31 outubro 2016

"O Fio de Ariadne": em demanda de algumas das mais talentosas artistas do Ocidente


Artemisia Gentileschi, "Auto-Retrato como Alegoria da Pintura", 1638-1639, óleo sobre tela, 98,6 × 75,2 cm, Royal Collection at Windsor Castle, Berkshire, Inglaterra

«Devido ao nascimento do Minotauro, fruto do amor ilícito da sua mulher Pasífae com um belo touro enviado por Poseidon para o castigar, Minos, rei de Creta, pai de Ariadne, encarregou o grande arquitecto Dédalo de construir um local de reclusão para aquela criatura monstruosa de onde fosse impossível escapar. Foi assim que se concebeu o Labirinto. Uma vez lá dentro podiam seguir-se, infinitamente, os caminhos ziguezagueantes sem nunca ser possível encontrar uma forma de saída.
De nove em nove anos eram enviados desde Atenas, na época subjugada por Minos, sete rapazes e sete raparigas, todos virgens, para serem oferecidos em sacrifício ao Minotauro que, avidamente, os devorava.
Ariadne apaixonou-se, então, por um desses atenienses – Teseu – e logo engendrou um plano para o salvar de tão horrenda morte. Deu-lhe um novelo de fio que devia prender a uma grade e desenrolar à medida que avançava para o seu interior. Teseu conseguiu matar o Minotauro e, desta forma, encontrar o trajecto de fuga. Levou consigo Ariadne, refugiando-se ambos no barco que os havia de conduzir a Atenas. Porém, ao aportarem na ilha de Naxos, Teseu abandonou Ariadne e deixou-a entregue à sua sorte.
Este passo da mitologia grega serve de metáfora ao desinteresse a que, ao longo dos séculos, foi votado o génio e o engenho femininos. Tal como Teseu desprezou Ariadne, apesar de esta o ter salvado de uma morte certa, também os "homens", em geral, ignoraram, talvez por uma questão de receio, o talento feminino.
Desconhecidas do grande público e descuradas pela História da Arte, as mulheres artistas, desde o Renascimento até à Revolução Industrial, cujos talento e sucesso foram sintomaticamente assimilados como "uma excepção" ou "um milagre da natureza", são, na verdade, em número diminuto quando comparadas com o sexo oposto. Na origem desta disparidade, que a reabilitação de génios desconhecidos está longe de poder reduzir, encontra-se uma oposição entre feminino e masculino, a qual, baseando-se nas "leis naturais", traçou uma divisória profunda e duradoura entre espaço social, doméstico, económico e simbólico, ao mesmo tempo que um sexismo da arte sempre lhes foi desfavorável.
Da aprendizagem do ofício ao sistema da cena artística, aquelas que escolheram os pincéis em detrimento das agulhas, a fim de poderem reivindicar um papel para o qual o seu género "naturalmente" as não destinava, foram obrigadas a desenvolver estratégias complexas que frustrassem as proibições e os constrangimentos.
Ao longo de treze programas iremos dar luz e voz a algumas destas mulheres que a história, injustamente, deturpou ou negligenciou.» [Ana Mântua e João Chambers, in homepage na Antena 2].


Durante largos anos, a Antena 2 teve na sua grelha dois programas, de periodicidade semanal, sobre arte: "Arte em Portugal", de Maria Manuela Albuquerque, e "A Dádiva das Formas", de Rui Mário Gonçalves. Eram notáveis exemplos de serviço público cultural mas que – e lamentavelmente – não tiveram continuidade após a saída de João Pereira Bastos da direcção de programas. Têm valido, para mitigar a fome dos ouvintes no que à arte diz respeito, uns poucos ciclos de duração trimestral, inseridos no espaço "Caleidoscópio", mormente os da autoria de Ana Mântua e João Chambers: "Divina Proporção" (2007), "A Herança de Atena" (2009), "As Idades do Mundo" (2012) e "O Fio de Ariadne", cuja transmissão começou nos inícios de Outubro de 2016, e que, conforme os autores enunciam no texto de apresentação acima transcrito, tem o propósito de rasgar o véu de desconsideração e menorização com que a historiografia (misógina) cobriu as mulheres artistas que viveram antes da emancipação feminina possibilitada pela Revolução Industrial mas só efectivada no século XX na sequência do movimento sufragista.
A exemplo das séries anteriores, a ilustração musical é temporalmente enquadrada, isto é, incide em compositores e compositoras (o que na presente série assume particular pertinência) coevos às artistas tratadas no texto. Um motivo de acrescido interesse para a audição (e reaudição) dos treze episódios de "O Fio de Ariadne"!

