14 junho 2010

Considerações sobre a 'playlist' da Antena 1

Ouvi com atenção e interesse as edições do programa "Em Nome do Ouvinte" consagradas à 'playlist' da Antena 1 e, findo o ciclo, gostaria de tecer algumas considerações a respeito de alguns pontos abordados.
Começo por concordar com o Provedor do Ouvinte, Sr. Adelino Gomes, quando avança a ideia de um sistema híbrido, não pugnando pela abolição 'playlist' mas recomendando o desejável reforço da programação musical de autor que, actualmente, não tem nem o peso nem a visibilidade que devia ter na rádio pública. O ideal seria a oferta musical do serviço público resultar integralmente da selecção dos realizadores, mas atendendo às alterações que a rádio sofreu nos últimos dez/quinze anos em que realizadores cultos e bons conhecedores de repertório foram despedidos (ou colocados na prateleira) e substituídos pelos chamados radialistas de gostos vulgares e corriqueiros, entre ter tais radialistas a escolher a música para preencher os espaços que apresentam e uma 'playlist' elaborada por um colégio de sábios com sensibilidades musicais diversas mas sempre de apurado bom gosto eu não hesito em optar pela última solução. De facto, o grande problema da 'playlist' da Antena 1 é ter estado (e continuar a estar) nas mãos de uma única pessoa que por maior ecletismo de gostos musicais que tenha (que não me parece ser o caso de José Mariño, devo confessar) nunca garante satisfatoriamente o trinómio "variedade – abrangência – qualidade" que muito a propósito o Sr. Adelino Gomes enunciou. Em Setembro de 2005, em carta que dirigi ao então editor de 'playlist' Rui Santos e ao seu chefe Rui Pêgo (ainda não havia Provedor do Ouvinte), tive o ensejo de lhes sugerir que, para a constituição da 'playlist', solicitassem a colaboração dos realizadores da casa mais qualificados nas diferentes áreas – Edgar Canelas e Armando Carvalhêda (para a música portuguesa de raiz), Luís Filipe Barros (para a música anglo-americana), José Nuno Martins (para a música latina), Raquel Bulha (para as músicas do mundo) e José Duarte (para o jazz). Reparo agora que me esqueci de referir António Cartaxo (para a música clássica). Não, a música clássica não está aqui a mais, pois sou de opinião que nas 'playlists' da estação pública a chamada música erudita tem perfeito cabimento, sem prejuízo da existência de apontamentos como "As Grandes Músicas". É óbvio que não se iria pôr nas 'playlists' de canais generalistas obras de grande envergadura (como uma sinfonia de Mahler ou uma ópera de Wagner), mas com peças e/ou andamentos curtos, de fácil audição, não duvido que a oferta musical ficaria com uma acrescida qualidade. A educação do gosto e o alargamento de horizontes musicais dos ouvintes também passam por aí, e o serviço público de rádio tem nesse capítulo uma particular obrigação. Eu próprio estou inteiramente disponível para enviar à direcção de programas uma lista de centenas de temas (recentes e menos recentes), sobretudo nas áreas da música portuguesa, anglo-americana e clássica, para que a 'playlist' da Antena 1 possa dar o salto qualitativo de que tanto precisa. E não peço qualquer compensação pecuniária: faço-o por amor à boa música e por entender, enquanto contribuinte e ouvinte, que a rádio de todos nós, pelo menos na área musical, está a prestar um serviço muito deficiente.
No Outono de 2006, José Nuno Martins, quando tratou da questão da 'playlist' da Antena 1, se bem me lembro, teve o cuidado de frisar a importância da selecção musical ter a assinatura de várias pessoas, com sensibilidades e mundividências diferentes, por forma a alargar o arco estético e estilístico do repertório facultado à audiência. Rui Pêgo limitou-se a fazer orelhas moucas a essa avisada recomendação e, com o autismo e a caturrice que lhe conhecemos, continuou teimosamente a seguir o mesmo modelo. Com cinco anos que já leva à frente da direcção de programas, parece não ter ainda percebido que a 'playlist' de uma