
Eugénio de Andrade por Emerenciano (1988)
POÉTICA
O acto poético é o empenho total do ser para a sua revelação. Este fogo de conhecimento, que é também fogo de amor, em que o poeta se exalta e consome, é a sua moral. E não há outra. Nesse mergulho do homem nas suas águas mais silenciadas, o que vem à tona é tanto uma singularidade como uma pluralidade. Mas, curiosamente, o espírito humano atenta mais facilmente nas diferenças que nas semelhanças, esquecendo-se, e é Goethe quem o lembra, que o particular e o universal coincidem, e assim a palavra do poeta, tão fiel ao homem, acaba por ser palavra de escândalo no seio do próprio homem. Na verdade, ele nega onde outros afirmam, desoculta o que outros escondem, ousa amar o que outros nem sequer são capazes de imaginar. Palavra de aflição mesmo quando luminosa, de desejo apesar de serena, rumorosa até quando nos diz o silêncio, pois esse ser sedento de ser, que é o poeta, tem nostalgia da unidade, e o que procura é uma reconciliação, uma suprema harmonia entre luz e sombra, presença e ausência, plenitude e carência.
Essa revelação do poeta, e dos outros com ele, essa descida ao coração da alma, de que Heraclito encontrou a fórmula, essa coragem de mostrar o que achou no caminho — e nunca é fácil, nem alegre, nem irresponsável revelar o que se encontrou ou sonhou nas galerias da alma — é o que chamarei agora dignidade do poeta, e com ele a do homem. Porque é sempre de dignidade que se trata quando alguém dá a ver o que viu, por mais fascinante ou intolerável que seja o achado.
«O futuro do homem é o homem», estamos de acordo. Mas o homem do nosso futuro não nos interessa desfigurado. Este animal triste que nos habita há milhares de anos, cujas possibilidades estamos tão longe de conhecer, é o fruto de uma desfiguração — acção de uma cultura mais interessada em ocultar ao homem o seu rosto do que em trazê-lo, belo e tenebroso, à luz limpa do dia. É contra a ausência do homem no homem que a palavra do poeta se insurge, é contra esta amputação no corpo vivo da vida que o poeta se rebela. E se ousa "cantar no suplício" é porque não quer morrer sem se olhar nos seus próprios olhos, e reconhecer-se, e detestar-se, ou amar-se, se for caso disso, no que não creio. De Homero a São João da Cruz, de Virgílio a Alexandre Blok, de Li Po a William Blake, de Bashô a Cavafy, a ambição maior do fazer poético foi sempre a mesma: Ecce Homo, parece dizer cada poema. Eis o homem, eis o seu efémero rosto feito de milhares e milhares de rostos, todos eles esplendidamente respirando na terra, nenhum superior a outro, separados por mil e uma diferenças, unidos por mil e uma coisas comuns, semelhantes e distintos, parecidos todos e contudo cada um deles único, solitário, desamparado. É a tal rosto que cada poeta está religado. A sua rebeldia é em nome dessa fidelidade. Fidelidade ao homem e à sua lúcida esperança de sê-lo inteiramente; fidelidade à terra onde mergulha as raízes mais fundas; fidelidade à palavra que no homem é capaz da verdade última do sangue, que é também verdade da alma.
EUGÉNIO DE ANDRADE (prefácio ao livro "Poemas 1945-1965", col. Poetas de Hoje, Lisboa: Portugália Editora, 1965 – p. 9-11; "Os Afluentes do Silêncio", Porto: Editorial Inova, 1968; "Rosto Precário", Porto: Limiar, 1979)
MÃE-D'ÁGUA, OU A POESIA DE EUGÉNIO
Por: Óscar Lopes (ensaísta, crítico literário e docente de literatura)

Este título ocorreu-me sem que eu ainda agora saiba ao certo porquê, — e de um modo obsessivo. Reconheço que a frase mãe d'água já mexe há muito comigo; grafada assim, com um apóstrofo, lembro-me de a ter lido, numa ressonância de lenda, à esquina de uma rua, ou travessa, ou escadinhas, era então estudante em Lisboa; mas o apóstrofo não corresponde à minha pronúncia infantil nortenha, sem a contracção vocálica e boleada por um ditongo que hoje me soa um pouco ao galego: mãe diágua. Fico logo a ver uma fonte, nascente, mina ou reservatório de aqueduto, mas com o líquido a borbulhar desde o fundo, o que terá talvez que ver com outra expressão afim, olhos de água, aliás um título ribatejano de Redol. Hoje os mitos refugiam-se em constelações verbais como estas, que bastam para animar um devaneio, sem qualquer necessidade de enredo ou lenda.
E eis desde já uma coisa que se liga à poesia de Eugénio de Andrade: a sua aura mítica, mas sem o alarde de qualquer mito, a sua materialidade verbal ou frásica directamente presa a uma certa memória como que "imemorial", quero dizer, uma memória que mal precisa do suporte civil, porque irradia logo dos usos de certas palavras em certas conexões, certas entoações, a evocar flutuantes situações de fala, memória que se ecoa através de não se sabe que interstícios comunicativos, ligados entre si, mas sempre de maneira nova a cada leitura do poema. A mãe-d'água do título surgiu, portanto, como um enigma a decifrar; e a frase está aí ligada ao nome do poeta através de um "ou" que é também muito seu e perturbante. Não se trata do "ou" de disjunção (que, de resto, os semanticistas já consideram muito ambíguo no seu estrito sentido lógico); não é o "ou" de certas subtitulações muito em moda no século XVIII (Justine, ou Les Malheurs de la Vertu); é um "ou" de conexão resignadamente imprecisa, aberto às disponibilidades receptivas do leitor ou destinatário, e que num belo seu poema se desdobra em "ou, se preferes", e que, aí mesmo (como noutros poemas) equivale a coisas ou referências puramente virtuais, marcadas por um "como se", um "como quem", e, outras vezes, nos convida a arbitrar entre sinónimos de criação meramente contextual ("pássaro ou rosa ou mar"), ou entre um rosário de imagens a apontar para o objecto de um mesmo ardor. Podemos generalizar a toda a obra de Eugénio de Andrade o âmbito desta disjunção que se oferece ao leitor. Com efeito, e tal como nas nossas melhores poesias paralelísticas do século de 1200, embora abandonando qualquer rigidez arcaica de ordem estrófica ou outra, os seus poemas avançam por modulação contínua das imagens ou frases, como entre coisas disjuntas mas afins, aleatórias mas afinal consequentes, num certo enredar das palavras com aquele grande silêncio em que elas se perfazem.
Falei há pouco na disseminação dos mitos antigos, cuja real vitalidade acaba por se abrigar em simples junturas verbais que, despercebidamente, nos brincam na boca e que certos poetas conseguem coagular e chamar à atenção em textos surpreendentes. Eugénio de Andrade parece que precipita os mitos em cristais, mas de uma substância que escapasse a qualquer fórmula química ou a quaisquer eixos definidos de cristalização, e que todavia sugerissem a precisão de uma sua especial química ou cristalografia. Já certos românticos (e deles há ecos em Eça e Antero) explicaram a importância moderna (pós- renascentista) da música como sendo o indispensável sucedâneo da mitologia, e também dos dogmas e dos ritos solenes, claramente em agonia, apesar de apoiados por tantos artifícios ou próteses: a própria astrologia morre entre Kepler e Newton, a segregar uma mecânica que é tão terrestre como celeste, a alquimia morre entre Paracelso e Niels Bohr a segregar estruturas moleculares, atómicas e quânticas. Fazem-se ainda hoje prodígios de elucubração metafísica (talvez sempre, no fundo, teológica) para ressalvar a vigência de quaisquer mitos esotéricos ou cabalísticos, a pretexto de contradições teoréticas que há nas ciências, contradições inevitavelmente nascentes a cada passo em frente e até propulsoras do próprio progresso racional e de uma eficácia técnica crescente (de que o esotérico nem prescinde). Mas para quê tanta freima fideísta, se o melhor de todos os mitos subsiste, despercebido, na mais correntia das frases e nos actos de comunicação — e comunicação deu até, etimologicamente, comunhão: aquilo que ainda vive das religiões ou mistérios mora, afinal, no grande mistério quotidiano de as pessoas se falarem, e de cada qual de nós se identificar, sem dar por isso, a qualquer outro na alteridade (a ambos comum) da própria fala.
Num anterior ensaio sobre a poesia de Eugénio de Andrade tentei entendê-la como uma espécie de música, de base afinal tetratónica como a música clássica chinesa. Nós somos ainda arcaicos em dados estratos do agir e sentir, e classificamos espontaneamente as coisas como sólidas, líquidas, gasosas ou luminosas: talvez ainda seja essa a escala onírica das nossas imagens. Mas qualquer escala, tom, modo ou série musical básica vive da tensão dos seus intervalos, acordes, modulações, cadências, em que simultaneamente se evidencia e se transcende o seu enquadramento fundamental e teórico. Esse meu ensaio, como qualquer ensaio, não era só um exercício de entendimento: era um exercício, tanto quanto possível disciplinado, de fruição. Pego agora de novo no conjunto dos vinte e sete livros em verso, e ainda nos de prosa, de Eugénio de Andrade, todos eles de evidente poesia, diversamente ritmada, toda ela obediente a recorrências de esquemas que regem sílabas, acentos, frases, curvas melódicas, efeitos articulatórios, imagens, representações ou actos de fala, mas esquemas furtivos, que mal se anunciam e logo se subsumem noutros mais amplos esquemas, no todo do poema, no todo do livro, no todo da própria obra, a sugerir sempre novas percepções globais.
Essas percepções globais parecem assentar em formas definitivas de evidência. Por exemplo, já procedi a levantamentos de palavras-chave, talvez redutíveis a cerca de uma trintena, que logo espontaneamente se organizam, à nossa reflexão, em constelações de oposição ou equivalência modulada, ou em campos de afinidade: onde está ave poderia também (ou não?) figurar pássaro, gaivota ou estorninho; Abril dialoga com Setembro, ou o Verão com Novembro (Dezembro); um corpo tangível, que respira, é o que resta, afinal, dos deuses, o rumor e o silêncio são entre si inerentes; o oiro está sempre em acorde (ainda que não o diga) com certa melancolia; o sol estival não se difunde sem bater na dureza de um muro branco de cal...
