis, Quadrilha, Real Companhia, Realejo, Roda Pé, Roldana Folk, Ronda dos Quatro Caminhos, Rosa Negra, Segue-me à Capela, Som Ibérico, Terrakota, Trovas à Toa, Vá-de-Viró, Vai de Roda.
Não competiria à televisão que todos financiamos dar a conhecer ao grande público o que de melhor se faz em Portugal em matéria de música popular? Será razoável que o dinheiro dos contribuintes seja desbaratado com os produtos de mais baixo nível, e se sonegue o que tem mais qualidade e autenticidade? Uma das atribuições do serviço público de televisão não é a promoção da língua e cultura portuguesas? Ou será que o Sr. Nuno Santos entende que a música pimba e a música de cassete pirata são o que melhor representam a cultura portuguesa?