30 novembro 2010
Que se passa com o Prémio José Afonso?
«Com o objectivo de homenagear José Afonso, incentivar a criação musical de raiz portuguesa e animar turística e culturalmente a cidade da Amadora, organizará a autarquia anualmente um Festival de Música Popular Portuguesa, o qual terá como ponto alto a atribuição do Prémio José Afonso.
O Prémio José Afonso destina-se a galardoar um álbum inédito editado durante o ano anterior ao da realização do Festival de Música Popular Portuguesa, cujos temas tenham como referência a Cultura e a História portuguesas, tal como a obra do autor de "Grândola, Vila Morena".»
Assim reza o regulamento do Prémio José Afonso, criado em 1988, pela Câmara Municipal da Amadora, era então presidente Orlando de Almeida, e vereador da Cultura e Turismo Fernando Pereira, dando seguimento a proposta do Sr. Júlio Murraças, o funcionário da edilidade que até 2005 teve a seu cargo a pré-selecção dos discos, a organização do festival e a direcção da revista "MPP".
Depois do episódio insólito ocorrido em 2006, em que o prémio não foi atribuído, não por falta de discos de qualidade editados no ano anterior (um dos quais "Faluas do Tejo", dos Madredeus, o grupo que, depois de Amália, mais fez pela difusão da música portuguesa além-fronteiras e que acabou por se extinguir sem nunca receber a distinção), mas devido a incompetência do executivo camarário na elaboração da lista sujeita à apreciação do júri, as coisas pareciam ter voltado a uma relativa normalidade. Em 2007, a Brigada Victor Jara seria a feliz contemplada, pelo álbum "Ceia Louca" (há muito que o histórico grupo de Coimbra era credor do prémio) e no ano seguinte sorriria a sorte ao grupo Frei Fado d'El Rei, pelo disco "Senhor Poeta: Um Tributo a José Afonso". Sábias e fora de questionamento ambas as decisões do júri.
Era expectável que no decurso de 2009 fosse anunciado o disco eleito do ano anterior. Estranhamente, isso não aconteceu. Não me parecendo normal o que se estava a passar, a 28 de Janeiro de 2010, tomei a iniciativa de escrever uma e-carta à Câmara Municipal da Amadora, solicitando um esclarecimento. Não obtive resposta. Apesar disso, ainda dei o benefício da dúvida às pessoas que na autarquia têm a seu cargo a gestão do processo do P.J.A., na esperança que entretanto surgisse uma solução, embora já fora de tempo. Puro engano! Chegámos a 30 de Novembro de 2010, portanto, a um mês de findar o ano, e – pasme-se! – ainda não se sabe qual o disco distinguido de 2008, quando o normal é que já se conhecesse o contemplado de 2009.
Resta saber se a vergonhosa situação a que se chegou se deve a pura e simples negligência dos srs. Joaquim Raposo e António Moreira (respectivamente, presidente da Câmara e vereador da Cultura) ou se tudo decorre de um propósito inconfessado de liquidar o Prémio José Afonso, o mais prestigiado galardão existente em Portugal para a música não erudita. Qualquer que seja a hipótese válida, a situação é deveras insustentável e não pode deixar de suscitar o vivo repúdio, em primeiro lugar, dos cidadãos e contribuintes que garantem os (imerecidos) vencimentos da dupla Raposo & Moreira e, em segundo lugar, de todas as pessoas que prezam a memória de José Afonso e cultivam a boa música popular portuguesa que a ele tanto deve.
Não conheci José Afonso, mas sou um grande admirador do seu legado poético-musical e tenho de lhe estar eternamente grato pelo inestimável contributo que deu, a partir dos anos 60, para o desenvolvimento da música popular portuguesa, como via alternativa ao nacional cançonetismo e ao pop-rock decalcado de grupos/intérpretes ingleses e americanos (o original é sempre melhor). É bom não esquecer que Fausto Bordalo Dias, Júlio Pereira, Janita Salomé e Trovante, entre outros, começaram a tocar/compor segundo os cânones estéticos anglo-americanos e foi justamente por influência de José Afonso que "mudaram a agulha" para a música de raiz portuguesa. Não tivesse existido o autor de "Cantares do Andarilho" e é quase certo que álbuns fundamentais do nosso património discográfico/musical como "Por Este Rio Acima", "Cavaquinho", "Braguesa", "Flor de la Mar", "Lavrar em Teu Peito" e "Baile no Bosque" nunca teriam sido produzidos.
Não posso, por isso, ficar passivo e calado quando vejo uma entidade suportada com dinheiro públicos amesquinhar (vilmente) a memória de José Afonso e votar ao desprezo a grande música popular portuguesa.
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1 comentário:
Boa pergunta. Mas, se os "responsáveis" da CMA não respondem às cartas que lhe são dirigidas, como avaliar do seu desempenho? O que, de resto, não deve espantar ninguém, conhecendo-se os gostos culturais do PS e seus agentes locais. José Afonso era (é) um cantor incómodo, ainda que seja ciclamente "recuperado" por uma certa "inteligenzia" que necessita de penachos no chapéu. Talvez fosse tempo de passar o Prémio José Afonso para outra Câmara que estivesse à altura deste galardão. Era bom que a CMA se dignasse a responder às cartas que lhe são dirigidas e - se não quer continuar a atribuir o Prémio - que o assuma publicamente. Para sabermos com o que contar.
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