Se nos distanciarmos deste imediato aliciamento verbal, cuja multiplicidade e versatilidade caleidoscópica poderia exemplificar-se muito longamente, e tentarmos caracterizar as mais largas obsessões de fôlego temático, encontraremos uma ainda mais perplexa alternativa entre evidências de precisão e de fluidez intencionalmente imprecisa. Pode, suponhamos, parecer que o poeta prefere (e assim acontece muitas vezes) a lírica solar, meridional, mediterrânica da presença sensível. O tempo verbal dominante, dir-se-á, é o presente, e uma atitude proposicional bastante típica a de apresentação, ou mostração, imediata que esboça um texto descritivo, até mesmo principiado por "Eis" ou "Estás"; mas já nos Primeiros Poemas seleccionados para reedição de 1977 há poemetos de uma precisão perceptiva paradoxal, uma precisão que acaba por transmutar-se numa espécie de cegueira, como se a presença visual se escapasse pelo ponto cego da sua própria e descritiva evidência: Entre pinheiros três casas./ Uma azenha parada./ Uma torre erguida/ de fraga em fraga/ contra o céu de cal./ E o silêncio talhado/ para um voo de moscardo/ alastra de casa em casa,/ sobe à torre abandonada/ e sobre a azenha parada/ tomba desamparado.
Há também um realismo de infância rural, sob um céu de camponeses da Beira que é também o de bafo materno, tudo cheirando a terra, a eira ou palheiro, e com a turbação das primeiras descobertas ou infracções nos segredos do corpo. Por outro lado ainda (é só mais um exemplo), esta é uma poesia que vê, vê (já constatámos) até ao deslumbramento da oftalmia e da serenidade parada, mas onde o ver é, por vezes, qualificado com a culminação de qualquer outro sentir, e nomeadamente o tacto, das mãos, dos dedos, que tocam, acariciam ou empolgam; e os frutos não são, para as mãos, uma simples alegoria, ou sequer metáfora, porque o real objecto foge, por essência, a qualquer nomeação. Se os frutos fossem nomeáveis, de que serviria a poesia, mesmo a pretexto de qualquer amor, com ou sem nome reconhecido? A poesia, já sabemos, não nomeia, não descreve, não conta nem realmente age como age qualquer fala: não é assertiva, nem performativa, mas comunica no sentido mais exigente do termo comunicar, que de modo tão flagrante nós surpreendemos a perturbar os linguistas (ou pragmaticistas) que (como C.S. Peirce, H. Grice, J. Searle, D. Sperber & D. Wilson) têm, interminantemente, tentado dilucidar como funciona uma intenção verbal entre emissor e receptor, ambos estes conscientes cada qual de si e um do outro, ambos conscientes (em vários graus) de um sentido que se produz em comum, mas nunca sem certa margem de equívoco ou incompletude, apenas eventualmente compensados, pelo que, ainda assim, encontraram de relevância, ou prática, ou outras comunicações que se sigam. A insistência do poeta na referência às mãos tem uma evidente carga erótica, mas repare-se que, no verso, figuram como algo de comunicado verbalmente, contempla do, dado a participar a qualquer potencial leitor, e repare-se ainda que (pelo menos nas línguas que eu sei) a metáfora das mãos está no étimo de verbos tipos de perceber, conceber, compreender, apreender, etc. Nalguns poemas, dos dedos carnais-e-metafóricos (o que é que não é metafórico na comunicação?) parecem partir aves ou fios a sulcar o espaço, — o espaço que, noutros poemas, se diria situar no interior, e não no exterior, do próprio olhar. Para maior perturbação nossa, os poemas onde palpita aquilo que parece ter sido a mais importante relação humana do poeta, a relação com a mãe, falam sempre de alguém que está ali, no espaço (em muitas línguas, existir é estar aí, ou ali), por vezes serenamente sentada, visível, mas não se sabe se a ver, ouvir ou sentir, mas fora de qualquer comunicação possível.
A imagem mais plurissignificativa e plurivalente deste poeta é a da água, que, como elemento mítico primordial, tanto tem interessado à teoria psicanalítica, e a que, de qualquer modo, despercebidamente associamos tantas das nossas experiências mais difíceis de exprimir, portanto de apreender. A própria física ainda se interroga sobre a sua estrutura líquida mas afinal semicristalina, as suas afinidades com toda a vida (mesmo aquela que não respira ar, mas sulfuretos), as suas metamorfoses, aquela sua espécie de pele microscópica que retarda a queda de uma gota ou o transbordar de um recipiente. (Nada disto me interessa aqui por enciclopedismo científico, mas por metáfora para esta maravilha essencial, que é a água, o referente do substantivo mais comum que há massivo, normalmente não pluralizável). Fiz um levantamento das ocorrências da palavra neste poeta, mas precisava de um ensaio longo ou muito meditado para me explicar sobre o mais importante.
Água, ou (e algo diversamente) águas, plural de ressonância bíblica, têm em Eugénio de Andrade, muito de princípio vital, erótico, seminal; podem ser matinais ou anoitecidas, e neste último dir-se-ia imagem da diluição na morte, mais ou menos à vista; podem estar ocultas, por pudor ou repressão, mas também romper, falicamente nuas e/ou duras, se não mesmo tresmalhadas; sentimo-las felizes, mas também em demência; como acontece com a mãe das Musas helénicas, Mnemósine, é de águas que brota a memória (memória atávica, memória da espécie, que os mortos afogaram no curso do Letes, ao descer aos infernos); é na água que navegam as palavras, a poesia; nada surpreende que aquosa seja também a imagem da música, do sonho, do sono profundo, e do próprio ser "sem memória", portanto da morte. Dos poemas da adolescência aos da idade adiantada, que aliás cada vez se revê mais na infância própria ou alheia (e nos bichos), os vectores desta metáfora condutora mudam constantemente de sentido e de valor, pelo que ela percorre a mais variada paleta de vivências. A sua fonte mais óbvia é, de resto, a boca, ou são os lábios, e daí que um dos mais expressivos dos verbos seja beber, um verbo aliterante, redundamente labializado, um verbo de sôfrega apetência, da absorção perante todo um mundo que se desejaria inseparavelmente materno, mas que se sabe inesgotável, inassimilável, salvo através daquela voz comum (comunicada) em que tudo se transmite, de homem para homem, até à consumação dos séculos.
(in "A Busca de Sentido: Questões de Literatura Portuguesa", col. Estudos de Literatura Portuguesa, Lisboa: Editorial Caminho, 1994 – p. 221-227)
Eugénio de Andrade [biografia e bibliografia no site do >> Instituto Camões] deixou-nos a 13 de Junho de 2005. Na efeméride dos 10 anos da morte, o que fez a rádio pública para celebrar aquele que foi, nas palavras de António José Saraiva, «um dos maiores líricos da Literatura Portuguesa, o grande poeta do amor no século XX»? Nada! Se António Cardoso Pinto ainda estivesse na Antena 1, certamente teria dedicado uma semana da sua memorável rubrica "À Esquina do Mundo" ao autor de "As Mãos e os Frutos". Lamentavelmente, desde 2003, ano em que aquele emérito profissional se aposentou, nunca mais a poesia dita teve presença regular na Antena 1. E se essa lacuna é grave, não menos condenável é Eugénio de Andrade não estar representado, sob a forma de canção, na lista de difusão musical, vulgo 'playlist'. Ele – acrescente-se – e muitos outros grandes vultos da poesia portuguesa com textos transpostos para canção, como é o caso de (por ordem da data de nascimento): Dom Dinis, Gil Vicente, Bernardim Ribeiro, Sá de Miranda, Luís de Camões, Bocage, Almeida Garrett, Antero de Quental, Gomes Leal, Cesário Verde, António Nobre, Camilo Pessanha, Teixeira de Pascoaes, Fernando Pessoa, Mário de Sá-Carneiro, Florbela Espanca, António Botto, José Gomes Ferreira, José Régio, Vitorino Nemésio, António Gedeão, Miguel Torga, Manuel da Fonseca, Jorge de Sena, Sophia de Mello Breyner Andresen, Carlos de Oliveira, Mário Cesariny, Natália Correia, Alexandre O'Neill, António Ramos Rosa, David Mourão-Ferreira, Herberto Helder, Manuel Alegre e Hélia Correia.
No caso concreto de Eugénio de Andrade, contam-se às dezenas as canções gravadas com poemas seus (como abaixo se demonstra), o que torna ainda mais incompreensível que nem uma sequer conste na 'playlist' da rádio estatal, a mesma que ironicamente dispara um 'jingle' que diz: «Antena 1 liga à cultura».
Canção
Poema: Eugénio de Andrade (in "Adolescente", Lisboa: Edição do autor, 1942 – p. 50-51; "Primeiros Poemas", Porto: Limiar, 1977; "Poesia", 2.ª edição, org. Arnaldo Saraiva, Porto: Fundação Eugénio de Andrade, 2005 – p. 11)
Música: Samuel Quedas
Intérprete: Luísa Basto* (in LP "Caminho e Canto", Telectra, 1980)
Tinha um cravo no meu balcão;
veio um rapaz e pediu-mo
— mãe, dou-lho ou não?
Sentada, bordava um lenço de mão;
veio um rapaz e pediu-mo
— mãe, dou-lho ou não?
Dei um cravo e dei um lenço,
só não dei o coração;
mas se o rapaz mo pedir
— mãe, dou-lho ou não?
* Luísa Basto – voz
Arranjos e direcção – Shegundo Galarza
Produção – José Varatojo
Gravado nos Estúdios R.P.E., Lisboa
Técnico de som – José Manuel Fortes
Despertar
Poema: Eugénio de Andrade (in "Coração do Dia", Lisboa: Iniciativas Editoriais, 1958; "Poesia", 2.ª edição, org. Arnaldo Saraiva, Porto: Fundação Eugénio de Andrade, 2005 – p. 96)
Música: João Gil e Manuel Faria
Intérprete: Trovante* (in LP "Cais das Colinas", EMI-VC, 1983, reed. EMI-VC, 1988, Edições Valentim de Carvalho/Som Livre, 2007)
É um pássaro, é uma rosa,
é o mar que me acorda?