O Fio de Ariadne
Antena 2, domingos, às 22h:00; repetição: quartas-feiras subsequentes, às 13h:00
Texto: Ana Mântua
Selecção musical: João Chambers.


O FIO DE ARIADNE:
Ep. 1 | 2 Out. 2016 | 5 Out. 2016 [>> RTP-Play]
A tipologia das freiras-artistas Hildegard von Bingen (1098-1179), Caterina de Vigri (1413-1463) e Plautilla Nelli (1524-1588), e a música da primeira, do "Códice Magliabechiano", de Camilla de Rossi, do "Livro de Canto" de Anna de Colónia e de Caterina Assandra.

Ep. 2 | 9 Out. 2016 | 12 Out. 2016 [>> RTP-Play]
Sofonisba Anguissola (c.1532-1625), pintora de Cremona ao serviço da corte de Filipe II de Espanha, e repertório de Claudia Sessa, Francesca Caccini, Caterina Assandra, Chiara Margarita Cozzolani, Diogo Dias Melgás e autoras anónimas, entre as quais uma apenas conhecida por Mantovana.

Ep. 3 |16 Out. 2016 | 19 Out. 2016 [>> RTP-Play]
A violação e o processo de Artemisia Gentileschi (1593-c.1652), factores determinantes para o desenvolvimento da temática das "mulheres fortes", e a música da contemporânea Barbara Strozzi.

Ep. 4 |23 Out. 2016 | 26 Out. 2016 [>> RTP-Play]
Naturezas-mortas: o pioneirismo de Clara Peeters (c.1594-c.1659) e a generosidade de Giovanna Garzoni (1600-1670).

Ep. 5 |30 Out. 2016 | 2 Nov. 2016 [>> RTP-Play]
Josefa d'Óbidos (1630-1684): a pintora do Barroco português e a arte de Frei Manuel Cardoso, Duarte Lobo, Manuel Rodrigues Coelho, Fernando de Almeida, Diogo Dias Melgás, Giovanni Pierluigi da Palestrina e João Lourenço Rebelo, quase todos contemporâneos no Portugal do século XVII.

Ep. 6 – 6 Nov. 2016 | 9 Nov. 2016 [>> RTP-Play]
Rosalba Carriera (1675-1757), uma miniaturista veneziana na Real Academia de Pintura e Escultura de Paris.

Ep. 7 |13 Nov. 2016 | 16 Nov. 2016 [>> RTP-Play]
Angelica Kauffman (1741-1807), pintora suíça e uma das fundadoras da Real Academia de Arte de Londres.

Ep. 8 |20 Nov. 2016 | 23 Nov. 2016 [>> RTP-Play]
Élisabeth-Louise Vigée-Le Brun (1755-1842), pintora na corte de Maria Antonieta, rainha de França.

Ep. 9 |27 Nov. 2016 | 30 Nov. 2016 [>> RTP-Play]
A raça, o género e a visualidade da pintura de Marie-Guillemine Benoist (1768-1826) no neoclassicismo francês.

Ep. 10 | 4 Dezembro | 7 Dezembro [>> RTP-Play]
As três grandes mulheres do Impressionismo: Marie Bracquemont (1840-1916), Berthe Morisot (1841-1895) e Mary Cassatt (1844-1926) e a música de Lili Boulanger, Pauline Viardot, Cécile Chaminade e Stephen Collins Foster, todos contemporâneos em França e nos Estados Unidos da América.

Ep. 11 | 11 Dezembro | 14 Dezembro [>> RTP-Play]
Camille Claudel (1864-1943), uma escultora entre a genialidade e a loucura.

Ep. 12 | 18 Dezembro | 21 Dezembro [>> RTP-Play]
A pintora e fotógrafa portuguesa Aurélia de Sousa (1866-1922) na efeméride dos 150 anos do seu nascimento.

Ep. 13 | 25 Dezembro | 28 Dezembro [>> RTP-Play]
Sonia Delaunay (1885-1976), uma ucraniana entre Paris e Amarante.