estação de serviço público não se pode pautar pela mesma formatação de uma rádio privada, do tipo RFM (como um ouvinte defendeu, quiçá por encomenda de alguém da direcção da RDP ou de algum interesse obscuro). Mas quanto a isso teremos de pedir responsabilidades a quem tem nas suas mãos o poder de o substituir e, vá-se lá saber porquê, não o faz. Já agora, como explicar a recusa de Rui Pêgo, enquanto cabeça da direcção de programas, em dar as devidas explicações ao Sr. Provedor sobre a 'playlist' e se ter escudado atrás dos seus adjuntos. Sem prejuízo dos editores de 'playlist' (o anterior e o actual) se pronunciarem, pareceu-me de muito mau tom o chefe ter-se remetido ao silêncio, como se tudo aquilo nada tivesse a ver com ele. Só posso interpretar essa atitude como um claro sinal de desconsideração, em primeiro lugar, pela pessoa Adelino Gomes e, sem segundo lugar, pela figura institucional Provedor do Ouvinte.
Como já tive oportunidade de afirmar, nem todos os CDs que aparecem nas lojas com o autocolante "Disco Antena 1" são de indiscutível qualidade e seria importante averiguar o porquê de discos medianos e vulgares merecerem tal distinção enquanto outros de qualidade superior serem ignorados. Eu poderia apresentar aqui uma boa lista, mas para não ser fastidioso, e em complemento ao rol que deixei no texto
Discos Antena 1 (II), escrito em Novembro passado, cito apenas mais cinco, todos lançados depois de Agosto de 2009: "Ao Vivo", de Eduardo Ramos (Ed. de Autor); "Uma Autora, 202 Canções", de Amélia Muge (ed. Carácter); "Cruzes, Canhoto!", de Toque de Caixa (ed. Ocarina); "Guia", de António Zambujo (ed. World Village/Harmonia Mundi); e "Cancionário", de Ricardo Parreira (ed. HM Música). Acresce que todos estão excluídos da 'playlist' e, por curiosidade, nenhum deles tem a chancela das editoras dominantes no mercado nacional. Eu pergunto: todas estas coincidências são casuais? É verdade que alguns daqueles discos (não todos) passaram momentaneamente nas rubricas "Cantos da Casa" e "Alma Lusa", mas tal não devia obstar a que tivessem outra visibilidade na rádio pública. E tal visibilidade, sem prejuízo de receberem a referida distinção ainda que bastante desacreditada, seria alcançada se lhes fosse dada a dignidade de figurarem na 'playlist'. Mas o cúmulo da bizarria é o facto de Discos Antena 1 (e não são tão poucos quanto isso) ficarem de fora da 'playlist', como muito bem lembrou o Sr. Provedor. Dá a ideia de que a etiqueta "Disco Antena 1" serve mais para disfarçar, para inglês ver, porque no fundo não são aqueles os que mais interessa promover. A direcção de programas até poderá alegar: «Vejam a lista dos Discos Antena 1! Como é que se pode dizer que a rádio pública não presta atenção à música portuguesa de qualidade?» A verdade nua e crua, porém, é que os Discos Antena 1, na sua maioria, apenas passam durante uma semana, circunstância que os deixa imensamente prejudicados em comparação com os tais discos/artistas que, mesmo não ostentando o dístico, são massivamente rodados na 'playlist' durante meses seguidos.
Ricardo Soares disse que o fado ao passar quatro vezes por dia (na rubrica "Alma Lusa") fica em vantagem relativamente a qualquer canção pop, que alegadamente roda no máximo duas vezes, no mesmo período. Este argumento além de falacioso não é sério. Em primeiro lugar, entre as 00:00 e as 24:00h, não é o mesmo fado que roda quatro vezes: são dois fados que passam duas vezes cada um. Em segundo lugar, é completamente abstruso e desonesto colocar no mesmo plano de comparação um género musical inteiro, com múltiplos e variados artistas, e uma canção de outro género, no caso música pop. Com efeito, não é pelo facto de haver quatro passagens de fado por dia (correspondendo a dois espécimes/artistas) que o deixa mais bem representado que a música pop. Afinal de contas, quantas passagens de música pop se dão, em média, em cada ciclo de 24 horas? Mesmo sem fazer uma monitorização continuada, e descontando