Pássaro ou rosa ou mar,
tudo é ardor, tudo é amor.
Acordar é ser rosa na rosa,
canto na ave, água no mar.
* Trovante:
Fernando Júdice – contrabaixo
João Gil – voz
Luís Represas – voz
Manuel Faria – piano acústico
Arranjos – Trovante
Gravado nos Estúdios Valentim de Carvalho, Paço d'Arcos, de Novembro de 1982 a Janeiro de 1983
Técnico de som – Hugo Ribeiro
Assistente de captação – J. Brázio
Montagem (edição em CD) – Miguel Gonçalves
GREEN GOD
Poema de Eugénio de Andrade (in "As Mãos e os Frutos", Lisboa: Portugália Editora, 1948 – p. 22-23; "Poesia", 2.ª edição, org. Arnaldo Saraiva, Porto: Fundação Eugénio de Andrade, 2005 – p. 23)
Recitado por Luís Lucas* (in livro/2CD "Ao Longe os Barcos de Flores: Poesia Portuguesa do Século XX": CD 2, col. Sons, Assírio & Alvim, 2004)
Trazia consigo a graça
das fontes, quando anoitece.
Era o corpo como um rio
em sereno desafio
com as margens, quando desce.
Andava como quem passa,
sem ter tempo de parar.
Ervas nasciam dos passos,
cresciam troncos dos braços
quando os erguia no ar.
Sorria como quem dança.
E desfolhava ao dançar
o corpo, que lhe tremia
num ritmo que ele sabia
que os deuses devem usar.
E seguia o seu caminho,
porque era um deus que passava.
Alheio a tudo o que via,
enleado na melodia
duma flauta que tocava.
Nota: Originalmente, este poema tinha por título "To a Green God".
* Luís Lucas – voz
Selecção de poemas e direcção de actores – Gastão Cruz
Coordenação editorial – Teresa Belo
Gravado e masterizado por Artur David e João Gomes, no Estúdio Praça das Flores, Lisboa, em Outubro de 2004
Supervisão de gravação – Vasco Pimentel
To a Green God
Poema: Eugénio de Andrade (in "As Mãos e os Frutos", Lisboa: Portugália Editora, 1948 – p. 22-23; "Poesia", 2.ª edição, org. Arnaldo Saraiva, Porto: Fundação Eugénio de Andrade, 2005 – p. 23)
Música: Luís Cília
Intérprete: Luís Cília* (in LP "O Peso da Sombra: A Poesia de Eugénio de Andrade", Diapasão/Sassetti, 1980)
Trazia consigo a graça
das fontes, quando anoitece.
Era o corpo como um rio
em sereno desafio
com as margens, quando desce.
Andava como quem passa,
sem ter tempo de parar.
Ervas nasciam dos passos,
cresciam troncos dos braços
quando os erguia no ar.
Sorria como quem dança.
E desfolhava ao dançar
o corpo, que lhe tremia
num ritmo que ele sabia
que os deuses devem usar.
E seguia o seu caminho,
porque era um deus que passava.
Alheio a tudo o que via,
enleado na melodia
de uma flauta que tocava.
* Luís Cília – voz e viola
Pedro Osório – sintetizadores
Carlos Meneses – 2.ª viola
José Eduardo – viola baixo
Trovante:
Direcção musical – Luís Cília
Produção – Sassetti
Gravado nos Estúdios Musicorde, Lisboa, a 12, 13 e 14 de Dezembro de 1979
Técnicos de som – Rui Remígio, Fernando Santos e Luís Flor
Olhos postos na terra
Poema: Eugénio de Andrade (in "As Mãos e os Frutos", Lisboa: Portugália Editora, 1948 – p. 24; "Poesia", 2.ª edição, org. Arnaldo Saraiva, Porto: Fundação Eugénio de Andrade, 2005 – p. 23)
Música: Luís Cília
Intérprete: Luís Cília* (in LP "O Peso da Sombra: A Poesia de Eugénio de Andrade", Diapasão/Sassetti, 1980)
Olhos postos na terra, tu virás
no ritmo da própria primavera,
e como as flores e os animais
abrirás nas mãos de quem te espera.
* Luís Cília – voz e preparação das fitas magnéticas
Direcção musical – Luís Cília
Produção – Sassetti
Gravado nos Estúdios Musicorde, Lisboa, a 12, 13 e 14 de Dezembro de 1979
Técnicos de som – Rui Remígio, Fernando Santos e Luís Flor
O Peso da Sombra
Poema: Eugénio de Andrade (in "Memória Doutro Rio", Porto: Limiar, 1978; "Poesia", 2.ª edição, org. Arnaldo Saraiva, Porto: Fundação Eugénio de Andrade, 2005 – p. 282)
Música: Luís Cília
Intérprete: Luís Cília* (in LP "O Peso da Sombra: A Poesia de Eugénio de Andrade", Diapasão/Sassetti, 1980)
A noite já devia ter caído, a pele do rio escurecera. Vozes felizes afastavam-se luminosas, desciam as escadas de mansinho, enquanto as lágrimas não tardariam a rebentar no escuro.
Eles não sabiam que o lobo conseguira fugir e o caçador adormecera de cansaço debaixo da grande árvore vermelha. Sem o menor ruído a porta começara a abrir-se, primeiro foram só uns olhos de lume, depois o animal todo entrou no quarto.
Se tivesse de morrer seria agora, o peso da sombra sobre o coração, empurrando-me para as águas, cada vez mais próximas e desertas.
* Luís Cília – voz e preparação das fitas magnéticas
Direcção musical – Luís Cília
Produção – Sassetti
Gravado nos Estúdios Musicorde, Lisboa, a 12, 13 e 14 de Dezembro de 1979
Técnicos de som – Rui Remígio, Fernando Santos e Luís Flor
Fecundou-te
Poema: Eugénio de Andrade (in "As Mãos e os Frutos", Lisboa: Portugália Editora, 1948 – p. 26-27; "Poesia", 2.ª edição, org. Arnaldo Saraiva, Porto: Fundação Eugénio de Andrade, 2005 – p. 24)
Música: Luís Cília
Intérprete: Luís Cília* (in LP "O Peso da Sombra: A Poesia de Eugénio de Andrade", Diapasão/Sassetti, 1980)
Fecundou-te a vida nos pinhais.
Fecundou-te de seiva e de calor.
Alargou-te o corpo como os areais
onde o mar se espraia sem contorno e cor.
Pôs-te sonho onde havia apenas
silêncio de rosas por abrir,
e um jeito nas mãos morenas
de quem sabe que o fruto há-de surgir.
Brotou água onde tudo era secura.
Paz onde morava a solidão.
E a certeza de que a sepultura
é uma cova onde não cabe a coração.
Nota: O verso "Alargou-te o corpo como os areais" foi posteriormente modificado pelo autor, surgindo na edição canónica da poesia reunida ("Poesia", Fundação Eugénio de Andrade, 2005) com a forma "Alargou-te o corpo pelos areais".
* Luís Cília – voz e viola
Manuel João Afonso – violino
António Oliveira e Silva – violeta
Luiza de Vasconcelos – violoncelo
Pedro Caldeira Cabral – guitarra portuguesa
Direcção musical – Luís Cília
Produção – Sassetti
Gravado nos Estúdios Musicorde, Lisboa, a 12, 13 e 14 de Dezembro de 1979
Técnicos de som – Rui Remígio, Fernando Santos e Luís Flor
POEMA À MÃE
Poema de Eugénio de Andrade (in "Os Amantes sem Dinheiro", Lisboa: Centro Bibliográfico, 1950; "Poesia", 2.ª edição, org. Arnaldo Saraiva, Porto: Fundação Eugénio de Andrade, 2005 – p. 47-48)
Dito pelo autor (in CD "Eugénio de Andrade por Eugénio de Andrade", Numérica, 1997)
No mais fundo de ti
eu sei que te traí, mãe.
Tudo porque já não sou
o menino adormecido
no fundo dos teus olhos.
Tudo porque tu ignoras
que há leitos onde o frio não se demora
e noites rumorosas de águas matinais.
Por isso, às vezes, as palavras que te digo
são duras, mãe,
e o nosso amor é infeliz.
Tudo porque perdi as rosas brancas
que apertava junto ao coração
no retrato da moldura.
Se soubesses como ainda amo as rosas,
talvez não enchesses as horas de pesadelos.
Mas tu esqueceste muita coisa;
esqueceste que as minhas pernas cresceram,
que todo o meu corpo cresceu,
e até o meu coração
ficou enorme, mãe!
Olha — queres ouvir-me? —
às vezes ainda sou o menino
que adormeceu nos teus olhos;
ainda aperto contra o coração
rosas tão brancas
como as que tens na moldura;
ainda oiço a tua voz:
Era uma vez uma princesa
no meio de um laranjal...
Mas — tu sabes — a noite é enorme,
e todo o meu corpo cresceu.
Eu saí da moldura,
dei às aves os meus olhos a beber.
Não me esqueci de nada, mãe.
Guardo a tua voz dentro de mim.
E deixo-te as rosas.
Boa noite. Eu vou com as aves.
Quando em silêncio passas entre as folhas
Poema: Eugénio de Andrade (in "As Mãos e os Frutos", Lisboa: Portugália Editora, 1948 – p. 13; "Poesia", 2.ª edição, org. Arnaldo Saraiva, Porto: Fundação Eugénio de Andrade, 2005 – p. 20)
Música: Fernando Lopes-Graça (3.ª peça do ciclo "As Mãos e os Frutos", Op. 117, LG 211, 1959)
Intérpretes: João Rodrigues & Nuno Vieira de Almeida* (in CD "Fernando Lopes-Graça: Clepsidra; As Mãos e os Frutos; 3 Canções de Fernando Pessoa", Tradisom, 2009)
Quando em silêncio passas entre as folhas,
uma ave renasce da sua morte
e agita as asas de repente;
tremem maduras todas as espigas
como se o próprio dia as inclinasse,
e gravemente, comedidas,
param as fontes a beber-te a face.
