05 dezembro 2012

"Câmara Clara": um bom programa vilmente condenado à morte



«Caros amigos, o Câmara Clara e o Diário Câmara Clara terminam no fim de 2012. Esta decisão foi comunicada a Jorge Wemans, em Junho deste ano, quando era ainda director da RTP2.
Foi, para mim, um enorme privilégio trabalhar sobre as obras das muitas centenas de criadores, artistas e investigadores de que o Câmara Clara se ocupou ao longo dos últimos seis anos e meio. Um enorme privilégio trabalhar com os excelentes profissionais que integram a equipa do Câmara Clara, externa à RTP. Um enorme privilégio trabalhar com os profissionais da RTP que exemplarmente cumpriram a sua parte na produção e na realização do programa.
Orgulho-me do serviço que prestámos. Um serviço que é uma das faces, em meu entender inegociável, do serviço público de televisão.
É com naturalidade que aceitamos a ideia de que haja quem pode cumprir melhor a missão que nos estava atribuída. O futuro o dirá. A questão que se coloca agora não é, portanto, a do fim do Câmara Clara nas suas versões semanal e diária. A questão, premente, é a de saber que meios, que espaço e que visibilidade reserva o serviço público de televisão à cobertura de uma das áreas nevrálgicas do desenvolvimento do país: a inovação nas artes e nas ideias e a conservação do nosso extenso e precioso património cultural – da literatura à arquitectura.
A si, que nos acompanhou durante todos estes anos, agradecemos a atenção e a confiança. Foi sempre a pensar em si que cultivámos, com exigência e rigor, a clareza na comunicação daquilo que, acreditamos, deve ser acessível a todos. Até sempre» [Paula Moura Pinheiro, em comunicado à imprensa: http://diariodigital.sapo.pt/news.asp?id_news=604413].

"Um programa excelente, que é uma pena que acabe", disse ao PÚBLICO António Mega Ferreira, escritor e gestor cultural. "A Paula fazia aquilo bem e tinha bastante qualidade. Já era um programa com seis anos, era uma coisa, como se diz em francês, 'honorable'. O mínimo que espero é que apareça uma alternativa, que cubra o mesmo espectro, bastante amplo, de debate de ideias mais 'mainstream' até à revelação de novas tendências e novos criadores. O Câmara Clara não era um programa confinado." Mega Ferreira duvida, no entanto, que num momento em que está anunciada a privatização da RTP, este tipo de programas venha a ser contemplado nas grelhas de um operador privado. [in "Público", 30.11.2012]

Sou espectador assíduo do programa "Câmara Clara", desde que começou em Maio de 2006, tendo então lhe dedicado um pequeno texto, e não quero deixar de apresentar a Paula Moura Pinheiro e à sua qualificada equipa, designadamente aos jornalistas Luís Caetano e Inês Fonseca Santos, os meus reconhecidos agradecimentos por muitos e bons momentos de fruição cultural que me proporcionaram. Sinto-me, por isso, tremendamente defraudado com a decisão (alheia à autora) de acabar com o programa. Qual a razão? Elevados custos de produção, como alguns por aí andam a propalar? Eu pergunto: o "Preço Certo", o "Estado de Graça", o "Anti-Crise", o "Cinco para a Meia-Noite" e as touradas são mais baratos? Tenho seriíssimas dúvidas de que o sejam, mas se, por hipótese, tiverem um custo inferior, em termos meramente contabilísticos, representam sempre um prejuízo maior para os contribuintes. E porquê? Porque são LIXO. Tudo o que se gaste em lixo, um cêntimo que seja, é desperdício. O "Câmara Clara" está nos antípodas do lixo – é um programa de superior qualidade e em perfeita consonância com o conceito de serviço público. Nessa medida, o valor pecuniário envolvido na sua produção/realização (que está longe de ser uma extravagância, quando comparado com o de "produtos" televisivos de muito mais baixo quilate) jamais se poderá considerar, se quisermos ser honestos, um inútil dispêndio de recursos. As verbas aplicadas na cultura e na valorização intelectual dos cidadãos não são despesa – são investimento! Despesa são os rios de dinheiro gastos em coisas que nada dignificam a estação pública e que, em vez de promoverem a elevação cultural/espiritual dos telespectadores, os rebaixam ao nível da sarjeta. Aí, nessas trampas é que se podia (e devia) cortar. Isto para já não falar nos salários obscenamente desproporcionados que determinadas pessoas recebem da RTP. Não, nisso ninguém quer mexer! Por conseguinte, tenho de inferir que a machadada desferida ao "Câmara Clara" não radica propriamente em incontornáveis questões financeiras, antes se insere numa estratégia premeditada de entorpecimento mental das massas. «A gente obriga-vos a pagar a contribuição do audiovisual, mas depois quem escolhe o "serviço público" que vão ter somos nós. Um serviço que será sempre na medida dos nossos interesses de condicionamento cultural, como é óbvio» (não dito, mas pensado). O "Câmara Clara" acabou por ter o mesmo trágico destino do memorável "Acontece!", de Carlos Pinto Coelho, nove anos antes, também eliminado por motivos alegadamente económicos. Repete-se a história – só mudaram as personagens.
Portugal, portugalinho, que triste fado o teu!

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