os programas/rubricas de autor e espaços não musicais (noticiários, programas de informação e de desporto, etc.), a minha estimativa aponta para cerca de 65 (não considerando a música estrangeira). Então, será razoável comparar 4 passagens de fado com 65 de música pop? E qual é a frequência de aparição em antena de intérpretes de um e de outro género? Um fadista aparece de tempos a tempos, geralmente com intervalos de vários meses, mas um artista pop pode passar todos os dias. Não há comparação possível. E com que argumento a música tradicional tem apenas duas passagens, ou seja, metade das do fado? O fado é de Lisboa e de Coimbra; a música tradicional é do resto do país. Será que até neste capítulo ainda continua válida a asserção queiroziana "Portugal é Lisboa, o resto é paisagem!"?
E se a música tradicional ou de inspiração tradicional vem sendo flagrantemente marginalizada, o que jamais poderei aceitar na rádio do Estado, justamente por estar em causa uma das vertentes da nossa identidade cultural, não deixa de ser também verdade que os grandes autores/compositores/intérpretes (vulgo, cantautores) se não estão de todo banidos da 'playlist', a sua presença é muito discreta e rarefeita. José Afonso, Adriano Correia de Oliveira, Fausto Bordalo Dias e José Mário Branco até podem passar de tempos a tempos (quase sempre com o mesmo tema), mas para mim é claro que não estão representados em conformidade com a importância e extensão das respectivas obras. No caso particular de Fausto e de José Mário Branco, nada justifica que a escolha dos temas recaia sempre no repertório mais antigo. Como muito bem disse o Sr. Provedor, estamos em presença de dois artistas ainda em actividade e que têm nas suas discografias álbuns que não são propriamente vetustos. Fausto editou em 2003 "A Ópera Mágica do Cantor Maldito" e José Mário Branco publicou no ano seguinte "Resistir é Vencer". Pois nenhum destes trabalhos mereceu a atenção de Ricardo Soares, nem está presentemente a merecer da parte de José Mariño. E Manuel Freire? Totalmente silenciado! E nem precisavam de pegar na "Pedra Filosofal" ou noutra balada dos anos 70, ainda que uma vez por outra pudessem passar, pensando no público que com elas tomou contacto na época e também no auditório mais jovem, ao qual não se pode negar a oportunidade de as conhecer. O ainda presidente da SPA gravou há não muitos anos dois belos discos – "As Canções Possíveis" (1999) e "Manuel Freire Canta Nemésio" (2008). E Amélia Muge, que tem uma discografia de alto quilate produzida dos anos 90 para cá, mas que também não figura na 'playlist' da Antena 1? A lista continuaria por aí fora...
Para que não prevaleça a ideia de que apenas tenho olhos para os veteranos, aproveito para citar alguns artistas/grupos muito mais novos, com discos editados mas completamente ausentes da 'playlist': Filipa Pais, Teresa Gentil, Helena Oliveira, Carla Pires, Célia Barroca, Joana Amendoeira, Maria Ana Bobone, Raquel Peters, António Zambujo, Ricardo Ribeiro, Pedro Jóia, Manuel d'Oliveira, Joel Xavier, Ricardo Parreira, Luísa Amaro, Realejo, Danças Ocultas, Fol&ar, Lufa Lufa, Trilhos, Galandum Galundaina, Lenga Lenga, Mandrágora, At-Tambur, Dazkarieh, Uxu Kalhus, Mu, Monte Lunai, Gnomon, Roncos do Diabo, Roldana Folk, Lúmen, Pé na Terra, Diabo a Sete, César Prata, Assobio, João Filipe, Banda Futrica, A Barca dos Castiços, Stockholm Lisboa Project, Musicalbi, Segue-me à Capela...
Relativamente à repartição do bolo da 'playlist' pelas companhias discográficas, registo com agrado que a análise feita pelo Sr. Viriato Teles venha confirmar que efectivamente a parte de leão está nas mãos das quatro que havia referido – EMI, Universal, Sony/BMG, Farol. A cifra de 80% que apontei é meramente impressiva mas mesmo que os dados estatísticos não coincidam rigorosamente com ela, a margem de erro não será significativa. Se àquelas quatro editoras, juntarmos a Som Livre/Iplay no que respeita a edições próprias (excluindo, portanto, as reedições do catálogo da Valentim de Carvalho), a percentagem subirá para 85 a 90 %. Aqui considero como parâmetro de aferição o número de passagens, porque, como se sabe, nem todos os temas presentes na 'playlist' passam com a mesma frequência. Pelo que me apercebi, os dados que o Sr. Viriato Teles avançou dizem respeito ao número de temas que pertencem a cada editora. Pois seria interessante averiguar, no período monitorizado, quantas passagens couberam a cada uma delas.