* João Rodrigues – voz (tenor)
Nuno Vieira de Almeida – piano
Assistente musical – Fernando Serafim
Supervisão artística – Nuno Vieira de Almeida
Técnico de piano – Fernando Rosado
Coordenação executiva – José Moças
Gravado na Escola Superior de Música de Lisboa, de 3 a 15 de Agosto de 2009
Gravação, edição e masterização – José Manuel Fortes
LITANIA
Poema de Eugénio de Andrade (in "Até Amanhã", Lisboa: Guimarães Editores, 1956; "Poesia", 2.ª edição, org. Arnaldo Saraiva, Porto: Fundação Eugénio de Andrade, 2005 – p. 82)
Recitado por Luís Lucas* (in livro/2CD "Ao Longe os Barcos de Flores: Poesia Portuguesa do Século XX": CD 2, col. Sons, Assírio & Alvim, 2004)
O teu rosto inclinado pelo vento;
a feroz brancura dos teus dentes;
as mãos, de certo modo, irresponsáveis,
e contudo sombrias, e contudo transparentes;
o triunfo cruel das tuas pernas,
colunas em repouso se anoitece;
o peito raso, claro, feito de água;
a boca sossegada onde apetece
navegar ou cantar, ou simplesmente ser
a cor de um fruto, o peso de uma flor;
as palavras mordendo a solidão,
atravessadas de alegria e de terror;
são a grande razão, a única razão.
* Luís Lucas – voz
Selecção de poemas e direcção de actores – Gastão Cruz
Coordenação editorial – Teresa Belo
Gravado e masterizado por Artur David e João Gomes, no Estúdio Praça das Flores, Lisboa, em Outubro de 2004
Supervisão de gravação – Vasco Pimentel
Litania
Poema: Eugénio de Andrade (excerto) [texto integral >> acima]
Música: Humberto Ruaz
Intérprete: Luísa Basto* (in LP "Caminho e Canto", Telectra, 1980)
O teu rosto inclinado pelo vento;
a feroz brancura dos teus dentes;
as mãos, de certo modo, irresponsáveis,
e contudo sombrias, e contudo transparentes;
o triunfo cruel das tuas pernas,
colunas em repouso se anoitece;
o peito raso, claro, feito de água;
a boca sossegada onde apetece
navegar ou cantar, ou simplesmente ser
a cor dum fruto, o peso duma flor;
as palavras mordendo a solidão,
atravessadas de alegria e de terror;
[instrumental]
o triunfo cruel das tuas pernas,
colunas em repouso se anoitece;
o peito raso, claro, feito de água;
a boca sossegada onde apetece
navegar ou cantar, ou simplesmente ser
a cor dum fruto, o peso duma flor;
as palavras mordendo a solidão,
atravessadas de alegria e de terror.
* Luísa Basto – voz
Arranjos e direcção – Shegundo Galarza
Produção – José Varatojo
Gravado nos Estúdios R.P.E., Lisboa
Técnico de som – José Manuel Fortes
Retrato
Poema: Eugénio de Andrade (in "Os Amantes sem Dinheiro", Lisboa: Centro Bibliográfico, 1950; "Poesia", 2.ª edição, org. Arnaldo Saraiva, Porto: Fundação Eugénio de Andrade, 2005 – p. 44)
Música: Tiago Machado
Intérprete: Mariza* (in CD "Fado Curvo", World Connection/EMI-VC, 2003)
No teu rosto começa a madrugada.
Luz abrindo,
de rosa em rosa,
transparente e molhada.
Melodia
distante mas segura;
irrompendo da terra,
quente, redonda, madura.
Mar imenso,
praia deserta, horizontal e calma.
Sabor agreste.
Rosto da minha alma.
* Mariza – voz
Tiago Machado – piano
Davide Zaccaria – violoncelo
Produção – Carlos Maria Trindade
Produção executiva – João Pedro Ruela e Albert Nijmolen
Gravado nos Estúdios Xangrilá, Lisboa, por Jorge Barata e Pedro Rego
Masterização – Paulo Jorge Ferreira, nos Estúdios Audiopro, Lisboa
Se Pudesse...
Poema: Eugénio de Andrade (adaptado) [texto original >> abaixo]
Música: José Mesquita
Intérprete: José Mesquita* (in LP "Ecos da Canção Coimbrã", Philips/Polygram, 1987, reed. Philips/Polygram, 1996; 2CD "O Melhor de 2: Luz Sá da Bandeira / José Mesquita": CD "José Mesquita", Universal, 2001)
Se pudesse, coroava-te de rosas
neste dia, neste dia —
de rosas brancas, de folhas verdes,
tão jovens como tu, minha alegria.
Se pudesse, coroava-te de rosas
neste dia —
minha alegria, minha alegria, minha alegria.
Terra onde os versos vão abrindo,
meu coração, não tem rosas para dar;
olhos meus, onde as águas vão subindo,
cerrai-vos, deixai de chorar. [bis]
Se pudesse, coroava-te de rosas
neste dia, neste dia —
de rosas brancas, de folhas verdes,
tão jovens como tu, minha alegria.
Se pudesse, coroava-te de rosas
neste dia —
minha alegria, minha alegria, minha alegria.
* José Mesquita
Octávio Sérgio – guitarra de Coimbra
António Sérgio Azevedo – viola
Se pudesse, coroava-te de rosas
(Eugénio de Andrade, in "As Mãos e os Frutos", Lisboa: Portugália Editora, 1948 – p. 36; "Poesia", 2.ª edição, org. Arnaldo Saraiva, Porto: Fundação Eugénio de Andrade, 2005 – p. 27)
Se pudesse, coroava-te de rosas
neste dia —
de rosas brancas e de folhas verdes,
tão jovens como tu, minha alegria.
Terra onde os versos vão abrindo,
meu coração, não tem rosas para dar;
olhos meus, onde as águas vão subindo,
cerrai-vos, deixai de chorar.
Tu és a esperança, a madrugada
Poema de Eugénio de Andrade (in "As Mãos e os Frutos", Lisboa: Portugália Editora, 1948 – p. 46-47; "Poesia", 2.ª edição, org. Arnaldo Saraiva, Porto: Fundação Eugénio de Andrade, 2005 – p. 30-31)
Recitado por José Manuel Mendes* (in livro/2CD "Ao Longe os Barcos de Flores: Poesia Portuguesa do Século XX": CD 2, col. Sons, Assírio & Alvim, 2004)
Tu és a esperança, a madrugada.
Nasceste nas tardes de setembro,
quando a luz é perfeita e mais doirada,
e há uma fonte crescendo no silêncio
da boca mais sombria e mais fechada.
Para ti criei palavras sem sentido,
inventei brumas, lagos densos,
e deixei no ar braços suspensos
ao encontro da luz que anda contigo.
Tu és a esperança onde deponho
meus versos que não podem ser mais nada.
Esperança minha, onde meus olhos bebem,
fundo, como quem bebe a madrugada.
* José Manuel Mendes – voz
Selecção de poemas e direcção de actores – Gastão Cruz
Coordenação editorial – Teresa Belo
Gravado e masterizado por Artur David e João Gomes, no Estúdio Praça das Flores, Lisboa, em Outubro de 2004
Supervisão de gravação – Vasco Pimentel
Tu és a esperança, a madrugada
Poema: Eugénio de Andrade (in "As Mãos e os Frutos", Lisboa: Portugália Editora, 1948 – p. 46-47; "Poesia", 2.ª edição, org. Arnaldo Saraiva, Porto: Fundação Eugénio de Andrade, 2005 – p. 30-31)
Música: Fernando Lopes-Graça (4.ª peça do ciclo "As Mãos e os Frutos", Op. 117, LG 211, 1959)
Intérpretes: João Rodrigues & Nuno Vieira de Almeida* (in CD "Fernando Lopes-Graça: Clepsidra; As Mãos e os Frutos; 3 Canções de Fernando Pessoa", Tradisom, 2009)
Tu és a esperança, a madrugada.
Nasceste nas tardes de setembro,
quando a luz é perfeita e mais doirada,
e há uma fonte crescendo no silêncio
da boca mais sombria e mais fechada.
Para ti criei palavras sem sentido,
inventei brumas, lagos densos,
e deixei no ar braços suspensos
ao encontro da luz que anda contigo.
Tu és a esperança onde deponho
meus versos que não podem ser mais nada.
Esperança minha, onde meus olhos bebem,
fundo, como quem bebe a madrugada.
* João Rodrigues – voz (tenor)
Nuno Vieira de Almeida – piano
Assistente musical – Fernando Serafim
Supervisão artística – Nuno Vieira de Almeida
Técnico de piano – Fernando Rosado
Coordenação executiva – José Moças
Gravado na Escola Superior de Música de Lisboa, de 3 a 15 de Agosto de 2009
Gravação, edição e masterização – José Manuel Fortes
O SORRISO
Poema de Eugénio de Andrade (in "O Outro Nome da Terra", Porto: Limiar, 1988; "Poesia", 2.ª edição, org. Arnaldo Saraiva, Porto: Fundação Eugénio de Andrade, 2005 – p. 441)
Dito pelo autor (in CD "Eugénio de Andrade por Eugénio de Andrade", Numérica, 1997)
Creio que foi o sorriso,
o sorriso foi quem abriu a porta.
Era um sorriso com muita luz
lá dentro, apetecia
entrar nele, tirar a roupa, ficar
nu dentro daquele sorriso.
Correr, navegar, morrer naquele sorriso.
Não canto porque sonho
Poema: Eugénio de Andrade (adaptado) [texto original >> abaixo]
Música: António Pedro Braga e Fausto Bordalo Dias
Intérprete: Fausto* com José Afonso (in LP "P'ró Que Der e Vier", Orfeu, 1974, reed. Movieplay, 1999)
Não canto porque sonho.
Canto porque és real.
Canto o teu olhar maduro,
o teu sorriso puro,
a tua graça animal.
Canto porque sou homem.
Canto porque és real.
Se não cantasse seria
o mesmo bicho sadio
embriagado na alegria
da tua vinha sem vinho.
Canto porque o amor apetece.
Porque o meu corpo estremece...