[Actualizado em 28 Dez. 2016]


Abrimos este artigo com um auto-retrato de Artemisia Gentileschi, como alegoria da pintura, e é com a mesma artista que o fechamos, apresentando uma magnífica galeria de imagens de obras da sua autoria (por ordem cronológica da criação). De salientar que a notabilíssima pintora, cuja produção se situa na primeira metade do séc. XVII, se auto-retratou em vários quadros como, por exemplo, "Alegoria da Inclinação (para a Arte)", "Conversão de Maria Madalena" e "Santa Cecília" (tocando um instrumento de tecla).



Artemisia Gentileschi, "Susana e os Anciãos", 1610, óleo sobre tela, 170 × 119 cm, Schloss Weissenstein, Pommersfelden, Alemanha



Artemisia Gentileschi, "Madona e o Menino", 1610-11, óleo sobre tela, 116,5 × 86,5 cm, Galleria Spada, Roma, Itália



Artemisia Gentileschi, "Santa Cecília Tocando Alaúde", 1610-12, óleo sobre tela, 108 × 78,5 cm, Galleria Spada, Roma, Itália



Artemisia Gentileschi, "Judite Decapitando Holofernes", 1612-13, óleo sobre tela, 158,8 × 125,5 cm, Museo Nazionale di Capodimonte, Nápoles, Itália



Artemisia Gentileschi, "Minerva", c.1615, óleo sobre tela, 131 x 103 cm, Sopraintendenza alle Gallerie, Florença, Itália



Artemisia Gentileschi, "Alegoria da Inclinação (para a Arte)", 1615-16, óleo sobre tela, 152 × 61 cm, Casa Buonarroti, Florença, Itália



Artemisia Gentileschi, "Conversão de Maria Madalena", 1615-16, óleo sobre tela, 146,5 × 108 cm, Galleria Palatina di Palazzo Pitti, Florença, Itália



Artemisia Gentileschi, "Judite e a Criada com a Cabeça de Holofernes", 1618-19, óleo sobre tela, 114 × 93,5 cm, Galleria Palatina di Palazzo Pitti, Florença, Itália



Artemisia Gentileschi, "Judite Decapitando Holofernes", c.1620, óleo sobre tela, 199 × 162,5 cm, Galleria degli Uffizi, Florença, Itália



Artemisia Gentileschi, "Jael Matando Sisara", 1620, óleo sobre tela, 86 × 125 cm, Szépmuvészeti Múzeum, Budapeste, Hungria



Artemisia Gentileschi, "Retrato de uma Senhora Sentada (provavelmente Caterina Savelli)", c.1620, óleo sobre tela, 128,3 × 95,9 cm, Colecção privada



Artemisia Gentileschi, "Santa Cecília", c.1620, óleo sobre tela, 92 × 72 cm, Colecção privada, Trento, Itália



Artemisia Gentileschi, "Cleópatra", c.1620, óleo sobre tela, 97 × 71,5 cm, Fondazione Cavallini-Sgarbi, Ferrara, Itália



Artemisia Gentileschi, "Lucrécia", c.1621, óleo sobre tela, 54 × 51 cm, Palazzo Cattaneo-Adorno, Génova, Itália



Artemisia Gentileschi, "Vénus Adormecida e Cupido", 1625-30, óleo sobre tela, 96,5 × 143,8 cm, Virginia Museum of Fine Arts, Richmond, Estados Unidos da América



Artemisia Gentileschi, "Mulher Tocando Alaúde", 1628-1629, óleo sobre tela, 64 × 78 cm, Colecção privada



Artemisia Gentileschi, "Corisca e o Sátiro", 1630-35, óleo sobre tela, 155 × 210 cm, Colecção privada de Luciano Pedicini, Nápoles, Itália



Artemisia Gentileschi, "Sansão e Dalila", 1630-38, óleo sobre tela, 90,5 × 109,5 cm, Palazzo Zevallos Stigliano (Palazzo Colonna di Stigliano), Nápoles, Itália



Artemisia Gentileschi, "Cristo e a Samaritana Junto ao Poço de Jacob", c.1637, óleo sobre tela, 267,5 × 206 cm, Palazzo Reale, Nápoles, Itália



Artemisia Gentileschi, "Betsabé no Banho", 1640-45, óleo sobre tela, 288 × 228 cm, Colecção privada, Roma, Itália



Artemisia Gentileschi, "Betsabé no Banho", 1645-50, óleo sobre tela, 259 × 218 cm, Neues Palais, Potsdam, Alemanha.

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