O que eu nunca disse foi que os acervos da Valentim de Carvalho e da Movieplay ficavam de fora da 'playlist' da Antena 1, como se deu a entender no programa. Estas duas editoras terão certamente alguma representatividade, na fatia remanescente das 'majors', só que muito abaixo da que deviam ter, em razão da extensão e qualidade dos catálogos que detêm. Foi esta a ideia que quis exprimir na
carta que, em 25 de Novembro de 2008, dirigi à Provedoria do Ouvinte (e a outras entidades). O facto do grosso de tais catálogos não ser recente e havendo a disposição legal que estipula que 35 % da música portuguesa a difundir tenha sido originalmente editada nos últimos doze meses poderá explicar a tal desproporcionalidade, mas apenas em parte. E digo "em parte" porque vejo artistas nacionais dos anos 80 que gravaram para a Polygram (agora, Universal) ter muito mais divulgação na Antena 1 do que artistas coevos ligados à Orfeu e à Rádio Triunfo (actual Movieplay). Aponto, a título de exemplo, os Heróis do Mar e os Jáfumega, que rodam amiúde, e os grupos Raízes e Terra a Terra que nunca passam. No princípio deste ano, a Movieplay lançou uma colecção de três livros/CD de título genérico "Os Fados da Alvorada". Pois esta edição, organizada pela mão proficiente de José Manuel Osório, que resgatou para a luz do dia um repertório de inegável valia que ficara esquecido desde o tempo do vinil e que mereceu rasgados elogios da crítica especializada, não foi disco Antena 1 e não está representada na 'playlist' (apenas se ouviram alguns temas na "Alma Lusa", pela mão de Edgar Canelas). Em contrapartida, a colectânea que a Universal acaba de lançar de título "As Grandes Canções de Sempre", onde a par do melhor há coisas verdadeiramente medíocres (para não falar em ausências imperdoáveis) e que, vistas bem as coisas, nada vem acrescentar a colectâneas do mesmo género editadas pela Reader's Digest, não só recebeu o rótulo de Disco Antena 1 com é alvo de uma destacada divulgação na 'playlist'. Em suma: a edição de uma poderosa multinacional recebeu da rádio pública a máxima das atenções, ao passo que outra edição de significado cultural superior, mas que tem a chancela da pouco influente Movieplay, foi votada ao desprezo. Como é que os ouvintes devem interpretar esta atitude dual da direcção de programas da Antena 1? Eu não acredito que a explicação resida somente no facto de Rui Pêgo e os seus adjuntos não gostarem de fado. Estou absolutamente convicto de que se a antologia "Os Fados da Alvorada" tivesse o selo da Universal (ou da EMI, ou da Sony/BMG ou da Farol) teria sido objecto de outra atenção. Ora, isto é uma coisa que jamais se poderá aceitar no serviço público de radiodifusão.
Quanto à presença de pequenas editoras e edições de autor na 'playlist', admito que desde Novembro de 2008, quando escrevi o texto
'Playlist' da Antena 1: uma vergonha nacional, se tenham registado algumas alterações. Em todo o caso, continuo com a impressão de que tal representatividade (ainda assim, ínfima) se restringe ao pop-rock, ao hip hop e afins. Era capaz de apostar (mas se estiver errado, o Sr. Viriato Teles fará o favor de me corrigir) que nem a Ocarina nem a Açor/Emiliano Toste, por exemplo, estão representadas na 'playlist' da Antena 1, apesar de terem nos seus catálogos muitas edições de reconhecida qualidade (algumas das quais nomeadas para o Prémio José Afonso).

1 comentário:

platero disse...

só sugerir nome para actual campanha
:

"P E T I S OM"

abraço