Porque o feno amadurece
nos teus braços deslumbrados.
Porque o meu corpo estremece
por vê-los nus e suados.
Porque o feno amadurece
nos teus braços deslumbrados.
Porque o meu corpo estremece
por vê-los nus e suados.
[bis]
Porque o meu corpo estremece
nos teus braços deslumbrados.
Porque o feno amadurece
por vê-los nus e suados.
Porque o feno amadurece
nos teus braços deslumbrados.
Porque o meu corpo estremece
por vê-los nus e suados.
Porque o meu corpo estremece
nos teus braços deslumbrados...
Nota: O verso "o mesmo bicho sadio" foi posteriormente modificado pelo autor, surgindo na edição canónica da poesia reunida ("Poesia", Fundação Eugénio de Andrade, 2005) com a forma "somente um bicho sadio".
* Fausto – voz e viola
José Afonso e Mafalda – vozes
Arranjos e direcção musical – Fausto
Produção – Adriano Correia de Oliveira
Gravado nos Estúdios Kírios, Madrid, em Abril de 1974
Técnicos de som - Pepe Fernandez e Paco Molina
Não canto porque sonho
(Eugénio de Andrade, in "As Mãos e os Frutos", Lisboa: Portugália Editora, 1948 – p. 16-17; "Poesia", 2.ª edição, org. Arnaldo Saraiva, Porto: Fundação Eugénio de Andrade, 2005 – p. 21)
Não canto porque sonho.
Canto porque és real.
Canto o teu olhar maduro,
o teu sorriso puro,
a tua graça animal.
Canto porque sou homem.
Se não cantasse seria
o mesmo bicho sadio
embriagado na alegria
da tua vinha sem vinho.
Canto porque o amor apetece.
Porque o feno amadurece
nos teus braços deslumbrados.
Porque o meu corpo estremece
por vê-los nus e suados.
Variações em Tom Menor
Poema: Eugénio de Andrade (in "Mar de Setembro", Porto: Imprensa Portuguesa, 1961; "Poesia", 2.ª edição, org. Arnaldo Saraiva, Porto: Fundação Eugénio de Andrade, 2005 – p. 106)
Música: Luís Cília
Intérprete: Luís Cília* (in LP "O Peso da Sombra: A Poesia de Eugénio de Andrade", Diapasão/Sassetti, 1980)
Para jardim te queria.
Te queria para gume
ou o frio das espadas.
Te queria para lume.
Para orvalho te queria
sobre as horas transtornadas.
Para a boca te queria.
Te queria para entrar
e partir pela cintura.
Para barco te queria.
Te queria para ser
canção breve, chama pura.
* Luís Cília – voz e viola
Direcção musical – Luís Cília
Produção – Sassetti
Gravado nos Estúdios Musicorde, Lisboa, a 12, 13 e 14 de Dezembro de 1979
Técnicos de som – Rui Remígio, Fernando Santos e Luís Flor
Canção com Gaivotas de Bermeo
Poema: Eugénio de Andrade (in "Mar de Setembro", Porto: Imprensa Portuguesa, 1961; "Poesia", 2.ª edição, org. Arnaldo Saraiva, Porto: Fundação Eugénio de Andrade, 2005 – p. 106-107)
Música: Fernando Lopes-Graça (2.ª peça do ciclo "Mar de Setembro", Op. 149, LG 225, 1962)
Intérpretes: Fernando Serafim & Fernando Lopes-Graça* (in 10CD "Centenário Fernando Lopes-Graça (1906-1994) - Arquivos da RDP": CD 8, RDP-Radiodifusão Portuguesa, 2006)
É março ou abril?
É um dia de sol
perto do mar,
é um dia
em que todo o meu sangue
é orvalho e carícia.
De que cor te vestiste?
De madrugada ou limão?
Que nuvens olhas, que colinas
altas,
enquanto afastas o rosto
das palavras que escrevo
de pé, exigindo
o teu amor?
É um dia de maio?
É um dia em que tropeço
no ar
à procura do azul dos teus olhos,
em que a tua voz
dentro de mim pergunta,
insiste:
Se te fué la melancolía,
amigo mío del alma?
É junho? É setembro?
É um dia
em que estou carregado de ti
ou de frutos,
e tropeço na luz, como um cego,
a procurar-te.
* Fernando Serafim – voz (tenor)
Fernando Lopes-Graça – piano
Gravado na Emissora Nacional, Lisboa, a 11 de Janeiro de 1963
Arima
Poema: Eugénio de Andrade (in "Mar de Setembro", Porto: Imprensa Portuguesa, 1961; "Poesia", 2.ª edição, org. Arnaldo Saraiva, Porto: Fundação Eugénio de Andrade, 2005 – p. 112-113)
Música: José Peixoto
Intérprete: Quinteto de Maria João* (in LP "Conversa", Philips/Polygram, 1987)
Uma gaivota — dizes.
Sim, uma gaivota
passa distante e arde.
O teu rosto é azul,
e contudo está cheio
do oiro da tarde.
Uma gaivota.
Alma do mar e tua,
abandona-se à luz.
E na boca nem eu sei
se me nasce o coração
ou é a lua.
* Maria João – voz
José Peixoto – guitarra acústica
Carlos Bica – contrabaixo
Mário Barreiros – bateria
Produção – Maria João
Gravado e misturado no Angel Studio II, Lisboa, em Setembro de 1987
Engenheiro de som – José Manuel Fortes
Litania com o Teu Rosto
Poema: Eugénio de Andrade (in "Mar de Setembro", Porto: Imprensa Portuguesa, 1961; "Poesia", 2.ª edição, org. Arnaldo Saraiva, Porto: Fundação Eugénio de Andrade, 2005 – p. 111)
Música: Fernando Lopes-Graça (7.ª peça do ciclo "Mar de Setembro", Op. 149, LG 225, 1962)
Intérpretes: Fernando Serafim & Fernando Lopes-Graça* (in 10CD "Centenário Fernando Lopes-Graça (1906-1994) - Arquivos da RDP": CD 8, RDP-Radiodifusão Portuguesa, 2006)
Ó noite, ó dia, ó música de guitarras
na rua ou no teu corpo,
primavera,
vara de nardos, estrela
de cinco pontas, morte pura;
ó barco onde as bandeiras
são todas de alegria,
água súbita, bosque próximo,
pão com sabor a beijos;
ó leito onde corri,
azul azul azul,
à tua sombra;
amor,
ó lágrima,
espelho da terra,
mãe ardente,
melancolia,
secreta lua aberta,
alma, canção, ó noite, ó dia!
Nota: O verso "pão com sabor a beijos" foi posteriormente modificado pelo autor, surgindo na edição canónica da poesia reunida ("Poesia", Fundação Eugénio de Andrade, 2005) com a forma "pão com sabor a sol". Foi suprimido o trecho "amor,/ ó lágrima,".
* Fernando Serafim – voz (tenor)
Fernando Lopes-Graça – piano
Gravado na Emissora Nacional, Lisboa, a 11 de Janeiro de 1963
Areias de Laga
Poema: Eugénio de Andrade (adaptado) [texto original >> abaixo]
Música: Mário Laginha
Intérprete: Quinteto Maria João* (in LP "Cem Caminhos", Orfeu, 1985, reed. Movieplay, 1991)
No teu ombro respiro.
Belos são os navios,
altos, estreitos.
Feliz, o meu rosto no teu.
Que luz sobre o teu peito!
No teu ombro respiro.
Belas são as areias
fulvas de verão.
Feliz, o meu rosto no teu.
Oh tão azul o mar na tua mão!
No teu ombro respiro.
Belos são os navios,
altos, estreitos.
Feliz, o meu rosto no teu.
Que luz sobre o teu peito!
No teu ombro respiro.
Belas são as areias
fulvas de verão.
Feliz, o meu rosto no teu.
Oh tão azul o mar na tua mão!
* Quinteto Maria João:
Maria João – voz
Carlos Martins – saxofone alto e saxofone tenor
Mário Laginha – piano
David Gausden – contrabaixo
Carlos Vieira – bateria
Arranjos – Quinteto Maria João
Gravado nos Estúdios Rádio Triunfo 1, Lisboa
Técnico de som – Moreno Pinto
CANÇÃO ESCRITA NAS AREIAS DE LAGA
(Eugénio de Andrade, in "Mar de Setembro", Porto: Imprensa Portuguesa, 1961; "Poesia", 2.ª edição, org. Arnaldo Saraiva, Porto: Fundação Eugénio de Andrade, 2005 – p. 111)
No teu ombro respiro.
Belos são os navios,
altos, estreitos.
Feliz, o teu rosto no meu.
Que luz sobre o teu peito!
No teu ombro respiro.
Belas são as areias
fulvas de verão.
Feliz, o meu rosto no teu.
Oh tão azul o mar na tua mão!
Lettera Amorosa
Poema: Eugénio de Andrade (in "Mar de Setembro", Porto: Imprensa Portuguesa, 1961; "Poesia", 2.ª edição, org. Arnaldo Saraiva, Porto: Fundação Eugénio de Andrade, 2005 – p. 113)
Música: Rui Tinoco
Intérprete: Frei Fado* (in CD "O Quanto Somos Semelhantes", Frei Fado/Primetime, 2015)
Respiro o teu corpo:
sabe a lua-d'água
ao amanhecer,
sabe a cal molhada,
sabe a luz mordida,
sabe a brisa nua,
sabe ao sol dos rios,
sabe a rosa-louca,
ao cair da noite
sabe a pedra amarga,
sabe à minha boca.
* Frei Fado:
Carla Lopes – voz
Rui Tinoco – piano digital, sintetizadores e programações
Ricardo Costa – guitarra acústica
Jorge Ribeiro – baixo acústico
Zagalo – bateria e percussões
Produção musical e arranjos – Rui Tinoco
Gravação, mistura e masterização – Rui Tinoco, de Julho de 2014 a Fevereiro de 2015
Os Lábios
Poema: Eugénio de Andrade (adaptado) [texto original >> abaixo]
Adaptação: Henrique Tomás Veiga
Música: Henrique Tomás Veiga
Arranjo: Arménio Assis e Santos
Intérprete: Henrique Tomás Veiga / Grupo de Fados da Associação dos Antigos Estudantes de Coimbra no Porto* (in CD "Coimbra Eterna", Strauss, 1998)
I
Na música que é tua,
meus lábios torrenciais
caem pesados, duros.
