22 abril 2018
José Vianna da Motta: 150.º aniversário do nascimento
José Vianna da Motta retratado por Columbano Bordalo Pinheiro, 1923, óleo sobre tela, Museu Nacional de Arte Contemporânea/Museu do Chiado, Lisboa
«José Vianna da Motta marcou o curso da História da Música em Portugal em dois aspectos fundamentais. Por um lado, formou várias gerações de pianistas portugueses, fundando uma escola interpretativa que se prolonga até aos nossos dias. Por outro lado, foi um dos primeiros compositores empenhados no "reaportuguesamento" da música erudita, na afortunada expressão de Afonso Lopes Vieira. Utilizou a música tradicional e a poesia culta portuguesas nas suas obras, fazendo parte da geração que transformou Camões em símbolo da nação. A abertura "Inês de Castro", baseada na versão narrada no poema épico "Os Lusíadas", é exemplo desta exaltação camoniana, assim como a Sinfonia "À Pátria", a sua obra mais conhecida, cujos andamentos são precedidos por epígrafes retiradas do mesmo poema. Para Vianna da Motta, a "expressão para o sentimento da nação" era o objectivo mais alto ao qual devia aspirar a composição.» [Teresa Cascudo, introdução da resenha biográfica publicada no site do Instituto Camões]
Poucos são os portugueses de hoje que nunca ouviram os primeiros compassos da Sinfonia em Lá maior, "À Pátria", op. 13 >> YouTube], mesmo desconhecendo a que obra pertencem, mas já não se pode dizer o mesmo da demais produção de Vianna da Motta. E para essa ignorância muito tem contribuído a muito residual e esparsa transmissão das suas obras pela Antena 2, o canal do serviço público de radiodifusão que está legalmente obrigado a prestar uma particular atenção aos compositores eruditos portugueses. E se a discografia disponível tem sido quase esquecida pelos programadores, o acervo de gravações ao vivo que presumivelmente existe no arquivo histórico tem sido pura e simplesmente negligenciado. Algo que não se compreende nem se pode aceitar, ademais existindo na grelha um espaço denominado "Memória" [>> RTP-Play], justamente consagrado à divulgação do arquivo. Importa, pois, que a direcção da Antena 2 providencie no sentido do necessário resgate desse espólio, em vez de se limitar a repisar, vezes sem conta, o mesmo lote de registos 'requentados'.
Comemorando o 150.º aniversário do nascimento do insigne compositor, pianista e pedagogo, o blogue "A Nossa Rádio" apresenta a belíssima "Canção Perdida", sobre poema de Guerra Junqueiro, magnificamente interpretada pelo tenor Carlos Guilherme e pelo pianista Armando Vidal. Uma pérola!
Canção Perdida
Poema: Guerra Junqueiro (excerto) [texto integral >> abaixo]
Música: José Vianna da Motta (in "Canções Portuguezas para canto e piano compostas por José Vianna da Motta", Rio de Janeiro: Isidoro Bevilacqua e C.ª, 1895)
Intérpretes: Carlos Guilherme & Armando Vidal* (in CD "A Canção Portuguesa", Numérica, 1998)
Alguém de mim se não lembra
Nas terras d'além do mar...
Ó Morte, dava-te a vida, | bis
Se tu lha fosses levar!... |
O meu amor escondi-o
Numa cova ao pé do mar...
Morre o amor, vive a saudade... | bis
Morre o sol, olha o luar!... |
Quem dá ais, ó rouxinol,
Lá para as bandas do mar?...
É o meu amor que na cova | bis
Leva as noites a chorar!... |
Ó meu amor, dorme, dorme
Na areia fina do mar,
Que em antes da estrela-d'alva | bis
Contigo me irei deitar!... |
* Carlos Guilherme – voz (tenor)
Armando Vidal – piano
Gravado no Aurastudio, Paços de Brandão - Santa Maria da Feira, em Janeiro de 1996
Engenheiros de som – Jorge Fidalgo e Fernando Rocha
Mistura – Jorge Fidalgo
Montagem – Fernando Rocha
CANÇÃO PERDIDA
(Guerra Junqueiro, in "Os Simples", Porto: Typographia Occidental, 1892 – p. 73-76; "Os Simples: Poesias Líricas", Porto: Lello & Irmão – Editores, 1978 – p. 73-76)
Hálitos de lilás, de violeta e d'opala,
Roxas macerações de dor e d'agonia,
O campo, anoitecendo e adormecendo, exala...
Triste, canta uma voz na síncope do dia:
Alguém de mim se não lembra
Nas terras d'além do mar...
Ó Morte, dava-te a vida,
Se tu lha fosses levar!...
Ó Morte, dava-te a vida,
Se tu lha fosses levar!...
Com o beijo do Sol na face cadavérica,
Beijo que a morte esvai em palidez algente.
Eis a Lua a boiar sonâmbula e quimérica...
Doce, canta uma voz melancolicamente:
O meu amor escondi-o
Numa cova ao pé do mar...
Morre o amor, vive a saudade...
Morre o sol, olha o luar!...
Morre o amor, vive a saudade...
Morre o sol, olha o luar!...
Latescente a neblina opálica flutua,
Diluindo, evaporando os montes de granito
Em colossos de sonho, extasiados de lua...
Flébil, chora uma voz no letargo infinito:
Quem dá ais, ó rouxinol,
Lá para as bandas do mar?...
É o meu amor que na cova
Leva as noites a chorar!...
É o meu amor que na cova
Leva as noites a chorar!...
A Lua enorme, a Lua argêntea, a Lua calma,
Imponderalisou a natureza inteira,
Descondensou-a em fluido e embebeceu-a em alma...
Triste, expira uma voz na canção derradeira:
Ó meu amor, dorme, dorme
Na areia fina do mar,
Que em antes da estrela-d'alva
Contigo me irei deitar!...
Que em antes da estrela-d'alva
Contigo me irei deitar!...
Maio — 91.
Capa da 1.ª edição do livro "Os Simples", de Guerra Junqueiro (Porto: Typographia Occidental, 1892)
Capa do CD "A Canção Portuguesa", de Carlos Guilherme & Armando Vidal (Numérica, 1998)
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