E nunca mais.
Despenham-se a prumo:
vidros ou punhais.
Arrastam-te ao fundo.
Ao fundo.
E nunca mais.
II
Meus lábios torrenciais
caem pesados, duros.
Arrastam-te ao fundo.
E nunca mais.
Despenham-se a prumo:
vidros ou punhais.
Arrastam-te ao fundo.
Ao fundo.
E nunca mais.
* Henrique Tomás Veiga – voz
Arménio Assis e Santos – guitarra de Coimbra
António Moniz Palme – guitarra de Coimbra
Mário Araújo Ribeiro – viola
Manuel Campos Costa – viola
Supervisão de produção – Maria Lourdes de Carvalho
Gravado nos Pinguim Estúdios, Gondomar
Técnico de som – Luís Carlos Pereira
Pré-Masterização – Jorge d'Avillez, no Strauss Studio, Lisboa
OS LÁBIOS
(Eugénio de Andrade, in "Obscuro Domínio", Porto: Editorial Inova, 1971; "Poesia", 2.ª edição, org. Arnaldo Saraiva, Porto: Fundação Eugénio de Andrade, 2005 – p. 155-156)
Na música que é tua,
meus lábios torrenciais
caem pesados, duros.
E nunca mais.
Despenham-se a prumo:
vidros ou punhais.
Arrastam-te ao fundo.
E nunca mais.
Só as tuas mãos trazem os frutos
Poema: Eugénio de Andrade (in "As Mãos e os Frutos", Lisboa: Portugália Editora, 1948 – p. 11; "Poesia", 2.ª edição, org. Arnaldo Saraiva, Porto: Fundação Eugénio de Andrade, 2005 – p. 19)
Música: Luís Manoel Lopes
Intérprete: Hoquetus - Coro da Faculdade de Psicologia e Ciências de Educação da Universidade do Porto, dir. Luís Manoel Lopes* (in CD "Cantata para Mário Botas", Numérica, 2001)
Só as tuas mãos trazem os frutos.
Só elas despem a mágoa
destes olhos, choupos meus,
carregados de sombra e rasos de água.
Só elas são
estrelas penduradas nos meus dedos.
— Ó mãos da minha alma,
flores abertas aos meus segredos.
Nota: O verso "destes olhos, choupos meus," foi posteriormente modificado pelo autor, surgindo na edição canónica da poesia reunida ("Poesia", Fundação Eugénio de Andrade, 2005) com a forma "destes olhos, e dos choupos,".
* Hoquetus - Coro da Faculdade de Psicologia e Ciências de Educação da Universidade do Porto
Direcção – Luís Manoel Lopes
Produção – Jorge Fidalgo
Gravado no Museu da Imprensa, Porto, nos dias 5, 6, 10 e 11 de Julho de 2000
As Mãos e os Frutos
Poema: Eugénio de Andrade ("Impetuoso, o teu corpo é como um rio", in "As Mãos e os Frutos", Lisboa: Portugália Editora, 1948 – p. 32; "Poesia", 2.ª edição, org. Arnaldo Saraiva, Porto: Fundação Eugénio de Andrade, 2005 – p. 26)
Música: Custódio Castelo
Intérprete: Cristina Branco* (in CD "Sensus", Emarcy/Universal Classics France, 2003)
Impetuoso, o teu corpo é como um rio
onde o meu se perde.
Se escuto, só oiço o teu rumor.
De mim, nem o sinal mais breve.
Imagem dos gestos que tracei,
irrompe puro e completo.
Por isso, rio foi o nome que lhe dei.
E nele o céu fica mais perto.
* Cristina Branco – voz
Custódio Castelo – guitarra portuguesa
Alexandre Silva – viola
Fernando Maia – viola baixo
Arranjos e produção – Custódio Castelo
Co-produção – Fernando Nunes
Produção executiva – Yann Ollivier / Universal Classics France
Gravado e masterizado por Fernando Nunes, nos Estúdios Pé-de-Vento, Salvaterra de Magos, de Setembro a Dezembro de 2002
Ostinato
Poema: Eugénio de Andrade (adaptado) [texto original >> abaixo]
Música: José Mesquita
Intérprete: José Mesquita* (in CD "Coimbra das Canções, Trovas e Baladas", José Mesquita, 1999)
Ao desejo,
à sombra aguda
do desejo,
eu me abandono. [bis]
Meu ramo de coral,
meu areal,
eu me abandono.
Meu barco de oiro,
minha pedra de orvalho,
meu amor,
eu me abandono.
Meu punhal,
minha lua queimada,
violada,
eu me abandono.
Colhe-me, recolhe-me:
eu me abandono.
[instrumental]
Ao desejo,
à sombra aguda
do desejo,
eu me abandono. [3x]
Meu ramo de coral,
meu areal,
minha pedra de orvalho,
meu amor,
minha lua queimada,
violada,
meu barco de oiro,
meu punhal,
meu areal,
meu ramo de coral,
meu barco de oiro,
minha pedra de orvalho
meu amor,
minha lua queimada...
Ao desejo,
eu me abandono.
* José Mesquita – voz
António Brojo – guitarra de Coimbra
Carlos Jesus – guitarra de Coimbra
Luís Filipe – viola
Humberto Matias – viola
OSTINATO
(Eugénio de Andrade, in "Mar de Setembro", Porto: Imprensa Portuguesa, 1961; "Poesia", 2.ª edição, org. Arnaldo Saraiva, Porto: Fundação Eugénio de Andrade, 2005 – p. 107-108)
Ao desejo,
à sombra aguda
do desejo,
eu me abandono.
Meu ramo de coral,
meu areal,
meu barco de oiro,
eu me abandono.
Minha pedra de orvalho,
meu amor,
meu punhal,
eu me abandono.
Minha lua queimada,
violada,
colhe-me, recolhe-me:
eu me abandono.
Raivosos, atiram-se contra a sombra
Poema de Eugénio de Andrade (in "Branco no Branco", Porto: Limiar, 1984; "Poesia", 2.ª edição, org. Arnaldo Saraiva, Porto: Fundação Eugénio de Andrade, 2005 – p. 365-366)
Recitado por Luís Lima Barreto* (in livro/2CD "Ao Longe os Barcos de Flores: Poesia Portuguesa do Século XX": CD 2, col. Sons, Assírio & Alvim, 2004)
Raivosos, atiram-se contra a sombra
de umas acácias que por ali havia,
o corpo dorido de tanto desejar.
Olharam em redor, ninguém os vira,
a terra era de areia, a sombra dura,
também a carne endurecera
e secara a boca, só os olhos
tinham ainda alguma água fresca.
Os dedos cegos foram os primeiros
a rasgar, ferir, e logo os dentes
morderam, nem sequer
ao sexo deram tempo de penetrar.
Eram muito jovens; a terra não,
a terra estava exausta,
o coração mordido pelas vespas,
só queria morrer.
* Luís Lima Barreto – voz
Selecção de poemas e direcção de actores – Gastão Cruz
Coordenação editorial – Teresa Belo
Gravado e masterizado por Artur David e João Gomes, no Estúdio Praça das Flores, Lisboa, em Outubro de 2004
Supervisão de gravação – Vasco Pimentel
OS AMANTES SEM DINHEIRO
Poema de Eugénio de Andrade (in "Os Amantes sem Dinheiro", Lisboa: Centro Bibliográfico, 1950; "Poesia", 2.ª edição, org. Arnaldo Saraiva, Porto: Fundação Eugénio de Andrade, 2005 – p. 41-42)
Dito pelo autor (in CD "Eugénio de Andrade por Eugénio de Andrade", Numérica, 1997)
Tinham o rosto aberto a quem passava.
Tinham lendas e mitos
e frio no coração.
Tinham jardins onde a lua passeava
de mãos dadas com a água
e um anjo de pedra por irmão.
Tinham como toda a gente
o milagre de cada dia
escorrendo pelos telhados;
e olhos de oiro
onde ardiam
os sonhos mais tresmalhados.
Tinham fome e sede como os bichos,
e silêncio
à roda dos seus passos.
Mas a cada gesto que faziam
um pássaro nascia dos seus dedos
e deslumbrado penetrava nos espaços.
Os Amantes sem Dinheiro
Poema: Eugénio de Andrade (in "Os Amantes sem Dinheiro", Lisboa: Centro Bibliográfico, 1950; "Poesia", 2.ª edição, org. Arnaldo Saraiva, Porto: Fundação Eugénio de Andrade, 2005 – p. 41-42)
Música: Mário Laginha
Intérprete: Maria João & Grupo Cal Viva* (in CD "Sol", Enja Records, 1991)
Tinham o rosto aberto a quem passava.
Tinham lendas e mitos
e frio no coração.
Tinham jardins onde a lua passeava
de mãos dadas com a água
e um anjo de pedra por irmão.
Tinham como toda a gente
o milagre de cada dia
escorrendo pelos telhados;
e olhos de oiro
onde ardiam
os sonhos mais tresmalhados.
Tinham fome e sede como os bichos,
e silêncio
à roda dos seus passos.
Mas a cada gesto que faziam
um pássaro nascia dos seus dedos
e deslumbrado penetrava nos espaços.
* Maria João – voz
Mário Laginha – piano
José Peixoto – guitarra
Carlos Bica – contrabaixo
José Salgueiro – bateria, percussão
Gravado e misturado nos Bauer Studios, Ludwigsburg (Alemanha), por Carlos Albrecht, de 21 a 23 de Abril de 1991
Cantar
Poema: Eugénio de Andrade (in "Obscuro Domínio", Porto: Editorial Inova, 1971; "Poesia", 2.ª edição, org. Arnaldo Saraiva, Porto: Fundação Eugénio de Andrade, 2005 – p. 141)
Música: Carlos Martins
Intérprete: Quinteto Maria João* (in LP "Cem Caminhos", Orfeu, 1985, reed. Movieplay, 1991)
O corpo arde na sombra,
procura a nascente.
Breve orgia da espuma,
Ó meu amor.
Agora sei
onde começa a ternura:
reconheço
o arbusto do fogo.
Conheci o deserto
da cal.
A raiz do linho
foi meu alimento,
foi o meu tormento.
Mas então cantava.
Como a noite sobe às fontes,
assim regresso à água.
Nota: O trecho "Breve orgia da espuma,/ Ó meu amor." foi posteriormente suprimido pelo autor, não surgindo na edição canónica da poesia reunida ("Poesia", Fundação Eugénio de Andrade, 2005).
* Quinteto Maria João:
Maria João – voz
Carlos Martins – saxofone alto e saxofone tenor
Mário Laginha – piano
David Gausden – contrabaixo
Carlos Vieira – bateria
Arranjos – Quinteto Maria João
Gravado nos Estúdios Rádio Triunfo 1, Lisboa
Técnico de som – Moreno Pinto
Mar de Setembro
Poema: Eugénio de Andrade (in "Mar de Setembro", Porto: Imprensa Portuguesa, 1961; "Poesia", 2.ª edição, org. Arnaldo Saraiva, Porto: Fundação Eugénio de Andrade, 2005 – p. 99-100)
Música: Fernando Lopes-Graça (1.ª peça do ciclo "Mar de Setembro", Op. 149, LG 225, 1962)
Intérpretes: Fernando Serafim & Fernando Lopes-Graça* (in 10CD "Centenário Fernando Lopes-Graça (1906-1994) - Arquivos da RDP": CD 8, RDP-Radiodifusão Portuguesa, 2006)
Tudo era claro:
céu, lábios, areias.
O mar estava perto,
fremente de espumas.
Corpos ou ondas:
iam, vinham, iam,
dóceis, leves — só
alma e brancura.
Felizes, cantam;
serenos, dormem;
despertos, amam,
exaltam o silêncio.
Tudo era claro,
jovem, alado.
O mar estava perto.
Puríssimo. Doirado.
Nota: O verso "alma e brancura" foi posteriormente modificado pelo autor, surgindo na edição canónica da poesia reunida ("Poesia", Fundação Eugénio de Andrade, 2005) com a forma "ritmo e brancura".
* Fernando Serafim – voz (tenor)
Fernando Lopes-Graça – piano
Gravado na Emissora Nacional, Lisboa, a 11 de Janeiro de 1963
Soneto
Poema: Eugénio de Andrade (adaptado) [texto original >> abaixo]
Música: Rui Tinoco e Carla Lopes
Intérprete: Frei Fado* (in CD "O Quanto Somos Semelhantes", Frei Fado/Primetime, 2015)
Amor desta tarde que arrefeceu
as mãos e os olhos que te dei;
amor exacto, vivo, desenhado a fogo,
onde eu próprio me queimei;
amor que me destrói e destruiu
a fria arquitectura desta tarde
— só a ti canto, que nem eu já sei | bis
outra forma de ser e de encontrar-me. |
Amor desta tarde que arrefeceu
as mãos e os olhos que te dei;
amor que me destrói e destruiu
a fria arquitectura desta tarde;
amor exacto, vivo, desenhado a fogo,
onde eu próprio me queimei
— só a ti canto, que nem eu já sei
outra forma de ser e de encontrar-me.
Só a ti canto que não há razão
para que o frio que me queima os olhos
me trespasse e me suba ao coração;
só a ti canto, que não há desastre
donde não possa ainda erguer-me | bis
para encontrar de novo a tua face; |
só a ti canto que não há razão
para que o frio que me queima os olhos...
só a ti canto, que nem eu já sei
outra forma de ser e de encontrar-me.
Donde não possa ainda erguer-me | bis
para encontrar de novo a tua face. |
* Frei Fado:
Carla Lopes – voz
Rui Tinoco – piano digital, sintetizadores e programações
Ricardo Costa – guitarra acústica
Jorge Ribeiro – baixo acústico
Zagalo – bateria e percussões
Produção musical e arranjos – Rui Tinoco
Gravação, mistura e masterização – Rui Tinoco, de Julho de 2014 a Fevereiro de 2015
SONETO
(Eugénio de Andrade, in "Os Amantes sem Dinheiro", Lisboa: Centro Bibliográfico, 1950; "Poesia", 2.ª edição, org. Arnaldo Saraiva, Porto: Fundação Eugénio de Andrade, 2005 – p. 48-49)
Amor desta tarde que arrefeceu
as mãos e os olhos que te dei;
amor exacto, vivo, desenhado a fogo,
onde eu próprio me queimei;
amor que me destrói e destruiu
a fria arquitectura desta tarde
— só a ti canto, que nem eu já sei
outra forma de ser e de encontrar-me.
Só a ti canto que não há razão
para que o frio que me queima os olhos
me trespasse e me suba ao coração;
só a ti canto, que não há desastre
donde não possa ainda erguer-me
para encontrar de novo a tua face.
RUMOR
Poema de Eugénio de Andrade (in "Os Amantes sem Dinheiro", Lisboa: Centro Bibliográfico, 1950; "Poesia", 2.ª edição, org. Arnaldo Saraiva, Porto: Fundação Eugénio de Andrade, 2005 – p. 49)
Dito pelo autor (in CD "Eugénio de Andrade por Eugénio de Andrade", Numérica, 1997)
Acorda-me
um rumor de ave.
Talvez seja a tarde
a querer voar.
A levantar do chão
qualquer coisa que vive,
e é como um perdão
que não tive.
Talvez nada.
Ou só um olhar
que na tarde fechada
é ave.
Mas não pode voar.
Rumor
Poema: Eugénio de Andrade (in "Os Amantes sem Dinheiro", Lisboa: Centro Bibliográfico, 1950; "Poesia", 2.ª edição, org. Arnaldo Saraiva, Porto: Fundação Eugénio de Andrade, 2005 – p. 49)
Música: João Fernando
Intérprete: Luísa Basto* (in single "Vento e Trova / Rumor", Telectra, 1980)
Acorda-me
um rumor de ave.
Talvez seja a tarde
a querer voar.
A levantar do chão
qualquer coisa que vive,
e é como um perdão
que não tive.
Talvez nada.
Ou só um olhar
que na tarde fechada
é ave.
Mas não pode voar.
* Luísa Basto – voz
Daniel Luís – bateria
Carlitos – percussão
Armindo Neves – viola eléctrica e acústica
Luís Duarte – viola baixo
Rui Cardoso – flauta e saxofone tenor
Arranjos e direcção – Luís Duarte
Produção – Telectra
QUE DIREMOS AINDA?
Poema de Eugénio de Andrade (in "Mar de Setembro", Porto: Imprensa Portuguesa, 1961; "Poesia", 2.ª edição, org. Arnaldo Saraiva, Porto: Fundação Eugénio de Andrade, 2005 – p. 114)
Recitado por Luísa Cruz* (in livro/2CD "Ao Longe os Barcos de Flores: Poesia Portuguesa do Século XX": CD 2, col. Sons, Assírio & Alvim, 2004)
Vê como de súbito o céu se fecha
sobre dunas e barcos,
e cada um de nós se volta e fixa
os olhos um no outro,
e como deles devagar escorre
a última luz sobre as areias.
Que diremos ainda? Serão palavras,
isto que aflora aos lábios?
Palavras, este rumor tão leve
que ouvimos o dia desprender-se?
Palavras, ou luz ainda?
Palavras, não. Quem as sabia?
Foi apenas lembrança de outra luz.
Nem luz seria, apenas outro olhar.
* Luísa Cruz – voz
Selecção de poemas e direcção de actores – Gastão Cruz
Coordenação editorial – Teresa Belo
Gravado e masterizado por Artur David e João Gomes, no Estúdio Praça das Flores, Lisboa, em Outubro de 2004
Supervisão de gravação – Vasco Pimentel
Que Diremos Ainda?
Poema: Eugénio de Andrade (in "Mar de Setembro", Porto: Imprensa Portuguesa, 1961; "Poesia", 2.ª edição, org. Arnaldo Saraiva, Porto: Fundação Eugénio de Andrade, 2005 – p. 114)
Música: Fernando Lopes-Graça (9.ª peça do ciclo "Mar de Setembro", Op. 149, LG 225, 1962)
Intérpretes: Fernando Serafim & Fernando Lopes-Graça* (in 10CD "Centenário Fernando Lopes-Graça (1906-1994) - Arquivos da RDP": CD 8, RDP-Radiodifusão Portuguesa, 2006)
Vê como de súbito o céu se fecha
sobre dunas e barcos,
e cada um de nós se volta e fixa
os olhos um no outro,
e como deles devagar escorre
a última luz sobre as areias.
Que diremos ainda? Serão palavras,
isto que aflora aos lábios?
Palavras, este rumor tão leve
que ouvimos o dia desprender-se?
Palavras, ou luz ainda?
Palavras, não. Quem as sabia?
Foi apenas lembrança doutra luz.
Nem luz seria, e só um outro olhar.
* Fernando Serafim – voz (tenor)
Fernando Lopes-Graça – piano
Gravado na Emissora Nacional, Lisboa, a 11 de Janeiro de 1963
O SILÊNCIO
Poema de Eugénio de Andrade (in "Obscuro Domínio", Porto: Editorial Inova, 1971; "Poesia", 2.ª edição, org. Arnaldo Saraiva, Porto: Fundação Eugénio de Andrade, 2005 – p. 164)
Dito pelo autor (in CD "Eugénio de Andrade por Eugénio de Andrade", Numérica, 1997)
Quando a ternura
parece já do seu ofício fatigada,
e o sono, a mais incerta barca,
ainda demora,
quando azuis irrompem
os teus olhos
e procuram
nos meus navegação segura,
é que eu te falo das palavras
desamparadas e desertas,
pelo silêncio fascinadas.
Canção
Poema: Eugénio de Andrade (adaptado) [texto original >> abaixo]
Adaptação: Henrique Tomás Veiga
Música: Henrique Tomás Veiga
Arranjo: Arménio Assis e Santos
Intérprete: Henrique Tomás Veiga / Grupo de Fados da Associação dos Antigos Estudantes de Coimbra no Porto* (in CD "Coimbra Eterna", Strauss, 1998)
I
Hoje venho dizer-te que nevou
no rosto familiar que te esperava.
Não é nada, meu amor, foi um pássaro,
a casca do tempo que caiu,
uma lágrima, um barco, uma palavra.
Não é nada, não é nada, meu amor.
II
Foi apenas mais um dia que passou
entre arcos e arcos de solidão;
e a curva dos teus olhos que se fechou,
uma gota de orvalho, uma só gota,
secretamente morta na tua mão.
Não é nada, não é nada, meu amor.
* Henrique Tomás Veiga – voz
Arménio Assis e Santos – guitarra de Coimbra
António Moniz Palme – guitarra de Coimbra
Mário Araújo Ribeiro – viola
Manuel Campos Costa – viola
Supervisão de produção – Maria Lourdes de Carvalho
Gravado nos Pinguim Estúdios, Gondomar
Técnico de som – Luís Carlos Pereira
Pré-Masterização – Jorge d'Avillez, no Strauss Studio, Lisboa
CANÇÃO
(Eugénio de Andrade, in "As Palavras Interditas", Lisboa: Centro Bibliográfico, 1951; "Poesia", 2.ª edição, org. Arnaldo Saraiva, Porto: Fundação Eugénio de Andrade, 2005 – p. 58-59)
Hoje venho dizer-te que nevou
no rosto familiar que te esperava.
Não é nada, meu amor, foi um pássaro,
a casca do tempo que caiu,
uma lágrima, um barco, uma palavra.
Foi apenas mais um dia que passou
entre arcos e arcos de solidão;
a curva dos teus olhos que se fechou,
uma gota de orvalho, uma só gota,
secretamente morta na tua mão.
Lágrima
Poema: Eugénio de Andrade (adaptado) [texto original >> abaixo]
Música: José Mesquita
Intérprete: José Mesquita* (in LP "Ecos da Canção Coimbrã", Philips/Polygram, 1987, reed. Philips/Polygram, 1996; 2CD "O Melhor de 2: Luz Sá da Bandeira / José Mesquita": CD "José Mesquita", Universal, 2001)
Dos olhos me cais,
redonda formosura.
Quase fruto, quase lua,
cais desamparada.
Dos olhos me cais,
Lágrima.
Regressas à água
mais pura do dia,
obscuro alimento
de altas açucenas.
Regressas à água
mais pura...
Lágrima, lágrima,
Lágrima, apenas.
[instrumental]
Dos olhos me cais,
redonda formosura.
Breve arquitectura
da melancolia.
Cais desamparada.
Dos olhos me cais,
Lágrima.
Regressas à água
mais pura do dia,
obscuro alimento
de altas açucenas.
Regressas à água
mais pura...
Lágrima, lágrima,
Lágrima, apenas.
* José Mesquita – voz
Octávio Sérgio – guitarra de Coimbra
António Sérgio Azevedo – viola
LÁGRIMA
(Eugénio de Andrade, in "Coração do Dia", Lisboa: Iniciativas Editoriais, 1958; "Poesia", 2.ª edição, org. Arnaldo Saraiva, Porto: Fundação Eugénio de Andrade, 2005 – p. 90)
Dos olhos me cais,
redonda formosura.
Quase fruto ou lua,
cais desamparada.
Regressas à água
mais pura do dia,
obscuro alimento
de altas açucenas.
Breve arquitectura
da melancolia.
Lágrima, apenas.
ADEUS
Poema de Eugénio de Andrade (in "As Palavras Interditas", Lisboa: Centro Bibliográfico, 1951; "Poesia", 2.ª edição, org. Arnaldo Saraiva, Porto: Fundação Eugénio de Andrade, 2005 – p. 57)
Recitado por José Manuel Mendes* (in livro/2CD "Ao Longe os Barcos de Flores: Poesia Portuguesa do Século XX": CD 2, col. Sons, Assírio & Alvim, 2004)
Como se houvesse uma tempestade
escurecendo os teus cabelos
ou, se preferes, a minha boca nos teus olhos,
carregada de flor e dos teus dedos;
como se houvesse uma criança cega
aos tropeções dentro de ti,
eu falei em neve, e tu calavas
a voz onde contigo me perdi.
Como se a noite viesse e te levasse,
eu era só fome o que sentia;
digo-te adeus, como se não voltasse
ao país onde o teu corpo principia.
Como se houvesse nuvens sobre nuvens,
e sobre as nuvens mar perfeito
ou, se preferes, a tua boca clara
singrando largamente no meu peito.
* José Manuel Mendes – voz
Selecção de poemas e direcção de actores – Gastão Cruz
Coordenação editorial – Teresa Belo
Gravado e masterizado por Artur David e João Gomes, no Estúdio Praça das Flores, Lisboa, em Outubro de 2004
Supervisão de gravação – Vasco Pimentel
Adeus
Poema: Eugénio de Andrade (in "As Palavras Interditas", Lisboa: Centro Bibliográfico, 1951; "Poesia", 2.ª edição, org. Arnaldo Saraiva, Porto: Fundação Eugénio de Andrade, 2005 – p. 57)
Música: Luís Cília
Intérprete: Luís Cília* (in LP "O Peso da Sombra: A Poesia de Eugénio de Andrade", Diapasão/Sassetti, 1980)
Como se houvesse uma tempestade
escurecendo os teus cabelos
ou, se preferes, a minha boca nos teus olhos,
carregada de flor e dos teus dedos;
Como se houvesse uma criança cega
aos tropeções dentro de ti,
eu falei em neve, e tu calavas
a voz onde contigo me perdi.
Como se a noite viesse e te levasse,
eu era só fome o que sentia;
digo-te adeus, como se não voltasse
ao país onde o teu corpo principia.
Como se houvesse nuvens sobre nuvens,
e sobre as nuvens mar perfeito
ou, se preferes, a tua boca clara
singrando largamente no meu peito.
* Luís Cília – voz e viola
Manuel João Afonso – violino
António Oliveira e Silva – violeta
Luiza de Vasconcelos – violoncelo
Direcção musical – Luís Cília
Produção – Sassetti
Gravado nos Estúdios Musicorde, Lisboa, a 12, 13 e 14 de Dezembro de 1979
Técnicos de som – Rui Remígio, Fernando Santos e Luís Flor
Canção Desesperada
Poema: Eugénio de Andrade (in "Até Amanhã", Lisboa: Guimarães Editores, 1956; "Poesia", 2.ª edição, org. Arnaldo Saraiva, Porto: Fundação Eugénio de Andrade, 2005 – p. 81-82)
Música: Fernando Dias Marques
Arranjo: Fernando Dias Marques e Nuno Oliveira
Intérprete: Grupo Canção de Coimbra* (in CD "Prospecção", MDL Estúdios & Produções/Som Livre, 2004)
Nem os olhos sabem que dizer
a esta rosa de alegria,
aberta nas minhas mãos
ou nos cabelos do dia.
O que sonhei é só água,
água só, roxa de frio.
Nenhuma rosa cabe nesta mágoa.
Dai-me a sombra dum navio.
* Grupo Canção de Coimbra:
Jorge Vaz Machado – voz
Fernando Dias Marques – guitarra portuguesa
Pedro Nunes – guitarra portuguesa
Manuel João Vaz – guitarra clássica
Produção e revisão musical – Nuno Oliveira
Gravação – Pedro Janela, no Estúdio Mastermix, Tentúgal - Montemor-o-Velho, de Março a Setembro de 2004
Mistura, masterização e edição digital – Fernando Abrantes, nos Estúdios MDL, Paço d'Arcos
A tua vida é uma história triste
Poema: Eugénio de Andrade (in "As Mãos e os Frutos", Lisboa: Portugália Editora, 1948 – p. 52; "Poesia", 2.ª edição, org. Arnaldo Saraiva, Porto: Fundação Eugénio de Andrade, 2005 – p. 32)
Música: Fernando Lopes-Graça (7.ª peça do ciclo "As Mãos e os Frutos", Op. 117, LG 211, 1959)
Intérpretes: João Rodrigues & Nuno Vieira de Almeida* (in CD "Fernando Lopes-Graça: Clepsidra; As Mãos e os Frutos; 3 Canções de Fernando Pessoa", Tradisom, 2009)
A tua vida é uma história triste.
A minha é igual à tua.
Presas as mãos e preso o coração,
enchemos de sombra a mesma rua.
A nossa casa é onde a neve aquece.
A nossa festa, onde o luar acaba.
Cada verso em nós próprios apodrece
e cada jardim nos fecha a sua entrada.
* João Rodrigues – voz (tenor)
Nuno Vieira de Almeida – piano
Assistente musical – Fernando Serafim
Supervisão artística – Nuno Vieira de Almeida
Técnico de piano – Fernando Rosado
Coordenação executiva – José Moças
Gravado na Escola Superior de Música de Lisboa, de 3 a 15 de Agosto de 2009
Gravação, edição e masterização – José Manuel Fortes
ADEUS
Poema de Eugénio de Andrade (in "Os Amantes sem Dinheiro", Lisboa: Centro Bibliográfico, 1950; "Poesia", 2.ª edição, org. Arnaldo Saraiva, Porto: Fundação Eugénio de Andrade, 2005 – p. 51-52)
Dito pelo autor (in CD "Eugénio de Andrade por Eugénio de Andrade", Numérica, 1997)
Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.
Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro;
era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.
Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes.
E eu acreditava.
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.
Mas isso era no tempo dos segredos,
era no tempo em que o teu corpo era um aquário,
era no tempo em que os meus olhos
eram realmente peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.
Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor,
já não se passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.
Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.
Adeus.
Adeus (Palavras Gastas)
Poema: Eugénio de Andrade (ligeiramente adaptado) [texto original >> acima]
Música: Fernando Guerra
Intérprete: Simone de Oliveira* (in LP "Simone", Alvorada/Rádio Triunfo, 1979; CD "Grandes Êxitos", Movieplay, 1992; CD "Simone de Oliveira", col. O Melhor dos Melhores, vol. 26, Movieplay, 1994; CD "Simone de Oliveira", col. Clássicos da Renascença, vol. 37, Movieplay, 2000)